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Situando a juventude no contexto dos estudos históricos

CAPÍTULO 1: A CONSTRUÇÃO DO ESTUDO DE CASO

1.3 Aportes teóricos iniciais

1.3.2 Situando a juventude no contexto dos estudos históricos

Nos “canteiros da história” dos estudos até então realizados, pode-se identificar duas vertentes representadas, de um lado, numa perspectiva da história sociológica, pelos estudos de Ariès (1981), em que o autor estabelece um marco moderno da constituição da “juventude” como categoria social, e de outro lado, numa perspectiva de uma história antropológica, os estudos de Davis (1990), em que se procura apontar para a pluralidade de concepções de juventude e de sua extensão a outras sociedades e temporalidades.

Vamos nos deter brevemente no pensamento dos dois autores para situar melhor as duas perspectivas:

Analisando a realidade europeia, Ariès defende que, assim como a infância, a juventude enquanto categoria distinta da infância teria uma datação histórica precisa. Enquanto a ideia de infância nasceu por volta dos séculos XVI e XVII10, para Ariès, a adolescência e a juventude somente se distinguiram da infância no século XVIII. Assim, ele situa o nascimento da ideia de juventude imbricada à complexificação constituinte do processo de formação da sociedade industrial, advinda do processo de urbanização e industrialização crescente, e neste, o prolongamento e ampliação da escolarização.

Analisando retratos medievais, Ariès procura mostrar que na Europa ocidental até a Época Medieval as crianças eram representadas como adultos em miniatura e que não havia uma distinção clara de espaços, papéis, comportamentos ou mesmo formas diferenciadas de vestir entre crianças, jovens e adultos.

Já vimos que a fronteira entre esses dois estados, hoje tão distintos, era incerta e mal percebida. (...) Qualquer que fosse o papel atribuído à infância e à juventude, primordialmente na festa de maio, ocasional na festa de Reis, ele obedecia sempre a um protocolo tradicional e correspondia às regras de um jogo coletivo que mobilizava todo o grupo social e todas as classes de idade (ARIÈS, 1981, p.100-101).

Para Ariès, a escola será a instituição que iniciará o processo, seguido por outros espaços da sociedade, de separar crianças, jovens e adultos, dando uma clara configuração distintiva a cada fase da vida. Para ele, embora já pudesse ser identificado um vocabulário da primeira infância, nesse contexto ainda subsistia uma ambiguidade entre as fases da infância e da adolescência, de um lado, e aquela categoria a que se dava o nome de juventude, do outro. Deste modo, ele afirma que “não se possuía a

10 A este respeito, ler também: CERTEAU, Michel. A cultura no plural. São Paulo: Papirus, 1995, p.170- 172.

ideia do que hoje chamamos adolescência, e esta se demoraria a formar” (ARIÈS, 1981, p.45).

Analisando as festas tradicionais europeias, Ariès mostra que em algumas delas as crianças tinham papel e funções destacadas; em outras, eram os jovens organizados em grupos que se destacavam. Porém, Ariès argumenta que não havia ainda uma distinção clara entre crianças e jovens.

Em uma perspectiva distinta, a historiadora norte-americana, Natalie Zemon Davis (1990), publica os resultados de seus estudos sobre a vida cotidiana e a cultura popular na França no século XVI, objetivando compreender o papel da cultura na dinâmica e transformação social. Em diálogo com a antropologia procura contemplar a

diversidade e as diferenças postas pelas condições sociais, crenças religiosas e condições de gênero e de geração.

Nesse estudo trata da vida festiva nas comunidades agrárias da França, no final da Idade Média, denominadas de uma forma genérica de “charrivaris” 11. De acordo com a autora, as festas12 não eram “oficiais nas cidades francesas do século XVI, o

governo municipal não as planejava, programava ou financiava”. A festa urbana denominada “dos bobos13, realizada na época do Natal”, era organizada pelo clero. As demais eram planejadas e organizadas,

por grupos informais de amigos e familiares, às vezes, por Guildas ou confrarias de artesãos ou outros profissionais e, com muita frequência, por organizações que os historiadores da literatura chamam “societés joyeuses” (sociedades alegres ou sociedades de jogos), mas que chamarei de Abadias, (as abadias dos desgovernos) (DAVIS, 1990, p.92).

