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APÊNDICE I O crucifixo que jorrou sangue

CAPÍTULO 3 – AS VIGÍLIAS DE ORAÇÃO NOS MONTES DOS GUERREIROS DE

3.1 Tiago, Daniel e Pe Benedito

Conta-se que Tiago e Daniel eram muito amigos e se conheceram por intermédio do Padre Benedito. Tiago, estudante universitário no ano de 1991, morava em um bairro nobre da cidade, mas, no período de sua Experiência de Oração, havia onze meses que estava fora de casa por desentendimentos com sua mãe. Ele mesmo relata, no que segue abaixo, que dois dias antes de participar desse retiro carismático, num surto de perseguição sentido por ter usado drogas após uma noite de aula após a Faculdade, voltara para a casa dos pais abruptamente e confessara a eles que estava usando entorpecentes.

Era numa quarta-feira. Eu me lembro perfeitamente disso. Na noite em que a gente chegou na casa do Gico pra experimentar uma droga nova, eu quis ficar no carro procurando uma rádio que minha namorada sempre falava. Ela me dizia de um Padre que ajudava jovens drogados. [...] Depois que todo mundo saiu do carro eu consegui sintonizar a rádio. [...] Levei até um susto porque o Padre falava de uma forma como se tivesse falando pra mim. Desliguei o rádio e fui entrar na casa. [...] Eu fiquei tão louco [designa que ficou sob os efeitos da droga] que quis voltar pra casa dos meus pais. Uma das loucura da droga era achar que tava sendo perseguido. Depois de onze meses fora de casa eu tava de volta. A chave tava no mesmo lugarzinho, um esconderijo que meus pais usava no caso de alguém esquecer ou perder a chave. Parece uma coisa. Pra você ver, até a chave da casa tava no mesmo lugar, como se fosse pra eu voltar mesmo pra casa. Bem, daí eu entrei em casa e pra tentar cortar o efeito da loucura eu deslacrei uma garrafa de Vodka que ficava na estante e tomei quase toda de uma só vez, mas o efeito piorou. Eu tava pra ficar louco mesmo. Nunca tinha sentido aquilo. Era horrível. Foi quando ouvi minha mãe me chamar. [...] Ela me chamou porque depois eu fiquei sabendo que meu pai vivia falando pra ela (mãe) que a qualquer hora eu iria voltar. Por isso ela me chamou naquele dia. [...] Daí eu fui até o quarto deles (do pai e da mãe). Quando ela me viu, começou a chorar e eu saí correndo pro quarto desesperado, com vergonha. Eu gritei pelo meu pai e quando ele sentou na cama eu disse chorando: Pai, to usando droga. Meu pai me respondeu me abraçando, dizendo: Papai tá aqui meu filho. Papai tá aqui. Dali em diante eu passei a odiar a droga.

Apoiado pelos pais, Tiago retornara ao lar e no dia seguinte fora à procura do Pe. Benedito que o levara para o retiro carismático chamado Experiência de Oração, numa sexta-feira. Na quinta-feira, um dia antes do encontro e após o retorno ao lar, Tiago encontrara-se com Pe. Benedito e passara horas na tarde daquele dia dialogando sobre sua situação de vida. O resultado da conversa fora que o Padre conseguira convencer o jovem a participar do encontro religioso. Combinaram entre eles que no dia seguinte, sexta-feira, o Padre o pegaria em sua própria casa.

Segundo Tiago, a ideia de participar de um encontro em uma igreja fugia totalmente daquilo que imaginava para si mesmo. Esforçando-se por encontrar algum alívio diante do envolvimento com drogas e começando a admitir não ter forças para sair do vício, esperava encontrar uma solução, mas jamais alguma coisa que fosse ao menos próximo de fazê-lo ter que ir para igreja. A ideia que tinha sobre um encontro religioso era de um lugar para “crentes”, com pessoas antiquadas, envelhecidas, tristes, recalcadas e totalmente fora da moda, por isso, não conseguia imaginar-se sendo visto pelos colegas dentro de uma igreja. Segundo ele seria uma “tragédia”.

