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Capítulo 3. Aquisição/aprendizagem de L2 e ensino da gramática

3.3. Interlíngua

3.3.1. Transferência

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investigação em relação ao processo da aquisição/aprendizagem de L2. Segundo Gass & Selinker (1992: 5), o fenómeno da “transferência de L1” refere-se a um processo em que os aprendentes recorrem à incorporação de propriedades linguísticas da sua L1 ao desenvolver as interlínguas na aquisição/aprendizagem da L2. Diferentes modelos de análise da aquisição de L2 têm manifestado diferentes atitudes sobre a transferência de L1.

O conceito de transferência foi lançado pela primeira vez pela hipótese de Análise Contrastiva (AC) (Fries, 1945; Lado, 1957). Uma premissa importante da AC é que a transferência da L1 faz parte das causas principais pelas quais ocorrem desvios na produção da língua-alvo. Estes autores acreditam que os aprendentes estão mais habituados ao sistema da L1 do que ao da L2 e, no quadro do behaviorismo, considera-se a transferência de L1 apenas como um elemento negativo que prejudica a formação de novos hábitos linguísticos da L2 e impede a aquisição/aprendizagem bem-sucedida. Neste caso, a transferência negativa da L1 é também designada como interferência de L1 (Weinreich, 1953).

No entanto, ao longo do desenvolvimento teórico da Análise de Erros na área da aquisição de L2, bem como da influência do conceito da interlíngua, acredita-se que são inevitáveis os desvios nos discursos dos falantes de L2. Neste contexto, a investigação sobre a influência da L1 reveste-se pelas características multidisciplinares na área de estudos da aquisição de L2 (Yi, 2012; apud Tian, 2017: 48). Quando se compreende melhor o processo da aquisição/aprendizagem de L2 através da análise de desvios, a transferência da L1 já não serve para explicar todas as causas de desvios que ocorrem na produção dos aprendentes de L2 e até mesmo a transferência de L1 resultando nalguns desvios na aquisição de L2, a percentagem deste tipo de desvios que se regista nos estudos varia de indivíduo para indivíduo (Ellis, 1999: 302). Segundo Ellis (2000: 315), destacam-se seis aspetos fundamentais que determinam a dimensão da transferência no processo de aquisição/aprendizagem de L2: nível linguístico, fatores sociais, estatuto marcado da estrutura, prototipicidade, distância linguística e tipológica, fatores de desenvolvimento específico do processo da interlíngua.

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aquisição de L2, uma vez que a proximidade entre a L1 e a L2 também pode contribuir para facilitar a aprendizagem. Neste sentido, os linguistas deixam de usar o termo “interferência de L1”, dando preferência ao termo “transferência de L1” (Lado, 1957: 2). Mesmo tomando como referência a teoria do behaviorismo, Lado (1957) afirma que os conhecimentos da L1 beneficiam a compreensão da língua e cultura que um indivíduo aprende, porque consegue estabelecer ligações entre os sistemas da L1 e da L2:

Individuals tend to transfer the forms and meanings, and the distribution of forms and meanings of their native language and culture to the foreign language and culture – both productively when attempting to speak the language and to act in the culture, and receptively when attempting to grasp and understand the language and the culture as practices by natives. (Lado, 1957: 2)

Portanto, importa salientar que a transferência de L1 influencia o processo da aquisição de L2 com duas formas separadas ao mesmo tempo - transferência positiva e transferência negativa. O output funciona como critério para identificar se a transferência é positiva ou negativa (Gass & Selinker, 2008: 90).

Quanto à transferência negativa (ou conhecida como interferência), é um fenómeno originado da influência de hábitos da L1, que causa desvios nos discursos produzidos pelos falantes de L2 quando eles não prestam atenção à diferença entre algumas estruturas vindas de diferentes sistemas linguísticos. Neste caso, os aprendentes ignoram determinados itens linguísticos diferentes na L1 e na L2 e consideram-nos como elementos iguais ou parecidos (Zhang, 2018: 145). Isto quer dizer que, regra geral, das diferenças entre a L1 e a L2 podem resultar frequentemente dificuldades no processo de aquisição/aprendizagem de línguas.

No entanto, Kleinmann (1977; apud Gass & Selinker, 2008: 135) chama a atenção para o facto de esta assunção dever ser equacionada à luz de dois conceitos: o efeito de novidade (“novelty effect”) e a saliência percetiva (“perceptual saliency”), o que explica que, quando as estruturas são muito diferentes em L2, normalmente chamam mais a atenção dos aprendentes.

Relativamente à transferência positiva, segundo Ellis (1999: 302), os conhecimentos linguísticos prévios que os aprendentes dominam, de certa forma, também

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contribuem para a dominação da L2. Neste caso, a transferência positiva refere-se à facilitação marcada no processo de aquisição/aprendizagem de L2, que é a consequência da proximidade linguística entre a L1 do aprendente e a L2. Precisamente, a proximidade nota-se mais quando a L1 e a L2 partilham certos itens linguísticos em comum ou as línguas estão historicamente relacionadas (Zhang, 2018: 147).

De acordo com Ellis (1999: 302-304), as semelhanças entre dois sistemas linguísticos que beneficiam a transferência positiva podem associar-se a vários aspetos linguísticos como léxico, fonético, morfossintático e entre outros. Isto também significa que quanto maior for a similaridade tipológica marca a L1 e a L2, com mais frequência a transferência positiva no processo da aquisição/aprendizagem da L2.

Contudo, tanto Ringbom (1987, apud Gass & Selinker, 2008: 146) como Oller e Ziahosseiny (1970, apud ibidem), a similaridade tipológica pode provocar, em certos contextos, mais dificuldades na aquisição/aprendizagem, como apontam a seguir:

In a similar vein, Ringbom (1987) pointed out that similarities may obscure for the learner the fact that there is something to learn. Oller and Ziahosseiny (1970) suggested that learning is “the most difficult where the most subtle distinctions are required either between the target and native language, or within the target language (Gass & Selinker, 2008: 186).

Resumindo, a transferência de L1 pode desempenhar um papel tanto negativo como positivo no processo de aquisição/aprendizagem de L2, o que geralmente está relacionado com a diferença e semelhança entre os sistemas da L1 e L2. A transferência negativa, também conhecida como interferência, constitui um fenómeno que causa dificuldades aos aprendentes enquanto a transferência positiva facilita o domínio da L2 pela similaridade linguística. No entanto, além desta questão de proximidade ou distanciamento tipológico deve ter-se ainda em conta o fenómeno da psicotipologia, definido por Kellerman (1977), e que Ferreira (2019: 141-142) sintetiza da seguinte forma:

A psicotipologia corresponde a um conjunto de perceções várias que os aprendentes possuem da distância estrutural das línguas e que ao longo do desenvolvimento interlinguístico pode promover, por um lado, ou inibir, por outro, a transferência linguística.». (Ferreira, 2019: 141-142)

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