Em suas pesquisas, Davis descobriu em toda a França, desde o século XII (e sem dúvida desde antes) nas comunidades camponesas, “organização de rapazes que tinham

chegado à puberdade”. Ela identificou variados nomes com os quais eram classificados

11

Estas festas eram muito comuns na vida de todas as cidades francesas, como também em toda a Europa ocidental nesse período, e consistiam, basicamente, segundo Davis, em as pessoas se esconderem, por meio de fantasias, numa demonstração barulhenta de mascarados com objetivos muito diversificados: “humilhar algum malfeitor da comunidade, fazer desfiles e carros alegóricos, coleta e distribuição de dinheiro e/ou doces, dançar, tocar, acender fogueiras, declamação de poemas, jogos de azar e competições de atletismo” (DAVIS, 1990, p.87).

12 Estas festas ocorreriam em intervalos regulares, seguindo o calendário religioso, sazonal (os doze dias de Natal, os dias da Quaresma...), e também nos eventos domésticos como casamentos e outros assuntos familiares, ou simplesmente “sempre que a ocasião permitisse”.

13 Festa dos Bobos: um dos festivais urbanos comuns nas cidades francesas e outras da Europa ocidental na Idade Média, que ocorriam na época do Natal. De acordo com Davis, ela ocorria quando um coroinha ou capelão era eleito bispo e liderava a festa enquanto o baixo clero imitava a missa e até a confissão, conduzindo um asno em torno da igreja. Esta “desordeira Saturnal”, segundo a historiadora, já estava sendo banida das comunidades francesas no final do século XV.

esses jovens (varlets, compagnons a marriés), como também suas organizações, (bachelleries, Abadias da juventude), nas diferentes cidades.

Davis explica que, considerando-se jovens os moços solteiros e que os moços das aldeias comumente não casavam até o início ou meados dos seus vinte anos, do século XV ao XVI, a duração da juventude era longa e grande o número de solteiros em relação ao número total de homens da aldeia, que era bastante alto. Todos os anos, antes da Quaresma, depois do Natal, ou em outra época, eles elegiam um rei ou abade dentre eles.Assim, ela conclui que estas abadias, em sua concepção inicial, eram “um grupo de

jovens”, confirmando o que estudos antropológicos já indicavam: a existência nas sociedades europeias tradicionais, anteriores ao processo de industrialização e instituição da escolarização, de um reconhecimento da juventude enquanto uma fase da vida distinta da infância e do mundo adulto. Consequentemente, seus estudos indicam uma relação bem mais antiga e importante entre juventude, grupos, vida cultural e dimensão simbólica.

Davis analisa que, nestas sociedades, não somente era reconhecida e classificada a juventude como etapa distinta, mas, também, construíam-se imagens e representações sobre ela e atribuíam aos jovens um papel de destaque em suas comunidades. Este fato é evidenciado pela existência de grande número de “grupos

juvenis”, denominados Abadias ou Reinos da juventude, onde os jovens e adolescentes se reuniam e tornavam-se responsáveis por organizar as festas, dentre outras atividades importantes para a reprodução da vida social dessas comunidades.

Mas esses jovens das Abadias tinham um âmbito de jurisdição e de responsabilidades festivas surpreendente. Eles se encontravam com jovens de outras paróquias durante o “mardi gras” para o soule, um jogo de futebol violento, e em outras ocasiões mediam suas forças com os homens casados em sua própria aldeia. Na Fête dês Bransdons, no início da Quaresma, eram eles que levavam as tochas de palha acesas e pulavam e dançavam para assegurar a fertilidade agrícola e sexual da aldeia no ano seguinte, e, no Dia de Todos os Santos, eram eles que tocavam os sinos pelos ancestrais mortos na aldeia... (DAVIS, 1990, p. 92-93).

Analisando as festas e as cerimônias das Abadias da juventude, a autora entende que elas funcionavam como ritos de passagem, “espaçados ao longo de alguns anos,

em comunidades nas quais as expectativas da velha geração em relação aos jovens e as expectativas dos jovens em relação a si mesmos não eram muito diferentes” (DAVIS, 1990, p. 95).

