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2 MOBILIZANDO NOÇÕES EM ANÁLISE DE DISCURSO

2.5 SUJEITO E FORMA-SUJEITO …

O sujeito em AD é concebido como aquele que profere enunciados a partir de um tempo/espaço, situado historicamente e fundamentalmente marcado pela ideologia, como já pudemos compreender, a partir do que foi exposto no item em que abordo a noção de Ideologia e a forma como ela interpela os indivíduos em sujeitos. O sujeito também é marcado por suas relações com os outros discursos e com os outros sujeitos, constituindo-se nas interações. Em outras palavras, o sujeito se constitui no discurso. Não há discurso sem sujeito, mas ele não é “livre” para dizer qualquer coisa, à medida que integra o funcionamento ideológico de forma tão intensa que se torna impossível afastar discurso e ideologia.

Retomando o que foi dito anteriormente a partir de Althusser (1999), o funcionamento ideológico que emerge nos discursos funciona de forma similar à submissão do sujeito ao inconsciente (no sentido freudiano). Pêcheux acrescenta que o Sujeito (com letra maiúscula) é o que Lacan designa como Outro (também com letra maiúscula): “o inconsciente é o discurso do Outro” (PÊCHEUX, 2014, p. 124). Então, o que funciona pela ordem do inconsciente está materialmente ligado, através do

“processo Significante na interpelação e na identificação”10, ao assujeitamento ideológico. Materialmente ligados, mas sem se confundir. Neste sentido, os sujeitos compõem seus discursos a partir de uma dimensão que é, ao mesmo tempo, consciente e inconsciente, já que nenhum discurso escapa a esta submissão, por ser ela mesma estruturante do modo de funcionamento discursivo. Em “Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio”, Pêcheux se refere a processos de imposição e dissimulação. Tais processos são constituintes do sujeito e ocorrem de forma simultânea, tornando-o assujeitado, mas mantendo a “ilusão da autonomia”11. Conforme explica Motta (2014), na perspectiva althusseriana, o sujeito é, ao mesmo tempo, o sujeito da ação (ordem do consciente) e o sujeito sujeitado (ordem do inconsciente). Neste sentido, todo sujeito é sempre-já sujeito, e a noção de “indivíduo” não passa de uma invenção da sociedade capitalista. Além disso, o sujeito é entendido como sendo “descentrado” à medida em que pode ser constituído por várias ideologias relativamente independentes, quando não antagônicas.

Ainda no que se refere à dimensão consciente/inconsciente, Pêcheux (2002) explica que

todo sujeito falante sabe do que fala, porque todo enunciado produzido nesses espaços (logicamente estabilizados) reflete propriedades estruturais independentes de sua enunciação: essas propriedades se inscrevem, transparentemente, em uma descrição adequada do universo (tal que este universo é tomado discursivamente nesses espaços) (PÊCHEUX, 2002, p. 31).

Isso significa que os discursos são dotados de sentido em relação a alguns eventos práticos. Pêcheux dá o exemplo do enunciado “on a gagné”, referindo-se a uma vitória no âmbito político, mas que funciona a partir da metáfora de um jogo esportivo e que, por isso, a verdade ou a relatividade face à história não se aplica a esta situação, isso porque o fato de uma equipe ganhar, e não outra, é logicamente compreendido. Neste sentido, os sujeitos produzem seus discursos instaurando uma relação com os acontecimentos. Nas palavras do autor “o confronto discursivo prossegue através do acontecimento” (PÊCHEUX, 2002 p. 20).

