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2.5 A TIVIDADES C RIADORAS DE C ONHECIMENTO

2.5.1 Solução compartilhada de problemas

Três componentes de qualificações personalizadas são fontes de diversidade intelectual e, portanto, de diferenças individuais em solucionar problemas: especialização, preferência de estilo cognitivo e preferências em metodologias e ferramentas, como vistos mais adiante. Se por um lado, essa diversidade intelectual pode proporcionar oportunidades para a criatividade, por outro frequentemente dividem e constituem barreiras em solucionar problemas de forma compartilhada (LEONARD-BARTON, 1998).

Um dos problemas para solução compartilhada de problemas é a armadilha do condicionamento. As pessoas tendem a se fixar numa determinada maneira de uso de um objeto, uma vez que ela tenha sido sugerida (LEONARD-BARTON, 1998), fenômeno tal como o efeito âncora. Face à ausência de algum outro parâmetro referencial, o pensamento fica aprisionado no entorno de uma âncora previamente sugerida, armadilha da qual as pessoas têm dificuldade de se distanciar (TVERSKY e KAHNEMAN, 1974).

Assim, as pessoas podem ter dificuldade em pensar com criatividade, ou seja, a experiência anterior no uso de algum objeto dificulta o pensar criativo, o uso desse objeto de uma maneira diferenciada, criativa. O fenômeno subjacente a esses condicionamentos estão relacionados com os modelos mentais, ou esquemas que usamos para confrontar as informações para resolver problemas. Esses condicionamentos são extremamente úteis nas atividades de rotina, quando nos forçam a tender para a melhor solução para um problema. O lado ruim do condicionamento é quando o conjunto de respostas disponíveis para solucionar problemas se tornam disfuncionais, e assim se torna uma limitação estratégica (LEONARD- BARTON, 1998).

Os modelos mentais também são responsáveis pela morte prematura de novas ideias e insights. Muitas ideias novas sobre práticas organizacionais obsoletas, ou sobre novos mercados, enfim novas oportunidades, não são colocadas em práticas por esbarrar em poderosos modelos mentais implícitos. A novidade pode estar localizada em regiões que esquemas mentais profundamente arraigadas na forma de ver o mundo, e que condicionam o pensar e agir, não alcançam e, assim, se estabelece o conflito fazendo com que novos insights não cheguem a ser colocados em prática. Os modelos mentais podem ter origem em teorias complexas ou mesmo podem ser generalizações simples como “não se pode confiar nas pessoas” (SENGE, 2009, p. 220). Esses modelos mentais são ativos – continua o autor – modificando nosso comportamento, muitas vezes sem termos consciência deles.

E a forma de “codificação” do conhecimento tácito citado por Davenport e Prusak (1998) é o de estabelecer a relação mestre-aprendiz, porque “existem situações em que o conhecimento tácito não pode ou não será totalmente convertido em explícito” (LEONARD e SENSIPER, 1998, p. 125). O trabalho então é limitado em identificar indivíduos com esse conhecimento e incentivar o relacionamento entre esse detentor de conhecimento e outros interessados. O grau em que o conhecimento poderá ser compartilhado será influenciado pelo comportamento de ambas as partes, pois segundo Davenport e Prusak (1998) esse mercado de conhecimento é regulado por sistema de preços com base em fatores como: reciprocidade, reputação, altruísmo e confiança.

Para Senge (2009, p.34) trabalhar os modelos mentais começa por trazer à superfície nossas imagens internas de mundo e mantê-las sob rigorosa análise mediante capacidade em “realizar conversas ricas em aprendizados, que equilibrem indagação e argumentação, em que as pessoas se exponham, de forma eficaz, seus próprios pensamentos e estejam abertas à influência dos outros”.

A primeira das diferenças individuais em solucionar problemas está relacionada à especialização. Ao longo do tempo, tarefas preferenciais vão definindo os tipos de trabalhos com que se envolvem e assim os indivíduos se tornam extremamente competentes mediante experiência em solucionar determinados problemas, desenvolvendo qualificações personalizadas, tais quais assinaturas. Isto é, a personalização decorre de preferências em termos de tipo de tarefa, método cognitivo para abordar o problema e a tecnologia preferida para executar a tarefa, levando à perícia, ou seja, disponibilidade de conhecimento profundo para aplicação, estabelecendo um esquema mental – um “mundo ideativo” (LEONARD- BARTON, 1998, p. 87).

Segundo a autora, em sociedades tecnicamente avançadas, essas assinaturas são valorizadas e incentivadas enquanto não obsoletas, levando organizações a criar e encorajar esses enclaves de competências especializadas e emotivamente conectados ao ego e identidade das pessoas. Essa personalização relaciona-se com a natureza idiossincrática da habilidade que faz parte da identidade das pessoas, a sua marca. E as inovações podem tornar, ou não, obsoletas essas assinaturas, implicando em aceitação, ou não, da nova tecnologia. Já desde o nascimento, a novidade reside nos limites, ou mesmo fora dos domínios dos mundos idealizados e por isso raramente se entrecruzam, a menos que sejam compelidos.

Embora a especialização leve à perícia e assim possa-se dispor de conhecimento profundo para aplicar a problemas, também limitam os especialistas a distintos mundos das

ideias (thought worlds), que raramente se entrecruzam. E o problema é que “hoje, o mais provável é surgirem novos produtos através de inovações na interface de diferentes especializações (ou, por vezes, na interface de produtos já existentes)” (LEONARD- BARTON, 1998, p. 89).

