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SIGETs e os aportes teóricos dos Letramentos Acadêmicos

Em todos os SIGETs aqui considerados, os aportes teóricos para as pesquisas em relação aos gêneros da esfera acadêmica e às atividades de escrita de gêneros acadêmicos ou não em disciplinas acadêmicas de produção textual se mantiveram principalmente sob as perspectivas das quatro escolas de estudos sobre gêneros: Escola de Sydney, Escola Suíça, Escola Americana ou Nova Retórica e Escola Britânica de ESP. Em 2011, o VI SIGET, pela primeira vez, teve como foco a interface entre gêneros textuais/discursivos e letramento, e uma das linhas de estudo seguiram relacionando “gênero textual/discursivo e letramento”. Com isso, passamos a encontrar um número maior de resumos com referências a aportes teóricos vindos dos Estudos do Letramento e dos Novos Estudos do Letramento (STREET, 1984; HEALTH, 1983; GEE, 2008a, 2008b, 2008c; STREET, 2001, 2003a, 2006) e, também, dos “Letramentos Acadêmicos”, com,

pelo menos, três21 artigos publicados com referências a autores ingleses integrantes do

quadro teórico dos Letramentos Acadêmicos, como Lea (1999), Lea & Street (2006; 1998), Lillis (2003, 2001,1999), Street (2010, 2009a, 2003) e a autores brasileiros que, em 2011, já

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Os artigos são: MARINHO, Marinho. “As palavras difíceis chegaram”: a entrada de grupos tradicionais no universo da escrita acadêmica; FEITOZA, Eliane O. Os conflitos que emergem da escrita de resenha crítica no âmbito universitário; PASQUOTTE-VIEIRA, Eliane A. Pesquisas sobre letramento no Brasil: aproximações reflexivas sobre o tema. Acesso em 27/08/2013: <http://www.cchla.ufrn.br/visiget/>

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possuíam publicações com essas referências bibliográficas, como Marinho (2010 e 2004) e Fischer (2008).

Anteriormente a isso, em 2007, no IV SIGET, encontramos um artigo publicado por Mary Lea e Brian Street nos anais, sobre propostas teóricas e aplicadas para um ensino de escrita na universidade a partir de um enquadramento teórico com base nos Letramentos Acadêmicos. Durante o evento, o painel intitulado “Exploring Notions of Genre in “Academic Literacies” and ‘Writing Across the Curriculum’: Approaches Across Countries and Contexts” foi coordenado pela Prof. Dra. Mary R. Lea (OPEN University – UK) e reuniu, para os debates, Jan Parker (OPEN University – UK), Brian Street (King’s College – London – UK) e Tiane Donahue (University of Maine-Farmington-US and Université de Lille-FR). Tratou-se de um painel relacionando as semelhanças e diferenças entre duas abordagens para o ensino e aprendizagem da escrita acadêmica/dos gêneros acadêmicos: a da Escrita através do Currículo/das Disciplinas (“Writing Across the Curriculum” ou WAC) e a dos “Letramentos Acadêmicos” (“Academic Literacies” ou “Aclits”). Esse painel resultou em um artigo22 publicado em 2009 como capítulo de livro com título homônimo e incluindo David R. Russel entre os autores.

A pesquisadora britânica Mary Lea também fez parte da mesa-redonda “Gênero textual-discursivo e ensino: um balanço crítico” e apresentou o trabalho intitulado “New directions in academic literacies research: what might these contribute to discussions around genre?”. Com base em estudos de Ivanic (1998), Lea & Street (1998) e Lillis (2001), discutiu como as pesquisas sobre letramentos acadêmicos têm mostrado as diferentes maneiras de professores universitários e alunos compreenderem o que está envolvido na escrita em contexto de Educação Superior. São pesquisas que questionam tanto a visão cognitivista baseada em habilidades sobre a escrita de alunos, quanto os modelos de letramento que se concentram fundamentalmente na socialização dentro das disciplinas. A autora também abordou o fato de as exigências de escrita variarem conforme as distintas disciplinas, o nível do departamento, o programa e o curso, assim como em

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RUSSELL, David R.; LEA, Mary; PARKER, Jan; STREET, Brian and DONAHUE, Tiane (2009). Exploring notions of genre in ’academic literacies’ and ’writing across the curriculum’: approaches across countries and contexts. In: Bazerman, Charles; Bonini, Adair and Figueiredo, Débora eds. Genre in a

