• Nenhum resultado encontrado

A tese do caso especial na forma da teoria do discurso como método do sistema de Alexy

Alexandre Travessoni Gomes Trivisonno

3. A ESTRUTURA DA TEORIA DISCURSIVA DO DIREITO DE ALEXY COMO SISTEMA

3.2. O papel de destaque da tese do caso especial na forma da teoria

3.2.2. A tese do caso especial na forma da teoria do discurso como método do sistema de Alexy

Agora, para se demonstrar que a tese do caso especial na forma da teoria do discurso possui um papel de destaque, constituindo assim a diret- riz fundamental do sistema de Alexy, isto é, seu método, é preciso explicar o que ela é e verificar então se ela preenche os requisitos apontados acima, ou seja, é preciso verificar se ela é uma candidata que passa pelo critério posto como critério necessário para que um elemento seja considerado o elemento mais fundamental de um sistema. Mas isso não é suficiente, pois pode ser que a tese especial passe no teste mas não seja o único elemento mais fundamental, porque pode ser que outros elementos também passem no teste. Portanto, é preciso também verificar se as outras duas candidatas, ou seja, a teoria dos princípios e a teoria sobre o conceito de direito, pas- sam ou não no teste do elemento mais fundamental. Se a tese do caso espe- cial na forma da teoria do discurso passar e as outras duas candidatas não passarem, a tese esboçada acima, ou seja, a tese do sistema com um ele- mento mais fundamental que os demais, estará demonstrada, e poderá en- tão se afirmar ter a tese do caso especial na forma da teoria do discurso um papel de destaque, constituindo assim o método de Alexy. As duas candid- atas adicionais não passarão no teste se for demonstrado que elas decorrem da primeira.

A fim de poder verificar se minha suposição é verdadeira começarei com uma descrição e análise das três obras monográficas principais de Alexy. Após isso passarei a uma análise de alguns artigos escritos pelo Autor.

3.2.2.1. Análise das três obras monográficas principais de Alexy

Na Teoria da Argumentação Jurídica defende-se essencialmente a tese do caso especial na forma da teoria do discurso: o discurso jurídico constitui um caso especial do discurso prático geral. Para demonstrar essa tese Alexy procura mostrar em que consiste o discurso prático geral, em que consiste o discurso jurídico, e por que este é um caso especial daquele. Para mostrar o que é o discurso prático geral Alexy adota um método in- teressante: parte de diversas teorias existentes e com elas vai progressiva- mente aprendendo, até chegar a um esboço de uma teoria da argumentação prática geral. Não cabe aqui uma análise aprofundada desse desenvolvi- mento nem mesmo uma abordagem crítica de suas virtudes e problemas. Basta aqui constatar que Alexy, a partir de várias teorias sobre o discurso prático geral como o naturalismo, o intuicionismo, o emotivismo, as abord- agens do discurso enquanto atividade guiada por regras como as de Wit- tgenstein, Hare, Toulmin e Baier, a teoria consensual da verdade de Haber- mas, a teoria da deliberação prática da Escola de Erlangen e a teoria da ar- gumentação de Chaim Perelman,18elabora seu “esboço” de uma teoria do

discurso prático racional geral. Esse esboço, que constitui a formulação de regras e formas do discurso para que seja possível a fundamentação de enunciados normativos, incorpora muito das teorias acima mencionadas, como, só para citar dois exemplos, o princípio da universalizabilidade de Hare, que foi incorporado às “regras fundamentais do discurso”,19e as dis-

tintas variantes do princípio da generalizabilidade, como as de Hare, Habermas e Baier, incorporadas às “regras de fundamentação”.20Após es-

boçada uma teoria do discurso prático geral chega a hora de se mostrar por que o discurso jurídico é um caso especial do discurso geral. Para se mostrar que uma espécie é espécie de um gênero é preciso basicamente duas coisas: em primeiro lugar, é preciso mostrar que ela possui caracter- ísticas essenciais do gênero e, em segundo lugar, é preciso mostrar que ela possui características essenciais não comuns a alguns indivíduos do gênero.21Ora, o discurso jurídico constitui um caso especial do discurso

prático geral porque, assim como todo discurso prático geral, ele diz re- speito a questões práticas (isto é, do agir), cujas soluções implicam uma

pretensão de correção; isso justifica ser o discurso jurídico um discurso prático geral. Por outro lado, o discurso jurídico se diferencia de outras formas de discurso prático geral por ter uma característica que tais outras formas não possuem, a saber, o vínculo à lei, aos precedentes e à dogmát- ica; isso justifica ser o discurso jurídico uma espécie de discurso prático geral.22

