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2.6 Métodos indiretos: parâmetros geotécnicos

2.6.1 Solos granulares

Sabendo-se que o NSPT fornece uma medida de resistência, é prática comum estabelecer correlações entre o NSPT e a densidade relativa (Dr) ou ângulo de atrito interno do solo (ɸ’). Algumas correlações usuais adotadas na prática de engenharia são apresentadas a seguir. As proposições de Gibbs e Holtz (1957) e Skempton (1986) são usadas na estimativa de Dr, e no caso das proposições estabelecidas por De Mello (1971) e Bolton (1986), elas não são aplicadas diretamente ao valor de NSPT, mas usadas para converter as estimativas de Dr em ɸ’. Para a densidade relativa:

E para o ângulo de atrito:

Nessas equações, σ’ e p’ são expressos em kN/m2; Dr, em decimais; e NSPT = (NSPT)60, ou seja, recomenda-se corrigir a medida de resistência à penetração em função da energia de cravação.

O valor de ɸ’ pode, ainda, ser estimado graficamente por meio da proposição de Peck, Hanson e Thornburn (1974), que resulta, em geral, em estimativa conservadora para projetos rotineiros (Fig. 2.10A). Mitchell, Guzikowski e Vilet (1978) mostram o efeito da pressão vertical efetiva na relação ɸ’ × NSPT, conforme apresentado na Fig. 2.10B. Antes do seu uso na obtenção do ângulo de atrito interno, o valor da penetração deve ser corrigido, em ambos os casos, levando-se em conta os efeitos da energia de cravação e da tensão atuante.

Expressões usualmente adotadas na estimativa do ângulo de atrito interno foram propostas por Teixeira (1996) e Hatanaka e Uchida (1996):

FIG. 2.10 Estimativa do ângulo de atrito interno com base em ensaios SPT

Alternativamente, o ângulo de atrito interno dos solos arenosos pode ser determinado com base no conceito de energia (Odebrecht, 2003; Schnaid, 2009; Schnaid et al., 2009). Nesse caso, a energia necessária para cravar o amostrador no solo, combinada à teoria de capacidade de carga e expansão de cavidade, permite a determinação do ângulo de atrito de um solo granular.

Com base na teoria de capacidade de carga de estacas, é possível determinar a força última (Fe) por meio da equação:

onde Nc, Nq e Nγ são fatores de capacidade de carga; Ap é a área da ponta do amostrador; Al, a área lateral do amostrador (= πdha); d, o diâmetro do amostrador; ha, a penetração média do amostrador; L, a profundidade do ensaio; e γ, o peso específico do solo. Em solos granulares, o termo c · Nc é considerado nulo, e o termo 0,5 · γ · d · Nγ pode ser desprezado por ser muito

inferior ao termo que envolve o fator de capacidade de carga Nq. Efeitos de arqueamento e viscosidade são desprezados (isto é, a força dinâmica Fd é considerada igual à força estática Fe), o coeficiente de pressão lateral Ks é adotado como constante 0,8 (Broms, 1965) e o ângulo de atrito amostrador (aço-solo) é 20° (Aas, 1965).

O fator de capacidade de carga Nq é determinado​ a partir da expressão de cavidade (Vésic, 1972):

onde o índice de rigidez Ir e a pressão média efetiva p’ são, respectivamente:

onde G é o módulo cisalhante; , a tensão efetiva vertical na profundidade de ensaio; e K0, o coeficiente de empuxo em repouso, expresso em função da razão de pré-adensamento (OCR):

Para a determinação do ângulo de atrito, pode-se, alternativamente, adotar o fator de capacidade de carga proposto por Berezantzev, Khristoforov e Golubkov (1961), em cuja abordagem o valor de ɸ’ não é dependente da rigidez da areia.

O procedimento para determinar o valor de ɸ’ resulta nos seguintes passos:

1] Determinar o valor da penetração permanente do amostrador ∆ρ: recomenda-se a utilização

do valor médio de ∆ρ, ou seja, ∆ρ = 30 cm/NSPT.

2] Com esse valor, calcular a força dinâmica Fd.

