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Tornar as declarações de “missão” e “visão” o retrato dinâmico, ou melhor, o filme da história da organização parece ser o desafio maior para a administração. Nesse sentido, Senge (2009, p. 39) argumenta que sem o pensamento sistêmico, pelo qual “a soma das partes excede o todo”, essas declarações acabam projetando “lindos quadros de futuro”, sem a compreensão dos fenômenos (aos quais ele se refere como forças) desencadeados, ou que ocorrem, daqui até lá. Se a visão é o quadro que desenhamos para o momento seguinte, a sua construção – argumenta-se – deve ser construída sobre a reta-suporte da missão, dia-após-dia. Nesse sentido, George (2009) afirma que o crescimento da organização dá-se no longo prazo, evitando a sedução dos resultados de curto prazo, ou seja, empresas que focam em suas missões, centradas em seus valores, criam muito mais valor para os investidores do que aquelas que priorizam resultados financeiros, tais quais os valores subjacentes às declarações de O’Brien ecoadas por Senge (2009, p.29) de que "a agitação na administração de empresas continuará até construirmos organizações que sejam mais coerentes com as mais elevadas aspirações humanas, as que estão além de comida, abrigo e posses".

Para George (2009, p. 68) “motivar os empregados com um senso de propósito é o único caminho para fabricar produtos inovadores, com melhores serviços e com insuperável qualidade a longo prazo“. Contudo, segundo Godoi (2009), não se pode motivar outro, não diretamente, pois a motivação é tautologicamente sempre automotivação. Por ser a motivação intrínseca, tudo que os que estão de fora podem fazer é estimular, incentivar, provocar a motivação nos indivíduos. Assim, os concorrentes podem imitar, copiar a ideia, mas a motivação é específica da organização e será difícil de ser copiada (GEORGE, 2009). Isso complementa e aprofunda a “aptidão tecnológica” enfatizada por Leonard-Barton (1998). Neste caso, a motivação vai além dos sistemas de recompensas, é amparada em valores como “transparência, tanto interna como externa” (GEORGE, 2009, p. 75) como parte inerente da integridade como componente básico para construção da cultura organizacional.

As crenças e teorias de líderes fundadores conformam a cultura organizacional em seus estágios iniciais, pois cofundadores que pensam de forma diferente acabam gerando dissidência, culminando com a saída de alguns membros e tornando o clima organizacional mais homogêneo. E a emergência da organização é a validação dos pressupostos iniciais dos fundadores, pois caso contrário, se as crenças e teorias em o que fazer e como fazer estiverem erradas, o empreendimento fracassa. E essa cultura se enraíza nas rotinas da organização tornando a mudança cultural um processo muito difícil (SCHEIN, 2009).

Se por um lado a liderança impõe uma cultural inicial, à medida que o grupo se defronta com problemas de mudanças em seu ambiente, em tal nível que invalida algumas dos pressupostos iniciais, a liderança entra em ação no processo adaptativo. Neste caso, a liderança é a “capacidade de ficar à margem da cultura que criou o líder e de iniciar os processos de mudança evolucionária que forem mais adaptativos” (SCHEIN, 2009, p. 2). Aí está, para esse autor, o desafio para a liderança. Em outras palavras, o desafio para a liderança está na capacidade em perceber as limitações da própria cultura e promover as adaptações.

Embora não seja consenso entre pesquisadores se a cultura possa ser mudada, ou não, aqueles que pendem pela mudança “assumem que o processo não é simples, não é barato e não se faz sem causar traumas” (FREITAS, 1991, p. 81). Mexer com a cultura implica em apontar para fenômenos profundos, comportando um grau considerável de inconsciência, abaixo da superfície – dos artefatos visíveis, poderosos em seu impacto – contudo de difícil distinção (SCHEIN, 2009).

