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Transcrissão da Entrevista Nº.1

Capítulo IV – Análise de Conteúdo e Discussão de Resultados

Apêndice 4 Transcrissão da Entrevista Nº.1

Transcrição da entrevista número 1

Investigadora – A tua surdez é de nascença? Beatriz – Sim, é de nascença.

Investigadora – E qual é o grau da tua surdez?

Beatriz – A percentagem? 62%

Investigadora – Mas és surda severa, profunda…

Beatriz – Eu nasci surda profunda de um ouvido, o outro não chega a profunda. Investigadora – E com que idade colocaste o implante coclear?

Beatriz – Aos 3 anos de idade.

Investigadora – E lembras-te como foi a preparação para a colocação do implante? Beatriz – Foi por causa da minha mãe. Eu antes usava aparelhos. Mas eu estava sempre a retirar os aparelhos [risos] e a minha mãe decidiu colocar-me o implante. O objetivo da minha mãe era que eu ouvisse melhor.

Investigadora – Mas lembras-te no médico? Como foi a preparação?

Beatriz – Eu não me lembro. Da primeira vez não me lembro de nada. Só me lembro da segunda vez. Porque eu tive de ser operada uma segunda vez porque o implante partiu. Investigadora – E como foi essa segunda vez?

Beatriz – Eu tive um probema no meu implante, por dentro partiu. Então eu fui ao médico e fiz uma nova operação. Mudei o implante.

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Beatriz – Na mesma. Eu inicialmente usava o implante e um aparelho e comparando os dois era muito diferente. Tornava-se confuso. Então retirei o aparelho e senti-me bem. Investigadora – E como é que aprendeste a língua gestual portuguesa? Com que idade? Beatriz – A primeira vez que comecei a aprender a língua foi com o professor X. Foi ele que me ensinou a língua gestual.

Investigadora – E que idade tinhas?

Beatriz – Não me lembro. Foi muito cedo, não me lembro. Investigadora – E tu consideras ter uma língua dominante?

Beatriz – Depende. Eu estou habituada a utilizar a língua gestual. Mas mesmo nessa língua há gestos que eu não conheço. Mas vou aprendendo.

Investigadora – Então consideras que a tua língua dominante é a língua gestual, é isso? Beatriz – [Acena afirmativamente com a cabeça].

Investigadora – Tens alguma memória de infância que te tenha marcado? Antes de teres colocado o implante? E depois?

Beatriz – Não. Para mim tudo aconteceu de forma normal. Eu não penso muito no implante.

Investigadora – Mas não há nada que te lembres que te tenha marcado. Pronto, tu colocaste o implante pequenina, não é?

Beatriz – [Acena afirmativamente com a cabeça]

Investigadora – Mas depois de teres colocado o implante, não há nada que te lembres que te tenha marcado?

Beatriz – Eu depois que coloquei o implante só me lembro de ter de praticar a oralização, de ter de aprender as palavras.

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Beatriz – Eu acho que foi uma tentativa de me transformar em ouvinte, de me colocar a falar. Porque os meus pais são ouvintes, não sabem língua gestual, e eles queriam que eu colocasse o implante e começasse a falar por causa disso.

Investigadora – E como é que te sentes por teres sido implantada? Porque tu retiraste o implante não foi?

Beatriz – Sim.

Investigadora – Então como te sentes por teres sido implantada?

Beatriz – Sinto-me normal. Porque eu não sinto nada ligado à operação. Não me lembro que fui operada. Eu retirei o implante, logo não ouço nada, por isso nem me lembro da operação.

Investigadora – Mas porquê que o retiraste?

Beatriz – Depende, retirava para dormir, para ir à praia, que não podia utilizar na água…

Investigadora – Mas tu agora não usas o implante…

Beatriz – Não uso. Porque o programa do meu implante mudou e eu não estava habituada. Eu sentia que estava a ouvir diferente. E antigamente não era assim. Eu sentia que os sons das palavras estavam a mudar… É a atualização dos programas. Então eu preferi retirar o implante e ficar só com o aparelho. As mudanças dos programas não funcionaram comigo.

Investigadora – Vamos agora direcionar para o teu percurso escolar. Não na faculdade, mas na escola, antes de teres entrado para a faculdade. Quais são as memórias que te marcaram no teu percurso escolar?

Beatriz – Para mim a escola foi normal. Foi nessa altura que eu retirei o implante. Depois comecei a ter intérprete, comecei a ter mais contacto com os professores, a ter mais apoios, mais ajuda… Foi normal. E sinto que o implante não foi importante para o meu percurso escolar. O implante deixava-me muito confusa.

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Investigadora – E uma vez que tu retiraste o implante, como é que achas que foi o processo de construção de relação e de comunicação com os teus professores e colegas ouvintes?

Beatriz – Depende. Ás vezes dava para comunicar de forma mais acessível. Outras vezes não nos compreendiamos. Por exemplo, algumas palavras eu não compreendia. Tinha de tentar fazer leitura labial. Ás vezes tinha de pedir para repetir, pedir para escrever. Ou tentava desenhar ou através de mímica também.

