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Teoria da Otimalidade Clássica

No documento Universidade Federal do Rio de Janeiro (páginas 26-35)

A Teoria da Otimalidade (TO) surge como modelo para análises fonológicas e morfológicas em 1991 na conferência Optimality, realizada por Alan Prince & Paul Smolensky, no Arizona, Estados Unidos. Esse novo modelo, diferentemente do que postulam outras teorias gerativas, não se baseia em regras, ou seja, , uma infração a determinada restrição não representa agramaticalidade, como nos modelos que antecederam no tempo a TO, mas a satisfação a um restritor mais bem cotado em um ranking de prioridades estabelecido para cada língua. Dessa forma, a TO passa a não mais trabalhar com o emparelhamento entre input e output a partir de estratos derivacionais em que regras ordenadas são aplicadas até se chegar ao produto linguístico de superfície, mas com a avaliação de formas em paralelo, sendo essas formas geradas pelo GEN (do inglês, generator), um dos componentes da gramática otimalista, e avaliadas pelo conjunto de restrições universais (CON, do inglês, constraints).

27 Para dar conta desse novo modo de encarar as relações entre forma subjacente e de superfície, a TO respalda-se em cinco premissas básicas: (a) universalidade; (b) violabilidade; (c) hierarquização; (d) inclusividade e (e) paralelismo.

Na TO, a universalidade está diretamente relacionada ao um conjunto de restrições, presente em qualquer gramática. Desse modo, pode-se dizer que as restrições postuladas pela TO são aplicáveis a todas as línguas e a diferença entre cada língua está no modo como são hierarquizados os restritores. Por isso, a TO pretere restrições particulares a uma única língua, como ocorreu, em larga escala, nos modelos teóricos pautados em regras.

No que se refere à violabilidade, pode-se dizer que se caracteriza pela possibilidade de se violarem as restrições universais. Essa violação, no entanto, não ocorre fortuitamente, pois infringir uma restrição significa satisfazer a outra mais bem cotada na hierarquia de uma determinada língua.

Assim, a Teoria da Otimalidade traz à tona a violabilidade como um recurso inerente às línguas, mostrando que, para que uma forma seja ótima, ou seja, para que a forma escolhida seja, de fato, a realização do falante, não é fundamental obedecer a todo o conjunto de restrições, pois um candidato ótimo deve apenas consolidar-se em relação às demais formas como o que melhor atende as demandas de uma hierarquia.

A hierarquização é uma premissa aplicada às restrições universais.

Pode-se afirmar que a hierarquia é o que configura a gramática de uma língua.

Dessa maneira, a organização de um ranking de restrições muda em função de cada língua; assim, as diferenças interlinguísticas correspondem a diferenças no ranqueamento de restritores universais.

28 A inclusividade é uma premissa que se refere ao conjunto de análises candidatas, ou seja, às formas linguísticas vistas como possíveis candidatos a output. O gerador (do inglês, GEN) pode, em princípio, criar um conjunto infinito

de candidatos (propriedade denominada, por Prince & Smolensky (1993), de

“liberdade de análise”). No entanto, condições gerais de boa-formação e imposições de fidelidade podem limitar o número de formas incluídas na análise, de modo a evitar candidatos absurdos ou muito diferentes do input.

Por fim, o paralelismo pressupõe a análise dos candidatos em paralelo, ou seja, sem recorrer a estratos derivacionais, não havendo necessidade de filtros nem de ciclos derivacionais10 para que sejam avaliadas as formas candidatas a output: todas são analisadas em paralelo pelas várias demandas da hierarquia.

A avaliação dessas formas candidatas organiza-se a partir de uma

“gramática”, exemplificada, segundo Archangeli (1997), como em (01), a seguir:

10 Pelo menos no que diz respeito à TO Clássica. Em outros modelos otimalistas, acolhidos na rubrica genérica TO Estrastal, como a LPM-OT (Lexical Phonology-Morphology OT), desenvolvida por Kiparsky (1997), faz-se uso de ciclos, o que leva a descartar a premissa do paralelismo.

29 (01)

Como mostra a formalização em (01), o léxico fomenta a escolha do input. Este, por sua vez, após determinado, passa pelo crivo do gerador (GER),

componente da gramática que gerencia a criação de formas candidatas a output. É importante destacar que não são geradas formas aleatórias, mas

apenas aquelas que mantêm uma relação de identidade com a forma de input.

Determinados os candidatos, o avaliador, associado ao conjunto de restrições universais (CON, de constraints, do inglês), verifica a forma que melhor atende à hierarquia de relevância, selecionando, assim, o output ótimo.