Com estes estudos, Davis discorda de Ariès quando este afirma categoricamente que os europeus não distinguiam infância da adolescência, antes do final do século XVIII, e que não havia espaço para a adolescência nos séculos anteriores, sustentando que tanto aldeões quanto a literatura médica, os manuais religiosos e impressos populares distinguiam, ainda no século XVI, a adolescência como um período de maturação sexual.

Ela argumenta que, embora “os aldeões não possuíssem uma teoria da

psicodinâmica do desenvolvimento adolescente masculino”, e a organização da sociedade rural não estimulasse a possibilidade de exploração de identidades alternativas, esses grupos de juventude cumpriam certas funções que na atualidade são atribuídas à adolescência (DAVIS, 1990, p. 95).

Pelos estudos de Davis, apreende-se que através da organização das festas, dos rituais e das inúmeras atribuições dos grupos, os jovens eram socializados no que denominou de “consciência de sua comunidade”. Ainda dialogando com Ariès, Davis alerta para o cuidado, necessário a quem pesquisa sobre juventude e adolescência, em não reservar ao termo, apenas, as formas e definições contemporâneas.

Com respeito à literatura e aos tratados médicos da época, uma vez mais Davis diverge de Ariès afirmando que esta literatura “não apresenta a caracterização destas

fases da mesma forma como nas sociedades atuais, mas não se pode ignorar que já a reconheciam e a caracterizavam como uma fase distinta da infância” (DAVIS, 1990, p.96).

Replicando e defendendo-se das críticas de Davis e de outros historiadores, no prefácio da segunda edição do livro História Social da Criança e da Família, Ariès (1981) admite que reconhece “em épocas anteriores à Idade Média, nas áreas de

civilização rural e oral, a existência de uma organização das comunidades em classes de idade, com ritos de passagem segundo o modelo dos etnólogos”. Ainda segundo ele,

“nessas sociedades cada idade teria sua função, e a educação seria então transmitida pela iniciação, e, no interior da classe de idade, pela participação nos serviços por ela assegurados” (ARIÈS, 1981, p.15).

Mas, Ariès (1981) mantém seu ponto de vista a partir do entendimento que, de um lado, a palavra juventude era empregada, não para designar um grupo etário específico, entre a infância e a vida adulta, mas como sinônimo de “solteiros” e as confrarias e abadias de juventude citadas por Davis seriam mais “sociedades de

Porém Davis, conforme vimos, considera que a condição de solteiro estava relacionada à concepção de jovem nessas sociedades, então abadias de moços solteiros correspondiam a abadias juvenis. Por outro lado, Davis não se refere apenas às confrarias e abadias rurais.

Conforme exposto em seu livro, Davis mostra que os grupos juvenis (ou de solteiros, nos termos de Ariès) se organizavam com um objetivo comum que podia ser planejar e preparar uma festa, apresentar uma peça teatral ou humilhar um homem que teria sido traído pela mulher. Nesses grupos, através de diferentes atividades, os jovens das comunidades entravam em contato com a cultura (regras, modos de viver) de suas comunidades às vezes se conformando, outras vezes questionando-a.

Esses grupos juvenis estariam associados a atividades e práticas culturais como: música, dança, dramatizações e outras, que se constituem como espaço e estratégia de inserção das novas gerações na vida cultural de suas comunidades, e sempre foram parte integrante da socialização da juventude e, em certa medida, da constituição identitária dos jovens nas comunidades agrárias pré-revolução industrial.

Ao discutir sobre as festas populares, os Charrivaris, a autora mostra que a juventude já era uma categoria distinta e reconhecida e demonstra que os grupos juvenis com as características descritas foram encontrados em toda a Europa rural, na Suíça, na Alemanha, na Itália, na Hungria e Romênia, talvez na Inglaterra e Escócia e Espanha. E de acordo com sua pesquisa, a presença desses grupos torna-se mais evidente quando se mapeia as cidades francesas, principalmente quando se aproxima da Idade Moderna.

Davis faz, ainda, uma diferenciação muito importante para compreensão das vivências juvenis desta pesquisa entre a juventude urbana e a juventude rural e confere

status de vivências juvenis para as sociabilidades comunitárias das áreas rurais. De acordo com seus estudos, os grupos (abadias) rurais representam sua organização básica e seus costumes, mudando muito pouco nos séculos pesquisados, com suas dramatizações simples, sem divisão dos jovens em função da condição social, e com uma produção literária restrita a uma canção para os charrivaris. Já as abadias urbanas se representam com organização social mais complexa, encenações teatrais mais elaboradas, uma literatura mais expressiva, contendo versos mais complexos e deixando registros escritos dos seus “desgovernos”.

