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Urbanização e verticalização urbana no Brasil: a questão habitacional retomada

ESQUINAS DO LABIRINTO

2.3. Urbanização e verticalização urbana no Brasil: a questão habitacional retomada

A cidade é um objeto de estudo que remonta um longo período de tempo e a verticalização sempre esteve vinculada ao crescimento da disputa pela ocupação dos espaços urbanos com a maior concentração de infraestrutura e de amenidades. Esta competição se dá tanto por conta do interesse da função residencial, ou ainda na função econômica, através da qual os agentes urbanos procuram obter as melhores vantagens em termos de localização e das externalidades oferecidas pelo entorno.

A humanidade vive nos dois últimos séculos um período de grandes transformações. A fase inicial desse período transformador da sociedade corresponde à revolução industrial, às grandes invenções destacadas por Robert J. Gordon, no início deste Capítulo, e à consolidação do modo de produção capitalista. O século XX tem com registro principal o fenomenal processo de urbanização que alcançou a escala mundial45, resultado de novas dinâmicas do modo de produção capitalista, que transformou as cidades em lugares de grande complexidade em termos de relações sociais.

Importa destacar que as linhas de força desse fenômeno não se restringem somente às grandes cidades, mas já se manifestam nas cidades médias, que também se revelam como centros provedores de equipamentos e serviços para a economia e para a população que se urbaniza rapidamente, ou ainda, que se desloca das metrópoles para cidades menores em busca de melhores condições de produção ou de

45Relatório UN-Habitat 2012-2013 revela que o final do século XX ficou marcado pelo fato de que pela primeira vez, a população urbana mundial ultrapassou a população rural. Tal fato, segundo o relatório marca o início do ‘milênio urbano’, baseado na expectativa de que já na metade do século XXI, 70% da população mundial esteja vivendo em cidades. Os registros da ONU indicam que nas décadas iniciais do século XXI, m ais de 50% da população mundial, já vive em áreas urbanas(UN-Habitat, 2014, p. 25)

qualidade de vida. No Brasil, esse fenômeno teve início por volta da década de 1930 e ganhou grandes proporções a partir dos anos 1960.

Como salientado no final do item anterior (2.2), a cidade é feita pela ação de pessoas (agentes) que ali realizam seu cotidiano material e praticam suas ações imateriais. Assim, uma das materialidades mais básicas, e nem por isso a menos complexa, traduz-se pelo ato de morar que se integra à historicidade da humanidade. Por sua vez, o ato de morar assim como as demais necessidades humanas materiais, se relaciona com a ocupação do lugar no espaço, a partir de uma localização determinada, segundo diferentes contextos sociopolíticos e econômicos (GOMES; SILVA; SILVA, 2003, VARGAS, 2014, p.36).

Daí resulta a espacialidade do problema da habitação. Por conseguinte, a problemática da verticalização também se espacializa, o que justifica a adoção do referencial adotado no capítulo 1 e sintetizado na figura 2- item 1.2. Nesse sentido, Souza (1994) chama a atenção para oque ocorre no Brasil, diferentemente de outros países, onde a questão da habitação e o fenômeno da verticalização se encontram na medida em que grande parte das construções verticais - três pavimentos ou mais - se destina à função habitacional. Por sua vez, as formas espaciais da habitação assumem as mais variadas expressões, de acordo com a disponibilidade de materiais, domínio de tecnologia construtiva, aspectos simbólicos, culturais e ambientais, e, principalmente, com a condição econômica do proprietário.

O processo de verticalização deve ser analisado como uma das facetas do processo de produção e apropriação do território urbano vinculado às condições de organização do espaço que constitui aquilo que se convencionou chamar de totalidade, que permeia todos os lugares. É um processo que tem seu marco nos anos 1920, com o surgimento das indústrias de bens de produção inicialmente nos espaços metropolitanos, mas que já alcança os níveis intermediários das redes urbanas (SOUZA, 1994, SOMEKH, 1997 e CASARIL, 2008). Com relação ao Brasil, Souza destaca ainda que, o processo teve início na cidade de São Paulo, a partir do mundo corporativo, mas que dado a sua escala e historicidade, a verticalização vinculada à função habitacional assumiu uma importância maior do que a expansão horizontal.