No caso da hipocorização, a gramática da TO funciona como em (02), a seguir:

LÉXICO

/INPUT/

GERADOR (GER)

[Cand 1] [Cand 2] [Cand 3] [Cand 4]

AVALIADOR (AVAL) (CON)

[OUTPUT]

30 (02)

Conforme sinalizado em (02), o léxico fornece os antropônimos, como

‘Bernadete’, por exemplo, já que corresponde ao conjunto de elementos linguísticos que possibilitam a formação do input. Após determinada a forma subjacente (no nosso caso, sempre o antropônimo), o gerador cria candidatos a output, mas, como se sabe, esses candidatos devem possuir similaridades em relação à forma de input. Assim, para o antropônimo ‘Bernadete’, podem ser geradas formas como ‘Bêr’, ‘Bérna’, ‘Nadé’, ‘Déte’. Os candidatos, então, passam pela fase de avaliação, levada a cabo por EVAL (do inglês evaluator), que, por sua vez, alimenta-se de um conjunto de restrições universais (CON).

Finalmente, após avaliadas as formas, tem-se o output ótimo, realizado pelos falantes. No exemplo que serviu de ilustração, o candidato mais harmônico (forma ótima) seria ‘Déte’. Vale destacar que a forma ótima pode infringir restrições, desde que a infração seja necessária para que uma outra restrição mais bem hierarquizada seja satisfeita.

LÉXICO

/ANTROPÔNIMO/

GERADOR (GER)

[Cand 1] [Cand 2] [Cand 3] [Cand 4]

AVALIADOR (AVAL) (CON)

[HIPOCORÍSTICO]

31 Tratando-se de restrições, é imprescindível salientar que, na TO, há dois grandes grupos de restritores – o de marcação e o de fidelidade. O primeiro, segundo Gonçalves (2005a), configura “exigências estruturais de vários tipos”;

já o segundo requer “total semelhança entre input e output, determinando um mapeamento de um-para-um entre essas duas linhas de representação linguística” (GONÇALVES & PIZA, 2009:22). Dessa forma, a emergência de um candidato como ótimo advém do conflito entre essas duas famílias de restrições, uma que regula a boa-formação da estrutura linguística e outra que exige a máxima identidade entre input e output.

A depender de cada processo analisado, podemos ter rankings em que as restrições de marcação dominam as de fidelidade e vice-versa. Por exemplo, se, em uma língua, um restritor como MAX-IO (antiapagamento) domina a hierarquia de prioridades e ONSET (preenchimento do ataque) é um restritor posicionado abaixo de MAX, a língua requer que não sejam apagados segmentos do input para o output, mesmo que, para isso, haja uma sílaba em que a posição de ataque não esteja preenchida, como em (03)11, a seguir:

11 A notação utilizada nos tableaux condiciona o uso das barras - / / - à transcrição fonológica dos dados que correspondem ao input; os colchetes - [ ] - indicam palavras prosódica; o uso dos parênteses - ( ) - determina a formação de pés e os pontos delimitam as sílabas. Além disso, a marcação C refere-se à posição subespecificada para consoantes, enquanto V, para vogais.

32 (03)

/V.CV/ MAX-IO12 ONSET13

[(V.CV)] *

[(CV)] *!

Em (03), observamos o tableau, formalização utilizada no modelo otimalista para representar a avaliação de formas. Nele, no primeiro espaço à esquerda, aparece a forma de input, aqui representada entre barras, /VCV/, em que V e C representam, genericamente, um segmento vocálico (V) e um segmento consonântico (C). Na mesma linha, seguem as restrições ranqueadas conforme as prioridades da língua. Nesse caso, MAX-IO é seguida por ONSET, por dominar esse restritor. Na coluna em que é posta a forma de input, organizam-se as estruturas candidatas, aqui representadas entre

colchetes, [(V.CV)] e [(CV)]. A relação de dominância entre os restritores é evidenciada pelo uso de uma linha contínua que delimita, pois, a relação de dominância: A >> B.

Iniciada a avaliação de formas, o candidato 2 infringe a restrição de fidelidade e, portanto, recebe o sinal *, seguido de ! e está eliminado da disputa; daí o uso do hachurado para indicar que os demais restritores não terão seus efeitos visíveis na avaliação da forma já eliminada. O candidato 1, por mais que viole ONSET, é a forma ótima, já que a infração evidencia um maior respeito à fidelidade, que, nessa língua, é prioritária; logo, em (03), FIDELIDADE >> MARCAÇÃO.

12 Optamos por adotar a nomenclatura de restrições em inglês. Dessa forma, em nota, apresentaremos, sempre que possível, o correspondente em português. No caso. MAX significa MAXIMIDADE e, em português, temos MAX-IO, que corresponde à maximização dos elementos do input no output.