Na Teoria dos Direitos Fundamentais é abordada a estrutura dos direitos fundamentais. Embora existam na obra temas interessantes, que in- felizmente não posso abordar aqui, como por exemplo os direitos funda- mentais como direitos subjetivos23 e os direitos fundamentais como

status,24o ponto que interessa é principalmente a análise da estrutura das

normas de direitos fundamentais, realizada no Capítulo 3, sobretudo a dis- tinção entre regras e princípios e a solução das colisões de princípios at- ravés da máxima da proporcionalidade. Alexy parte de uma análise dos critérios tradicionalmente usados para distinguir regras de princípios, sobretudo do clássico critério quantitativo da generalidade, para então desenvolver seu próprio critério: princípios são comandos de otimização, ou seja, comandos que exigem que algo seja realizado na máxima medida possível, observadas as circunstâncias fáticas e jurídicas, enquanto regras são comandos definitivos, ou seja, exigem simplesmente que uma conduta seja praticada. Colisões de princípios são solucionadas pela máxima da proporcionalidade, através de suas três máximas parciais, a saber, a máx- ima parcial da adequação, a máxima parcial da necessidade e a máxima parcial da proporcionalidade em sentido estrito. As duas primeiras exigem que algo seja realizado na máxima medida possível relativamente às cir- cunstâncias fáticas, enquanto a terceira exige que algo seja realizado na máxima medida possível relativamente às circunstâncias jurídicas.25 A

atividade de ponderação, sobretudo no plano da máxima da proporcionalid- ade em sentido estrito, significa atribuir peso ao grau da interferência a um princípio, à importância do cumprimento do outro, e então verificar qual deles é maior. Não cabe aqui uma análise mais detalhada dessa estrutura. O foco aqui é a identificação do elemento mais fundamental do sistema de Alexy e, para isso, essa breve descrição é suficiente.

Em Conceito e Validade do Direito, Alexy tematiza o conceito de direito e sua natureza. Em termos mais simples, o objeto central aqui é re- sponder à pergunta “o que é o direito?”. Alexy parte de uma análise das teorias positivistas, com foco sobretudo em Hans Kelsen, Herbert L. A. Hart e Norbert Hoerster, para com elas concordar que o conceito de direito engloba os elementos da legalidade autoritativa (ou estabelecimento em conformidade com o ordenamento) e da eficácia social. Mas, segundo Alexy, ao contrário do que defendem os positivistas, o conceito de direito não se limita a isso. Alexy afirma que nenhum não-positivista que deva ser levado a sério exclui essas duas dimensões, mas apenas inclui uma terceira: a da correção material. O direito possui portanto três elementos, e não apenas dois, a saber: legalidade autoritativa, eficácia social e correção ma- terial. Os dois primeiros dizem respeito à dimensão fática do direito, en- quanto o terceiro diz respeito à sua dimensão ideal. Essa dimensão ideal não significa que, no não-positivismo defendido por Alexy, a justiça (cor- reção material) sempre prevaleça sobre o direito positivo, ou seja, não sig- nifica que toda vez que o direito positivo for injusto ele deve ser consid- erado inválido, mas tão somente que quando o limiar da injustiça extrema for ultrapassado o direito deixa de ser válido. Alexy retira essa ideia da conhecida fórmula de Radbruch, que foi desenvolvida em 1945 quando Radbruch reviu parcialmente aquilo que tinha defendido antes da guerra.26

Agora já temos material suficiente para começar a testar as teses can- didatas. A Teoria da Argumentação Jurídica trata do discurso jurídico na forma da tese do caso especial, a Teoria dos Direitos Fundamentais trata sobretudo da estrutura dos direitos fundamentais e Conceito e Validade do

Direito trata do conceito e da natureza do direito. Trata-se, claramente, de

três temas diferentes. Dada a importância dos temas, pode-se falar em três elementos fundamentais do sistema. A abordagem de três temas diferentes, ainda que os três sejam importantes, não é porém suficiente para se afirmar que todos são igualmente fundamentais, por dois motivos: um pode ser mais importante que os outros e, além disso, um (ou dois) pode(m) decor- rer do outro.

Minha tese é que, em Alexy, das três candidatas – a saber, a tese do caso especial na forma da teoria do discurso, a teoria dos princípios e a tese

da conexão entre direito e moral – as duas últimas decorrem da primeira. Em outros termos, a tese do caso especial, do modo como desenvolvida por Alexy, ou seja, na forma da teoria do discurso, possui já, dentro de si, a ideia de ponderação e de princípios, bem como a ideia de uma conexão ne- cessária entre direito e moral. Assim, a tese do caso especial na forma da teoria do discurso teria um papel de destaque, mostrando-se como o ele- mento mais fundamental do sistema de Alexy.