As abadias urbanas eram diferentes também das abadias rurais por sua composição social. Enquanto nas aldeias as Abadias de jovens podiam incluir tanto os filhos dos camponeses ricos quanto os sem-terras, na cidade francesa do século XVI, nem no interior de uma mesma vizinhança homens

de todos os estratos sociais podiam estar juntos numa mesma organização festiva (...) (DAVIS, 1990, p. 100).

Davis afirma, ainda, que as abadias se diferenciavam também pela forma de se vestir nas montagens e encenações de peças teatrais. Enquanto na área rural “o ator

rural vestia-se conforme a inspiração do momento (...), os atores urbanos inventavam roupas complicadas e às vezes suntuosas” (DAVIS, 1990, p. 97).

Por outro lado, ela não se refere apenas às confrarias de solteiros do campo, mas continuando a debater com as afirmações de Ariès, ela se refere claramente à existência de grande número de grupos de jovens nas cidades francesas. Esses grupos são descritos de forma muito semelhante às conformações das gangues juvenis atuais:

Durante o século XVI, as cidades europeias continuavam a contar com agrupamentos informais como as gangues de meninos de rua, com cerca de dez anos, que faziam brincadeiras e atiravam pedras nos vizinhos inimigos. Mas, o caráter da vida econômica e social tornava provável que os adolescentes masculinos fossem organizados em grupos com adultos, ou mais diretamente dominados pelos adultos do que eram nas abadias das aldeias (DAVIS, 1990, p.98) .

Davis afirma também que em Lyon, por volta do século XVI, com uma população crescente, alcançando um número de sessenta mil habitantes, existiam cerca de 20 abadias da juventude, tendo um elenco completo de “abades, barões, capitães,

almirantes, princesas, condes, príncipes, juízes e patriarcas do Desgoverno em sua direção”. Ela informa também que “mesmo separadamente organizados, eles se

encontravam em épocas festivas e desfilavam juntos. Sendo a maioria organizada no bairro ou na vizinhança (...)” (DAVIS, 1990, p.97).

À medida que se adentrava o século XVI, apenas em pequenas vilas (...) manteve-se recorrentemente a identidade completa entre abadia e juventude (DAVIS, 1990). E a partir do século XVII, “as condições de vida na cidade grande” estavam dissolvendo os grupos de jovens tradicionais, exceto em dois espaços: nas classes altas e nas escolas. Fora desses espaços, os grupos tradicionais estavam sendo substituídos por agrupamentos formais baseados na profissão, na ocupação, na vizinhança ou na classe. (DAVIS, 1990).

Davis conclui, então, afirmando que fora somente no final do século XVIII ou início do XIX que emergiram “plenamente articulados os tipos ‘modernos’ de

movimentos e de grupos de jovens, respondendo à percepção da descontinuidade entre a infância e o mundo adulto” (DAVIS, 1990, p. 105).

Assim, é importante destacar que Davis não desconsidera a peculiaridade de modos de ser jovem e de expressão da condição juvenil que se estrutura na Europa com a modernidade, associada ao processo de escolarização, urbanização e industrialização. Porém, seu estudo alerta para o risco de análises que, por um lado, afirmam categoricamente a juventude como uma “invenção moderna” e, por outro lado, que não reconhecem como jovem ou como próprio de se designar “juvenis” vivências e expressões que escapem àquela fixada pela modernidade.

Esta perspectiva histórica serve para mostrar que a juventude, enquanto uma fase da vida diferenciada das demais, tem uma historicidade mais complexa e multifacetada e que em diferentes temporalidades e contextos podem configurar-se distintos modos de definir o que é juventude e quem são os sujeitos que se encaixam na categoria jovem, assim como são múltiplas as formas de expressão e configuração da condição juvenil. Consequentemente, conhecer um pouco mais das histórias de jovens em diferentes contextos e temporalidades permitiu uma visão mais ampla e complexa das vivências juvenis, das representações sobre o ser jovem e a juventude no âmbito desta investigação. Permitiu compreender e denominar de jovens e juvenis os sujeitos e as vivências realizadas de modos e em contextos que não se enquadram no panorama das imagens construídas sobre o ser jovem, os jovens e a juventude.

