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Serviços públicos de utilização singular e a responsabilidade subsidiária do Estado

No âmbito da Administração Pública, os serviços públicos têm vários critérios de classificação. Neste item será abordado a classificação quanto aos destinatários dos serviços. Para tanto, é de suma importância mencionar primeiramente a classificação dos serviços públicos em próprios e impróprios. Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2017, p. 185), “serviços públicos próprios são aqueles que, atendendo as necessidades coletivas, o Estado assume como seus e os executa diretamente (por meio de seus agentes) ou indiretamente (por meio de concessionários e permissionários)”. Logo, os serviços públicos próprios são de titularidade exclusiva do Estado e estão previstos constitucionalmente como sua incumbência, como por exemplo os serviços públicos de segurança, saúde e saneamento básico. Além disso, diante da supremacia da Administração Pública, a prestação do serviço público próprio não pode ser delegado, sendo executado por entidades e órgãos públicos, com algumas exceções, como é o caso da delegação dos serviços notariais e de registro, prevista no artigo 236, da Constituição Federal. Ainda, complementa Hely Lopes Meirelles (2016, p. 421) que “tais

serviços, por sua essencialidade, geralmente são gratuitos ou de baixa remuneração, para que fiquem ao alcance de todos os membros da coletividade”.

Quanto aos serviços públicos impróprios, afirma Di Pietro (2017, p. 185) que “embora atendendo também a necessidades coletivas, como os anteriores, não são assumidos nem executados pelo Estado, seja direta ou indiretamente, mas apenas por ele autorizados, regulamentados e fiscalizados”. Desta maneira, os serviços públicos impróprios são serviços de utilidade pública, que atendem aos interesses comuns de seus membros, mas que são prestados por particulares, mediante autorização do Estado, regulamentados e fiscalizados por este, uma vez que não são serviços considerados essenciais.

A outra classificação reside nos destinatários do serviço, pois é a partir desse critério que os serviços públicos podem ser divididos em uti singuli ou uti universi. Outrossim, tal classificação é fator importante para verificar a incidência ou não do Código de Defesa do Consumidor aos serviços públicos prestados pelo Estado.

Os serviços de utilização singular, ou uti singuli, são serviços que atendem a usuários individuais, possíveis de serem determinados e que são remunerados por taxas ou tarifas. Para Di Pietro (2017, p. 187) “são aqueles que têm por finalidade a satisfação individual e direta das necessidades dos cidadãos”. Corroborando com a afirmação, José dos Santos Carvalho Filho (2011, p. 257), explana que os serviços singulares “preordenam-se a destinatários individualizados, sendo mensurável a utilização por cada um dos indivíduos. Ainda, para Meirelles (2016, p. 424), os serviços uti singuli “são sempre serviços de utilização individual, facultativa e mensurável, pelo quê devem ser remunerados por taxa (tributo) ou tarifa (preço público), e não por imposto”. Além disso, os serviços de utilização singular garantem ao usuário um direito subjetivo próprio para sua obtenção a todos os administrados que estão na área de alcance do fornecimento desse serviço. Nesse sentido, afirma Carvalho Filho (2020, p. 257):

[...] Os serviços singulares, ao revés, criam direito subjetivo quando o indivíduo se mostra em condições técnicas de recebê-los. Se o serviço é prestado a outro que esteja na mesma situação jurídica, pode o interessado pleitear que a prestação também o alcance. A não ser assim, vulnerado estaria o princípio da impessoalidade (art. 37, CF). Ocorrendo a vulneração, poderá o prejudicado recorrer à via judicial para reconhecimento de seu direito.

São exemplos de serviços de utilização singular o fornecimento de água, a coleta de esgoto, o fornecimento de energia elétrica, gás canalizado e transporte público. Os serviços notariais e de registro também podem ser enquadrados como exemplos de serviços uti singuli,

entretanto possuem algumas peculiaridades, em razão das divergências nos entendimentos pelos Tribunais Superiores. Contudo, neste trabalho, os serviços notariais e de registro serão apresentados sob a forma de serviços uti universi.

Quanto à remuneração dos serviços públicos uti singuli, estes estão sujeitos a cobrança mediante taxas ou tarifas.