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relação aos professores envolvidos na tarefa de avaliar os trabalhos dos alunos. A partir disso, a autora questionou se “ao pensarmos na escrita dos alunos, estamos nos voltando para diferenças disciplinares claramente definidas, para requisitos de um departamento em particular, para a forma como um tópico é ensinado e avaliado em um determinado curso,

ou para a perspectiva específica de certo professor?”23

Nos anais desse simpósio de 2007, tivemos, então, a publicação de um artigo de autoria conjunta entre Mary Lea e Brian Street, intitulado “The “academic literacies” model: theory and applications” (LEA & STREET, 2007: 227-236) em que os autores exploraram a ideia de uma pedagogia para letramentos acadêmicos em relação às diferentes noções de gênero e aos diversos e múltiplos letramentos encontrados em contextos acadêmicos. Baseando-se nos Novos Estudos do Letramento, os autores argumentaram em favor de uma nova abordagem para a compreensão da escrita e do letramento do aluno em contextos acadêmicos, a qual desafia o modelo dominante de letramento baseado na perspectiva de "déficit" dos estudantes em relação ao que estaria bem ou mal escrito (LEA & STREET, 1998, 1999, 2006). Essa abordagem aponta que a integração dos sujeitos às práticas letradas acadêmicas tem encontrado entraves em decorrência de modelos de letramento24 não apenas capazes de dificultar o processo de inserção às novas práticas de escrita, mas, também, de contribuírem para o fracasso. Por assumir a escrita como habilidade técnica e objetivar o “conserto” dos problemas, geralmente, de ordem textual e gramatical, os autores denominaram uma dessas perspectivas como “modelo de letramento de habilidades”. Outro modelo de letramento criticado pelos autores é o da “socialização acadêmica” por tomar a escrita como um meio transparente de representação e centrar-se na tarefa de inculcar aos alunos a “cultura” da academia, tida como supostamente homogênea. Os autores não desprezam esses modelos, mas criticam seu pressuposto de déficit da escrita dos alunos e propõem um terceiro modelo para a integração dos sujeitos às práticas letradas acadêmicas: o modelo dos letramentos acadêmicos.

23 Cf. as páginas 21 e 22 do Caderno de Resumos do IV SIGET.

24 O conceito e a discussão sobre modelos de letramento serão elaborados no Capítulo 2 desta Tese, em que

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Partindo dessa perspectiva dos letramentos acadêmicos, no SIGET seguinte, em 2009, tivemos a Comunicação Coordenada “Gêneros discursivos nas práticas de leitura e de escrita em contextos de formação de professores”, coordenada pela Profa. Dra. Marildes

Marinho (UFMG), em que ela explicitou25, em seu resumo26 referências teóricas à Mary

Lea e Brian Street e, em seu artigo27, publicado nos anais, referências à Mary Lea sobre letramentos acadêmicos. Nesse mesmo ano, Brian Street participou dos debates do Painel “Gêneros textuais e letramento”, ao lado de Maria do Socorro Oliveira (UFRN, Brasil), Paula Carlino (UBA, Argentina) e Roxane Rojo (UNICAMP, Brasil) e publicou nos anais o artigo “Academic Literacies approaches to Genre?”, o qual foi republicado em 2010, pela

Revista Brasileira de Linguística Aplicada 28. Nesse artigo, Street (2009a):

(i) apresenta “uma visão geral de abordagens para a escrita conhecida como ‘letramentos acadêmicos’, construídas sob a luz de tradições mais amplas, como os Novos Estudos de Letramento” (op. cit, p. 01; ênfase com aspas do autor);

(ii) aponta a importância dessas tradições nos modos pelos quais os professores dão apoio a seus alunos em relação às exigências da escrita em contextos acadêmicos; e

(iii) questiona como essas questões e esse trabalho podem ser usados para reunir e colocar em prática os letramentos acadêmicos e sua relação com as teorias de gênero.

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No mesmo simpósio, o Prof. Dr. Gilcinei Teodoro Carvalho (UFMG) fez uma apresentação de trabalho, cujo resumo é intitulado “Algumas expectativas sobre o letramento acadêmico”, mas sem fazer referências bibliográficas aos autores com as abordagens aqui consideradas sobre letramentos acadêmicos. Como também não fez publicação de artigos nos anais desse simpósio, não tenho como afirmar qual era de fato a base teórica em relação aos letramentos acadêmicos.

26 MARINHO, Marildes Gêneros acadêmicos e práticas acadêmicas de letramento em contextos de formação

de professores. Caderno de Resumos do V SIGET, p. 99-100, 2009.

27 MARINHO, Marildes. Escrita nas práticas de letramento acadêmico. Anais do V Simpósio Internacional

de Estudos de Gêneros Textuais. Caxias do SuL, 2009. Acesso em 27/08/2013: <http://www.ucs.br/ucs/extensao/agenda/eventos/vsiget/portugues/anais/textos_autor>

28 STREET, Brian. Abordagens de gênero para letramentos acadêmicos? Revista Brasileira de Linguística Aplicada, Belo Horizonte, v. 10, n. 2, p. 347-361, 2010.

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Essa abordagem sobre a escrita de alunos universitários possui um forte vínculo com os NLS no que diz respeito à perspectiva sociocultural, segundo a qual, as práticas de leitura e escrita são entendidas segundo seu contexto social, cultural, político, econômico e histórico (LANKSHEAR & KNOBEL, 2007:1-2). Com isso, as pesquisas à luz dos aportes teóricos dos Letramentos Acadêmicos também incorporam um viés etnográfico para que tanto o processo de ensino e aprendizagem quanto de produção escrita sejam considerados em relação ao contexto ao qual se relacionam, sem que o foco de discussão e análise recaia apenas no texto escrito. Assim, o escopo teórico dos Letramentos Acadêmicos busca articular a concepção de gênero segundo prática social a uma abordagem etnográfica. Segundo Marinho (2009: 01):

Abordar o texto etnograficamente significa tratá-lo como um traço ou elemento de uma situação social, que inclui igualmente os valores, regras, significados e atitudes, assim como modelos de comportamento dos participantes da interação. Conclui-se que o envolvimento da universidade com o ensino-aprendizagem da escrita acadêmica demanda pesquisas sobre habilidades e competências linguísticas, mas também sobre fundamentos e estratégias que permitam refazer princípios e crenças que têm levado a uma relação “tímida”, “deficiente” “inadequada” e tensa dos nossos alunos com as práticas acadêmicas letradas.