Porém, não desconsideramos as peculiaridades da condição juvenil na modernidade e, mesmo, na contemporaneidade. Vários autores como Hobsbawn (1995), Savage (2009) e Groppo (2000) já se debruçaram sobre a temática mostrando que, se a juventude não é uma prerrogativa moderna, na modernidade ela assume contornos próprios e uma dimensão mundializada, massificada e em que, por um lado, a juventude, enquanto grupo etário (mesmo que não homogêneo), passa a ter uma importância “impar” na cena social, política e, principalmente, no campo da cultura (HOBSBAWN, 1995). Por outro lado, a juventude deixa de ser uma prerrogativa dos sujeitos jovens e se torna, como nos lembra Angelina Peralva (1997), um “modelo cultural”, levando ao processo de “juvenilização da sociedade” (GROPO, 2000).

Entende-se, ainda, a necessidade de conhecer as particularidades da juventude no Brasil, em que a modernidade apresenta contornos distintos. Assim, neste estudo procurou-se mapear o campo das vivências e representações juvenis do grupo de

estudantes pesquisados, buscando ver em que medida ele nos permite contribuir para uma maior compreensão dos fenômenos juvenis no Brasil.

Assim, no diversificado e complexo campo da atual historiografia procurou-se dialogar com historiadores que já adotaram uma perspectiva interdisciplinar com a antropologia e com a análise interpretativa de Geertz. Desse modo, no amplo telhado do que se denominou “Nova História Cultural”, dentro da perspectiva da antropologia histórica selecionou-se a historiadora Natalie Davis em seu estudo já citado nas páginas anteriores. Entende-se que em seus estudos, que incluem também obras como O retorno

de Martin Guerre em que a historiadora busca analisar os relatos sobre uma história de duplicidade de identidade, Davis, ao reconstruir a trajetória de um rico camponês na França do século XVI, é bastante enfática neste sentido: “o que aqui ofereço ao leitor é,

em parte, uma invenção minha, mas uma invenção construída pela atenta escuta das vozes do passado” (DAVIS, 1990, p.21)14.

Ou seja, cada vez mais a história, ao aproximar-se da antropologia, trabalha com pistas, indícios deixados pelo “passado”, e por esses “fios e rastros” – utilizando os termos de Ginsburg (2007), outro historiador com que pudemos dialogar nesta tese – procura reconstituir esse passado, assumindo a ação de interpretação do historiador na costura e apresentação final de seu relato.

Em outra obra, intitulada Mulheres nas margens, Davis recupera diários e correspondências de três mulheres de contextos histórico-sociais e religiões distintos, na busca por interpretar “os achados” e reconstituir suas histórias. Do mesmo modo procede não se detendo apenas no que está escrito no texto, mas associando a narrativa ao contexto em que essas mulheres viveram, buscando pistas em outros documentos que lhe permitissem “recuperar” e contar suas histórias, admitindo sempre o lugar da pesquisadora em sua interpretação.

Seus estudos apresentam caminhos metodológicos importantes a esta pesquisa que lida com relatos de juventude, portanto memórias de adultos e idosos, e assim, com vestígios do passado que precisam ser compreendidos e interpretados numa dimensão da história e da cultura. Para dar conta de compreendê-los é preciso seguir pistas e rastros da narrativa e buscar situá-los no contexto amplo.

14 DAVIS, Natalie Zemon. O retorno de Martin Guerre. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 21.

A pesquisa feita pela autora serviu como base do roteiro de Jean-Claude Carrière para o filme “Le Retour de Martin Guerre”, dirigido por Daniel Vigne.

Apesar de não tratar do tema da juventude, outro historiador importante no diálogo entre história e antropologia é Robert Darnton. Como Davis, ele traz para a História Cultural o conceito de cultura de Geertz e seu método de “descrição densa” para embasar sua busca de compreensão da visão de mundo de pessoas comuns, na França do século XVI.

A este propósito, Darnton (1986) argumenta que o Historiador etnográfico estuda a maneira como as pessoas comuns, em épocas anteriores e contextos distintos, entendiam o mundo, tentando descobrir suas diferentes visões de mundo e, assim,

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