3] Estimar o valor da tensão efetiva na profundidade de ensaio e a razão de pré-adensamento

com base em conhecimento geológico e geotécnico prévio do sítio geológico objeto do estudo.

4] Estimar o valor de ɸ’ a partir da Eq. 2.18, adotando os valores determinados nos passos 2 e 3.

Essa metodologia resulta em um processo iterativo, já que ɸ’ é necessário para estimar o valor de Nq (dado de entrada no cálculo). O uso de planilhas eletrônicas permite uma estimativa rápida e fácil desse valor; contudo, a Fig. 2.11 apresenta esses resultados em gráfico, permitindo a estimativa de ɸ’ diretamente do valor de (NSPT,1)en. É importante destacar que essa figura é valida somente para equipamentos de sondagem cuja configuração obedece às recomendações da NBR 6484/2001, representadas pelos fatores de eficiência considerados pelos autores. Nesse caso, o valor de (NSPT,1) é igual a (NSPT,1)en e pode ser obtido diretamente pela expressão NSPT·CN. Na mesma figura, além dos valores compilados para diferentes valores de Ir, apresentam-se também os dados calculados com base no fator de capacidade de carga proposto por Berezantzev, Khristoforov e Golubkov (1961) – linha em destaque na Fig. 2.11B (Schnaid et al., 2009). Outras

relações obtidas empiricamente com base no (NSPT,1)60 são apresentadas e conduzem a valores de ângulo de atrito na mesma faixa de ocorrência: Hatanaka e Uchida (1996) e Décourt (1989).

FIG. 2.11 Determinação do ângulo de atrito Fonte: Schnaid et al. (2009).

Um exemplo ilustra a utilização do procedimento descrito anteriormente, admitindo-se um solo com peso específico γnat = 18 kN/m3 e ausência do nível d’água. Resultados de ensaios a duas profundidades resultam em:

a] Profundidade z = 1,5 ⇒ = 27 kN/m2 e NSPT = 5. CN = 1,5 (limite superior recomendado) (Fig. 2.7) NSPT,1 = 5 × 1,5 = 7,5

Da Fig. 2.11 ou da Eq. 2.18, obtém-se um valor de ɸ’ = 29°.

b] Profundidade z = 15 m ⇒ = 270 kN/m2 e NSPT = 20. CN ≈ 0,5 (Fig. 2.7)

NSPT,1 = 20 × 0,5 = 10

FIG. 2.12 Razão entre E/NSPT,60 e nível de carregamento Fonte: Stroud (1989).

Com relação à estimativa do módulo de elasticidade do solo, Stroud (1989) utilizou dados existentes na literatura para estabelecer uma relação entre E/NSPT,60 e o “grau de carregamento” q/qult (Fig. 2.12). Nessa figura, a resistência à penetração foi corrigida para 60% da energia, mas não para o nível de tensões, pois o autor argumenta que tanto N como E crescem com o aumento das tensões efetivas médias de campo.

Com base na Fig. 2.12, verifica-se que um fator de segurança à ruptura de 3 na capacidade de carga (q/qult = 1/3) estabelece um valor de E/NSPT,60 = 1 (MPa). A análise dos casos utilizados por Stroud mostra que, na prática, a maioria das fundações apresenta fator de segurança superior a 3, resultando em valores de q/qult inferiores a 0,1 no gráfico. A sugestão para essa condição é que, no caso dos solos normalmente adensados, a relação a ser adotada entre E/NSPT,60 cresça para 2 MPa, e para areias pré-adensadas cresça para valores superiores a 3, podendo chegar a 10.

Como o SPT é um ensaio representativo de grandes deformações, a prática de associar o número de golpes NSPT ao módulo de cisalhamento G0 (obtido a pequenas deformações) deve ser interpretada com cautela. Uma aproximação conservadora dos valores de G0 para areias limpas não cimentadas pode ser obtida com base na proposta de Schnaid (1999) e Schnaid, Lehane e Fahey (2004):

Com base nos dados do trabalho de Burland e Burbidge (1985), Clayton (1986) obteve as relações E/NSPT,60 representadas na Tab. 2.6, considerando faixas de ocorrência na média similares às obtidas por Stroud (1989).