A tese do caso especial na forma da teoria do discurso afirma, como vimos, que o discurso jurídico é um caso especial do discurso prático geral. Isso significa, também como vimos, que o discurso jurídico é parte do dis- curso prático geral, porque trata de questões práticas e levanta uma pre- tensão de correção, mas possui características específicas que o diferen- ciam das demais formas de discurso prático, a saber, o vínculo à lei, aos precedentes e à dogmática. Minha tese é de que a mera ideia de um dis- curso prático geral, como formulada por Alexy, ou seja, no contexto de uma teoria discursiva, implica já ponderação e, com isso, princípios en- quanto comandos de otimização. Isso é assim porque argumentar implica ponderar. A ponderação constitui uma estrutura fundamental da racionalid- ade prática; não é possível argumentar sem ponderar. A ponderação está implícita na tese do caso especial na forma da teoria do discurso.

No caso da tese da conexão entre direito e moral, presente no conceito de direito de Alexy, o fenômeno da derivação é ainda mais evidente. A tese do caso especial na forma da teoria do discurso significa que o discurso jurídico é um genus proximum do discurso prático geral exatamente porque este, assim como aquele, levanta uma pretensão de correção. Ora, a pre- tensão de correção é exatamente o que, na teoria de Alexy sobre o conceito de direito, conecta o direito à moral. Não bastasse isso, a tese da conexão, como defendida por Alexy, ou seja, na forma de um não-positivismo in- clusivo, implica uma ponderação entre os princípios da segurança jurídica (que representa a dimensão real do direito) e da correção material ou justiça (que representa a dimensão ideal do direito).27Assim, a tese da con-

exão, na forma como defendida por Alexy, decorre da tese do caso especial na forma da teoria do discurso e da teoria dos princípios.

Alguém poderia dizer que embora o discurso jurídico racional, temat- izado na Teoria da Argumentação Jurídica, tenha sido, como afirmei, in- corporado à Teoria dos Direitos Fundamentais, sobretudo às ideias de pon- deração e proporcionalidade, a conexão entre esses dois elementos funda- mentais não é explicitamente trabalhada na Teoria dos Direitos Fundamen-

tais. Com base nisso alguém poderia então defender se tratar do surgi-

mento, na Teoria dos Direitos Fundamentais, de um elemento tão funda- mental quanto a tese do caso especial na forma da teoria do discurso. Mas o fato de não existir, na Teoria dos Direitos Fundamentais, uma conexão ex- plicitamente formulada entre a teoria dos princípios e a tese do caso espe- cial na forma da teoria do discurso não significa que essa conexão não exista, mas sim que ela não é explícita ou, em outros termos, que ela é im- plícita. Embora não exista, na Teoria dos Direitos Fundamentais, um capítulo dedicado a essa conexão ou mesmo um ponto no Capítulo 3 a ela dedicado, essa conexão existe já, como vimos, na própria ideia da tese do caso especial na forma da teoria do discurso.

Em síntese, por um lado, a tese do caso especial na forma da teoria do discurso traz consigo as ideias de ponderação e conexão entre direito e moral e, por outro lado, da tese do caso especial na forma da teoria do dis- curso e da ideia de ponderação juntas decorre a conexão entre direito e moral na forma do conceito de direito de Alexy. Assim a tese do caso espe- cial na forma da teoria do discurso se mostra como o elemento mais funda- mental do sistema da teoria discursiva de Alexy.

Essa conexão implícita entre os três elementos e sobretudo o fato de os dois segundos decorrerem do primeiro tornam-se mais evidente na res- posta de Alexy aos críticos das ideias centrais de cada uma das obras monográficas, ou seja, através das respostas de Alexy aos críticos da tese do caso especial na forma da teoria do discurso, defendida originalmente na Teoria da Argumentação Jurídica, aos críticos da teoria dos princípios, tematizada na Teoria dos Direitos Fundamentais, ou seja, sobretudo aos críticos da ideia de que princípios são comandos de otimização cujos con- flitos exigem uma ponderação operada através da máxima da proporcional- idade, bem como, por fim, aos críticos da tese da conexão defendida no contexto do não-positivismo inclusivo. Como a resposta de Alexy aos

críticos de sua teoria aparece fundamentalmente em artigos esparsos, passo, portanto, agora, a uma análise de alguns deles que, a meu ver, confirmam a posição central da tese do caso especial na forma da teoria do discurso em seu sistema.