Não se pode deixar de anotar que dadas as suas características de espacialidade, a questão habitacional também esbarra na problemática da dicotomia entre a concentração e a dispersão urbana abordada no item 2.1. Pode-se dizer que a questão se situa na base dessa discussão, talvez de modo mais intenso do que a problemática econômica e de sustentabilidade ambiental, posto que a função habitacional está a dar

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forma do caráter expansivo das cidades, cuja dinâmica tem se manifestado como a característica predominante do processo de urbanização, como se viu mais atrás.

Não cabe aqui tratar da vasta literatura que aborda a questão da habitação, mas, acima de tudo, destacar alguns aspectos fundamentais, da sua produção e consumo no seio da sociedade capitalista brasileira. É intenção que essa discussão opere como um dos contingenciamentos do fenômeno da verticalização que se verificou em Joinville. Daí porque antes de se aprofundar na discussão cabe dizer que o primeiro aspecto a destacar, dentre a complexidade dos atos e ações envolvidos na produção e apropriação e uso da cidade, é o fato de que as relações capitalistas se fundamentam na escassez, seja ela produzida ou apenas controlada, como mecanismo de fixação de preços no mercado. E, sobre essa característica importa destacar que as diferentes formas de escassez que se manifestam e afetam toda a sociedade, atingem com muito mais intensamente os mais pobres. (VILLAÇA, 1986, p. 6)

Entretanto, a condição de base para o encaminhamento da questão sob a ótica capitalista, independente do grupo social ao qual se aplica o pressuposto da propriedade privada, a sua posse deve ser adquirida no mercado. Isso posto, deve-se registrar que a literatura que tratada questão urbana e habitacional brasileira vê o encaminhamento da política habitacional brasileira implementada a partir de 1940, fundada na proposição de forte cunho ideológico da política da casa própria, tratando-a como uma falsa idéia burguesa de segurança social e econômica, como destacam Andrade, (1976), Bolaffi (1979).

Assim é que referenciado aos trabalhos de Villaça, 1986; Santos, 1991; Azevedo e Andrade, 2011 e Bonduki, 2011, a materialidade da política habitacional, no Brasil, assumiu duas formas predominantes: a) a casa ou apartamentos para as classes média e alta; e b) a casa própria autoconstruída, assumida pela classe trabalhadora assalariada, a partir da compra de terrenos, resultado de loteamentos regulares ou não. Sob o ponto de vista formal, o segundo caso é que predominou na cidade de Joinville, o que de certa forma explica o caráter tardio do processo de verticalização, como se poderá verificar nos capítulos4 e 5 mais adiante.

No Brasil, a habitação se manifesta como uma problemática real a partir de meados do século XIX, com a penetração do capitalismo na estrutura sócio-produtiva nacional, com reflexos imediatos na mobilidade interna da população que se deslocava das áreas rurais para as cidades (BOLAFFI, 1979; VILLAÇA, 1986; BONDUKI, 2011).

Com relação a sua forma, a moradia assumiu diversas expressões ao longo do tempo. Os cortiços surgiram como a primeira solução de

mercado, que produz unidades habitacionais para o aluguel, situadas em locais próximos ao centro das cidades. No entanto logo passaram a ser severamente combatidos, em razão das precárias condições de higiene e segurança, pois haviam se tornado uma ameaça à burguesia.

