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Significados da perda dentária e impacto sobre a qualidade de vida

4 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.2 Significados da perda dentária e impacto sobre a qualidade de vida

4.2.1Significados da perda dentária para os pesquisados

Os dentes são uma das formas dos sujeitos se apresentarem de acordo com padrões desejados pela sociedade, portanto, a falta dos dentes é uma ameaça à identidade individual, social e familiar, fazendo com que a pessoa se retraia, por sentir vergonha da sua aparência. Isto se deve ao fato de que pessoas bonitas são consideradas mais inteligentes e competentes, tendo assim maior facilidade para se inserir socialmente. Logo a boca desdentada adquire significados que são interdependentes de fatores históricos, sociais, culturais, psicológicos e fisiológicos. (FERREIRA; ALVES, 2006; MORI; CARDOZO, 2002;

PIUVEZAN et al., 2006; RAITZ; SEIBERT, 2006; UNFER et al., 2006; VARGAS;

PAIXÃO, 2005; WOLF, 1998)

Na população estudada, as causas apontadas para as perdas dentárias podem ser agrupadas em dois importantes aspectos socioeconômicoculturais, a saber: modelo hegemônico de atenção à saúde e falta de informação sobre hábitos e modos de vida saudáveis. Estas, também, foram causas identificadas em pesquisas mais recentes conduzidas por Ferreira e Alves (2006), Piuvezan et al. (2006), Vargas e Paixão (2005), Unfer (2004) e Unfer et al. (2006).

As perdas dentárias revelam a história vivenciada por estes sujeitos em relação ao modelo de odontologia praticada e ao acesso aos serviços públicos de saúde, em especial à época de infância e adolescência. Algumas das falas dos pesquisados que traduzem estes aspectos:

Era bem difícil naquela época. Qualquer problema nos dente o dentista arrancava. (Mulher, mais de 60 anos) Cariava. Então o dentista lá no interio falava que devia tirá os dentes. (Homem, mais de 60 anos)

A genti morava no interior. Aqueles anos em vez do dentista arrumar. Os dentistas não eram instruídos naquela época para preservar os dentes. (Mulher, faixa etária de 51 a 60 anos)

Fui arrancando. Quando a gente era pequeno o dente doía e o pai levava para arrancar. A gente não tinha especial nos serviços públicos, a qual se manifesta pela realização, em massa, da exodontia como procedimento de solução para a dor. A confirmação desta afirmativa dá-se pelo alto índice de sujeitos edêntulos (parciais ou totais), na faixa

etária adulta, conforme dados do Projeto SB Brasil 2003. (BRASIL, 2004a;

BRUNETTI et al., 2002; PIUVEZAN et al., 2006; PUCCA JÚNIOR, 2002; UNFER et al., 2006)

A falta de informação sobre hábitos e higiene adequados, fazendo com que os sujeitos não cuidassem de seus dentes, também, foi apontada pelos sujeitos integrantes desta pesquisa como causa das perdas dentárias. Neste sentido, observa-se a importância de um processo educativo, que oriente e estimule a adoção de comportamentos saudáveis, como destacaram Unfer et al. (2006).

No entanto, o reconhecimento de que o processo educativo é fundamental à promoção da saúde só assumiu dimensões significativas, no Brasil, a partir da implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), ou seja, no final da década de 1980. As diretrizes do SUS, como afirmaram Roncalli et al. (1999), puseram em cheque os modelos vigentes. E, mais recentemente, a nova Política Nacional da Saúde Bucal (BRASIL, 2004b) enfocou a necessidade da reorganização da atenção à saúde, em todos os níveis, e apontou a linha do cuidado como eixo de norteador para a mudança.

Muitos dos pesquisados expressaram que as extrações dentárias a que foram submetidos refletem suas atitudes quanto aos cuidados que deveriam ter tido para com a boca. Muitos responsabilizavam a si próprios ou aos seus pais, atribuindo ao relaxamento, à má-higiene, ao medo do dentista, que os fazia fugir da consulta odontológica, procurando-a somente em situação de dor extrema.

Algumas das falas que expressam estes sentimentos:

... a genti só se arrepende de não ter arrumado, de não ter cuidado...Se eu tivesse escovado o dente quando era pequena, com quatro, cinco anos... A mãe tem que ficar em cima pra escova... (Mulher, faixa etária entre 31 e 40 anos)

ensina já prás crianças. (Homem, faixa etária de 60 ou mais anos)

Era descuidado e também por causa do fumo...

