• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO II: O CURRÍCULO DO ENSINO BÁSICO EM MOÇAMBIQUE

2.3 Teorias que marcam o currículo do Ensino Básico em Moçambique

As evidências presentes no discurso organizativo do NPCEB de Moçambique indicam que está presente, com mais visibilidade, a teoria técnica, pois segundo descrevemos mais acima ela preconiza "um discurso científico, uma organização burocrática e uma ação tecnicista. O currículo define-se como um produto, um resultado, uma série de experiências de aprendizagens dos alunos, organizadas pela escola em função de um plano previamente determinado. Predomina a mentalidade técnica liga aos especialistas curriculares", (Pacheco, 2001,p.63).

Essas caraterísticas da teoria técnica podem ser perfeitamente identificadas em partes do discurso organizador do NPCEB. Uma das constatações em relação ao currículo anterior, em reformulação, era de que " A atual estrutura curricular é demasiada rígida e prescritiva deixando pouca margem para adaptações aos níveis regional e local. A maior parte dos conteúdos, que se lecionam na escola, é de uma relevância ou utilidade prática insignificante", (INDE/MINED, 2003,p. 15).

Lendo-se esta passagem citada, percebe-se que os técnicos organizadores do currículo iriam deixar espaços de manobras para os professores que não existiam no currículo ora em reforma, mas a realidade se manteve, já nas passagens seguintes se pode confirmar o seguinte: “O

programa de cada disciplina é um documento que se reveste de caráter de lei, sendo de

cumprimento obrigatório. É um meio auxiliar para o professor do ponto de vista de

orientação pedagógica”, (idem, p. 68).

Apesar de estarmos a debater a questão da teoria que domina o currículo, é interessante, desde de já, ilustrar a grande contradição entre os dois discursos nas duas citações aqui presentes. Pois,

77

quando se diz que a catual estrutura curricular é bastante regida espera-se de uma outra menos regida. Mas quando se fala de que os programas das disciplinas no novo plano curricular revestem-se de carácter de lei, sendo de cumprimento obrigatório permite aferir que a rigidez dos planos não mudou no fundamental, na medida em que os professores, ao nível micro, devem trabalhar segundo as indicações dos técnico do Instituto Nacional de Desenvolvimento da Educação (INDE).

No Ep1 foram elaborados livros para o aluno e manual do professor. O manual do professor

apresenta actividades que o professor deve realizar em cada aula bem como as propostas de avaliação. Esta organização dos manuais tinha por objectivo facilitar o trabalho do professor, visto que se tinha a consciência da sua fraca preparação pedagógica e didáctica", (idem, p.16).

Efetivamente, aqui está patente um discurso tecnicista que procura dar receitas acabadas para o ensino, como se vê, os técnicos que elaboram o currículo são os únicos que dominam o processo, os professores não dominam suficientemente, assim deve se predizer receitas acabadas para que o currículo possa produzir tudo o que foi projetado pelos técnicos curriculares nos seus gabinetes de trabalho. Em vez do novo currículo trazer o desejado espaço de manobra para os implementadores do currículo manteve se fechado.

Em testemunho deste debate, Kemmis (1988) falando da teoria técnica, defende que os técnicos produtores do currículo imaginam-se os únicos que dominam o processo de ensino- aprendizagem. Algumas vezes, contudo, os técnicos que produzem os currículos são indivíduos que nunca tiveram alguma experiência de lecionação. Os professores embora tenham muitas lacunas, têm alguma formação para ensinar. Nessas circunstâncias, quem deveria dizer o quê? Aquém?

Mais adiante, o currículo em análise apresenta mais elementos que nos ajudam a sustentar a ideia de que predomina a teoria técnica, por exemplo:

Outro instrumento de retroalimentação do processo de ensino-aprendizagem serão os testes diagnósticos aplicados pelo INDE. Estes permitirão colocar à disposição do sistema educativo a informação sobre a qualidade de ensino de modo a ser utilizada para a melhoria do mesmo". " Preparação de formadores nacionais é a auto capacitação dos elaboradores dos diversos programas no sentido de capacitarem os formadores de outros níveis. Os principais candidatos para formadores nacionais são os técnicos do INDE e os seus colaboradores. A tarefa dos formadores nacionais é capacitar os formadores provinciais e de elaboração de materiais orientadores que servirão de base para a capacitação dos professores". (INDE/MINED, 2003, pp. 49, 53, 54 e 66).

78

As passagens citadas servem nos de base de sustentação de que o nosso currículo está assente na teoria técnica, pois estão patentes nesta citação duas ideias nesse sentido:

A primeira insiste na questão de que o currículo é gerido pelo INDE, sendo por isso um plano, instituição responsável pela edição dos currículos e gestão técnica dos problemas relacionados com o ensino em Moçambique. É no INDE onde se encontram os técnicos especialistas de diversas áreas de ensino, razão pela qual na citação se sublinha que os técnicos do INDE serão responsáveis pela capacitação de formadores nacionais que formarão os restantes capacita dores para a implementação curricular.

A segunda ideia, relaciona-se com a primeira, quando diz que o INDE é a instituição responsável pela avaliação curricular. Portanto, todos os aspetos sobre o ensino estão centralizados numa instituição especializada nos problemas de educação, o INDE. É por isso que Pacheco (1996) considera tratar-se de um currículo como produto, uma serie de experiências de aprendizagens dos alunos, organizados pela escola em função de um plano previamente determinado.

Para além da teoria técnica também nota-se, apenas, através do discurso teórico, alguma influência verbalista das teorias críticas e pós-críticas, na medida em que a teoria crítica segundo Giroux (1990) advoga o currículo enquanto projeto global que articula elementos de nível macro com os elementos de nível micro prevendo, neste caso, elementos de autonomia para o nível meso e micro de ensino. Já que se diz que na produção do NPCEB “foram também tomadas em conta as reflexões e recomendações dos professores, dos supervisores e dos inspetores educacionais, dos país e encarregados de educação, em geral, das diferentes sensibilidades da sociedade moçambicana” (INDE/MINED, 2003, p.8)

Igualmente, no NPCEB se advoga o desenvolvimento de competências viradas para o mercado de trabalho e da valorização da diversidade cultural, implicando focalizar o currículo no aluno,

no construtivismo, na diversidade cultural. “ Os programas de ensino devem prever uma margem

de tempo, que permite a acomodação do currículo local. Isto é, a escola tem à sua disposição um tempo para a introdução de conteúdos locais, que se julgar relevante para uma inserção adequada do educando na respetiva comunidade”, (idem, p.27).

Como se pode ver nas duas citações acima indicadas, as teorias pós-críticas não se contradizem com a teoria crítica, na visão de que enquanto a teoria crítica caracteriza-se por um discurso

79

dialético, por uma orientação participativa, democrática e comunitária, (Pacheco, 1996) as pós- críticas pautam-se por um discurso intercultural, de reconhecimento da diversidade cultural e da afirmação da solidariedade entre culturas, (Canclini, 2000). Embora de forma indireta, estas duas formas aparecem no discurso.

Pode se, perfeitamente, admitir que seja possível notar, através do discurso, a presença de teorias críticas, todavia, a materialização parece ter sido aparente, na medida em que os professores não participaram, através das suas experiências na construção do NPCEB. E, para o ensino de conteúdos de cultura local faltaram detalhes essenciais o que, até hoje, dificulta a sua materialização. A cultura local faz parte das inovações que o NPCEB diz trazer, assim o debate mais aprofundado sobre essa temática está nas páginas seguintes.

2.4 Modelo de desenvolvimento e de organização curricular do currículo do Ensino Básico