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CAPÍTULO III – SÃO AS HISTÓRIAS QUE NOS DIZEM MAIS

3.5 Nossas histórias

3.5.2 Sollylove

Sollylove veio do interior de Minas Gerais para cursar Letras na UFMG. “Tudo pelo inglês”, dizia em sua narrativa autobiográfica escrita no início do curso, aos 22 anos. Freqüentou o ensino regular em escolas públicas e particulares. Iniciou o curso de Letras em sua cidade natal, mas como o ensino de língua inglesa não era o “forte da faculdade”, decidiu mudar-se para Belo Horizonte com o apoio dos pais. Eram uma família classe média.

Sollylove era cantora e achava a língua inglesa melódica e sedutora. Tinha enorme prazer em cantar em inglês. Foi com ela que mais conversei sobre aspectos emocionais e sonoros da expressão na língua inglesa, e sobre as alterações de nossa fisiologia dependendo de nossas experiências e emoções. Era comunicativa e espontânea em nossas conversas e tinha uma disposição incomparável para falar sobre seu processo, estilo e estratégias de aprendizagem, talvez porque pensava em ser professora de inglês. Como disse no questionário de avaliação final, “[E]sta experiência foi útil para mim ao me fazer voltar a atenção para as práticas utilizadas no ensino e aprendizagem de inglês. Creio que poderá ajudar-me futuramente ao me tornar professora” (ver Anexo B). Dada sua intensa participação na pesquisa, sua descrição de si mesma como alguém expansiva e ativa, além do modo como a via nos corredores da FALE, estranhava sua inibição em sala de aula. É na sua história que vamos buscar elementos para compreender seu pseudônimo, sua disposição para refletir, sua história de paixão com a língua inglesa, os desafios que tinha que enfrentar e sua maneira de lidar com eles.

Sollylove era o nome que usava em seu diário pessoal e em suas interações na internet. Solly, como gostava de ser chamada, iniciou cedo sua aprendizagem de inglês ao cantar em língua inglesa em casa e numa escola infantil, onde também aprendeu nomes de vários objetos. Em casa com os pais, divertia-se imitando cantores da língua inglesa de variados estilos, sem saber o sentido das palavras que aprendia a pronunciar:

Meu primeiro contato com o inglês foi quando eu ainda era bem pequena. Minha mãe conta que nem sabia falar português direito e ficava cantando músicas em inglês que meus pais ouviam, entre as quais “Out here on my own” da Nica Costa (era a minha preferida).Além do contato com o inglês, tive contato com a música clássica e desenvolvi um grande amor pela música (nar: 1).

A língua inglesa e a música são minhas paixões e com isto pretendo me sustentar (nar: 2).

Ela descreve este período como a fase do descobrimento e do encantamento com a língua inglesa, “um momento mágico” (ent, 1: 6). Dizia ter-se encantado com a professora de inglês no ensino infantil. Com ela e os colegas cozinhava na escolinha, e fazia outras atividades lúdicas que faziam seu aprendizado ser “um prazer” (nar: 1). Estas primeiras experiências e identificações semearam nela um carinho especial pela língua inglesa, principalmente por sua sonoridade. A experiência deste período contrasta com a do ensino fundamental. Aí as aulas eram monótonas, inúteis e irritantes e, com isto, tomou pavor de inglês (ent, 1: 7; nar: 1). Em um desabafo, falou sobre como esta experiência havia sido traumática para ela e para seus colegas (ent, 1: 7-10). Disse que nesta época se “interessava só pela notas, provas e em passar de ano” (nar: 1):

S: O inglês na escola pública. Aquele inglês básico na escola pública. R: Como é que é esse inglês básico na escola pública?

