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A jornada edipiana é marcada por infortúnios terríveis, situações graves que afetariam profundamente qualquer ser humano. Observamos a condução de Édipo através de fases que trazem à tona toda a tragicidade de sua existência, as quais podemos triplamente compreender da seguinte forma: a fase da inocência (que compreenderia a infância de Édipo), a fase da dúvida (associada à sua vida adulta) e a fase do reconhecimento (relacionada à velhice do herói, iniciando-se no momento em que Édipo comete o seu autoflagelo). Essas fases podem ser situadas e delimitadas com base na descrição da Esfinge, posicionada às portas da cidade de Tebas, na ocasião em que o animal mítico desafia Édipo a solucionar o seguinte enigma:

“que animal anda com quatro pernas de manhã, duas ao meio-dia e três à tarde?”

(SÓFOCLES, 2001, p. 98). Diante da questão, Édipo entende tratar-se das fases da vida humana e responde que o animal aludido no enigma é o “homem”, pois na infância (manhã da vida) usava as mãos e os pés para engatinhar; depois (meio-dia), usava os pés, e na velhice (tarde) tinha de recorrer a um bordão para poder caminhar.

8.1 A FASE DA INOCÊNCIA

A primeira fase da vida de Édipo é fortemente marcada por sua inocência. Sendo ainda de tenra idade,nada fez para merecer os infortúnios que lhe foram oferecidos. Vemos a pequena

criança sendo rejeitada e castigada por crimes futuros, portanto, crimes sequer cometidos. A terrível pena impetrada foi a de morte, seus algozes foram ninguém menos que seus próprios pais: Laio e Jocasta, que numa tentativa desastrosa de evitar o mal agravaram ainda mais a tragédia. O infante, ainda sem nome e sem identidade, jamais poderia imaginar o funesto destino que os deuses lhe reservaram. Vemos um ser em estado de vulnerabilidade e fragilidade pura, sendo brutalmente submetido a experiências cruéis e traumáticas que irão marcá-lo por toda sua vida. Seus pais, que num primeiro momento o desejaram, agora o querem destruir, visto que, para eles, o meigo olhar do menino transfigurou-se num olhar ameaçador, lembrando-os a todo instante que sua sina era matar o pai e relacionar-se incestuosamente com a mãe. Enquanto o inocente menino é ferido, abandonado e desconsiderado por aqueles que o deveriam proteger, seu inconsciente é formado.

Uma vez frustrados os planos de assassínio da criança, ela então é conduzida aos cuidados de Políbio e Mérope, rei e rainha da cidade de Corinto, que segundo a história não podiam ter filhos, e assim adotaram para si a criança que os deuses lhe enviaram, dando-lhe finalmente o nome Édipo, que quer dizer “aquele de pés inchados”, “pés perfurados” ou “pés feridos”, com o compromisso de jamais revelar a ninguém sobre a origem da criança. Observamos, pois, paradoxalmente, Édipo recebendo uma identidade da parte de seus pais adotivos e, ao mesmo tempo, sendo suprimido de sua verdadeira origem. Ser adotado pelos reis de Corinto constitui uma grande reviravolta na vida de Édipo, uma vez que passou de um estado de rejeição para um estado de acolhimento.

8.2 A FASE DA DÚVIDA

A dúvida foi a maior marca da segunda fase da vida de Édipo, o jovem príncipe fora criado para ser o Tirano de Corinto, todo seu caráter foi forjado com este objetivo. Subitamente, porém, as certezas do Herói se dissolvem quando um homem em estado ébrio o alerta sobre algo do seu passado:

Foi numa festa; um homem que bebeu demais embriagou-se e logo, sem qualquer motivo, pôs-se a insultar-me e me lançou o vitupério de ser filho adotivo. Depois revoltei-me; a custo me contive até findar o dia. Bem cedo, na manhã seguinte, procurei meu pai e minha mãe e quis interrogá-los. Ambos mostraram-se sentidos com o ultraje, mas ainda assim o insulto sempre me doía; gravara-se profundamente em meu espírito(SÓFOCLES, 2001, p.58).