(Homem, faixa etária de 41 a 50 anos)

Perdi pelo cigarro, a doçura que eu comia e também pelo relaxamento. (Homem, faixa etária de 41 a 50 anos)

4.2.2 Impactos da perda dentária sobre a qualidade de vida e expectativas quanto à reabilitação

O termo qualidade de vida é freqüente, na literatura da área da saúde, sendo adotado para definir o impacto de uma enfermidade. Seidl e Zannon (2004), tendo por base diferentes autores, enfatizaram que a qualidade de vida só pode ser avaliada pela própria pessoa, quando ela refere os vários aspectos afetados por mudanças, no seu estado de saúde, e que são significativos para a sua qualidade de vida.

Portanto, quando questionamos os sujeitos sobre as limitações que decorreram das perdas dentárias, tínhamos esta expectativa, qual seja, a de que eles identificassem quais foram as mudanças mais significativas que aconteceram em suas vidas em função das perdas dentárias sofridas. Assim, as principais conseqüências apontadas pelos pesquisados foram agrupadas em três categorias:

mastigação, estética, relacionamento interpessoal.

Todos os entrevistados reportaram-se às dificuldades para realizarem a mastigação e a conseqüente mudança de hábitos alimentares e/ou impactos sobre o processo de digestão; estas situações, também, foram identificadas em outros estudos. (ALVES; GONÇALVES, 2003; PIUVEZAN et al., 2006; QUADROS;

MACHADO, 2004; UNFER, 2004; UNFER et al., 2006; VARGAS; PAIXÃO, 2005)

Vargas e Paixão (2005) afirmaram que mastigar e sentir o gosto dos alimentos são essencialmente prazerosos e emocionalmente necessários para o bem-estar do indivíduo e de sua qualidade de vida, percepções estas identificadas nas seguintes falas dos sujeitos que integraram esta pesquisa.

A mastigação ficou difícil. Parece que se perde um pouco do gosto dos alimentos. (Homem, faixa etária entre 41 e 50 anos)

A alimentação é difícil. Ao mastigar dói. (Mulher, faixa etária entre 31 e 40 anos)

... quase nunca tive dentes, queria poder mastigar melhor. (Mulher, faixa etária entre 41 a 50 anos)

Agora me alimento mal, deixei de comer carne, legumes cozido, só como massa. (Mulher, faixa etária entre 31 a 40 anos)

... dependendo da comida a gente mastiga a gengiva, uma carne assada, daí machuca. (Mulher, faixa etária de 31 a 40 anos)

A categoria estética, assim como a dificuldade para mastigar, foi muito destacada pelos pesquisados. Portanto, as dificuldades decorrentes das perdas dentárias, tanto são de natureza funcional quanto social. (FERREIRA; ALVES, 2006; WOLF, 1998; PIOVEZAN et al., 2006; PUPIN et al., 1999; QUADROS;

MACHADO, 2004; UNFER et al., 2006)

A ausência dos dentes pode gerar sentimentos de insegurança, impotência, vazio. Uma boca com dentes é uma das formas de o sujeito se apresentar de acordo com os padrões desejados pela sociedade, portanto, a falta dos dentes é uma ameaça à identidade individual, social e familiar, fazendo com que a pessoa se retraia, acarretando dificuldades quanto ao relacionamento interpessoal. (UNFER et al., 2006; VARGAS; PAIXÃO, 2005; WOLF, 1998)

Entre os relatos do grupo analisado, encontramos alguns que revelam os impactos estéticos e de relacionamento interpessoal sofridos por estes sujeitos, como os que destacamos a seguir:

Meu Deus! Um processo de mutilação, horrível! Tem horas que nem me olho no espelho. (Mulher, faixa etária entre 51 e 60 anos)

Fiquei chateada. Mas no fim a gente nem liga prá nada. Eu não saio muito. (Mulher, faixa etária acima de 60 anos)

Fico com vergonha de dar risada. (Homem, faixa etária 31 a 40 anos)

Pra genti é a mesma coisa que perde um braço, um membro da genti... (Homem, faixa etária 31 a 40 anos) Fica meio ruim, perde chances de emprego e fisicamente fica feio. (Homem, faixa etária de 41 a 50 anos)

A superação das dificuldades decorrentes das extrações dentárias, para os pesquisados, poderá ocorrer com o uso de uma prótese bem elaborada. Daí porque os sujeitos depositarem suas expectativas neste tipo de tratamento reabilitador, através de expressões como:

Minha prótese quebrava muito, então, agora, aqui, eu tenho a esperança de pode mastigar direito, de ter

...quero fazer um regime, engordei muito com os anti-depressivos, e se não estou comendo direito não adianta fazer dieta. (Mulher, faixa etária d 31 a 40 anos)

Portanto, para o grupo investigado, o uso da prótese favorecerá a recuperação da auto-estima e a melhora das relações interpessoais.

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