13 ONSET é nomeado, em português, ATAQUE. O restritor obriga que a posição de ataque silábico seja preenchida.

33 Conforme salientamos no Capítulo 2, a redução de antropônimos visa à formação de palavras mínimas e, portanto, um hipocorístico compõe-se por até um pé binário. Se, então, uma questão de natureza estrutural é primordial na seleção da forma ótima, MARCAÇÃO >> FIDELIDADE. Dessa forma, pode-se dizer que a relação de identidade entre o input e o output é mínima e capaz meramente de tornar possível o rastreamento do antropônimo a partir da forma hipocorizada, como mostra o tableau em (04)14:

(04)15

14 Utilizamos, apenas para fins de exemplificação, a restrição MAX-IO. Na proposta unificada de tratamento da hipocorização no português brasileiro, outras restrições de fidelidade estarão em jogo, como veremos mais adiante, no Capítulo 6. Entretanto, na análise proposta por Thami da Silva (2008) para o tratamento do tipo B de hipocorização (Capítulo 4), MAX tem papel importante na análise dos encurtamentos, por isso adotamos esse restritor para exemplificar a relação de dominância entre MARCAÇÃO e FIDELIDADE.

15 Faz necessário salientar que, no caso da hipocorização, a marcação acerca do acento é essencial à análise. Dessa forma, como na transcrição fonológica não se deve marcar o acento, consideramos uma formação simples que consiste em apresentar a grade métrica imediatamente acima da transcrição do input e, o acento primário da palavra na linha mais alta da grade. Assim, garantimos a formalização métrica do input.

16 PARSE-pode ser traduzida por ANALISE-Quanto à sua definição, requer que a categoria prosódica sílaba esteja intergrada à categoria prosódica pé.

17ALLFOOT(R) traduz-se por TODO-PÉ (D), ou seja, o pé deve estar alinhado à direita da palavra prosódica.

* ( * . * .)

/filomena/

PARSE16- ALLFOOT(R)17 MAX-IO

a) [(fi.’lɔ)]  ****

b) [fi.(lõ.’me)] *! **

34 Em (04), o antropônimo ‘Filomena’ é o input, seguido das formas candidatas (a), ‘Filó’18, e (b), ‘Filomê’. As restrições PARSE-que exige que sílabas sejam integradas a pés, e ALLFOOT(R), responsável pelo alinhamento do pé à direita da palavra prosódica, estão em um mesmo nível hierárquico (a linha tracejada indica a não-dominância entre elas, que corresponde à relação {A, B}). Esses dois restritores, por sua vez, dominam MAX-IO, responsável pelo não-apagamento de segmentos fônicos do input para o output.

O candidato (b) viola PARSE-, já que há uma sílaba não-integrada à categoria prosódica pé. Ainda que não infrinja ALLFOOT(R), (b) está eliminado da disputa, pois a forma (a) passa ilesa pelos dois primeiros restritores. A restrição MAX-IO é atendida, da melhor maneira, pela forma (b), posto que são apagados apenas dois segmentos do input para o output, enquanto, em (a), são apagados quatro segmentos. No entanto, como a hipocorização é um processo caracterizado pela perda de material segmental para a criação de uma nova forma, é importante frisar que MARCAÇÃO >> FIDELIDADE19 e, portanto, não atender a MAX, ainda assim, garante à forma (a) a vitória como output ótimo.

Assim, como podemos observar, a emergência de um candidato como forma de superfície depende do respeito às exigências de nível mais alto. Além disso, as relações de dominância entre as restrições de marcação e de fidelidade garantem a formação de uma hierarquia de relevância baseada no

18 É importante salientar que, no que se concerne às referências feitas aos candidatos no corpo do texto, utilizaremos grafemas, a fim de facilitar a leitura.

19 Na proposta de Thami da Silva (2008), apesar de dominada, a restrição MAX-IO mostrou-se responsável pela seleção de candidatos ótimos na hipocorização, visto que a perda de segmentos fônicos torna uma estrutura opaca e, portanto, a melhor satisfação a MAX pode conferir a uma forma candidata sua emergência como output ótimo. Quando, então, uma restrição dominada torna os seus efeitos decisivos na seleção da forma de superfície, temos a emergência do não-marcado (McCARTHY & PRINCE, 1994b).

35 conflito entre essas duas famílias de restritores que compõe CON, o conjunto de restrições universais, conforme prevê a teoria.

Como se pode perceber, a TO Clássica, proposta por Prince &

Smolensky (1993), é um arcabouço teórico capaz de trazer à tona questões importantes sobre o modo como entendemos o funcionamento das línguas em geral. Sendo assim, não mais tratamos o estudo da linguagem de modo dicotômico: de um lado, formas perfeitas que respeitam todas as regras de uma língua e, de outro, formas agramaticais que, muitas vezes, infringem um único princípio linguístico. Compreender que a variação é inerente a cada língua é fundamental para melhor descrever os fenômenos que nela se processam e, nesse sentido, a TO também nos fornece instrumentais capazes de explicar o comportamento variável de muitos fenômenos, como é o caso da hipocorização, como melhor descrevemos na subseção a seguir.

No documento Universidade Federal do Rio de Janeiro (páginas 26-35)