Outra solução, similar aos cortiços, foram as vilas operárias, construídas em um número bem inferior, estavam vinculadas à iniciativas de empresários. Muito embora fossem inspiradas em bases socialistas, eram mais bem aceitas pela burguesia, pois não se lhes apresentava como uma ameaça, ao contrário, operava muito mais como um mecanismo de controle da força de trabalho, de vez que eram destinadas tão somente aos trabalhadores - muitas das vezes somente aos graduados - das empresas promotoras. Apesar de contarem com incentivos, como isenção de impostos, as vilas operárias também não se apresentaram como solução para o problema, pois constituíam iniciativas muito restritas e que não alcançavam a grande massa da população.

Impedida de prover a habitação através das soluções rentistas (aluguel), em razão da política populista do Estado Novo - que deu início a um longo período de congelamento aluguéis, a solução foi transferir para o Estado a tarefa de encaminhar uma solução para o problema. Contudo, como destaca Villaça (1986, p. 17), ao mesmo tempo em que “a burguesia transfere o problema da moradia urbana para o Estado ... impede-o de resolvê-lo”.

Contudo, nas visões de Villaça (1986, pp. 23-24) e Azevedo e Andrade (2011, p. 26), isso acontece porque no mundo real das coisas o exercício da propriedade confere status social e civilidade, além de facilitar um conjunto de relações econômicas, tais como a tomada de empréstimos, realização de crediários, oportunidade de investimentos ou ainda como reserva de valor. De outra parte, os autores em comento, indicam que o Estado participou dessa operação na condução do “esforço” de modernização do referencial jurídico que pudesse facilitar o desenvolvimento das atividades econômicas e da acumulação. A intervenção do Estado ficou marcada pelos seguintes atos:

1. A edição da Lei dos Condomínios, que autorizou a construção de propriedades individuais em edifícios coletivos, os apartamentos, que viabilizou a verticalização em grande escala; 2. A edição da Lei do Inquilinato, em 1940, que se destacou pelo

congelamento dos aluguéis, sucessivamente renovado até a década de 1960;

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3. A criação da Fundação Casa Popular (1946), que respondeu pela construção de casas e apartamentos, financiamento de infraestrutura urbana e da produção de materiais de construção; 4. A renovação das Caixas Econômicas, responsáveis pela

concessão de financiamentos com juros baixos;

5. A criação do BNH - Banco Nacional da Habitação e do Sistema Financeiro da Habitação - SFH, em 1964, a quem foi delegada a responsabilidade pela: a) formulação da Política Nacional de Habitação; b) orientação e estímulo à iniciativa privada para a construção de habitações de interesse social; e c) a construção de conjuntos habitacionais horizontais e verticais de interesse social com o objetivo de eliminar as favelas. Contudo para muitos soa estranho um banco formular política habitacional de interesse social e ao mesmo tempo, instituir a correção monetária, nos contratos de financiamento no sentido de proteger seus ativos dos efeitos corrosivos do processo inflacionário. De outra parte, os autores citados não deixam de revelar os objetivos ocultos o BNH: legitimar a ação do Estado frente à classe trabalhadora, de quem tomava recursos para o financiamento habitacional46 ao mesmo tempo em que promovia o processo de acumulação e de dominação burguesa. Porém Santos (1992) ressalva que não há porque “...fazer uma guerra santa contra o BNH”, pois o banco foi apenas o meio para um determinado fim, esse sim foi ocultado da visão, cujos responsáveis se diluem entre o Estado e o capital, uma aliança sempre enfatizada por Harvey (2014);

6. A edição do Decreto-Lei nº 58/1937, que regulou a venda de lotes à prestação, que permitiu a explosão do parcelamento do solo através de loteamentos, a base para o encaminhamento da solução habitacional através da autoconstrução e para a formação das periferias urbanas distantes. Estes loteamentos populares responderam em grande medida pela manutenção em níveis muito baixos dos custos de reprodução da força de trabalho;

Em adição aos atos praticados pelo Estado na condução da política habitacional importa destacar que, conforme Smolka (1991,

46O capital do BNH era formado por recursos oriundos da contribuição compulsória sobre a folha de pagamento das empresas, que formou o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS mais recursos do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo – SBPE, as Cadernetas de Poupança. (VILLAÇA, 1986, p. 29)

p.451) o SFH teve grande responsabilidade na mudança do eixo da política habitacional brasileira, que apresentou uma “...mudança significativa do discurso sobre a questão da moradia, que se deslocou, em larga medida, para o âmbito financeiro”, além do que o mesmo autor refuta a noção fundada no comum de que a disponibilidade de crédito teria contribuído para a elevação dos preços imobiliários, a partir de estudos realizados junto ao mercado imobiliário do Rio de Janeiro.

