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5. A terceira geração do processo de harmonização do asilo 1 O Tratado de Amesterdão

5.4. O Tratado de Nice

Com a aproximação de novos alargamentos na União, incluindo países da Europa Central e de Leste, muito diferentes entre si dos quinze Estados-membros já existentes, concluiu-se que a revisão de Amesterdão não teria feito todas as modificações, no plano institucional, que se julgava serem adequadas e necessárias para adaptar a União a estes alargamentos. Por isso, a Conferência Intergovernamental de 2000 preparou uma nova revisão dos Tratados, que desembocou no Tratado de Nice, aprovado naquela cidade francesa na Cimeira de 10 e 11 de dezembro de 2000, e assinado mais tarde, também em Nice, em 26 de fevereiro de 2001. Este Tratado entrou em vigor em 1 de fevereiro de 200393.

Constituindo a terceira reforma dos tratados comunitários, a verdade é que o Tratado de Nice não desencadeou nenhuma reforma profunda, limitando-se a resolver um problema institucional e procedimental que impedia a conclusão das negociações do alargamento por fortalecer os Estados-membros de maiores dimensões94. Neste sentido, o Tratado de Nice procedeu por uma nova distribuição de lugares no Parlamento Europeu, uma cooperação reforçada mais flexível, um controlo do respeito dos direitos e valores fundamentais no seio da UE e ainda um reforço do sistema judicial da UE95.

93 Cfr. QUADROS: Direito da União Europeia, ob. cit., pp. 47-48.

94 Cfr. RODRIGUES: Política Única de Asilo na União Europeia, ob. cit., p. 291.

95 “Foi acrescentado um novo número ao artigo 7.º do TUE para cobrir casos em que não tenha efetivamente ocorrido uma violação evidente de direitos fundamentais, mas em que haja um “risco manifesto” de que tal possa acontecer. O Conselho, deliberando por maioria qualificada de quatro quintos dos seus membros, e depois de obter o parecer favorável do Parlamento, determina a existência do risco e dirige as recomendações apropriadas ao Estado-membro em questão. Foi proclamada uma Carta dos Direitos Fundamentais não vinculativa.” (Cfr. “O Tratado

O Tratado de Nice foi o responsável pela modificação no modo de funcionamento das instituições, tornando a votação por maioria qualificada a regra, ao invés da unanimidade, em muitas áreas de decisão da União Europeia, nomeadamente, vistos, asilo e imigração, bem como noutras áreas indiretamente relacionadas com aquelas, como sejam as medidas de incentivo à não- discriminação ou as medidas destinadas a facilitar a livre circulação e residência.

No entanto, os legisladores do Tratado tiveram o cuidado de prever que a votação por maioria qualificada e a codecisão apenas seriam aplicáveis nos domínios de asilo, refugiados e pessoas deslocadas depois de o Conselho, deliberando por unanimidade, ter aprovado previamente legislação comunitária e ter definido normas comuns e princípios especiais para reger essas matérias96. Esta alteração ficou plasmada com o aditamento de um n.º 5 ao artigo 67.º do Tratado que institui a Comunidade Europeia (TCE)97, que estendia o procedimento de codecisão para as matérias para as quais o Tratado de Amesterdão previa durante um período transitório de cinco anos um procedimento de consulta ao Parlamento Europeu em que o Conselho decidia por unanimidade a proposta da Comissão ou a iniciativa de um Estado- membro98. Contudo, tal só se verificaria se o Conselho tivesse aprovado

http://www.europarl.europa.eu/atyourservice/pt/displayFtu.html?ftuId=FTU_1.1.4.html, consultado a 27/04/2016).

96 Quanto a esta questão, TERESA CIERCO explica que “nos termos do artigo 67.º, que define os procedimentos de decisão para estes domínios, o Conselho delibera por unanimidade sob proposta da Comissão (ou até 2004, por iniciativa de um Estado-membro) e após consulta do Parlamento Europeu. A partir dessa data, o Conselho passou a poder decidir por unanimidade aplicar a maioria qualificada e o procedimento de codecisão com o Parlamento a essas matérias.” (Cfr. CIERCO: A Instituição de Asilo na União Europeia, ob. cit., p. 141).

97 “Em derrogação do n.º 1, o Conselho adota nos termos do artigo 251.º: as medidas previstas no ponto 1) e no ponto 2) da alínea a) do artigo 63.º, desde que tenha aprovado previamente, nos termos do n.º 1 do presente artigo, legislação comunitária que defina as normas comuns e os princípios essenciais que passarão a reger essas matérias [e] as medidas previstas no artigo 65.º, com exclusão dos aspetos referentes ao direito da família.” (Cfr. Artigo 2.º, n.º 4 do Tratado de

Nice).

98 Sobre esta temática, JOSÉ NORONHA RODRIGUES refere que “não se tratou, porém, de generalizar o procedimento de codecisão a todo o Título IV do TCE, pelo contrário, a presente revisão incidiu, unicamente, sobre duas medidas específicas, nomeadamente: I) Medidas em matéria de asilo concordantes com a CRER, de 28 de julho de 1951, e o Protocolo, de 31 de janeiro de 1967 relativo ao estatuto dos refugiados, bem como com os demais tratados pertinentes, nos

previamente, nos termos do n.º 1 do artigo 67.º TCE, uma legislação comunitária que definisse as normas comuns e os princípios essenciais que passariam a reger estas matérias.

Assim, no que refere às disposições constantes do Título IV do TCE (visto, asilo, imigração e outras políticas relativas à livre circulação de pessoas), acordou- se uma transição progressiva para a maioria qualificada parcial e diferida, sendo que, no que concerne às políticas de asilo e imigração, tal maioria foi adiada para o ano de 2004 e não deveria incidir sobre os elementos essenciais das mesmas.

Esta novidade trazida pelo Tratado de Nice, embora à partida pudesse parecer pouco significativa, foi bastante importante, uma vez que, devido aos condicionalismos impostos pela unanimidade, pouco se tinha avançado desde Tampere onde se tinha acordado a criação de um sistema europeu comum de asilo.

Assim, o Tratado de Nice consubstanciou-se num conjunto de reformas interligadas que procedeu à incrementação de novas regras processuais e institucionais, não tendo introduzido modificações relevantes no regime jurídico do Título IV do TCE e na política de asilo, a não ser a consolidação do modelo comunitário previsto no Tratado de Amesterdão e a introdução de ligeiras modificações de caráter procedimental.