A segunda das diferenças individuais em solucionais problemas diz respeito à preferência em estilos cognitivos. As diferenças individuais em estilos cognitivos são potenciais fontes dissonantes em reuniões para solução compartilhada de problemas (LEONARD-BARTON, 1998). As pessoas têm diferentes objetivos, perspectivas, desejos e emoções em relação ao trabalho em equipe (LIU, MAGJUKA e LEE, 2008). Embora tais preferências predisponham indivíduos a certas especialidades, “não há de modo algum uma correspondência inevitável entre disciplina e estilo preferido” (LEONARD-BARTON, 1998, p. 102).

Tais preferências pessoais podem ser classificadas pelo Indicador de Tipos de Myers- Briggs (Myers-Briggs Type Indicator – MTBI). O MTBI tem como premissa a existência de quatro pares opostos de maneiras de pensar e agir, que as pessoas consideram mais fáceis do que outras. Os pares preferenciais dicotômicos são: extroversão versus introversão, sensação versus intuição, razão (pensamento) versus emoção (sentimento) e julgamento versus percepção (BROWN e REILLY, 2009).

Aparte a discussão sobre a validade do MTBI, como mostra o trabalho de (McCRAE e JR, 1989), Leonard-Barton (1998) salienta dois dos pares de indicadores - sensação versus intuição e juízo versus percepção. Enquanto a preferência por fatos, história e experiência conforma um extremo da sensação, no outro extremo – da intuição – as pessoas preferem a metáfora e a imaginação. Muitos líderes não tentam resolver problemas complexos com base apenas na racionalidade, recorrem a palpites e traçam analogias e paralelos intuitivos com outras situações aparentemente discrepantes (SENGE, 2009). E a diferença em preferências de estilos – sensação versus intuição - tem sido mencionada como “a fonte da maioria dos erros de comunicação, desentendimentos, calúnias, difamações e depreciações. Essa diferença estabelece o maior abismo entre as pessoas” (LEONARD-BARTON, 1998, p. 92).

As forças-tarefas ou equipes que se formam para resolver problemas reúnem pessoas com especializações que tendem a se alinhar em lados opostos desse abismo de intolerância. De um lado indivíduos que preferem abordagens práticas e realistas que “não toleram nenhum contra-senso” de abordagens intuitivas (LEONARD-BARTON, 1998, p. 92) e, de outro lado indivíduos que mediante abordagens intuitivas podem chegar a descobertas, mas não

consegue explicar a outros e nem a si mesmo como a elas chegou (VERGARA, 1991). O desentendimento também ocorre devido a grupos que privilegiam respostas conclusivas, decisões, às opções abertas de outros que buscam mais opções, mais dados, dispõem-se a continuar com a ambiguidade por mais tempo (LEONARD-BARTON, 1998).

Grandes companhias internacionais não apenas reconhecem tais diferenças cognitivas, mas as têm como essenciais para a solução de problemas. Por exemplo, contratando artistas que se reúnem com os cientistas em busca de soluções criativas, porém artistas que tenham interesse em tecnologia a fim de estabelecer uma língua comum entre os dois mundos tão discrepantes (LEONARD-BARTON, 1998).

Já indivíduos com altos níveis de domínio pessoal não se preparam para integrar razão e intuição, conseguem isso naturalmente como subproduto de seu comprometimento. E domínio não se refere a subjugar outras pessoas ou coisas, mas ter o poder e o controle de alguma habilidade, um nível especial de proficiência. Pessoas com alto nível de domínio pessoal “vivem em estado de aprendizagem contínua [..], são profundamente conscientes de sua ignorância, de sua incompetência e de seus pontos a serem melhorados, e têm grande autoconfiança” (SENGE, 2009, p. 181).

A terceira das diferenças individuais em solucionais problemas relaciona-se com a preferência em metodologias e ferramentas de trabalho. A qualificação personalizada depende da especialização e de preferência de estilos cognitivos. Dependendo da formação/especialização, um projeto pode ser levado adiante de uma forma ou outra, pois “sentimo-nos mais à vontade com os instrumentos com que aprendemos – mesmo que nossa escolha se baseie em méritos ‘não objetivos’” (LEONARD-BARTON, 1998, p. 96). A autora traz o exemplo da adoção de instrumentos de design computadorizado – CAD (computer- aided design), na década de 1980, por uma grande firma de eletrônica. Já no próprio projeto dos móveis para instalação dos instrumentos as diferenças metodológicas foram discrepantes. Os membros com formação em engenharia estavam acostumados a projetar, sequencialmente, o desenho subseqüente como aperfeiçoamento do anterior. Os membros com formação artística, por sua vez, criavam uma multiplicidade de esboços à mão-livre, inclusive com vistas de detalhes específicos. Essa multiplicidade de esboços ficava aberta pelo tempo que fosse possível. Ao final, o projeto orgânico, ainda em nível conceitual, reunia as melhores características de cada opção.

A aceitação do sistema CAD pelos engenheiros deu-se sem problemas, já que o ferramental operava segundo a metodologia linear em solucionar problemas. Já os artistas se

depararam com dificuldades operacionais, tendo que imprimir diversos desenhos para visualizar todas as opções antes de fazer a seleção, consumindo muito tempo. Embora todos tenham acabado por usar o sistema CAD, ainda assim os artistas continuaram a sentirem constrangidos pelo novo ferramental (LEONARD-BARTON, 1998). Pesquisas sugerem que essa diferença tem origem na natureza humana; os artistas mais intuitivos e perceptivos exigiam mais do lado direito do cérebro enquanto os engenheiros, mais “‘sensatos’ e judiciosos”, usavam mais o lado esquerdo para a mesma tarefa (LEONARD-BARTON, 1998, p. 96; VERGARA, 1991).

Outra atividade criadora de conhecimento – a segunda citada por Leonard-Barton (1998), diz respeito à incorporação de novos processos técnicos e ferramentas, como vistos a seguir.