3.2.2.2. Breve análise de alguns artigos esparsos de Alexy

Uma análise dos artigos publicados por Alexy entre 1978 e o dia de hoje reforça a ideia de que a tese do caso especial na forma da teoria do discurso possui um papel de destaque no sistema de Alexy. Como a análise de todos os artigos escritos por Alexy nesse período seria, no curto espaço de um estudo introdutório, inviável, limitar-me-ei à análise dos artigos que se publicam neste volume. Vejamos.

Inúmeras evidências textuais comprovam a ideia de que a tese do caso especial na forma da teoria do discurso contém já a ideia de ponderação. Alexy afirma, em A Tese do Caso Especial, que a argumentação jurídica está aberta a ponderação de interesses e compromissos.28Mas é sobretudo

no contexto das respostas de Alexy aos críticos da ponderação que a con- exão entre a tese do caso especial na forma da teoria do discurso e a pon- deração aflora. Respondendo à crítica de que a ponderação seria irracional, Alexy afirma, em A Construção dos Direitos Fundamentais, ser ela “uma forma de argumento do discurso jurídico racional”.29Em Dever Ser Ideal,30

assim como em Dois ou Três?,31novamente respondendo à crítica da irra-

cionalidade, Alexy defende ser a ponderação uma forma de argumento ra- cional. Portanto, a prova da racionalidade da ponderação decorre da demonstração de sua racionalidade enquanto uma forma de argumento prático geral e, mais especificamente, jurídico. Isso evidencia a tese de que a ponderação está implícita na própria ideia de argumentação e, assim, na tese do caso especial na forma da teoria do discurso. Mas há evidências textuais mais fortes. Na Entrevista a Atienza, tratando da crítica de Haber- mas à irracionalidade da ponderação, Alexy afirma que “Habermas entende ‘faltarem critérios racionais’”32para a ponderação, mas que ele, Alexy, en-

tende que “se existem critérios racionais para respostas a questões práticas, esses critérios racionais para a ponderação existem.”33 Essa passagem

mostra que a racionalidade da ponderação depende da existência de critéri- os racionais para a existência de respostas a problemas práticos em geral. Fica claro, assim, que a ponderação decorre da argumentação.

As evidências textuais em artigos esparsos de Alexy a favor da de- rivação da tese da conexão a partir da tese do caso especial na forma da teoria do discurso e da teoria dos princípios são ainda mais numerosas. Em

Crítica ao Positivismo Jurídico, Alexy claramente liga a conexão do direito

à moral à pretensão de correção, e esta à fundamentabilidade de enunciados normativos.34O mesmo se mostra em Defesa de um Conceito Não-positiv-

ista de Direito35e em A Dupla Natureza do Direito.36Neste último a con-

exão entre a pretensão de correção ligada à tese do caso especial na forma da teoria do discurso, a teoria dos princípios e a tese da conexão é ainda mais clara, quando Alexy afirma por exemplo que “a dupla natureza da ar- gumentação jurídica é expressada pela tese do caso especial. Essa tese afirma que o discurso jurídico é um caso especial do discurso prático ger- al.”37Ora, a dupla natureza do direito é o que fundamenta a existência de

uma dimensão moral além da dimensão real, ou seja, a conexão entre direito e moral. Como a dupla natureza do direito é parte já da tese do caso especial na forma da teoria do discurso pode-se dizer que o conceito de direito de Alexy é uma derivação dessa sua tese do caso especial. Além disso, no mesmo ensaio, a importância da teoria dos princípios para o con- ceito de direito fica clara quando Alexy, tratando dos já mencionados princípios da segurança jurídica, que representa a dimensão real do direito, e da justiça ou correção material, que representa a dimensão ideal, afirma:

O princípio da segurança jurídica é um princípio formal. Ele exige um com- promisso com aquilo que foi estabelecido autoritativamente e é socialmente eficaz. O princípio da justiça é um princípio material ou substantivo. Ele ex- ige que a decisão seja moralmente correta. Esses dois princípios, como princípios em geral, podem colidir, e de fato eles frequentemente colidem. Um nunca pode tomar o lugar do outro completamente, ou seja, em todos os casos. Ao contrário, a dupla natureza do direito exige que eles sejam consid- erados reciprocamente em uma proporção correta. Na medida em que essa proporção correta é obtida, é alcançada a harmonia do sistema jurídico.38

E em outra passagem Alexy afirma que “a dupla natureza do direito mostrou-se presente – explícita ou implicitamente – em todas as questões fundamentais do direito.”39Em síntese, da dupla natureza do direito, essen-

cial à tese do caso especial na forma da teoria do discurso, deriva-se tanto a ideia de que o direito possui uma conexão com a moral quanto a ideia de que o conceito de direito constitui uma ponderação entre dois princípios, a saber, segurança jurídica e justiça (ou correção material).