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A estrutura arquitectónica sepulcral das Lapas não sobreviveu até aos nossos dias para que melhor pudesse ser interpretada. Ainda assim, com base em fotografias antigas de por Manuel Heleno e seus registos em caderno de campo, é possível afirmar que existe grande possibilidade desta estrutura se tratar de um hipogeu.

Com base na observação da figura nº5 (Anexo 2, Estampa 2) é possível determinar a existência de uma estrutura de tendência circular, comprovada pela observação de Manuel Heleno, que menciona a disposição as ossadas num arco de mais de dois metros (Heleno, 1935b, p. 12), sendo que o mesmo assume tratar-se de uma gruta artificial, comparando este hipogeu com o das Baútas (Heleno, 1935a, p. 5). Com base nos cadernos de campo relativos à escavação das Baútas, apenas é possível desenhar uma planta hipotética, que ainda assim oferece algumas incoerências.

Numa das figuras é possível vislumbrar o que parece ser um corredor de pequenas dimensões, executado com uma laje pétrea, que daria acesso à câmara funerária. Manuel Heleno refere apenas que lhe haviam dito que existia um corredor de cerca de um metro por cinquenta centímetros de largo (Heleno, 1935a, p. 5), sem mais referir. Apesar do próprio ter registado em fotografia esta estrutura não identificada, que se assemelha a um corredor, não se refere à mesma. Apenas conclui que a gruta se abriria para poente (Heleno, 1935b, p. 12). A corresponder esta abertura a poente à estrutura tipo corredor e de acordo com a interpretação das fotografias, existe grande possibilidade de ambos os argumentos se referirem ao mesmo objecto. Na figura nº 5, é notória uma quebra na estrutura de tendência circular, do lado direito. De acordo com a orientação, essa mesma

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abertura está localizada a Oeste do sepulcro, correspondendo à menção de Manuel Heleno (Anexo 2 – Estampa 2, figura 10).

Nos cadernos de campo aparecem também mencionadas estruturas tipo silo, sendo possível que tenham sido identificados mais que um. Pelo menos um deles (silo 1), presente nas figuras nº 7,8 e 10, aparece descrito como tendo uma forma afunilada de cerca de um metro de altura, e 0,45 e 0,95 de abertura e base, respectivamente (Heleno, 1935b, p. 4). A proximidade deste silo à estrutura sepulcral é diminuta, no entanto não é possível aferir a existência de alguma relação entre ambos. Os cadernos de campo sugerem que a estrutura já se encontrava despejada de qualquer conteúdo, tendo sido escavada por Eugene Jalhay (Heleno, 1935b, p. 3-4). A figura nº11 parece conter um silo, contudo não é possível aferir com exactidão de que tipo de elemento se trata.

Manuel Heleno menciona um segundo silo (silo 2), ou a base de um, que parece ter aparecido na área de escavação do sepulcro, onde se encontrou um objecto de ferro que não consta no conjunto de peças observado. Segundo a descrição, o silo 2 apresentava uma forma semelhante ao silo 1, ou seja, a abertura (com cerca de cinquenta centímetros) era mais estreita que o fundo (Heleno, 1935b, p. 9). A existência de mais silos é passível de ser confirmada através da afirmação “Havia outros com a forma das grutas, isto é com a parte mais larga na base (…) ” (Heleno, 1935b, p. 9) mas não quantitativamente, nem através de registos fotográficos.

Desta forma propõe-se que o sepulcro das Lapas seria um hipogeu, fazendo-se acompanhar de várias estruturas tipo silo, cujo conteúdo não é conhecido, podendo estes ser contemporâneos ou posteriores ao sepulcro. Este tipo de realidades, é conhecida no nosso país principalmente no Alentejo, como no hipogeu da Barrada (Aljezur) e Outeiro Alto (Valera e Filipe, 2012).

Outro autor propõe, ainda, que perto do hipogeu das Lapas existiriam mais duas estruturas da mesma categoria (Andrade, 2015, p. 296). De facto, no local, pelo menos uma, a Lapa do Carreiro, encontra-se ainda presente. Contudo não é possível aferir se a mesma seria de origem pré-histórica, sendo utilizada actualmente para depósito de armazenamento de lenha (Pereira, 2012, p. 65). Se a hipótese de terem existido vários hipogeus pudesse ser confirmada demonstraria uma realidade também conhecida no nosso país, como é o caso das grutas de Alapraia (Cascais), Carenque (Amadora), Sobreira de Cima (Vidigueira) e Monte Canelas 1 (Moran, 2002), onde se regista a ocorrência deste tipo de arquitectura funerária em grupos de mais do que uma estrutura. 6. Deposições funerárias

6.1. A única interpretação possível?

A documentação fotográfica é uma importante fonte para a compreensão da posição original das deposições funerárias do hipogeu das Lapas. Contudo, este tipo de informação, nunca pode ser considerada como única, principalmente no que toca a escavações antigas. Aparentemente as fotografias representam maioritariamente

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deposições em posição de conexão anatómica, informação que, quando confrontada com as ossadas analisadas no MNA apenas corresponde a uma parte da realidade.