S: Ah, eu aprendia a mesma coisa todo o ano. Era mesma coisa: verbo to be, verbo to have, como é que era aqueles negócios lá. Eu sei que era a mesma coisa, sabe? Preposição, aquelas coisas maçantes, entendeu? A matéria não progredia, ela não levava textos, não levava nada. De vez em quando levava uma música para a gente descontrair um pouco, sabe? (ent 1: 8)

Uma mudança nesses sentimentos veio quando se apaixonou por um norte-americano de Idaho que freqüentava a mesma igreja que ela. Era nesta igreja que “treinava inglês com amigos americanos” (nar: 2): “eu gostava sempre de conversar com eles” (ent, 1: 5). Foi neste momento que retomou a paixão pela língua inglesa, de tal maneira que convenceu os pais a fazer um curso particular de idiomas que havia em sua cidade, paralelamente à sétima e oitava séries:

S: (Referindo-se ao ensino fundamental) É eu achava chato demais aquilo! Para mim não era assim aprender inglês. Igual antes era para mim, aquilo ali foi muito chato. Na sexta série, a mesma coisa. Eu mudei de escola e continuou chato do mesmo jeito. Então eu cheguei a tomar pavor do inglês. Quase fui reprovada em inglês. Aí, eu não sei se eu contei que eu me apaixonei por um americano quando eu tinha meus quatorze anos.

R: Foi? Contou! S: Foi não é? Então.

R: Ele era da igreja nessa época?

S: Era da igreja. Então nessa época eu entrei em um curso de inglês. Então a gente conversava muito em inglês e tal. Eu achava assim que eu ia casar com ele e que eu ia para os Estados Unidos. Que eu ia falar inglês, aí eu aprendi, aí eu me apaixonei pelo inglês.

R: De vez, assim? S: De vez!

R: Porque você já falava que amava aprender as palavras novas.

S: É, quando eu era pequena, não é? Aí depois eu gostava das músicas em inglês. Mas, daí aprender o inglês para mim era chato.

R: Umhum.

S: Aí eu tomei raiva do inglês, na escola! R: Na quinta série?

S: É, na quinta e na sexta. R: Na quinta e na sexta?

S: Quando eu cheguei na sétima que foi quando aconteceu isso desse americano, aí eu me apaixonei de novo pelo inglês. Foi daí que eu comecei a aprender realmente o inglês, porque eu aprendia no curso (se referindo a um instituto de idiomas), eu pegava músicas, sabe? (ent, 1: 7, 8)

Deste período em diante, “apaixonada pelo inglês”, considerou que começou de fato a aprender a língua. Disse ter tido sorte de encontrar pessoas que a levaram a se apaixonar pelo inglês como seus pais, a professora do ensino infantil, os colegas da igreja e o namorado de Idaho. Enfatizava que este era o papel do professor: cativar o aluno e levá-lo a se interessar, ter curiosidade e se possível se “apaixonar” pelo idioma. Em sua cidade natal, a oferta de cursos superiores era restrita. Poderia fazer Letras, Pedagogia ou Direito mas, “apaixonada” pelo inglês, optou por fazer Letras:

Ao terminar o ensino médio, mais por falta de opção que por vontade, resolvi fazer vestibular para Letras em minha cidade. Fui muito bem, amei o curso. Porém, lá o inglês, matéria que mais me interessava, não era o ponto forte e então resolvi, com um ano e meio de faculdade, largar tudo e vir fazer vestibular em BH. (nar: 1)

Àquela altura do semestre, não conseguia ainda saber ao certo se seguiria a carreira de professora (ent, 1: 20-22) nem se imaginar como professora, o que em seus desenhos representava com uma interrogação. No entanto, tinha certeza de que se fosse professora queria ser uma professora falante e que trabalhasse com muita música, conversação, contação de histórias, que desenvolvesse atividades lúdicas e dinâmicas como as que lhe traziam as recordações de seus primeiros contatos com a língua inglesa:

FIGURA 6 - Sollylove e uma possível professora de inglês

Queria ser uma professora de inglês como a que havia tido no ensino infantil. Havia assistido a uma palestra sobre ensino de inglês para crianças e pensava que poderia ser bem sucedida trabalhando com crianças. Também gostaria de trabalhar com tradução, mas havia optado por licenciatura. Em nossa primeira entrevista, e em algumas ocasiões nas quais conversamos informalmente, relatou que veio para Belo Horizonte ainda desiludida com o ensino de inglês, e esperava uma mudança. Já em Belo Horizonte, Sollylove fez um pré-vestibular que a fez lembrar do prazer de aprender inglês quando era pequena (ent, 1: 20). O professor, também norte-americano, era dinâmico e tentava levá-los a pensar, entender e falar em inglês. Esta experiência no pré-vestibular a ajudou-a a se assegurar de que sua escolha profissional era mesmo lidar com o ensino e a aprendizagem de inglês e a ter paciência quando o cenário mudou, já na universidade federal.