Para Freitas (1991), o crédito pela formação da cultura organizacional tem sido superestimado. Para a autora, se o líder tem papel relevante impregnando com destaque a memória das pessoas, os fatores contextuais também influenciam o conteúdo que é compartilhado. Dessa forma, o fundador também estaria imerso num sistema de forças que estão além de seu controle individual, sendo assim influenciado pela cultura. Para Schein (2009, p. 1), “liderança e cultura constituem dois lados de uma mesma moeda”.

As culturas se diferenciam ao redor do mundo e essas culturas mais amplas influenciam o modo como se desenvolvem os grupos e organizações. A cultura que pode se analisada em níveis segundo o grau em que os fenômenos culturais podem ser observados. E a não diferenciação em níveis é uma das razões para a confusão em torno da definição de cultura. Os níveis variam de manifestações abertas – tangíveis, passíveis de serem percebidos pelos sentidos (as superficiais) - às suposições básicas, que é a essência da cultura que reside no inconsciente (SCHEIN, 2009). Nesse sentido, GIBERSON et al. (2009) afirmam que há um consenso entre pesquisadores organizacionais de que a cultura dentro da organização se manifesta em diversas camadas distribuídas em um continuum variando desde os artefatos mais facilmente observáveis, e a camada mais profunda dos valores compartilhados.

Para Schein (2009), valores, crenças, normas e regras de comportamentos assumidos por um grupo estão entre essas camadas extremas de cultura, que os membros utilizam como espelho para se verem e retratar os outros.

A cultura em níveis também parece estar nos dois tipos de valores que Leonard-Barton (1998) afirma existirem: um associado com atitudes e crenças em relação a outras pessoas, inclusive clientes, que são os valores “V”; e o outro está relacionado com a maneira de se executar as atividades, métodos disciplinares específicos, ou modo de operação, que são os valores “v”. E a dificuldade em alterar rotinas e mudar as normas decorre dos empregados confundirem os dois níveis de valores, ou seja, não sabem se estão sendo demandados a mudar o “V” – a missão da companhia, ou o “v” – a forma com que os valores existentes estão sendo aplicados como suporte à missão.

Valores e crenças dos indivíduos contribuem de modo significativo para o conhecimento. O mesmo fenômeno pode ser interpretado de formas diferentes com base nesses fatores, ou seja, “pessoas com diferentes valores ‘veem’ diferentes coisas numa mesma situação e organizam seu conhecimento em função de seus valores” (DAVENPORT e PRUSAK, 1998, p. 14).

Ainda detalhando o que considera como V maiúsculo, Leonard-Barton (1998, p. 42) traz o exemplo de valores incorporados na “maneira de ser da HP” que inclui a “confiança e o respeito pelos indivíduos, a integridade irrestrita e o trabalho em equipe”.

Em relação aos valores, Christensen (1997) afirma que os gerentes se veem em um dilema que surge quando diante de um problema relativo à inovação. Nisso, instintivamente agregam pessoas capazes ao projeto. Uma vez que as pessoas certas tenham sido reunidas, os gerentes assumem que a organização será capaz de ter sucesso na empreitada, o que é perigoso porque a capacidade da organização está além de pessoas que nela trabalham. Para o autor, a capacidade da organização reside em dois lócus: processos e valores organizacionais. Enquanto os processos são os métodos pelos quais as pessoas aprenderam a transformar insumos, recursos e tecnologia em produtos de maior valor, os valores organizacionais são os critérios que subsidiam a tomada de decisão de priorização pelos gestores e trabalhadores.

Enquanto valores organizacionais dizem respeito às crenças sobre as metas da instituição que são compartilhadas pelos membros da organização, valores pessoais constituem-se de crenças relativamente estáveis associadas às preferências de comportamentos e modos de vida de indivíduos (FERREIRA, FERNANDES e SILVA, 2009).

Embora valores e habilidades no relacionamento com outras pessoas possam ser “esposados” (teoria de ação defendida) pelas pessoas na organização, nas situações de

dificuldades e problemas ameaçadores elas se comportam de forma incompatível com a teoria esposada, que pode ser traduzido em “faça o que eu digo, não o que faço” (ARGYRIS, 1982, p. 8). Mas quando líderes agem dessa maneira, com incoerência, perde-se rapidamente o compromisso dos empregados que se tornam cínicos. Já quando dirigentes se tornam referências em valores há um tremendo impacto em toda a organização como afirma George (2009).