A taxa, conforme explica Thiago Mondo Zappelini (2020, p. 01), “como um tributo, sempre pressupõe a existência de uma atividade pública, ou seja, que tenha iniciativa do Poder Público”. Tal tributo está previsto no artigo 145, inciso II da Constituição Federal, in verbis:

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição; (BRASIL, 1988)

Nesse sentido, a taxa pode ser relativa ao exercício do poder de polícia ou, no caso em comento, da prestação de serviço público, específico e divisível prestado diretamente pelo Poder Público. Nota-se que a menção de serviço público específico e divisível enquadra-se dentro das características do serviço público uti singuli. Complementa Zappelini (2020, p. 01) ao dizer que “a taxa apenas é exigida daquela pessoa que se beneficiar de um serviço público específico e divisível”. Como exemplos para a remuneração do serviço através de taxa, temos a taxa de coleta de lixo, a taxa de coleta de esgoto, taxa judiciária e os emolumentos pagos a um cartório. Desta forma, nota-se que a taxa tem um caráter de contraprestação de um serviço público prestado que irá beneficiar o contribuinte. Para Gleiton Reis dos Santos (2020, p. 01)

[...] O fato gerador da taxa não é um fato do contribuinte, mas um fato do Estado. O Estado exerce determinada atividade e, por isso, cobra a taxa da pessoa a quem aproveita ou utiliza daquela atividade. A taxa possui um caráter contra prestar, ou seja contra-prestação, pois existe nela um benefício ou vantagem para o contribuinte. As taxa de serviços tem por fato gerador uma atuação estatal consistente na execução de um serviço público, específico e divisível, efetivamente prestado ou posto a disposição do Contribuinte, (art. 145, II, da CF).

Cumpre destacar que, para Bolzan (2014, p. 127), a taxa, que é uma espécie de tributo, possui algumas características essenciais, sendo uma delas a prestação pecuniária, devida de forma unilateral e obrigatória ao Estado; outra característica é quanto a cobrança mediante atividade administrativa vinculada, ou seja, uma vez que os elementos constitutivos estejam vinculados à lei, a taxa deverá ser exigida. Conclui-se, portanto, que o pagamento da taxa não decorre de um caráter facultativo do usuário do serviço.

A tarifa, por sua vez, é espécie de preço público e “se vale da terminologia para conceituar o preço cobrado pelas empresas concessionárias e permissionárias dos serviços públicos (BOLZAN, 2014, p. 128). Encontra respaldo legal no artigo 175, parágrafo único, inciso III, da Constituição Federal, que segue:

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. [...]

Parágrafo único. A lei disporá sobre: [...]

III - política tarifária; (BRASIL, 1988)

Outrossim, a tarifa ou preço público possui algumas características próprias para defini- la. Segundo Bolzan (2014, p. 128), a primeira característica é a ausência de compulsoriedade, de modo que o Estado não se vale do seu poder soberano em relação aos particulares, mas atua a partir da exploração de seus bens ou da prestação de determinados serviços públicos para obter a receita; em seguida, a segunda característica do preço público é quanto a natureza negocial, onde a obrigação de pagar tem natureza contratual e fica a cargo do interessado escolher fazê-la, de maneira que não há uma imposição na cobrança.

Nota-se que a taxa e a tarifa, embora pertençam ao tipo de remuneração dado aos serviços públicos uti singuli, possuem algumas particularidades que as diferenciam. Portanto, para enquadrá-las dentro do âmbito do direito consumeirista deve ser respeitado um requisito em especial, que é a voluntariedade da prestação pecuniária do serviço adquirido. Bolzan (2014, p. 129) sintetiza o exposto ao afirmar que:

[...] por mais que defendamos a incidência do CDC para o serviço público uti singuli, tal aplicação não recairá sobre todos os serviços individualizados, mas somente sobre aqueles cuja contraprestação pecuniária seja por meio de tarifa, quer em razão de se tratar de uma remuneração facultativa, quer em razão da natureza contratual em que imperam a manifestação da vontade e a possibilidade da interrupção deste contrato a qualquer tempo pelo consumidor-usuário (grifo do autor).

Tendo em vista a aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos serviços públicos de utilização singular que são remunerados por meio de tarifa e que são prestados através de concessionárias e permissionárias dos serviços públicos, resta compreender agora como a responsabilidade civil recai sobre o Estado quando da má prestação dos serviços uti singuli. Para tanto, é necessário abordar brevemente sobre a prestação de serviços por intermédio das concessionárias e permissionárias.