Diferentemente dos outros participantes da pesquisa, Sollylove relatou de forma clara como percebia sua corporalidade envolvida no processo de aprender uma nova língua. Principalmente nas primeiras semanas de aula, reportou constante sensação de desconforto com enjôos, náuseas, dores de cabeça e um cansaço particular, o que atribuiu ao fato de não estar acostumada a escutar, falar e “pensar” em inglês durante uma aula inteira. Arwen e Sollylove apontaram a novidade da experiência de exposição ao inglês durante a aula, mas Sollylove estava envolvida nela de maneira distinta. Tinha dificuldade em “apurar os

ouvidos”, como costumava dizer. Queixava-se das atividades de compreensão, da acústica da sala, do equipamento de som e do “sotaque da fita do livro-texto” (nota de campo):

Hoje a aula foi interessante. Senti-me mais animada. Porém não entendi um dos “listening” muito bem. No fim da aula fiquei com dor de cabeça (6/10/03). Hoje foi continuação da aula passada. Entendi tudo. Foi legal falar sobre mim também. No finalzinho da aula senti um pouco de enjôo e náusea (08/10/03).

R: E como é que foi a primeira aula?

S: Primeira aula? Eu fiquei com dor de cabeça. R: Você ficou?

S: Fiquei. Porque a gente não está acostumada a pensar em inglês né? R: Hum.

S: E de repente eu cheguei aqui e parece que ela já tinha começado, e ela falando tudo em inglês. Eu fiquei pensando assim: onde que é a tecla SAP? Eu falei: - Gente será que eu vou dar conta? Mas até que eu cosegui entender, sabe?

R: Umhum.

S: O quê que ela estava falando. Mas eu acho que o exercício mental foi tão grande que eu fiquei assim com dor de cabeça, teve uma aula que eu fiquei com náusea depois. Por causa desse exercício mesmo sabe? Mas agora eu já tô me acostumando mais, sabe? Acho que mais é o choque não é? Você sai de uma aula em francês na outra lá, e de repente inglês aqui né? Então fica bem cansativo. Eu acho cansativo. (ent, 1: 3)

Contudo, Sollylove estava disposta a encarar os desafios pessoais e acadêmicos envolvidos em cursar licenciatura em língua inglesa na UFMG. Teria que aprender a viver sem a família em uma república feminina, fazer novos amigos e se adaptar a uma rotina diferente daquela a que estava acostumada. Conversávamos sobre esses desafios e como estava se adaptando a esta nova realidade. Com estas conversas entrávamos nas experiências de sala de aula. Dizia que os conhecidos da FALE que foram fazer outras línguas por medo do ensino de inglês expressavam uma “auto-proteção”, um tipo de orgulho interior que os bloqueava (ent, 1: 11-13). Preferiam caminhos mais fáceis e imeditatistas a ter que encarar o desafio e lidar com as dificuldades da aprendizagem da língua inglesa na FALE. E esta não era a sua opção.

Sollylove reforçou em nosso primeiro encontro que estava interessada a aprender mais sobre seu processo de aprendizagem de inglês com a pesquisa. Assim, tomava o projeto de reflexão como uma oportunidade de descobrir-se como aluna e de desenvolver sua habilidade de aprender a aprender (diário 13/10, 15/10). Enfatizava que nossas conversas serviam para descobrir pontos fracos e fortes de sua aprendizagem. Era uma oportunidade de saber o que antes não sabia, de aprender a lidar com suas dificuldades e reforçar suas riquezas:

R: E você acha que este bate papo ajuda você a ter mais consciência da sua história? S: Ah! Com certeza! Muita coisa que eu te falei aqui eu às vezes não tinha

descoberto antes, aí na hora que eu falo. Nó! Porque a gente às vezes tem que começar mesmo a trocar idéia com as pessoas. Eu, no caso, não deixo escapar nada.

Mas assim, a gente tem que falar às vezes, colocar às vezes pra ver, pensar, refletir. Pra ver isso mesmo, a nossa história, o que aconteceu.

R: E você acha que têm desafios aí, dificuldades para você enfrentar? S: No caso do inglês?

R: No caso é. Da nossa aprendizagem aqui no “Habilidades Integradas I”. S: No caso do inglês o meu desafio maior é falar o inglês sem ter vergonha. R: Sem ter vergonha?

