• Nenhum resultado encontrado

Teoria das Subculturas Criminais: o desvio como resultado da obediência a um

CAPÍTULO II – UM APORTE CRIMINOLÓGICO NA COMPREENSÃO DA

2.4 A Virada Sociológica da Criminologia: o começo do fim da ideologia da defesa

2.4.2 Teoria das Subculturas Criminais: o desvio como resultado da obediência a um

Antes de se abordar essa teoria, é importante destacar que a ordem da exposição das teorias neste capítulo não obedece a uma sequência cronológica, a teoria funcionalista na perspectiva mertoniana, por exemplo, não antecede a teoria das subculturas, como se poderia imaginar pela disposição feita neste trabalho. Em verdade, a opção em abordar as teorias funcionalistas primeiro, deve-se, principalmente, ao caráter mais ruptor daquelas em relação ao modelo explicativo então vigente centrado no autor do delito, pois as teorias da criminalidade baseadas nos processos de socialização, embora superem as explicações biantropológicas, como se poderá verificar, continuam presas ao delinquente, cujo comportamento desviante passa a ser explicado pelas deficiências de sua socialização.

A denominação da teoria das subculturas, que a exemplo da teoria da anomia também possui várias matizes, pressupõe uma delimitação do sentido da palavra cultura e de seu papel na vida social. Assume-se aqui uma orientação de ordem sociológica pela qual a cultura é considerada como o complexo conjunto de conhecimentos, crenças, artes, moral, leis e costumes que encaminham o

comportamento social.172 Assim, o papel fundamental da cultura é fornecer regras

para a ação social, sem as quais os seres humanos não podem compreender um ao

outro.173 Por conseguinte, pode-se afirmar que subcultura é um padrão de regras ou

valores normativos opostos ao complexo conjunto da cultura dominante, a qual é evidentemente pressuposto da existência de uma subcultura.

Deve-se destacar que essa teoria de explicação do desvio, assim como todas as que fundamentam a desviação nos problemas de socialização, como a teoria dos

171 Cf. MUÑOZ CONDE, Francisco. HASSEMER, Winfried. Introdução à criminología. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 84.

172 Cf. VILA NOVA, Sebastião. Introdução à Sociologia. 6. ed. rev. e aum. São Paulo: Atlas, 2004, p.53.

173 OUTHWAITE, William; BOTTTOMORE, Tom. Dicionário do pensamento social do Século XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1996, p. 163.

contatos diferencias ou da aprendizagem, têm como antecedente histórico a Escola de Chicago, cuja importância, sobretudo, histórica a torna digna de nota.

Essa escola se caracteriza como o movimento intelectual norte-americano,

que foi responsável pela primeira das teorias sociológicas do crime.174 Seus estudos

são englobados também pelas denominações teoria ecológica ou teoria da

desorganização social; porém a expressão Escola de Chicago é mais

esclarecedora, porque indica tanto o local em que tais ideias foram elaboradas, a Universidade de Chicago, como o campo de observação, qual seja: a vida urbana de

Chicago.175 Considerada o berço da moderna sociologia americana176, essa escola

apresentou explicações para a criminalidade a partir da vida social, baseada sobretudo na ideia do interacionismo simbólico, sobre o qual se fala adiante.

Em regra, o modelo explicativo das subculturas não é considerado uma contradição à teoria da anomia, mas ao revés, compatível com esta, ou mesmo, complementar desta. Enquanto a teoria da anomia se centra no vínculo funcional do comportamento desviante com a estrutura social, a teoria da subcultura estuda o modo como o delinquente, em especial o jovem, vai acolher o comportamento desviante.

Para evidenciar essa compatibilidade entre as duas teorias, de um modo bastante simplificado, atreve-se aqui a afirmar que anomia pode ser considerada como a razão pela qual as subculturas são formadas, porém uma vez formadas estas subculturas teriam seus próprios conjuntos de normas. Logo, o desvio não teria como causa imediata a anomia ou a ausência de regra, mas ao contrário seria um comportamento de acordo com a regra, não aquela estabelecida pela cultura dominante, mas aquela construída conforme o padrão decorrente de sua

incapacidade de adequar-se aos standards da cultura oficial.177

Para os teóricos das subculturas, cujas pesquisas iniciais basearam-se na

delinguência praticada por jovens integrantes das gangs,178 a conduta do

174 DIAS, Jorge de Figueiredo. ANDRADE, Manuel da Costa. Criminologia: o homem delinquente e a sociedade criminógena. Coimbra: Coimbra Editora, 1997, p. 268.

