Um lento prazer esgota a minha voz. Quem canta empobrece nas frementes cidades revividas. Empobrece com a alegria por onde se conduz, e então é doce e mortal. Um lento
prazer de escrever, imitando cantar. E vendo a voz disposta
nos seus sinais, revelada entre a humidade dos corpos e a sua
glória secular. Uma dor esgota a idade, com cravos, da minha voz.
E eu escrevo como quem imita uma vida e a vida de uma inconcebível
magnitude. Ou somente de uma voz. Um lento desprazer, uma
solidão verde, ou azul, esgota por dentro e para cima, como um silêncio, o antigo
de minha voz.
O que digo é rápido, e somente o modo de sofrer
é lento e lento. É rapidamente fácil e mortal o que agora digo, e só
as mãos lentamente levantam o álcool da canção e a formosura
de um tempo absorvido. Digo tudo o que é mais fácil da vida, e o fácil
é duro e batido pela paciência.
Porque a terra dorme e acorda de uma para outra estação.
Porque vi crianças alojadas nos meus melhores instantes, e vi
pedaços celestes fulminados na minha paixão, e vi
textos de sangue marcados desordenadamente pelo ouro. Porque vi e vi, na saída
de um dia para o começo
da primeira noite, e no despedaçar da noite. E porque me levantei para sorrir
e ser cândido. E porque então
da vida. Eu disse o que era fácil para dizer e eu tão
dificilmente havia reconhecido. Porque eu disse: um prazer, um pesado prazer de cantar
a vida, consome a única voz
de uma vida mais sombria e mais funda. E eu mudo sobre este campo parado de cravos, quando a lua
rebenta, quando
sóis e raios crescem para todos os lados do seu fulminante país.
Alguém se debruça para gritar e ouvir em meus vales
o eco, e sentir a alegria de sua expressa existência. Alguém chama por si próprio, sobre mim, em seus terríficos confins. E eu tremo de gosto, ardo, consumo o pensamento, ressuscito
dons esgotados. Escrevo à minha volta, esquecido de que é fácil, crendo
só no antigo gesto que alarga a solidão contra a solidão do amor.
Escrevo o que bate em mim — a voz fria, a alarmada malícia
das vozes, os ecos de alegria e a escuridão das gargantas lascadas. Para os lados,
como se abrisse, com a doçura de um espelho infiltrado na sombra. Fiel
como um punhal voltado para o amor total de quem o empunha.
Alguém se procura dentro de meu ardor escuro, e reconhece as noites
espantosas do seu próprio silêncio. E eu falo, e vejo as mudanças e o imóvel
sentido do meu amor, e vejo
minha boca aberta contra minha própria boca num amargo fundo de vozes
universais.
Alguém procura onde eu estou só, e encontra o campo desbaratado
e branco da sua solidão.
II
Alguém parte uma laranja em silêncio, à entrada de noites fabulosas.
Mergulha os polegares até onde a laranja
pensa velozmente, e se desenvolve, e aniquila, e depois renasce. Alguém descasca uma pêra, come
um bago de uva, devota-se
aos frutos. E eu faço uma canção arguta para entender.
Inclino-me para as mãos ocupadas, as bocas, as línguas que devoram pela atenção dentro. Eu queria saber como se acrescenta assim a fábula das noites. Como o silêncio
se engrandece, ou se transforma com as coisas. Escrevo uma canção para ser inteligente dos frutos
na língua, por canais subtis, até uma emoção escura.
Porque o amor também recolhe as cascas e o mover dos dedos
e a suspensão da boca sobre o gosto
confuso. Também o amor se coloca às portas das noites ferozes
e procura entender como elas imaginam seu poder estrangeiro.
Aniquilar os frutos para saber, contra
a paixão do gosto, que a terra trabalha a sua solidão — é devotar-se,
esgotar a amada, para ver como o amor trabalha na sua loucura.
Uma canção de agora dirá que as noites esmagam
o coração. Dirá que o amor aproxima a eternidade, ou que o gosto
revela os ritmos diuturnos, os segredos da escuridão.
Porque é com nomes que alguém sabe onde estar um corpo
por uma ideia, onde um pensamento faz a vez da língua.
