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Física de sistemas macroscópicos

2.1 Indeterminismo macroscópico

2.1.4 Teoria ergódica

Esta talvez seja uma história muito contada em física estatística11. As medidas

macroscópicas levam um certo tempo para serem processadas, um tempo que é consideravelmente

11Ainda que o formalismo ergódico é normalmente identificado como a “teoria ortodoxa” de física

estatística, uma consulta aos livros didáticos certamente não daria esta impressão. Dos livros consultados pelo autor, as referências [?, ?] se posicionam explicitamente contra a relevância da hipótese ergódica, enquanto [?] também dá a entender que além de ser sabidamente falsa, não há porque insistir no argumento, mas apenas em [?] vemos a “história padrão”. Pode se argumentar que Gibbs [?] também tomaria uma posição contrária à ortodoxa. Aliás, a não ser pelo formalismo que é comum, a estrutura lógica das argumentações, a eleição dos conceitos chave, as posições defendidas e atacadas pelos diversos autores raramente são as mesmas; de tal modo, o uso do termo ortodoxia referindo à física estatística talvez seja um tanto quanto vago.

longo com relação aos movimentos microscópicos. Deste modo, uma grandeza macroscópica expressaria nada mais que a média de uma função F(x) ao longo da trajetória percorrida pelo sistema e, justificados pela observação anterior, seria legítimo passar o limite de integração para um tempo infinito. No que continua o argumento, existiria o teorema ergódicoque garante que estas médias temporais convergem assintoticamente às médias de ensemble, basta que o intervalo de integração tenda ao infinito. Sem antes notar que existem usos legítimos para teorias ergódicas, e que a própria demonstração de ergodicidade exibe um interesse matemático por si só, expomos duas linhas de ataque ao seu uso como fundamento para a física estatística: uma porque ela não é necessária e a outra pelo fato que se baseia em expectativas absurdas [?]. Começamos pela segunda que é a mais simples.

A idéia por trás do teorema ergódico é que após um período de tempo muito grande, a folha de energia associada a um sistema no seu espaço de fase seria densamente preenchida e, portanto, todos pontos se veriam representados no ensemble. Para que isso aconteça, no entanto, é necessário que o sistema passe pelo menos uma vez por cada ponto, sob o risco de deixar sub-representado algum estado importante. O tempo necessário para que isso aconteça, naturalmente, é o tempo de recorrência de Poincaré. K. Huang elegantemente fecha a questão observando que “isto não tem nada a ver com física”12. Na percepção do autor, ir além deste ponto não seria sequer necessário.

Antes de proceder com a próxima linha de argumentação é interessante passar por um segundo ponto. É bem sabido que um sistema integrável não pode ser ergódico (no

sentido expresso acima). A existência de invariantes adicionais quebraria a indecomposibilidade métrica do espaço de fase, impedindo que toda a superfície de energia pudesse ser

visitada. Argumentos para contornar este fato geralmente se baseiam na suposta propriedade que, à medida que o número de partículas tende a infinito, a contribuição efetiva destes invariantes se associaria a um subespaço de medida nula. Verdade ou não, existem invariantes perfeitamente controláveis e mensuráveis que nunca se tornarão

12Para se ter uma noção de quão longo deveria se esperar considere um gás uniformemente

distribuído pelo volume de um compartimento arbitrário. O tempo necessário para o sistema percorrer todos estados uniformemente depende, em grande maneira, da resolução utilizada para contar ocorrências repetidas do mesmo estado. Desta forma, fazendo o esquadrinhamento grosseiro que distingue um estado do outro somente por uma das moléculas estar numa metade do compartimento diferente do outro estado, a afirmação “percorrer uniformemente todos os estados” ganha o caráter de “realizar todas as permutações dois a dois com 1023 moléculas”. Existiriam, então, 21023

estados a serem percorridos. Considere que a freqüência de transição de um estado para outro se relaciona com o tempo T que cada molécula leva para atravessar o compartimento pela fórmula ν = 1023T−1. O tempo

necessário para percorrer pelo menos uma vez todos os estados seria maior que T × 21023

× 10−23. Para

irrelevantes por qualquer processo de limite N → ∞: são os momentos lineares e angulares. O fato que podemos considerá-los ou não em nossos ensembles parece uma constatação ainda mais forte que a ergodicidade está sendo direcionada para um problema errado.

O apelo físico da teoria ergódica é que ela prescreve os ensembles de uma maneira que, efetivamente, não faz uso do conceito de probabilidade. O autor não poderia, nem sequer gostaria de fundamentar melhor esta idéia já que é curioso verificar este tipo de expectativa num ramo da ciência que se denomina física estatística. A primeira questão que se coloca é o que fazer com estes ensembles. Se uma resposta tentativa for estatística de não-equilíbrio, imediatamente descartaríamos a prescrição ergódica já que ela sequer permite formular a noção de tempo no ensemble. Se a motivação se situa exclusivamente no equilíbrio, avaliamos até que ponto a prescrição ergódica de fato elimina o uso de probabilidades.

Considere um sistema completamente integrável descrito em suas variáveis de ângulo e ação. A Hamiltoniana, escrita como H(J), implica não só na invariância das variáveis Ji como numa relação linear entre os θi ∈ [0 . . . 2π] com o tempo, θi =

ωi(t − t0); ωi = ∂H∂J

i. Podemos especificar as coordenadas θipela simples especificação de t. Neste sentido, perguntar “qual a probabilidade de observar um certo valor de θi” se

traduz imediatamente em “qual a probabilidade que a observação se dê em θi

ωi + t0”. E assim é totalmente lícito substituir média estatística por média temporal.

É claro que a situação anterior pressupõe o conhecimento das variáveis Ji e t0,

o que claramente é inviável em sistemas de alta dimensionalidade. Para contornar esta dificuldade, postula-se a hipótese ergódica para a qual “quase todas” trajetórias percorrem “quase uniformemente“ a folha de energia de um sistema — o que claramente não se aplica a sistemas completamente integráveis. Esta hipótese claramente é desnecessária para calcular P (θi), já que a questão da ignorância do estado macroscópico é sempre

colocada ou em P (x) ou em P (t), mas permite utilizar o raciocínio anterior que traduz ignorância em θipor ignorância com relação ao tempo decorrido desde o início da série

temporal. É claro que este esquema falha miseravelmente quando a pergunta feita é sobre “a probabilidade de θi no instante t”.

Isto nos coloca em uma situação peculiar. Neste trabalho tentamos fazer a menor distinção possível entre “termodinâmica de equilíbrio” e “termodinâmica de não-equilíbrio”, sendo a primeira um caso especial da segunda. Podemos abdicar completamente desta pretensão e validar os ensembles fornecidos pela prescrição ergódica; a motivação,

que devo insistir é bastante escusa, é eliminar as probabilidades da física estatística. Ergodicidade talvez seja o suficiente para prescrever os ensembles de equilíbrio, e como já foi mencionado anteriormente, é possível conceber ensembles bastante esdrúxulos que geram os resultados de equilíbrio de maneira igualmente satisfatória. A teoria de não-equilíbrio seria seria um grande mistério já que a principal ferramenta disponível atualmente (a equação de Liouville-von Neumann) lida com a evolução de probabilidades. De maneira geral, deveríamos nos sentir profundamente constrangidos se a física estatística necessitasse da noção de ergodicidade como fundamento. Felizmente este não é o caso.