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3. Revisão bibliográfica

3.5. Classificação molecular dos tumores mamários

3.5.1. Metodologias utilizadas na classificação molecular

3.5.1.6. Sequenciamento paralelo massivo

O sequenciamento paralelo massivo, também designado de sequenciamento de próxima geração (NGS - next-generation sequencing), tem um enorme potencial para a investigação oncobiológica e biomédica, proporcionando uma evolução significativa no diagnóstico preciso de TM, devido à sua elevada sensibilidade na análise do genoma, epigenoma e transcriptoma (Shendure & Ji, 2008; Ansorge, 2009; Baird & Caldas, 2013; De Abreu et al., 2014). Baseia-se na amplificação clonal in vitro e na sequenciação simultânea de um modo paralelo em grande escala de fragmentos de ADN através da adição de nucleótidos complementares; sem ser necessário o trabalho intensivo laboratorial convencional de clonagem do ADN em bactérias, a determinação da sequência com recurso a didesoxinucleótidos (ddNTP) e a separação física de fragmentos em géis (Shendure & Ji, 2008; Anderson & Schrijver, 2010; Sabatier et al., 2014).

Esta técnica permite o estudo detalhado de todo o genoma, incluindo a avaliação de polimorfismos de nucleótido único, mutações pontuais, inserções, deleções, alterações no número de cópias (ganhos ou perdas), variações estruturais (p.ex. translocações e inversões), padrões de metilação do ADN, expressão de ARN e splicing alternativo (Ansorge, 2009). Pode ser aplicada na identificação de alterações oncobiológicas a nível molecular, contribuindo para

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a expansão do conhecimento (1) das vias de sinalização celular, (2) dos mecanismos subjacentes das resistências terapêuticas, (3) das mutações e (4) dos genes associados a cada um dos diferentes subtipos moleculares de TM (De Abreu et al., 2013). Assim, os projetos de pesquisa relacionados com o Atlas do Genoma do Cancro (TCGA – The Cancer Genome Atlas), o Consórcio Internacional do Genoma do Cancro (ICGC – International Cancer Genome

Consortium) e o Consórcio Internacional de Taxonomia Molecular do Cancro de Mama

(METABRIC – MolEcular Taxonomy of Breast Cancer International Consortium) têm recorrido frequentemente a esta recente tecnologia para catalogar de forma abrangente as anormalidades genómicas, transcriptómicas e epigenómicas dos TM (Vollan & Caldas, 2011; Curtis et al., 2012; Baird & Caldas, 2013; Yersal & Barutca, 2014). Esta catalogação ou estratificação é de extrema relevância para uma melhor compreensão do comportamento clínico dos diferentes TM e para o aperfeiçoamento de uma classificação molecular robusta do cancro de mama com real utilidade na rotina oncológica. Além disso, permite a identificação de novos biomarcadores envolvidos na oncogénese mamária que podem ser gradualmente incorporados em ensaios clínicos, contribuindo, assim, para o desenvolvimento de terapêuticas mais eficazes, visando as mutações genéticas existentes que impulsionam o comportamento do tumor, e com menos efeitos secundários devido ao seu metabolismo ser também determinado pelo perfil genético de cada paciente (Collins, 2010; De Abreu et al., 2014).

Atualmente, existem várias plataformas de sequenciamento de segunda geração amplamente disponíveis no mercado, como a “454” da Roche, a “Ilumina sequencing” da Ilumina, a “SOLiD

System” da Aplied Biosystems e a “Ion Torrent” da Life Technologies. Cada uma destas

plataformas é capaz de gerar informação sobre milhões de pares de bases (pb) numa única experiência a um reduzido custo relativo (Shendure & Ji, 2008; Ansorge, 2009).

A primeira a ser introduzida no mercado (em 2004) foi a “454”, sendo ainda hoje uma das mais utilizadas. Nesta plataforma, o ADN é fragmentado aleatoriamente (em sequências de 300 a 800 pb) e os respetivos fragmentos são ligados a adaptadores de sequência específica nas suas extremidades (3’ e 5’) e, posteriormente, a microesferas magnéticas por meio de emparelhamento com sequências curtas complementares, presentes nas superfícies destas (apenas um único tipo de fragmento se liga a cada microesfera) (Shendure & Ji, 2008; Mardis, 2008a). As microesferas são então capturadas individualmente em gotículas oleosas, onde ocorre a PCR em emulsão, produzindo-se milhões de cópias de cada fragmento. Por fim, estas microesferas são apreendidas em poços individuais paralelos no microssuporte de sequenciamento, são fornecidos os reagentes para a reação de pirosequenciamento e procede- se à identificação do sinal de luz emitido após a adição de cada base incorporada. O

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sequenciamento é, assim, realizado em ciclos, sendo que a cada ciclo, um determinado tipo de nucleótido é adicionado à reação (Mardis 2008a, 2008b).

O método utilizado pela “Ion Torrent” é muito semelhante ao da “454”, mas a incorporação de novos nucleótidos no decorrer da síntese de ADN é acompanhada pela deteção da alteração de pH que ocorre com a libertação de iões de hidrogénio aquando da incorporação dos nucleótidos. Este sistema, ao contrário das restantes plataformas, não utiliza detetores óticos, fluorescência ou quimiluminescência, pelo que reduz drasticamente o custo de sequenciação (Shendure & Ji, 2008).