Ao ser indagado qual o motivo que o levara ao encontro respondeu que havia sido a abordagem do Padre e a sensação de temor diante das adivinhações que o Padre fizera com relação a sua pessoa.

O Padre falava como se soubesse da minha vida. Ele dizia coisas que só eu sabia e isso me causou um certo temor, dando a impressão que se eu não fosse no Retiro alguma coisa ruim ia acontecer. Mas eu fui a contragosto. Toda hora me dizendo, o que é que eu tô fazendo aqui.

Tiago dizia-se católico, mas não freqüentava as missas. Gostava de leituras esotéricas. O enfático em sua fala, durante umas das conversas informais no trabalho de campo, foi o fato de ele evidenciar que sempre buscara a verdade e que desde criança sempre fora reflexivo, pensando sobre os sentidos da vida e uma forma de encontrar respostas. E segundo ele, as respostas que necessitava encontrou em Deus após sua conversão, como afirma:

Eu já usei muita droga. Sei o que dá prazer nesse mundo. [...] Mas depois que eu senti Deus, depois que eu senti em mim mesmo que Ele existe... Depois que eu fui Batizado no Espírito Santo... Num tem nada melhor nessa vida. Era como se eu tivesse descoberto a chave da felicidade.

Já Daniel era um jovem que estudava à noite e trabalhava de dia entregando jornais. Daniel conta que fora promovido para vendedor de assinaturas do mesmo jornal por indicação de seu irmão casado, que lá também trabalhava. Era órfão de pai e morava de aluguel com sua mãe e irmã numa casa simples. Daniel já conhecia Pe. Benedito, inclusive participava de um grupo que tinha como objetivo fazer um “discernimento vocacional”. Esse grupo era composto por uma dezena de jovens que, dirigidos por Pe. Benedito, pensavam sobre o que fazer com suas vidas tendo a religiosidade como eixo norteador para encontrarem suas vocações. Na época Daniel pensava em ser sacerdote. Apesar de ter uma vida relativamente mais ligada à Igreja, ele conta que ainda não havia sido Batizado no Espírito Santo e que por isso estava participando daquele encontro carismático indicado pelo Padre.

Minha vida nunca foi fácil. Depois que meu pai morreu minha mãe mudou muito. Ela era muito nervosa. Só brigava. Eu entendia... No fundo eu sabia que ela era uma sofredora. Então meu sonho era dar de tudo pra minha mãe. Eu sempre sonhei isso. Sempre sonhei em acabar com o sofrimento da minha mãe. Ela era empregada doméstica, vivia fazendo faxina nas casas. Às vezes eu penso que eu vivi pra ela. Mas minha vida... nossa vida em casa sempre foi muito difícil. Eu sempre trabalhei, sempre dei duro, e com a Renovação eu pude ter forças. Eu pude ver realmente que eu iria conseguir, porque eu senti que Deus tava comigo.

Após o retiro, Daniel e Tiago passaram a freqüentar mais assiduamente a Paróquia do também jovem Sacerdote, que tinha em torno de 30 anos.

Ao perguntar sobre o Padre Benedito, os jovens relataram que o mesmo, quando nos anos de sua formação para o sacerdócio (anos antes de mudar-se para Sapucaia), pulava o muro do seminário para orar e fazer vigílias nos montes, algumas vezes, inclusive, com protestantes. Sobre isso, Tiago informa que o Padre nunca comentava. Ele ficara sabendo por meio de conversas informais onde o Padre sem querer contava algumas coisas. Não se sabe como o sacerdote iniciou esta prática, nem se foi por influência de alguém. O que se sabe, segundo Tiago, é que o Padre tinha parentes e conhecidos de outras denominações cristãs, dentre as quais da Congregação Cristã do Brasil e que uma vez ou outra ele ia aos cultos.

Todos os entrevistados que conheciam Padre Benedito afirmaram que era um carismático dotado de muitos dons. Fora ele que encaminhara Tiago e Daniel e outros jovens para as primeiras práticas religiosas nos montes: as vigílias de oração. Relatam

ainda que por diversas vezes sinais aconteciam, como o maior deles, em sua opinião, o fenômeno da sarça ardente, quando os gravetos brilhavam.