A concessão do serviço, conforme expõe Meirelles (2016, p. 485) é aquele concedido contratualmente pelo Poder Público a um particular, o qual executará o serviço em seu nome, por sua conta e risco, tendo a tarifa como meio de remuneração. Desta forma, conforme o autor mencionado, a concessão apenas delega a execução de um serviço a um particular, mas não transfere propriedade alguma ao concessionário. Ainda, “nas relações com o público o concessionário fica adstrito à observância do regulamento e do contrato, que podem estabelecer direitos e deveres também para os usuários, além dos já estabelecidos em lei” (MEIRELLES, 2016, p. 487).

Os serviços permitidos, no entendimento de Meirelles (2016, p. 505) são aqueles que, através de contrato, são delegados por ato do Poder Público a um particular, o qual, em que pese execute o serviço em seu nome, por conta e risco, observa os requisitos e condições preestabelecidos pela Administração Pública, a qual poderá intervir a qualquer momento quando observado que o serviço não está sendo prestado adequadamente aos usuários ou haja descumprimento contratual. Cumpre destacar que, embora os serviços permitidos sejam “praticados por delegação do Poder Público e sob sua fiscalização, por eles respondem os próprios permissionários, mas, subsequentemente, poderá ser responsabilizada a Administração permitente, por culpa na escolha ou na fiscalização do executor do serviço.” (MEIRELLES, 2016, p. 506).

A partir dessa rápida abordagem, será analisada a responsabilidade civil que recai sobre o Estado-fornecedor na prestação dos serviços uti singuli.

Conforme estudado anteriormente, sabe-se que no âmbito do direito do consumidor, por força dos artigos 14 e 22 do Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade que incide nos casos de fato ou vício do serviço, de regra, se dá de forma objetiva, ou seja, independe da comprovação de culpa e determina a reparação do dano causado. Desta maneira, partindo do pressuposto que são aplicados os direitos e deveres do Código de Defesa do Consumidor aos serviços de utilização singular em que a remuneração se dá por meio de tarifa, entende-se que, em havendo fato ou vício no serviço, a responsabilidade também será objetiva, sem se olvidar, outrossim, da responsabilidade estabelecida no artigo 36, § 7º, da Constituição Federal.

Nesse sentido, resta estabelecer em que medida o Estado é responsável pelos danos causados aos seus consumidores de serviços públicos quando, nestes casos, eles são prestados através de delegatários de serviços públicos, ou seja, pelas concessionárias e permissionárias.

A doutrina possui duas linhas de entendimento. A minoritária entende que pelos danos causados pelos delegatários de serviços ao usuário, há responsabilidade estatal de forma solidária, pois os artigos 7º, parágrafo único, e 25, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor,

segundo Novais (2019, p. 320), “impõe o dever de solidariedade entre todos os integrantes da cadeia econômica que, de alguma forma, contribuíram para a colocação do produto ou do serviço no mercado”.

Contudo, para Carvalho Filho (2011, p. 436), “o Poder Público não é, repita-se, o segurador universal de todos os danos causados aos administrados”, dando abertura a entendimento que segue outro caminho, o qual é majoritário. Segundo este entendimento, a responsabilidade do Estado-fornecedor será subsidiária “quando sua configuração depender da circunstância de o responsável primário não ter condições de reparar o dano por ele causado.” (CARVALHO FILHO, 2011, p. 435). Isto é, quando as pessoas prestadoras de serviço público, como é o caso das concessionárias e permissionárias, estiverem vinculadas ao Estado, a sua responsabilidade será primária, deixando ao ente estatal a responsabilidade subsidiária, conforme expõe Carvalho Filho (2011, p. 436):

[...] a responsabilidade primária deve ser atribuída à pessoa jurídica a que pertence o agente autor do dano. Mas, embora não se possa atribuir responsabilidade direta ao Estado, o certo é que também não será lícito eximi-lo inteiramente das consequências do ato lesivo. Sua responsabilidade, porém, será subsidiária, ou seja, somente nascerá quando o responsável primário não mais tiver forças para cumprir a sua obrigação de reparar o dano (grifo nosso).

O autor supramencionado também comenta sobre a importância de verificar a conduta da Administração Pública, de modo que se o Poder Público concorreu com a pessoa responsável para ocasionar o resultado danoso, por certo que a responsabilidade será solidária. Entretanto, em havendo culpa exclusiva do prestador do serviço “a ela deve ser imputada a responsabilidade primária e ao Poder Público a responsabilidade subsidiária.” (CARVALHO FILHO, 2011, p. 436).