S: É, e sem precisar traduzir do português pro inglês. R: Pro inglês?

S: Fazer uma frase em inglês a partir do português. Meu desafio é esse, falar mesmo o inglês e aprender mais e mais e mais porque eu tenho que falar o inglês se eu quero ensinar o inglês, tenho que falar direito que é o meu objetivo né? Então é isso, o meu maior desafio é esse e eu sei que não vai ser fácil, né? Não é fácil. (ent, 1: 24)

Assim como para Arwen, seu maior desafio era falar inglês na sala de aula. Não queria se sentir bloqueada pela vergonha. Porém, diferentemente de Arwen, o objetivo de ser professora estava atrelado a “falar inglês direito”. Esta busca a levava a sentir vergonha de seu inglês, que não considerava ainda “o inglês direito”. Notei que, assim como Arwen, Sollylove não perguntava e raramente tomava o turno na sala de aula. Ela o fazia somente quando era chamada. Isto contrastava com sua personalidade extrovertida e espontânea, e sua trajetória de aprendizagem verbal e musical que havia conhecido até então. Embora sua experiência com a aprendizagem formal parecesse ser coerente com a abordagem de ensino da professora, sua vergonha era, sobretudo, resultante de aspectos emergentes em sala de aula e conectadas a sua trajetória de envolvimento com a língua inglesa. “Falar inglês direito” era uma meta que envolvia imagens idealizadas de falantes nativos de inglês e do processo de uso e aprendizagem de uma língua. Ela tomava o falante nativo de inglês dos Estados Unidos como o modelo de perfeição, “o inglês direito”. Solly buscava uma pronúncia perfeita em sua fala e esta busca de uma excelência “nativa” e idealizada, sem erros e sem sotaque brasileiro, contribuíam para fomentar sua vergonha. Solly se via envergonhada, e isto se devia à suas crenças perfeccionistas.

S: Mas eu acho que vale a pena a pessoa se esforçar para chegar perto da perfeição! R: Da perfeição?

S: É. Porque aí ela vai ser entendida! Entendeu? Vai ser entendida em todo lugar que ela for, eu acho que é por aí.

R: Tem que ter uma inteligibilidade aí né?

S: Umhum. Se a pessoa ficar: - Ah, não! Meu inglês está bom. O meu inglês é com sotaque, mas está bom. Aí chega lá no outro lugar e vai falar o inglês e o cara: - O que que você está falando aí? O que que foi mesmo? Você falou tal coisa? - Não! Falei isso! (risos) Entendeu? (ent, 1: 26)

Sollylove acreditava que ao falar inglês “perfeito” poderia se comunicar sem problemas com qualquer falante de inglês em qualquer parte do mundo, principalmente com os norte-americanos. Ela se dizia constrangida ao falar inglês:

R: Como é que você se sente ao falar inglês?

S: Aí você me pegou! Eu acho que falar inglês é o mais difícil! Falar é o mais difícil. Acho que a gente fica com vergonha, a gente não treina o falar inglês né? Na escola. Então, envolve tudo isso. Engraçado porque eu canto em inglês, mas não falo inglês. Para eu falar inglês tem que ser assim em uma situação extremamente necessária, sabe? Agora, na sala de aula, eu fico constrangida de conversar em inglês, com pessoas que sabem o inglês, eu fico constrangida.

R: Umhum.

S: Umhum. Então, eu acho que é muito justificativa também né? Porque a gente fica com vergonha da pronúncia, sei lá, de errar! (ent,1: 28)

Sua trajetória no ensino regular não a havia auxiliado a treinar as habilidades orais como gostaria, mesmo tendo estudado inglês em uma escola de línguas durante dois anos, e praticado com o namorado americano e os amigos da igreja. De fato, teve muitas oportunidades de interação oral, mas fora da sala de aula. Eu não sentia que Sollylove era inibida ao falar inglês com as pessoas que conhecia e que falavam inglês como os norte-americanos. Mas na escola não conseguia treinar e tinha vergonha de se expressar. Inibia-se na frente de alguns colegas que considerava “avançados” e às vezes na frente da professora, todos esses falantes de português. Estes podiam perceber a forte presença da língua portuguesa em seu discurso na língua inglesa.

