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Sentido e alcance do art. 116, parágrafo único, do CTN, e o FIP

2. O USO DE FIP NA ALIENAÇÃO DE PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA

2.3. Sentido e alcance do art. 116, parágrafo único, do CTN, e o FIP

Em 12 de junho de 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no 2.446, que discute a (in)constitucionalidade do parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional (CTN).

48 ―Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos: (...) VII – quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação‖.

49 ―Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa‖ (...) § 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação‖.

50 ―Art. 72 – Fraude é toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, ou a excluir ou a modificar as suas características essenciais, de modo a reduzir o montante do imposto devido a evitar ou diferir seu pagamento‖.

51 Eurico Marcos Diniz de Santi demonstra que para manter certos padrões de arrecadação, o Fisco insiste em conjugar o ―endurecimento da fiscalização com a flexibilização da legalidade‖ advindo daí uma espécie de

―planejamento tributário às avessas‖, que para o referido autor ―acaba punindo o bom contribuinte ao mesmo tempo que incentiva o contribuinte mal intencionado a buscar novas técnicas para enganar o governo‖. Fisco e contribuintes estão alienados na névoa do sistema, disponível na internet: <http://www.conjur.com.br/2014-mar-20/eurico-santi-fisco-contribuintes-alienados-nevoa-sistema > Acesso em 25.05.2020.

Em que pesem as críticas52, até este momento os Ministros Carmen Lúcia (Relatora), Marco Aurélio, Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes concluíram pela constitucionalidade do dispositivo legal, o que nos leva a crer que a interpretação dada pela RFB às operações realizadas por meio de FIPs não será pacificada por meio desta decisão.

Em termos práticos, para aplicar a norma geral antielisiva, o Fisco federal, por meio do CARF, vem adotando implicitamente critérios construídos a partir da teoria do propósito negocial (derivada do precedente americano Gregory v. Helvering, 1935) para identificar operações supostamente fictícias, desprovidas de substância econômica, e que, portanto, têm como finalidade precípua a ocultação de manifestação de riqueza para não pagar tributos.

Operações fictícias, na visão do Fisco, seriam aquelas desnecessárias para a realização do negócio jurídico. Como exemplo, temos que se determinada reestruturação não é fundamental para a conclusão de uma alienação de participação societária e mesmo assim o contribuinte insiste em proceder conforme a sua vontade, caso dessa operação decorra alguma vantagem fiscal, o Fisco presume que houve má-fé, limita a eficácia dessa operação específica e exige os tributos como se ela não tivesse existido.

A apriorística visão do Fisco, ao nosso sentir, muitas das vezes:

a) limita-se a um exame da capacidade contributiva dos contribuintes;

b) afasta-se dos princípios da segurança jurídica e legalidade tributária;

c) desconsidera quaisquer razões extrafiscais que porventura autorizariam a realização daquela operação;

d) atribui à possível economia de tributos a natureza de autêntico ilícito, e;

e) obsta assim a realização de legítimos planejamentos tributários53.

52 Hamilton Dias de Souza e Hugo Funaro elucidam: ―é nesse ponto que reside o principal vício de inconstitucionalidade da norma impugnada na ADI: a falta de densidade normativa. Conforme escrevemos em outra oportunidade, ao atribuir competência à lei ordinária para disciplinar os "procedimentos" (critérios materiais e formais) necessários à desconsideração de atos e negócios jurídicos, o parágrafo único do artigo 116 do CTN descumpriu a sua função constitucional de estabelecer normas gerais em matéria de obrigação tributária (CF, artigo 146, III, "b")‖. ADI 2446: artigo 116, parágrafo único, do CTN é inconstitucional, disponível na internet: <https://www.conjur.com.br/2020-jun-18/souza-funaro-consideracoes-adi-2446> Acesso em 24.09.2020.

53 A esse respeito, vem a calhar a opinião de Misabel Abreu Machado Derzi: ―O planejamento empresarial, como redução dos custos da atividade econômica, é direito do contribuinte, que não pode ser reduzido por interpretações analógicas e presunções, não previstas em lei. A arbitrariedade, que nessas circunstâncias se instala, é que desiguala injustamente os contribuintes e projeta insegurança, em campo que a Constituição, sabiamente, cercou de certeza e previsibilidade‖. O Princípio da Preservação das Empresas e o Direito à

Como por definição tributo é uma prestação pecuniária (art. 3° do CTN), parece-nos que as autoridades fiscais desprezam as demais formas em que o particular pode colaborar com o Poder Público para o atingimento do bem comum.

Ocorre que o direito do Fisco invocar a capacidade contributiva não é absoluto, pois, como vimos, na mesma medida em que a sociedade exige maior colaboração daqueles que manifestam mais disponibilidade, ela confia que o próprio particular pode utilizar tais recursos para auxiliar o Estado no atingimento do bem-comum e, como forma de incentivá-lo, permite que certos investimentos se submetam a critérios mais favoráveis de tributação.

A responsabilidade pela demonstração dos pressupostos de aplicação da norma geral antielisiva é do Fisco54, de modo que, ao ter um negócio questionado, o operador do direito deve envidar esforços para perscrutar os critérios utilizados e as provas produzidas, com vistas a justificar os motivos (pré-existentes e relevantes) e as finalidades (extratributárias) que fomentaram a escolha, o planejamento, de realizar o negócio jurídico por determinada forma.

Especificamente em relação ao uso de FIPs na alienação de participação societária, os critérios de escolha costumam estar relacionados à adoção de padrões mais elevados de transparência, que implicam em maior segurança para a preservação do patrimônio, e as provas produzidas devem registrar todo o fluxo dos recursos, desde o ingresso no fundo até a destinação dada pelo gestor e, sempre que possível, apresentar pareceres técnicos, bem como manter relatórios atualizados que informem detalhadamente sobre os novos investimentos realizados e seus desempenhos, pois, ainda que essas não sejam exigências legais, são manifestações concretas de boa-fé e dão maior segurança jurídica aos atos praticados.

Economia de Imposto, in Grandes Questões Atuais do Direito Tributário, 10. ed., São Paulo: Dialética, 2006, p.

355.

54 "[...] a sistemática do CTN como um todo exige, no caso específico, um duplo ônus da prova a cargo do fisco:

a) provar a ocorrência do fato gerador; e b) provar que a finalidade do ato ou negócio jurídico foi dissimulá-lo.

Sem esta dupla prova é inaplicável a desconsideração‖. GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Tributário.

Dialética, São Paulo, 3ª ed., p. 550, 2011.

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