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Capítulo 4 – Instrumental teórico

4.2. Teoria da Correspondência

preservados padrões estruturais da língua.

Para encerrar esta seção, observe-se que as restrições, na OT, representam tendências, e não leis absolutas – daí a possibilidade de uma ou mais violações não levarem a resultados agramaticais. Regras e restrições diferenciam-se pelo fato de as primeiras serem ligadas às línguas de modo particular, enquanto as segundas são universais e podem ser aplicadas a qualquer língua, de acordo com a sua relevância no fenômeno estudado. Desse modo, o modelo teórico prevê que as gramáticas de todas as línguas têm como base o mesmo conjunto de restrições universais, sendo as distinções entre as gramáticas individuais devidas à ordem em que essas restrições apresentam-se em cada língua.

4.2. Teoria da Correspondência

Em McCarthy & Prince (1993), a noção de correspondência foi introduzida na OT como uma relação de identidade entre base e reduplicante. No entanto, em McCarthy & Prince (1995), os autores propõem a generalização dessa noção de correspondência, estendendo-a a outros domínios tais como output-output e input-output.

A motivação para a extensão da noção de correspondência teve origem no estudo do processo de reduplicação, em que os autores, McCarthy & Prince (1995), constataram a reduzida possibilidade de ser atendida uma das restrições atuantes no processo, RED = Base (o reduplicante deve ser igual à base). Assim, dados como

‘Dedé’ (André) e ‘Cacá’ (Carlos), nos quais o reduplicante reproduz apenas uma parte da base, contrariam a relação de identidade entre base e reduplicante proposta pela OT

Clássica, uma vez que tal relação é atendida somente em casos de reduplicação total, como ‘puxa-puxa’ e ‘quebra-quebra’, havendo, somente nestes últimos casos, a perfeita correspondência entre a palavra-matriz e o reduplicante.

Dessa forma, a Teoria da Correspondência, desenvolvida com base nos princípios básicos da OT, amplia a noção de identidade, visto que, sob essa nova perspectiva, elementos correspondentes não precisam ser idênticos, pois a identidade é regulada, nesse caso, por restrições de fidelidade. Em termos de restrições, tem-se que, quando as restrições de fidelidade são dominadas por outras na hierarquia proposta, a identidade entre a base e o reduplicante é sacrificada. Em contrapartida, se as mesmas restrições de fidelidade forem dominantes, base e reduplicante serão idênticos.

De acordo com Gonçalves (2005: 84), a extensão da noção de fidelidade torna possível a distinção entre operações morfológicas e processos fonológicos, pois a morfologia, se, por um lado, acessa informações prosódicas e se sujeita a pressões fonotáticas, por outro, manifesta um conteúdo e, por isso mesmo, formas subjacentes nunca podem ser exatamente idênticas às de superfície. Por essa razão, ainda segundo o autor, a identidade nas operações morfológicas não deve ser checada entre uma única forma de input e uma de output, mas entre inputs (base e morfema) e outputs, ou, ainda, entre formas de outputs (base e produto de processos morfológicos).

No processo de truncamento, objeto desta dissertação, verifica-se que, de fato, formas subjacentes não podem ser exatamente idênticas às de superfície nas operações morfológicas, pois, em geral, o encurtamento está associado à expressão de um conteúdo. Os dados ‘análfa’ e ‘belê’, por exemplo, diferem de suas bases, ‘analfabeto’ e

‘beleza’, por veicularem um conteúdo inexistente nestas últimas: em ‘análfa’, o conteúdo a ser expresso é a pejoratividade, ao passo que, em ‘belê’, esse conteúdo está

vinculado à fala informal. Destarte, pode-se dizer que a redução necessária à formação do truncamento está ligada à chamada função discursiva dos processos de formação de palavras, nos termos de Basílio (2004), por veicular um conteúdo expressivo.

Com base no que foi exposto nesta seção, constata-se que a Teoria da Correspondência é mais adequada para a análise de operações morfológicas, uma vez que amplia a noção de identidade, constituindo-se um modelo que opera com a noção de fidelidade entre representações linguísticas de níveis variados. A definição de correspondência, formulada por McCarthy & Prince (1995), prevê uma relação entre camadas, de acordo com o que se segue:

(02) Dadas duas camadas, S1 e S2, correspondência é uma relação R dos elementos de S1 para os elementos de S2. Segmentos α (um elemento de S1) e β (um elemento de S2) são considerados correspondentes um do outro quando α R β.

De acordo com a definição em (02), S1 e S2 são variáveis que podem ser substituídas por I (input), O (output) ou por outros domínios que exijam a identidade entre formas. Desse modo, nas palavras de Gonçalves (2005: 84), S1 pode ser interpretado genericamente como uma base (B) sobre a qual atuam processos como a reduplicação, o truncamento e a hipocorização. Nesses casos, S2 pode ser o reduplicante (R), a palavra truncada (T) ou o hipocorístico (H).

A seguir, serão definidas algumas famílias de restrições que atuam sobre elementos correspondentes. Essas restrições envolvem as representações S1 e S2, que partem das relações entre input e output (I-O), mas podem ser estendidas a relações do

tipo output-output, tais como a identidade base-reduplicante (B-R) e base-truncamento (B-T):

(03) MAX: S2 deve estar maximamente contida em S1 (não deve haver apagamentos).

(04) DEP: S1 deve estar maximamente contida em S2 (não deve haver inserções).

(05) LIN (LINearidade): a sequência linear dos elementos de S2 deve ser idêntica à dos seus correspondentes em S1 (não pode haver inversão de segmentos).

(06) IDENT-T (IDENTidade de traços): segmentos correspondentes possuem o mesmo valor para o traço T, ou seja, não são permitidas permutas de traços de S1

para S2.

O processo de truncamento envolve, portanto, a dimensão B-T (base-truncamento), cujas relações de correspondência se concretizam, por exemplo, por meio da restrição de fidelidade MAX B-T (maximalidade da base no truncamento), que veta apagamentos. Nesse caso, por ser o truncamento um processo que envolve perdas segmentais obrigatórias, uma vez que se trata de um processo de encurtamento13, a restrição MAX B-T será sistematicamente violada, devendo, por isso, estar dominada na hierarquia. Dessa forma, conforme já mencionado nesta seção, a identidade entre a base e o truncamento é sacrificada em favor de outras restrições prioritárias.

Na próxima seção, traça-se um panorama mais completo acerca da relação entre correspondência e truncamento, tomando-se como base o trabalho de Benua (1995).

13 De acordo com Benua (1995), esta afirmação não pode ser considerada inteiramente verdadeira, pois, em japonês, nomes constituídos de bases monomoraicas devem alongar-se para formar truncamentos.

Entretanto, com exceção desses raros casos, o truncamento morfológico exige a perda de material da base,