Quando falamos em valores, falamos em transparência, tanto interna como externa. A integridade é um componente básico na construção de uma cultura organizacional. Ela deve nortear as ações diárias dos empregados e é central na condução dos negócios. A transparência é parte inerente da integridade. A verdade, tanto nos momentos de sucesso como de fracasso, deve ser compartilhada abertamente com o mundo exterior. [...] A confiança na liderança é adquirida pela prática diária dos valores da empresa e não apenas ao declará-los. (GEORGE, 2009, p. 75)

Práticas incoerentes de valores levam os empregados a não confiar na empresa fomentando a descrença nos objetivos organizacionais. Para que os valores sejam sedimentados não é suficiente estabelecê-los e distribuir aos empregados como manual de conduta; o comprometimento e engajamento com os valores devem-se iniciar pelos líderes, ou fundadores. São eles que constituem o padrão de referência para os membros da organização (GEORGE, 2009).

A liderança não está implicada no cargo hierárquico, arbitrado pela burocracia. Ela emerge de forma espontânea do grupo social. Liderança diz mais da organização informal do que da formal. Um líder só existe quando é reconhecido pela coletividade como tal. É ele que desperta a cooperação espontânea nas pessoas pelo exercício de valores compartilhados, dando significado à ação coletiva. Agindo por valores que legitimam sua ação e a ação dos demais promove a redução da distância de poder3 por meio de mudança de consciência. Isso pode suscitar uma nova identidade para os indivíduos. O líder se esforça em despertar a consciência para a ação virtuosa em seus seguidores, fazendo com que percebam capazes e responsáveis em influenciar a realidade em seu redor. Dessa forma, atua como mentor, instrutor, estimulando em cada indivíduo o desenvolvimento de potencialidades, estimulando em cada um a visão das próprias virtudes pessoais. Estimula o indivíduo a ser ver como Ser (ativo) não como objeto (passivo). Em suma, não precisa de regras externas que ditam

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IDP – índice de distância de poder. Dimensão cultural que representa a medida do grau de aceitação de uma repartição desigual de poder por aqueles que têm menos poder nas instituições e organizações de um país (ZANINI, 2009).

ensinamentos, tampouco da força de punição. Mas estimula a ação autônoma do sujeito propiciando-lhe compreensão do papel que desempenha na organização, na sociedade e no mundo (ZANINI, 2009).

Para Migueles (2009), o que chama a atenção em líderes é a capacidade em dar respostas certas em contextos específicos e a singularidade de sua visão. E o que diferencia os líderes dos não líderes, continua a autora, é a grande disposição dos líderes em alocar energia para as mudanças que pretendem fazer, a despeito das resistências iniciais. Soma-se a essas características, a coragem em assumir riscos, fundada na confiança nas possibilidades de sucesso.

A autora recorre a Freud para compreender essa alocação de energia. Nesse sentido, por questões subjetivas que escapam a nossa compreensão, o líder estaria deslocando a pulsão sexual para a realização do desejo em servir uma comunidade. Embora possa explicar a alocação de energia, para a autora isso não explica a formação de visão e nem a capacidade de fazer com que outras pessoas sintam entusiasmo por trabalhar orientados pela visão e esforços do líder. O líder crê no talento das pessoas, ainda que elas próprias desconheçam como revela Migueles (2009).