Investigadora – E como é que era a relação e a comunicação com os teus colegas surdos?

Beatriz – É uma relação boa. Comunicar através da língua gestual. É a minha língua, comunico de forma mais fluente. É natural.

Investigadora – Então consideras que as tuas relações são melhores com os teus pares surdos ou ouvintes?

Beatriz – Com os surdos. Porque com os surdos a comunicação flui. É uma questão de língua. Com os ouvintes também dá para criar relações, mas há sempre problemas com a comunicação. Há muitas coisas na comunicação com ouvintes que falham e por isso eu tenho mais contacto com surdos.

Investigadora – E no decorrer das aulas, era fácil compreender e acompanhar o que estava a ser lecionado?

Beatriz – Não… Em alguma aulas não. E eu tinha dúvidas, pedia explicações uma e outra vez e tinha de estudar mais em casa.

Investigadora – E no teu caso, que retiraste o implante, consideras que ele poderia ter tido alguma influência nesta situação?

Beatriz – Eu escolhi retirar o implante, por isso eu acho que não, que para mim especificamente, não seria positivo. Eu acho que se o programa não tivesse mudado, talvez. Mas agora não posso responder a isso.

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Beatriz – Houve um acontecimento que me deixou um pouco triste. Quando eu era pequenina, no meu segundo ano, um colega meu tropeçou, caiu e bateu com a cabeça e teve de ser operado e por causa disso teve de repetir o segundo ano e eu senti-me um bocado mal por ele.

Investigadora – Mas mais direcionado para ti. Lembraste de alguma coisa? Beatriz – Mas é direcionado a mim. É uma história minha.

Investigadora – Mas algo que te tenha acontecido a ti.

Beatriz – Não, não há nada… O meu percurso escolar foi bastante normal.

Investigadora – Então vamos agora direcionar para a faculdade. Há alguma memória que te tenha marcado aqui na faculdade?

Beatriz – [silêncio]

Investigadora – Porque a faculdade é muito diferente da escola. Aqui não tinhas tanto contacto com surdos… Sentes que há alguma coisa que te tenha deixado a pensar… Beatriz – Sim, é verdade. Quando eu entrei na faculdade não havia surdos. E senti-me um pouco estranha. No meu primeiro e segundo anos foi estranho, porque sim, é verdade não tinha nenhum contacto com surdos e então era uma seca. Claro que acabava sempre por andar com as intérpretes, mas as intérpretes não têm que estar sempre comigo. Então quando entrei aqui na faculdade eu senti sim essa diferença, essa falta de relação com os outros.

Investigadora – E aqui na faculdade como é que é a relação e a comunicação com os teus professores e colegas ouvintes?

Beatriz – Normalmente comunico através da intérprete. Mas ás vezes consigo comunicar, tentando falar oralmente ou recorrendo à escrita ou a mímica. Mas normalmente é mesmo através da intérprete.

Investigadora – E consideras que criaste uma relação boa com os teus colegas e professores?

121 Beatriz – Mais ou menos.

Investigadora – Como é que sentes que é essa relação?

Beatriz – É assim, eu acho que é uma relação boa… Não é a 100% claro, mas pronto, 70% [risos]. Mas boa boa não é. Eu gostava que alguns professores e alunos aprendessem língua gestual para que a comunicação fosse mais acessível.

Investigadora – Imagina então que terias optado por continuar com o implante coclear, achas que haveria alguma diferença na tua relação com os outros?

Beatriz – Não tenho resposta para isso. Eu optei por retirar o implante, por isso não sei se hoje em dia teria influência.

Investigadora – E aqui nas aulas, é fácil acompanhar? Compreender o que está a ser lecionado?

Beatriz – Ás vezes não. Algumas matérias eu não conheço os conceitos e eu não consigo acompanhar.

Investigadora – E como é que fazes para colmatar essas barreiras?

Beatriz – Pois… Tenho de pagar explicações privadas, vou a tutorias com os professores, estudo em casa… Se tenho alguma dúvida marco atendimento…

Investigadora – E há alguma história que te tenha marcado aqui na faculdade? Alguma situação que te tenha acontecido?

Beatriz – Acho que não. Na faculdade tem corrido tudo bem. Não me lembro assim de nada. Estou a tentar lembrar-me, mas… acho que não. Porque eu também quando entrei na faculdade tive sorte e não me senti aflita. Porque tinha uma familiar ouvinte que também estudava na mesma faculdade e ela apoiou-me muito. E era da minha turma. Por isso orientou-me muito e foi ela que me acompanhou nessa altura. E quando troquei de faculdade para esta onde estou agora também tinha uma pessoa conhecida, por isso acabei sempre por ter orientação.

122 Beatriz – Não, penso que está tudo. Obrigada. Investigadora – Obrigada eu.

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