(aspas da autora)

De um modo geral, se os estudos feitos no Brasil sobre escrita acadêmica e gêneros acadêmicos até agora realizaram suas investigações segundo a Linguística, a Análise do Discurso, a Psicologia Sócio-histórica, a Teoria de Gêneros, os Letramentos e os Novos Estudos do Letramento, o enquadramento teórico-metodológico nos aportes dos Letramentos Acadêmicos permite uma perspectiva que pode elucidar questões teóricas e aplicadas sobre o ensino e aprendizagem de práticas letradas acadêmicas e sobre a integração dos sujeitos a essas práticas à medida que busca considerar não apenas os elementos relacionados ao texto, mas, sob um viés etnográfico, o que também está ao seu redor, segundo o contexto situado em que os sujeitos se encontram e em meio às relações institucionais e de poder específicas da esfera acadêmica. Essa abordagem parte do conceito de letramentos como práticas sociais situadas e, embora não prescinda o que é proposto pelos modelos de habilidades de estudos e socialização acadêmica, tem como

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fundamental a necessidade de discussão e negociação sobre a escrita dos sujeitos como forma de integrá-los às novas práticas letradas acadêmicas.

Dessa maneira, a contribuição desta tese está, por um lado, em tomar esse viés etnográfico de modo muito específico como forma de fazer pesquisa, coletar os dados e relacioná-los. Ou seja, como base teórico-metodológica, busco somar a perspectiva linguístico-discursiva bakhtiniana ao viés etnográfico das pesquisas sobre Letramentos Acadêmicos, contemplando o material linguístico em meio a outros elementos dialógico- enunciativos que podem envolver essas práticas letradas. Isso leva a um estudo de

perspectiva etnográfico-linguística29 que tem como metodologia de geração de registros,

seleção e aproximação de dados o que Lillis (2008) entendeu como “história do texto”30, ou

seja, a consideração de dados que estão ao redor do texto e que, somados ao próprio texto, contribuem para a compreensão das práticas escritas acadêmicas e seu processo de significação para os sujeitos. Por outro lado, a contribuição do presente estudo também está na discussão sobre o que poderia ser entendido como “negociação” da escrita. Para isso, serão propostas reflexões acerca da integração dos sujeitos às práticas letradas acadêmicas através de um estudo de caso que considera os diálogos ocorridos entre uma mestranda e os professores da banca durante o exame de qualificação de sua dissertação de mestrado. Considero a hipótese de que a mestranda vai (re)significando as práticas acadêmico- científicas de escrita a partir do próprio processo dialógico ― e, portanto, de negociação ― que ocorre, durante o exame, em torno das seções “Introdução”, “Revisão Bibliográfica” e “Materiais e Métodos” de sua dissertação.

Com isso, somos levados a refletir sobre a integração dos sujeitos às práticas letradas acadêmicas em meio a um complexo processo engendrado segundo as diversas instâncias acadêmicas, condições de produção e circulação dos textos, interlocuções e relações de poder. Por serem práticas complexas, não podem ser discutidas apenas considerando os textos produzidos ou as características dos gêneros demandados, tampouco, dependem apenas de desenvolvimento de habilidades textuais e cognitivas ou da transposição singular do conhecimento sobre escrita desenvolvido anteriormente à

29 Essa perspectiva da etnografia linguística será discutida no Capítulo 3. 30 Esse conceito será mais bem definido e explorado nos Capítulos 3 e 4.

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universidade, durante os anos escolares. Através do caminho investigativo proposto pelos Letramentos Acadêmicos, esta tese pretende contribuir com a discussão sobre as práticas acadêmicas de letramento a partir de uma proposta de análise dos dados que transpõe os limites do material linguístico para relacioná-lo a outros elementos encontrados no contexto de produção e circulação do texto, porque, segundo Lillis (2008, p. 354):

This recognition of the importance of understanding context is to a large extent born out of a deep pedagogic concern, as teachers around the world grapple with complex communication situations, often in the face of impoverished public discourses on language and literacy, as well as a growing awareness of the geopolitics governing writing for academic publication.31

31 Tradução livre minha: Este reconhecimento da importância de compreensão sobre o contexto nasceu, em

grande parte, de uma preocupação pedagógica profunda tendo em vista como os professores em todo o mundo têm lidado com situações complexas de comunicação, muitas vezes, em face de discursos públicos empobrecidos sobre linguagem e letramento, bem como de uma consciência crescente das geopolíticas que regem a escrita para publicação acadêmica.

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