TAB. 2.6 Relações E/NSPT,60 (em MPa)

NS PT E/NS PT,60 (MPa)

Média Limite inferior Limite superior

4 1,6 - 2,4 0,4 - 0,6 3,5 - 5,3 10 2,2 - 3,4 0,7 - 1,1 4,6 - 7,0 30 3,7 - 5,6 1,5 - 2,2 6,6 - 10,0 60 4,6 - 7,0 2,3 - 3,5 8,9 - 13,5 Fonte: Clayton (1986).

2.6.2 Solos coesivos

De Mello (1971) apresentou uma coletânea de resultados da literatura, estabelecendo valores Su/N na faixa entre 0,4 e 20. Stroud (1989), utilizando apenas dados de argilas pré-adensadas, identificou a variação Su/NSPT,60 de 4 a 6, conforme ilustrado na Fig. 2.13. O universo abordado por Stroud compreende apenas argilas pré-adensadas não sensitivas e ensaios de referência para obtenção de Su, realizados em amostras triaxiais com diâmetro de 100 mm, ao passo que os valores da avaliação estabelecidos por De Mello compreendem solos argilosos sensitivos e várias formas de obtenção da resistência não drenada, resultando, portanto, em variação significativa.

FIG. 2.13 Relação entre Su e NSPT,60 Fonte: Stroud (1974).

Na experiência dos autores da presente obra, e como recomendação geral de projeto, as relações entre Su e NSPT,60 (obtidas segundo a Fig. 2.13) não devem ser utilizadas para solos moles (NSPT < 5) pela falta de representatividade dos valores de NSPT medidos nos ensaios.

De forma similar ao procedimento descrito para areias, pode-se utilizar a relação entre a força de reação do solo e a cravação do amostrador para determinar o valor da resistência não drenada Su:

Ao isolar-se o valor de Su, tem-se:

onde Fe é a força de reação do amostrador; Ap = (de2 – di2)π/4; Al = (deπ + diπ)l; γ é o peso específico natural; L, a profundidade do ensaio; α, a adesão do solo; e Nc = 3,90 + 1,33ln(Ir) (Vésic, 1972).

Para fundações diretas em solos argilosos, o valor do fator de capacidade de carga Nc varia de 7 a 9 (Caquot; Kérisel, 1953; De Beer, 1977a; Skempton, 1986). Contudo, no caso de ensaios de piezocone, o fator de capacidade de carga Nkt pode apresentar uma faixa mais ampla (ver seção 3.4.1 do Cap. 3), podendo atingir valores da ordem de 30 (Lunne; Robertson; Powell, 1997). Não há experiência sistemática para a interpretação de sondagens SPT; deve-se calibrar localmente o NkSPT (Schnaid et al., 2009).

A velocidade de cisalhamento em solicitações não drenadas tem influência direta no valor da resistência não drenada (Tavenas; Leroueil, 1977; Vaid; Robertson; Campanella, 1979; Kulhawy; Mayne, 1990; Sheahan; Ladd; Germaine, 1996; Biscontin; Pestana, 2001; Einav; Randolph, 2005). A velocidade de cravação do amostrador é muito rápida quando comparada às velocidades de cisalhamento de ensaios de laboratório (valores típicos de laboratório da ordem de 0,3 · 10–3%/s, ao passo que, em campo, são da ordem de 103 a 105%/s). Essa diferença resulta em valores de Su medidos em campo de 1,5 a duas vezes maiores que em laboratório (Randolph, 2004). Com base nessas evidências, adota-se:

Ao combinar-se as Eqs. 2.4 e 2.5 com a Eq. 2.26, tem-se:

Na Eq. 2.27, a adesão amostrador-solo (α) pode ser estimada a partir de correlações propostas na literatura (Flaate, 1968; Tomlinson, 1969; McClelland, 1974). Com base nessa abordagem, é possível estimar valores de Su, conforme ilustrado nos exemplos apresentados a seguir para o depósito argiloso do Aeroporto Internacional Salgado Filho, em Porto Alegre (RS) e para as argilas fortemente pré-adensadas da Formação Guabirotuba, em Curitiba (PR).