III
A minha idade é assim — verde, sentada. Tocando para baixo as raízes da eternidade. Um grande número de meses sem muitas saídas, soando
estreitos sinos, mudando em cores mergulhadas. A minha idade espera, enquanto abre
os seus candeeiros. Idade de uma voracidade masculina. Cega.
Parada.
Algumas mãos fixam-se à sua volta. Idade que ainda canta com a boca
dobrada. As semanas caminham para diante com um espírito dentro.
Mergulham na sua solidão, e aparecem batendo contra a luz.
É uma idade com sangue prendendo as folhas. Terrível. Mexendo
no lugar do silêncio.
Idade sem amor bloqueada pelo êxtase do tempo. Fria.
Com a cor imensa de um símbolo. Eu trabalho nas luzes antigas, em frente das ondas da noite. Bato a pedra
dentro do meu coração. Penso, ameaçado pela morte. E uma raiz seca, canta-se
no calor. É uma idade cor da salsa. Amarga. Imagino
dentro de mim. Trabalho de encontro à noite. Procuro uma imagem dura.
Estou sentado, e falo da ironia de onde uma rosa se levanta pelo ar.
A idade é uma vileza espalhada
no léxico. Em sua densidade quebram-se os dedos. Está sentada.
Os poentes ciclistas passam sem barulho. Passam animais de púrpura.
Passam pedregulhos de treva.
É para a frente que as águas escorregam. Idade que a candura da vida sufoca, idade agachada, atenta
à sua ciência. Que imita por um lado as nações celestes. Que imita
por um lado a terra quente.
IV
Quando já não sei pensar no alto de irrespiráveis irrespiráveis montes, e ouço muitas vozes por dentro,
e as estrelas se desdobram à volta, então. E já não sei como posso imaginar por baixo das traves da cabeça por baixo
das traves rijas do céu, quando então.
Não sei como não posso fechar em duas conchas essa pérola, essa dureza
preciosa e feroz envolta
pelo frio, quando já não sei pensar. Irrespiravelmente como então.
Quando já nada sei menos ser o mais puro
dos cantores que pararam diante dos montes direitos abrasados. Dos que se calaram. Dos
cantores.
O mais puro dos cantores fulminados. Quando já não sei falar, e acabo. Quando então irrespiravelmente puro
por este lado, por aquele, por outro mais novo lado. Quando digo: não sei.
E os montes compridos então para cima e eu em baixo irrespiravelmente digo: não sei como: pensar, respirar, dizer, saber.
Então irrespiravelmente quando puro e não sei. E acabo.
V
Muitas canções começam no fim, em cidades estranhas. Sei
que a felicidade dos meses é ao meio e a força de um homem é ao meio
da vida pura. Mas são muitas as canções que começam no fim. É no fim que secamente falam do ardor ao meio
da cidade e da existência que se volta para si, de rosto — tremente
e verde de sua ilusão. Canções cada vez mais no seu fim, tão secas voltadas imenso para trás. Para onde
é todo o poder. Conheço
horríveis canções cor de coisas transtornadas. Canções ainda repletas de peixes, flechas, dedos agudos abertos em torno do sexo.
Começam no fim do seu pensamento. São para morrer na véspera, com um lento pavor no coração e o povo
atónito por todos os lados. Porque o povo não sabe que um homem morre antes da sua última canção.
VI
É a colina na colina, colina das colinas frias.
Colina devagar por ela acima, brotando sobre a raiz da colina. Oh fria raiz deitada na pedra sinistra fria da raiz
da colina. Na húmida
treva pedra vazia, na alegria
abstracta dos fogos, das águas oh sombrias. Colina profunda, colina de
colina muda. Mexendo nos fogos, nas águas extremas vazias, nas massas nocturnas unas — respirando.
Batendo os leves pêlos nas gotas frias das águas,
e as pesadas estrelas nas veias sombrias. Colina acocorada na raiz ríspida
da colina, feroz por ela abaixo, ladeada pelas paredes direitas da melancolia. É a colina na colina. Depois para cima, colina das colinas amargas estremes.
De alegria para cima, na audácia das brutas assimetrias. Colina de pé
sobre as visões, as culpas,
os crimes — batendo os pés unidos na boca aberta das mães sinistras e vazias. Colina na colina nas colinas das ilusões
quentes, duras, puras, sombrias. Colina em baixo e para cima.
É a colina em cima com árvores redondas, vivas, rápidas e oh frias.