Se perguntarmos a um líder por que investir tanto esforço na busca de um objetivo e em descobrir nos outros, talentos e contribuições para isso, encontraremos invariavelmente a mesma resposta: há ali um trabalho que deve ser feito e há nas pessoas talentos e recursos para realizá-lo, mesmo que elas ainda não tenham compreendido bem sua tarefa ou pareçam não acreditar que possam fazê-lo. Há uma decisão que antecede a razão e que motiva a mobilização de esforços. Há uma fé nas pessoas a sua volta que faz crer que elas serão capazes e contribuirão mesmo que ainda não tenham dado a palavra ou contribuição efetiva nessa direção. Encontramos muito dessa disposição dentre os fundadores de organizações de várias naturezas, desde empresas até organizações de terceiro setor. (MIGUELES, 2009, p. 51)

Neste o capítulo foi discutido o poder que inerente à convivência entre os homens, que só existe em ações conjuntas e desaparece com a dispersão das pessoas envolvidas, e dessa forma o poder é da natureza da organização. A autoridade é o poder legitimado pelo grupo de referência. O poder é exercido mediante recompensa, coerção, legitimidade, referência e especialização. Na sociedade moderna baseada na supremacia da racionalidade emerge a burocracia como forma organizacional por excelência, baseada em normas, regras racionais e comunicação formal, instrumentos pelos quais o poder é exercido. A eficiência da burocracia está relacionada com o grau de inculcação de atitudes e sentimentos que lhes são adequados. A obediência cega a regulamentos oferece o conforto e a segurança ao burocrata que assim

não é estimulado ao comportamento inovador. O que era meio para eficiência – as regras – torna-se um fim em si substituindo os objetivos da organização.

Esse modelo é superado pela transição para uma sociedade baseada em tecnologia e tendo como um valor central a inovação e tendo como recurso fundamental a informação. O poder já não é exercido diretamente, ele é mediado pela organização. Ela exerce dominação em nível psicológico, tomando e substituindo o ideal de ego dos indivíduos por um ideal coletivo por ela apresentada. O indivíduo agora se identifica com a organização toda poderosa e assim se sente onipotente. Ante a necessidade em ser reconhecido pela organização, a carreira é a ponte de ligação. Decidido a fazer carreira, e estimulado pela ambição, o indivíduo é condenado a vencer. O vencer torna-se um valor para o indivíduo, pois como negar que vencer é bom e que qualquer promoção é uma recompensa? Para isso está disposto a sacrificar-se, a usar os recursos ao alcance para obter sucesso. Introjetando o que é externo para o interno, o sucesso individual é o sucesso da organização.

O indivíduo dominado em nível psicológico pré-edipiano encontra prazer dominando os outros a serviço da organização, superando dificuldades e novidades de sua tarefa. Há aí um fenômeno complexo de indentificação com que “produz uma colagem entre o inconsciente individual e o objeto que se tornam indissociáveis” e assim “[...] o indivíduo torna-se uma engrenagem, ele investe tudo na empresa e a faz funcionar.” (PAGÈS et al., 1987, p. 146-147).

Como afirma Motta (1993), a estratégia por sobrevivência impõe constante pressão por inovação que implica a criação de conhecimento organizacional. Embora ideias não seja sinônimo de inovação, a inovação inicia-se com a idéia que ontologicamente emerge em indivíduos. Embora o nível de dominação psicológica de empregados da TLTX não possa ser generalizada, ainda assim o indivíduo está propenso a resolver problemas, pois o indivíduo é movido por uma causa: “a causa será o amor, a perseguição do ideal para a obtenção do amor da mãe-organização e angústia da perda de seu amor” (PAGÈS et al., 1987, p. 148). Superar problemas, novidades da tarefa, envolve insights, intuição, ideias, que estão na gênese de criação de conhecimento organizacional. Com a discussão realizada sobre poder na organização realizou-se o segundo objetivo intermediário da dissertação. O terceiro objetivo intermediário será objeto da categoria a ser discutida no próximo capítulo.

Neste capítulo será discutida a criação de conhecimento organizacional, partindo de perspectiva diferente daquela que vê a organização como mecanismo de processamento de informação que deriva da divisão cartesiana entre sujeito e objeto. Para isso, será discutida a distinção entre informação e conhecimento, os conceitos básicos de criação de conhecimento e suas dimensões, os contextos para a criação de conhecimento, a evolução da teoria, bem como comunidades de práticas nas quais o conhecimento também pode ser criado.