É possível verificar na figura 3 (nexo 2 – Estampa 2) pelo menos dois crânios no solo, arrastados com a remoção das terras para a execução dos trabalhos, mas que em nada se relacionavam com a escavação do sitio arqueológico. Para além destes dois crânios, existem ainda diversas fotografias de outros três in situ, aparentemente em conexão anatómica. Um destes três crânios (figura 11 e 12, Anexo 2 – Estampa 2) apresenta características suficientes e específicas que o torna facilmente identificável, no conjunto osteológico estudado. O crânio presente na Figura 13 (Anexo 2 – Estampa 2)apesar de se assemelhar a três existentes no conjunto (inventário nº 64, nº 65 e nº 67), não pode ser identificado com certeza com qual se relaciona.

Curiosamente um destes (figura 12, Anexo 2 – Estampa 2) apresenta duas linhas a lápis, bem como outros dois ossos no conjunto (nº 9, Anexo 6). Esta técnica foi usada para marcar o osso antes da sua remoção do local, já que a fotografia existente remete para um crânio completo, talvez por já se encontrarem fragmentados ou em condição delicada. Apesar disso o crânio acabou por se fragmentar em várias peças de menores dimensões, que conteriam as linhas a lápis, mas que não se encontram no conjunto presente no MNA. Salienta-se ainda, que o número de crânios presentes nas fotografias, ou seja, cinco, é o mesmo número de crânios presentes e estudados no conjunto.

6.2. Análise Antropológica: Inumações primárias ou secundárias?

A leitura da documentação fotográfica sugere claramente que os ossos se encontravam em deposições primárias, contudo, a análise particular dos ossos indica que, provavelmente nas fotografias não estavam representadas posições primárias na sua totalidade. Não é possível afirmar com certeza que esta acção redutora aconteceu nos três inumados representados nas fotografias. Em apenas um deles, (figura 12, Anexo 2 – Estampa 2), é possível afirmar que, apesar de na fotografia este aparentar encontrar-se em deposição primária a observação do respectivo crânio e ossos agregados, confirma a noticia de O Almonda. Esta refere a existência de reduções nas inumações: “ pelo modo que aparecem as ossadas, parece que as sepulturas foram já, pelo menos, remexidas” (O

Almonda de 1 de Junho de 1935). O crânio assenta sobre um aglomerado concrecionado,

que contém identificáveis, um rádio, fragmento de tíbia, falanges e um canino.

Através da análise dos ossos foi possível perceber a coexistência de ambas as inumações (ver Anexo 6 – Relatório Antropológico).

Existe um conjunto de ossos inseridos numa brecha calcinada pela concreção, típica de locais próximos aos rios, que se reporta a uma possível deposição primária. A presença de dois fémures e duas tíbias, esquerdos e direitos, indica a presença de um indivíduo jovem, colocado possivelmente em posição primária. Contudo, esta situação não pode ser verificada com certeza tendo em conta que, apesar dos membros inferiores se encontrarem em posição híper flexionada, esta pode ser resultado de uma ligeira redução na área do sepulcro. Esta segunda hipótese ganha mais consistência pela

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existência de um terceiro fémur no aglomerado. Existe a hipótese de se tratar realmente de uma inumação em posição primária. Contudo, por não poderem ter sido comprovados estes dados em campo, à época da escavação, os mesmos devem ser interpretados com precaução.

Existe, ainda, um segundo aglomerado de ossos com uma escápula, rádio, falanges, costelas, entre outros, no qual foi descoberta uma pequena conta de colar em xisto, semelhante às restantes presentes no conjunto, que ingressam o colar artificialmente criado. O facto de a conta se encontrar colada pela concreção, bem como no colar artificial existirem contas unidas entre si pela concreção, sustenta a hipótese destas se terem realmente tratado de um colar completo.

Relativamente ao Número Mínimo de Indivíduos (NMI) é possível afirmar que no hipogeu das Lapas se encontravam pelo menos seis indivíduos. Este número mínimo foi sugerido por duas mandíbulas inteiras e fragmentos de outras quatro. Quanto aos restantes ossos, o número mínimo nunca ultrapassa os três a quatro indivíduos. Das mandíbulas existentes é destacável a existência de um indivíduo do sexo masculino (nº 1) e a robustez da mandíbula nº 2, podendo esta ter pertencido a um indivíduo do sexo masculino. No conjunto, exceptuando a mandíbula nº 1, mesmo sendo praticamente impossível aferir o sexo dos inumados, é possível observar a robustez vs gracilidade das mandíbulas tentando desta forma uma aproximação ao sexo dos mesmos. São destacáveis, pelo menos, um fragmento de mandíbula e um fragmento de queixo, que podem ser considerados como gráceis (nº 5 e nº 6). O nº 4, é menos robusto que os nº 1 e 2, contudo nunca mais grácil que os nº 5 e 6.

Relativamente à mandíbula nº 7 é possível afirmar que se trata de um individuo de sexo indeterminável, mas de idade jovem, até aos 18 anos. Este facto é passível de ser observado pela inexistência do 3º molar, que nasce geralmente entre os 18 e os 25 anos de idade e pelo desgaste do 1º molar, praticamente inexistente (dados transmitidos por Ana Maria Silva, a quem se agradece). Existe forte possibilidade desta mandíbula se fazer corresponder com os fémures e tíbias, em suposta conexão anatómica (nº 54 e 55 e nº 57 e 58). Existe, ainda, um fragmento mandibular que apresenta uma dentição (m1 e m2)

pouco ou nada desgastada. A presença do alvéolo para alojar a coroa do terceiro molar (dente do ciso) indica que este estava em formação. Assim sendo, mesmo não perceptível o sexo, é possível determinar que o indivíduo tinha mais de 12 e menos de 18 anos.

7. Espólio funerário