A plataforma “Ilumina sequencing” tem, igualmente, como princípios a fragmentação aleatória do ADN e a ligação de adaptadores em ambas as extremidades dos respetivos fragmentos. Contudo, estes últimos são fixos a um suporte sólido de sequenciamento por hibridização e não a microesferas (Figura 12). De seguida, é realizado um primeiro ciclo de amplificação por PCR em fase sólida, no qual o adaptador da extremidade livre do fragmento aderido ao suporte hibridiza com o oligonucleótido complementar no suporte, formando uma estrutura em ponte. São fornecidos os reagentes necessários, incluindo nucleótidos não marcados, originando a síntese das sequências complementares dos fragmentos imobilizados. Depois ocorre uma etapa de desnaturação, desfazendo a “ponte” mediante elevação da temperatura. Repete-se a etapa anterior, formando novas estruturas em ponte e iniciando um novo ciclo de amplificação. Após uma série de ciclos, incorporam-se nucleótidos marcados (com fluorocromos) e procede-se à estimulação por laser, gerando-se sinais que são captados por um dispositivo de leitura e interpretados de forma sequencial, permitindo a deteção da completa sequência presente (Shendure & Ji, 2008; Kircher & Kelso, 2010).

O método da “SOLiD System” também recorre à fragmentação aleatória do ADN, à aplicação de adaptadores nos fragmentos e à execução de PCR em emulsão através de microesferas magnéticas. No entanto, a reação de sequenciamento é catalisada pela ADN ligase, em vez da ADN polimerase, e as microesferas são ligadas covalentemente a lâminas de vidro com substâncias próprias. Nesta técnica, são utilizados um primer de sequenciação, para proporcionar um substrato de fosfato 5’ para a ligase de ADN, e uma mistura de sondas fluorescentes com 4 cores distintas (correspondem a 4 das 16 sequências de dois nucleótidos possíveis; as últimas seis posições da sonda são degeneradas), que irão competir na hibridização ao respetivo fragmento e na ligação ao primer. O sinal de fluorescência é lido e parte da sonda é clivada, deixando os dois nucleótidos iniciais, 3 posições degeneradas e um grupo fosfato livre, para permitir a reação de ligação subsequente. Inicia-se um novo ciclo de hibridização e assim sucessivamente, até que todo o fragmento fique hibridizado (25 a 75 pb) (Mardis, 2008b; Anderson & Schrijver, 2010; Kircher & Kelso, 2010). Depois, as múltiplas ligações são

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removidas por desnaturação e uma nova etapa de sequenciamento é iniciada com um primer que tem as n bases da primeira etapa menos uma (n-1). Os ciclos de hibridização são repetidos, fornecendo informação de outras bases da sequência alvo. Novas etapas de sequenciamento são realizadas com o primer n-2, n-3 e n-4, respetivamente, para que a sequência completa dos fragmentos seja determinada. Este processo realiza uma dupla leitura de cada base no decorrer dos vários ciclos, o que aumenta a precisão dos seus resultados, tornando muito eficiente a deteção de SNP (Mardis, 2008a; Anderson & Schrijver, 2010).

O sequenciamento de próxima geração revela maior rapidez, menores custos relativos, menor esforço relativo na sua produção e melhor capacidade de deteção da expressão genética em grande escala do que as técnicas de microarrays de ADNc e de sequenciamento de ADN convencionais (Ledford, 2008; Shendure & Ji, 2008). No entanto, ainda apresenta uma série de desafios importantes no que diz respeito ao desenvolvimento de bibliotecas de armazenamento da informação gerada, à programação informática de novas abordagens eficazes para a interpretação da grande quantidade de dados produzidos (que ajudem a extrair perceções úteis a nível biológico e clínico), à discriminação das mutações que realmente contribuem para a oncogénese (designadas de “mutações motorista”) e aos problemas técnicos em termos de disponibilidade de tecido tumoral, interferência do estroma e reprodutibilidade dos resultados laboratoriais, bem como questões éticas (Shendure & Ji, 2008; Anderson & Schrijver, 2010; Vollan & Caldas, 2011; Baird & Caldas, 2013; Yersal & Barutca, 2014). Apesar desses desafios, prevê-se que o aperfeiçoamento das recentes tecnologias de sequenciamento e a diminuição progressiva dos seus custos catalise uma nova era de medicina personalizada com base na análise genómica de cada paciente (Anderson & Schrijver, 2010; Vollan & Caldas, 2011). Será necessário, eventualmente, aguardar muito mais tempo, mas essa nova era irá surgir, inclusivamente, em Medicina Veterinária, tornando possível o diagnóstico rápido e eficaz de doenças oncológicas felinas, mesmo antes destas se manifestarem, e a aplicação de terapêuticas dirigidas ao perfil genético de cada animal.

Figura 12 – Métodos de amplificação utilizados no sequenciamento de próxima geração (extraído de Shendure & Ji, 2008).

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