Para melhor compreensão do exposto até então, serão analisadas duas jurisprudências relacionadas ao tema de serviços públicos de utilização singular e a responsabilidade correspondente, além do tipo de remuneração, o que implica na incidência do Código de Defesa do Consumidor à relação de consumo. No caso a seguir, trata-se de serviço público de energia elétrica :

ADMINISTRATIVO – SERVIÇO PÚBLICO – ENERGIA ELÉTRICA – TARIFAÇÃO – COBRANÇA POR FATOR DE DEMANDA DE POTÊNCIA – LEGITIMIDADE.1. Os serviços públicos impróprios ou UTI SINGULI prestados por órgãos da administração pública indireta ou, modernamente, por delegação a concessionários, como previsto na CF (art. 175), são remunerados por tarifa, sendo aplicáveis aos respectivos contratos o Código de Defesa do Consumidor.2. A prestação de serviço de energia elétrica é tarifado a partir de um binômio entre a demanda de potência disponibilizada e a energia efetivamente medida e consumida,

conforme o Decreto 62.724/68 e Portaria DNAAE 466, de 12/11/1997.3. A continuidade do serviço fornecido ou colocado à disposição do consumidor mediante altos custos e investimentos e, ainda, a responsabilidade objetiva por parte do concessionário, sem a efetiva contraposição do consumidor, quebra o princípio da igualdade das partes e ocasiona o enriquecimento sem causa, repudiado pelo Direito.4. Recurso especial improvido. (Recurso Especial Nº 609.332 SC 2003/0208800-8.) (STJ, 2005, grifo nosso)

Conforme exposto, nota-se que o entendimento do Tribunal Superior de Justiça (STJ) quanto aos serviços públicos uti singuli prestados por concessionárias – isto é, um serviço público próprio, mas prestado indiretamente –, são remunerados através de tarifa, razão pela qual incide a norma consumeirista aos contratos firmados com os usuários. Ainda, nesse mesmo seguimento é o entendimento da jurisprudência a seguir:

ADMINISTRATIVO. SERVIÇO DE FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. PAGAMENTO À EMPRESA CONCESSIONÁRIA SOB A MODALIDADE DE TARIFA. CORTE POR FALTA DE PAGAMENTO: LEGALIDADE. 1. Os serviços públicos podem ser próprios e gerais, sem possibilidade de identificação dos destinatários. São financiados pelos tributos e prestados pelo próprio Estado, tais como segurança pública, saúde, educação, etc. Podem ser também impróprios e individuais, com destinatários determinados ou determináveis. Neste caso, têm uso específico e mensurável, tais como os serviços de telefone, água e energia elétrica. 2. Os serviços públicos impróprios podem ser prestados por órgãos da administração pública indireta ou, modernamente, por delegação, como previsto na CF (art. 175). São regulados pela Lei 8.987/95, que dispõe sobre a concessão e permissão dos serviços públicos. 3. Os serviços prestados por concessionárias são remunerados por tarifa, sendo facultativa a sua utilização, que é regida pelo CDC, o que a diferencia da taxa, esta, remuneração do serviço público próprio. 4. Os serviços públicos essenciais, remunerados por tarifa, porque prestados por concessionárias do serviço, podem sofrer interrupção quando há inadimplência, como previsto no art. 6º, § 3º, II, da Lei 8.987/95, exige-se, entretanto, que a interrupção seja antecedida por aviso, existindo na Lei 9.427/96, que criou a ANEEL, idêntica previsão. 5. A continuidade do serviço, sem o efetivo pagamento, quebra o princípio da igualdade das partes e ocasiona o enriquecimento sem causa, repudiado pelo Direito (arts. 42 e 71 do CDC, em interpretação conjunta). 6. Recurso especial improvido. (Recurso Especial Nº 705.203 SP 2004/0166429-5) (STJ, 2005, grifo nosso)

Quanto à responsabilidade dos entes estatais, na seguinte jurisprudência nota-se um caso de responsabilidade subsidiária do Estado, visto que os seguranças que agrediram a parte autora estavam a serviço de uma empresa concessionária. Assim, conforme os julgadores, o Estado responde de forma objetiva por eventuais danos; entretanto, na hipótese da empresa concessionária for incapaz de adimplir com essa indenização, o Estado responde de forma subsidiária:

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ALEGAÇÃO DE AGRESSÕES FÍSICAS E VERBAIS POR SEGURANÇAS DA ESTAÇÃO RODOVIÁRIA DE PORTO ALEGRE. AUSÊNCIA DE PROVA DOS FATOS

CONSTITUTIVOS. NÃO CONFIGURAÇÃO DO DEVER DE INDENIZAR. Hipótese dos autos em que a parte autora afirma ter sofrido agressões físicas dentro de um dos banheiros da Estação Rodoviária de Porto Alegre, perpetradas por dois seguranças do local, postulando a condenação dos demandados – empresa concessionária e Estado do RS – ao pagamento de indenização por danos morais. A responsabilidade do Estado e das empresas prestadoras de serviços públicos em reparar os prejuízos sofridos pelos usuários é objetiva, prescindo da prova de culpa pelo evento ocorrido, por força do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal. Ainda, tratando-se de pretensão indenizatória embasada em alegado fato do serviço, a responsabilidade do fornecedor perante o consumidor é objetiva, nos termos do art. 14 do CDC. O Estado, na condição de concedente do serviço público, responde objetivamente por eventuais danos causados, seja de ordem moral ou material, porque incide a teoria do risco objetivo da Administração. Responsabilidade subsidiária do Estado, ou seja, na hipótese de incapacidade material do concessionário em adimplir eventual indenização. Elementos probatórios dos autos que não se mostram suficientes para comprovar os fatos constitutivos do direito reclamado, notadamente a efetiva ocorrência de agressão física e verbal por parte dos seguranças da rodoviária contra a pessoa do autor. Prova testemunhal que indica ter havido denúncia de prática de atos libidinosos no banheiro da rodoviária, ocasião em que o autor foi retirado do local pelos seguranças, reagindo à abordagem. Sentença de improcedência mantida. RECURSO DESPROVIDO.(Apelação Cível, Nº 70082632134) (RIO GRANDE DO SUL, 2019, grifo nosso)

No caso em comento, o recurso foi desprovido e o Estado, bem como a concessionária, não foram responsabilizados, pois as provas trazidas nos autos não sustentaram o alegado na inicial e, embora a responsabilidade do ente público seja objetiva e independa da configuração de culpa, conforme o entendimento do relator, permanece hígido o ônus da parte demandante de comprovar os fatos constitutivos do direito alegado.

Outrossim, é indispensável comentar que a aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos serviços públicos prestados diretamente pelo Estado ou através de seus delegatários é pauta de diversas discussões e entendimentos diferenciados por parte da doutrina. Em vista disso, no dia 22 de junho de 2018, entrou em vigor a Lei nº13.460/2017, denominada Lei de Defesa do Usuário do Serviço Público ou Código de Defesa do Usuário do Serviço Público, a qual tem por objetivo dispor sobre a participação, proteção e defesa dos direitos do usuário dos serviços públicos da administração pública. Tal diploma legal regulamenta artigos da constituição que se referem à prestação de serviços públicos, tais como os artigos 37 e 175 da Constituição Federal, os quais são estudados no presente trabalho.

A Lei nº 13.460/2017, contudo, não afasta a incidência de outras normas reguladoras específicas que tratem sobre serviços públicos, tampouco a aplicação da Lei nº 8.078/90 (CDC) quando restar caracterizada uma relação de consumo. É o que prevê o artigo 1º, § 2º, incisos I e II, da Lei de Defesa do Usuário do Serviço Público, in verbis:

Art. 1º Esta Lei estabelece normas básicas para participação, proteção e defesa dos direitos do usuário dos serviços públicos prestados direta ou indiretamente pela administração pública.

§ 2º A aplicação desta Lei não afasta a necessidade de cumprimento do disposto: I - em normas regulamentadoras específicas, quando se tratar de serviço ou atividade sujeitos a regulação ou supervisão; e

II - na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, quando caracterizada relação de consumo. (BRASIL, 2017, grifo nosso)

Dessa forma, conforme assegura Rafael Carvalho Rezende Oliveira (2020, p. 03), “a norma demonstra que alguns serviços públicos não caracterizam relação de consumo, mas não coloca fim na polêmica em torno da amplitude da aplicação das normas consumeristas aos serviços públicos”. Isto porque, segundo o autor em questão, sobre o tema existem três

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