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3. A TIPIFICAÇÃO DA PORNOGRAFIA DE VINGANÇA ANTES E APÓS A LEI

3.1 ANTES DA LEI FEDERAL N.º 13.718/18

3.1.1 Tipificação de crime contra a honra

A pornografia de vingança, na maior parte dos casos, era enquadrada como crime contra a honra, pois, de certa forma, a conduta em questão fere a honra da vítima. Porém, acredita-se que a lacuna legislativa em relação ao tema tornava a sanção inadequada diante da tutela efetiva dos direitos violados pelo revenge porn.

A intenção de humilhar a vítima vai além da questão da reputabilidade e de macular a honra, visto as inúmeras agressões psicológicas causadas pela conduta. Muitas mulheres expostas sofreram com perda de emprego, gastos com tratamento médico e até mesmo mudança de domicílio. Muitas receberam xingamentos e julgamentos constantes. Outras foram tão feridas moralmente e psicologicamente que acabaram por cometer suicídio. Dessa forma, o

revenge porn mostrava-se como uma conduta que não era abarcada por um crime contra a

honra, sendo este de menor potencial ofensivo, pelos gravames que causava à vítima e por suas consequências que perduram no tempo.

Diante disso, os tipos penais os quais o revenge porn era enquadrado eram insuficientes para ajustar a conduta ao que até então era disposto no ordenamento penal brasileiro53. Sendo assim, segue o texto legal e as principais características dos crimes contra a honra em questão:

3.1.1.1 Difamação

O delito de difamação está disposto no art. 139 do Código Penal e se refere à conduta de imputar qualquer fato ofensivo à reputação de determinada pessoa e, ao contrário da calúnia, o fato não é definido como crime.

Segundo Cezar Roberto Bitencourt, reputação é a estima moral, intelectual ou profissional que alguém goza no meio em que vive; reputação é um conceito social. A difamação pode, eventualmente, não atingir tais virtudes ou qualidades que dotam o indivíduo no seu meio social, mas, assim mesmo, violar aquele respeito mínimo a que todos têm direito54.

53Op. Cit. SANTOS, João Pedro Vieira dos. 2016.

54BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado. 7ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012. Disponível em:

<https://mpma.mp.br/arquivos/COCOM/arquivos/centros_de_apoio/caop_crim/BIBLIOTECA/C%C3%B3digo_ Penal_Comentado_2012_-_Cezar_Roberto_Bitencourt.pdf>. Acesso em 30 jun. 2019.

Nesse sentido, segue o crime de difamação estabelecido no art. 139:

Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa55.

A partir disso, Rogério Greco entende que a difamação é um delito de menor gravidade quando comparado a calúnia, pois nesta o fato imputado tem que necessariamente ser definido como crime56.

A difamação é considerada um crime de menor potencial ofensivo, visto que sua pena máxima cominada em abstrato não ultrapassa dois anos, sendo pena de detenção de três meses a um ano, e multa. Isso faz com que esse crime contra a honra seja um delito em que os benefícios da Lei Federal n.º 9.099/95 são cabíveis como, por exemplo, a possibilidade de transação penal. Além disso, a ação penal é de iniciativa privada, conforme o art. 145 do Código Penal.

A difamação ataca a honra objetiva da vítima, ou seja, a visão que a sociedade tem sobre uma determinada pessoa. O bem jurídico tutelado, portanto, é a honra objetiva, que nada mais é que a boa fama do indivíduo perante a sociedade, o julgamento alheio sobre alguém. O que se quer impedir com a previsão típica da difamação é que a reputação da vítima seja maculada no seu meio social. Dessa forma, o crime consuma-se quando uma terceira pessoa toma conhecimento dos fatos imputados ao ofendido57.

No mesmo entendimento, afirma Cezar Roberto Bitencourt:

É indispensável que a imputação chegue ao conhecimento de outra pessoa que não o ofendido, pois é a reputação que o imputado goza na comunidade que deve ser lesada, e essa lesão somente existirá se alguém tomar conhecimento da imputação desonrosa. Com efeito, a reputação de alguém não é atingida e especialmente comprometida por fatos que sejam conhecidos somente por quem se diz ofendido58.

55BRASIL. Código Penal Brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848.htm>. Acesso em 05 jun. 2019.

56GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Especial, vol. II. 12ª edição. Editora Impetus, 2015. 57Idem.

Segundo Rogério Greco, entende-se que, por meio do tipo penal da difamação, evita-se a divulgação de fatos desonrosos à vítima59. Ou seja, fatos que denigrem a reputação de outrem. No contexto da pornografia de vingança, a divulgação de conteúdo íntimo sem o consentimento da vítima, seja através de imagens ou de vídeos, tem a capacidade de destruir a boa fama da pessoa exposta, qual seja sua honra objetiva. Além disso, no revenge porn, há uma grande disseminação do conteúdo íntimo devido à utilização de tecnologia para que o objetivo de vingança seja concretizado.

No que se refere à divulgação ou propalação da difamação, embora não haja expressamente regra nesse sentido, quem propala ou divulga uma difamação deve responder por tal delito, uma vez que tanto o propalador como o divulgador são entendidos como difamadores60.

3.1.1.2 Injúria

O revenge porn pode ainda ser enquadrado no crime de injúria, disposto no art. 140 do Código Penal. Como preceitua Rogério Greco, a injúria, em sua modalidade fundamental, é o crime contra honra de menor gravidade61.

O texto legal do dispositivo em questão:

Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa62.

A injúria, assim como a difamação, é um crime de menor potencial ofensivo e, por isso, são cabíveis os benefícios da Lei dos Juizados Especiais (Lei Federal n.º 9.099/95), visto que possui pena de detenção de um a seis meses. A ação penal é de iniciativa privada, como estabelece o art. 145 do Código Penal.

O bem juridicamente tutelado pela injúria é a honra subjetiva, que pode ser entendida como os diversos conceitos que a pessoa faz de si mesmo. Com esse tipo penal busca-se a tutela da autoestima, do sentimento que cada um tem por si próprio. Sendo assim, diferentemente da

59Idem.

60Idem.

61Idem.

difamação, a injúria não precisa necessariamente ser de conhecimento de uma terceira pessoa para ser consumada. A consumação vai se dar no momento em que a vítima toma conhecimento da ofensa à sua dignidade ou decoro63.

Segundo Cezar Roberto Bitencourt, dignidade é o sentimento da própria honorabilidade ou valor social. Já decoro é o sentimento, a consciência da própria respeitabilidade pessoal; é a decência e respeitabilidade que a pessoa merece e é ferida. Sendo assim, dignidade e decoro abrangem os atributos morais, físicos e intelectuais64.

A depender do caso, porém, uma mesma situação fática não pode ser considerada para imputar duas infrações penais diferentes em relação ao agente, ou seja, difamação e injúria. Nesse sentido, a difamação, por ser crime de maior gravidade, vai absorver a injúria, delito menos grave65.

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