Os sujeitos inscrevem-se em posições discursivas de formas diversas, através de processos de identificação. O processo de identificação do sujeito à FD na qual ele

10 Loc. Cit.

se inscreve constitui a “forma-sujeito”, noção definida por Pêcheux. Segundo Orlandi (2001, p. 50), a forma-sujeito que observamos é representativa da contradição, pois é um sujeito ao mesmo tempo livre e submisso. Trata-se da forma-sujeito do “sujeito jurídico”, com seus direitos e deveres, livre em suas escolhas, sujeito do capitalismo. A forma-sujeito não se refere, portanto, ao indivíduo empírico, mas sim aos efeitos que a sociedade capitalista gera em processos de individualização do sujeito pelo Estado. Em outro trabalho, Orlandi (2012b) aborda a noção de “individuação”, que se refere ao processo de individualização a que todo sujeito é submetido no momento de sua constituição. O indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia e assim se constitui a sujeito-histórica que, na nossa sociedade, corresponde à forma-sujeito-histórica capitalista. Esta forma-sujeito é sustentada na ideologia, através dos lugares institucionais, que correspondem a lugares discursivos, especialmente o jurídico. O sujeito jurídico responde a discursos sustentados na noção de direitos e deveres, de liberdade. Em outras palavras, o sujeito individua(liza)-se a partir das discursividades das quais emanam os sentidos de liberdade e, ao mesmo tempo, de direitos e deveres. Uma vez individuado, o sujeito identifica-se com uma ou outra formação discursiva, assumindo uma posição-sujeito como resultado deste processo de individuação. Este processo é produzido pelo Estado, no imaginário do mundo capitalista. O que Orlandi explica é que o Estado “falha em sua função de articulador simbólico e político” (ORLANDI, 2012b, p. 229) e é justamente a falha que estrutura o sistema capitalista. É através da falha do Estado que os sujeitos se individuam e assumem diferentes posições-sujeito. É esta falha que coloca alguns à margem da sociedade, sustentando uma sociedade de diferenças, característica essencial do capitalismo.

Segundo Pêcheux e Fuchs (2010), o sujeito vive numa ilusão discursiva caracterizada por esquecimentos: o esquecimento n° 1 e o esquecimento n° 2. O esquecimento n° 1 é o que dá ao sujeito a ilusão de ser a origem do seu discurso, pois ele apaga inconscientemente os elementos que remetem a outra FD. De fato, o sujeito apenas retoma sentidos que já existem. Trata-se de uma “representação” de que o sentido está sendo estabelecido pelo sujeito no momento da enunciação, quando na verdade o sentido se estabelece na língua e na história. O esquecimento n° 2 refere-se às formas pelos quais o sujeito refere-seleciona e organiza o refere-seu discurso, elegendo algumas sequências discursivas pertencentes à FD na qual está inscrito e apagando outras, produzindo a ilusão de que seu discurso está refletindo objetivamente o que

ele quer dizer, pois tem a ilusão de que só poderia ser dito daquela forma. Dizer que ele elege algumas sequências discursivas significa que o discurso sempre pode ser outro, porém o sujeito não se dá conta disso totalmente, mas pode sim fazer retornos ao seu dizer mostrando que “sabe” que a maneira como algo é dito faz diferença no estabelecimento dos sentidos. Sendo assim, a AD reconhece o sujeito em suas contradições: nem totalmente livre, nem totalmente assujeitado. Vemos, portanto, que “o sujeito se constitui pelo ‘esquecimento’ daquilo que o determina” (PECHEUX, 2014, p. 150).

A interpelação do indivíduo em sujeito dá origem à forma-sujeito histórica. Ao se identificar com a FD do discurso pedagógico, por exemplo, o sujeito pode ser identificado à forma-sujeito escolar. Assim, o sujeito-professor será interpelado pelos efeitos de sentidos possíveis dentro da FD do DP. Tais efeitos de sentido, como sabemos, vão em determinada direção e têm ligação com a formação social capitalista, à qual pertence o AIE escolar. Assim, o funcionamento ideológico interpela os sujeitos de modo que os leva a ocupar determinados lugares sociais e discursivos que, por sua vez, estão sustentados nas práticas próprias do AIE escolar (suas regras, seu espaço, os conteúdos trabalhados e a forma como são trabalhados etc.). Tais práticas visam à manutenção das relações de produção vigentes do capitalismo e, por isso, a forma-sujeito escolar está atrelada aos “savoire-faire” próprios destas relações de produção.