Seus sentimentos e desafios ao falar inglês eram semelhantes aos de Arwen. Tinha medo de errar a pronúncia e sentia-se envergonhada por não soar como um nativo, “como um americano”, já que para ela “o inglês é a língua americana”, “a língua mais falada” (ent, 1: 22). Ficava inibida de falar inglês com pessoas que considerava que falavam mais inglês do que ela. Sentia-se envergonhada pelos colegas e pela professora, que tinha um “inglês britânico excelente”:

R: E aqui na sala? Como é que é aí na hora da interação, da conversação? S: Ah, eu me sinto envergonhada.

R: Se sente envergonhada?

S: Quando eu vou conversar com um colega pertinho assim. R: Pertinho é quem?

S: É às vezes o Cheguevara que está mais perto ou o Flávio. A Arwen sabe? Quando é pra conversar com a gente só nós assim, eu gosto, acho legal. Mas, na hora de falar para todo mundo ouvir, aí eu já fico com vergonha, parece que dá uma trava, sabe? Me trava.

R: E você acha que você está falando muito para a galera toda ou mais entre vocês? S: Está mais entre a gente aqui. Eu ainda não falei para todo mundo. Eu acho que a apresentação que vai me ajudar um pouco nisso, nesse ponto aí, sabe? Lá na Faculdade de Letras que eu fazia, eu tive uma apresentação oral, era tema livre, né, cada um escolhia o seu. Aí foi legal porque eu falei inglês, sabe? Até foi o pessoal gostou bastante. Falei do assunto que eu conhecia, né? E levei coisas para mostrar do que que eu estava falando. Agora, falar inglês aqui na sala e perguntar em inglês para a professora...eu já fico constrangida. (ent, 1: 27, 28)

Assim como acontecia com Arwen, tinha menos vergonha quando interagia com os colegas mais próximos. Sua identificação com Arwen a aproximava dela. Sentiam uma

empatia mútua, compreendiam as dificuldades uma da outra, o que as ajudava a melhorar em conjunto. Como compartilhavam os mesmos sentimentos e se identificavam de outras maneiras, a vergonha diminuía consideravelmente e podiam falar uma com a outra. Como diziam, “estavam no mesmo barco” (nota de campo). Entretanto, falar para um público que avaliavam ter melhor nível na pronúncia, e falar na presença da professora era um desafio maior. A “trava” costumava entrar em cena.

Esta vergonha poderia também estar associada a sua elevada exigência quanto à pronúncia que acreditava ser necessária para cantar na língua inglesa. Tinha que cantar com uma pronúncia igual à dos cantores que imitava! Tinha um alto padrão de exigência, que estava associada à sua inibição. Volto a afirmar, não sentia que Sollylove era uma pessoa inibida fora da sala: parecia ser uma inibição situada na sala de aula de inglês. Afinal, Sollylove cantava em bares nos finais de semana em sua cidade, fazia leituras orais em sua igreja, tinha amigos norte-americanos da igreja com quem arrriscava conversar em inglês, e ainda foi a participante da pesquisa com quem mais expandi as entrevistas semi-estruturadas. Era sempre expansiva e espontânea em nossos encontros nos corredores da FALE desde o início, bem como em nossos encontros formais.

Assim como com Arwen, um dos fatores envolvidos em sua inibição era a auto-avaliação negativa de sua expressão oral. Queixava-se da interferência do português em sua expressão oral e da dificuldade que tinha de pensar em inglês e não ter que traduzir para falar. Tinha medo de expor-se ao ridículo, demonstrando um parco conhecimento do inglês e a constante interferência negativa de sua língua materna. Dizia que os colegas iam perceber que não pensava em inglês e que isso demonstrava como sabia pouco:

R: Por que (me referindo ao seu constrangimento do trecho anterior)?

S: Eu acho que é porque eu não tenho domínio ainda da língua, entendeu? Acho que não tenho fluência, então...

R: Aí que você acha que vai errar?

S: É! É o tal traduzir, sabe? Do português pro inglês. R: Pro inglês?

S: A gente acaba falando muita bobeira! Será que alguém vai pensar assim, vai achar errado, vai rir de mim? Sei lá! O que que eles vão pensar? A gente pensa muito nisso.

R: O que que eles vão pensar de você?

S: É. O que que eles vão pensar de mim, né? O que que eu estou falando né? Eu