175 DIAS, Jorge de Figueiredo. ANDRADE, Manuel da Costa. Criminologia: o homem delinquente e a sociedade criminógena. Coimbra: Coimbra Editora, 1997, p. 268.

176 GARCIA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. GOMES, Luiz Flávio. Criminologia: uma introdução aos seus fundamentos teóricos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 258.

177 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. Trad. Juarez Cirino dos Santos. 3ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002, p. 73.

178 Embora a teoria de Albert Cohen tenha se centrado na delinquência juvenil, é importante frisar que mais que uma teoria dessa delinquência essa é uma teoria das subculturas não só aplicada

delinquente é correta tendo em vista o padrão da subcultura em que ele se insere e é incorreta na perspectiva das normas da cultura dominante.

Em outras palavras, para a teoria das subculturas, o crime ou desvio é um comportamento resultante da obediência a um código moral que torna a delinquência imperativa. Tal qual o comportamento conforme a lei, o desvio obedece também a um conjunto de valores e crenças, que são construídos à margem da

cultura que orienta a construção legislativa. 179

Assim, a subcultura assume uma função de legitimação da criminalidade, os delinquentes estão em um grupo aproximado cultural e normativamente, o qual se distancia das classes médias e superiores e, consequentemente, de seus códigos de conduta, cujo significado para esses delinquentes torna-se o de mera negação. 180

É inegável que essa teoria tem o valor de pôr em evidência que os valores protegidos pelo sistema penal não correspondem aos valores de determinados grupos sociais, o que de certo modo põe em xeque a ideia de um consenso. No dizer de Baratta essa teoria, mais que a da anomia, contrapõe-se à ideologia tradicional do mínimo ético dirigido a garantir as condições fundamentais da vida em

sociedade.181

Deve-se destacar também que o princípio da culpabilidade, integrante da ideologia da defesa social e pelo qual se reprova a atitude interior de agir em desconformidade com a regra os valores e normas da sociedade, é duramente atingido por essa teoria, que compreende que o comportamento desviante não é contrário à norma que orienta o grupo ao qual o desviante pertence, mas uma norma que lhe é alheia. Logo, tanto o princípio da culpabilidade como a responsabilidade individual tornam-se relativizados, pois o peso da escolha individual é, nessa

compreensão, quase inexistente. 182

ao desvios cometidos por jovens. Cf DIAS, Jorge de Figueiredo. ANDRADE, Manuel da Costa.

Criminologia: o homem delinquente e a sociedade criminógena. Coimbra: Coimbra Editora, 1997,

p. 294.

179 DIAS, Jorge de Figueiredo. ANDRADE, Manuel da Costa. Criminologia: o homem delinquente e a sociedade criminógena. Coimbra: Coimbra Editora, 1997, p. 291.

180 MUÑOZ CONDE, Francisco. HASSEMER, Winfried. Introdução à criminología. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 63.

181 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. Trad. Juarez Cirino dos Santos. 3ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002, p. 76.

182 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. Trad. Juarez Cirino dos Santos. 3ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002, p. 73.

Apesar de relativizar a ideia do consenso, a teoria das subculturas, tal qual a da anomia, não desperta para a crítica o papel das relações sociais e econômicas nos mecanismos de criminalização, seletividade e estigmatização, antes reafirmam a correlação entre criminalidade e estratos sociais mais baixos, reforçando a necessidade da ação repressiva nesses estratos. Ambas as teorias, pois, constatam a influência das estruturas sociais na criminalidade, mas apenas se limitam a explicar essa influência, sem questionarem a dimensão política dos processos de

criminalização. 183

2.4.3 Teoria do Vínculo Social ou do Controle: o rompimento do vínculo