Apesar de Édipo não ter forçado uma resposta de seus “pais”, não se conteve, encaminhou-se para o oráculo de Delfos a fim de buscar respostas que pudessem devolver a tranquilidade ao

seu espírito conturbado, contudo não obteve sucesso. Ficou ainda mais abalado e sua dúvida se tornou em confusão, pois, segundo a profecia,sua sina era cometer dois horrores: matar o pai e ter um relacionamento incestuoso com a mãe. O impetuoso Édipo, temendo causar tamanha desgraça a sua família, foge. Na estrada conhecida como “A Fenda”, entre Tebas e Corinto, desentende-se com uma comitiva e comete dois assassinatos, entre os mortos está Laio, o desconhecido pai biológico de Édipo. Chegando a Tebas, Édipo decifra o enigma da Esfinge, terrível monstro mitológico, parte mulher parte animal, que assolava a cidade, e por este feito recebe a mão da viúva, a Rainha Jocasta, tornando-se assim o novo Rei da cidade.

Édipo não sabia, mas sua união com Jocasta foi a concretização da última parte da profecia que ele e seus pais receberam do oráculo de Delfos. O incestuoso casamento lança a cidade em uma nova e terrível maldição, obrigando Édipo a procurar um profeta cego chamado Tirésias, para que lhe esclarecesse sobre o motivo da maldição. Como se vê, novamente a dúvida recai sobre Édipo, movendo-o em sua jornada investigativa.

Ao passo que Édipo avança em sua busca pelo assassino de Laio, novos questionamentos são agregados a sua mente: Quem matou Laio? Em seguida: Serei eu o assassino de Laio? E finalmente, a principal pergunta: Quem sou eu? Como percebemos, essa jornada, que originalmente se destinava a uma investigação externa, em seu decurso tornar-se em uma jornada auto investigativa. A busca incessante por respostas nesta fase da vida de Édipo configura-se como o motor principal que o conduz ao momento da kátharsis, isto é, a purificação ou a purgação das emoções de horror e piedade suscitadas no público pela contemplação do trágico.

8.3 A FASE DO RECONHECIMENTO

Ao tomarem consciência da verdade dos fatos, Édipo e sua família são lançados no mais absoluto desespero. Jocasta, diante da revelação, dirige-se aos seus aposentos e, numa cena fortíssima e ao mesmo tempo repleta de beleza e significados, concluindo que não suportaria conviver com a culpa que sentia pela desgraça que recaiu sobre si e sobre sua família, tira sua própria vida diante do leito onde Édipo foi concebido como filho e, tempos depois, acolhido como esposo. Reconhecendo que não adiantava lutar contra os desígnios dos deuses, Édipo fura os próprios olhos e condena-se ao exílio, levando consigo sua filha Antígona. Entre os quatro filhos que teve com Jocasta, foi a única que o acompanhou.

No que concerne à passagem do estágio de ignorância para o reconhecimento, Aristóteles considera que:

Reconhecimento, como o nome indica, é a passagem da ignorância para o conhecimento, para a amizade ou para o ódio entre aqueles que estão destinados à felicidade ou à infelicidade. O reconhecimento mais belo é aquele que se opera juntamente com peripécia, como acontece no Édipo (ARISTÓTELES, 2008 p. 57).

Édipo já não era mais o mesmo, visto que de juiz tornou-se réu, e, de inocente, tornou-se culpado, concluiu e reconheceu que na verdade era ele, e não Tirésias, o verdadeiro cego, e que sua visão limitada e temporal o conduziu ao seu fatídico destino. Tendo Édipo conduzido sua investigação até as últimas consequências, agora finalmente compreende que não se pode fugir aos desígnios dos deuses, e que homem algum pode se considerar feliz até que se chegue ao final do dia.

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