Na mesma direção da responsabilidade apontada por Smolka, Carlos Nelson dos Santos (SANTOS, 1992), destaca que somente após 10 anos de dificuldades na condução da política habitacional brasileira, o BNH/SFH, juntamente com o Estado e os empresários imobiliários concluíram que não era mais possível continuar operando com o financiamento de habitações para famílias com renda inferior a 3 salários mínimos, como destacado por Villaça (1986). A conclusão de Santos se baseia na visão corrente dos agentes financeiros e imobiliários de que “...pobre precisa comer e por isso não pode ter dinheiro para ter casa”, além do que o BNH deveria operar verdadeiramente como um banco e, que por conta de sua finalidade precípua de “vender capital para construir casas...não tem obrigação de dar nada a ninguém”. Ocorre que, considerado o fato de o BNH integrar a estrutura do Estado se transmitia a idéia de que “...também o Estado está desobrigado de providências” a respeito da questão da moradia.

Retomando o aspecto relacionado à característica intrínseca da moradia, a localização, surge a pergunta: Como essa característica afeta em especial a moradia? Por que ela não é acessível a todos, uma vez que a condição do abrigo e segurança são aspectos que o senso comum atribui como “direito “ inerente à todas as pessoas? Uma resposta direta é apresentada por Villaça (1986, pp. 6-7) ao considerar que “a casa... é uma mercadoria especial”, cuja produção está submetida à questões estruturais que também condicionam o acesso à esse bem em particular.

O caráter “especial” reside no fato de que a casa está irremediavelmente ‘amarrada’ ao solo, o que lhe atribui certa peculiaridade enquanto mercadoria: a localização, com o bem destacam Villaça (1986, p. 6-7);Maricato (2011, pp.185-19); Vargas (2014, p. 35); e Harvey (1980 e 2014). Assim, ela só pode ser produzida no seu local de consumo, ao qual está vinculado ao segundo aspecto estrutural, e não menos importante do contexto capitalista de produção, que é a propriedade privada da terra. Desse modo ao adquirir a terra, o comprador também se apropria de uma determinada localização, de tal forma que, as melhores localizações - mais bem dotadas de infraestrutura, acessibilidade, amenidades e significados sociais - vão

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alcançar no mercado os maiores preços que, por conseguinte, vão onerar o preço a ser pago pela moradia.

Vargas (2014, p. 35), destaca a situação paradoxal à qual o produto imobiliário, por sua natureza intrínseca, está submetido, pois ainda que não possa ser levado aos consumidores (não tem o dom a ubiquidade), está submetido às influências externas oriundas de fluxos da cidade, de intervenções urbanas e, até mesmo, de situações contingenciadoras oriundas de lugares mais distantes, como do estrangeiro, por exemplo, as chamadas verticalidades.

Um terceiro aspecto estrutural a ser comentado é a amplitude – em termos de tempo - necessária para a produção e para o consumo dessa mercadoria especial, que também está vinculado ao ciclo de rotação do capital, isto é a transformação do dinheiro em mercadoria e a sua transformação novamente em dinheiro. A transformação da mercadoria em dinheiro ocorre somente quando o imóvel estiver totalmente pago. O processo pode ser acelerado via financiamento, que adianta ao produtor o valor em dinheiro e submete o adquirente ao pagamento do capital e dos juros correspondentes em parcelas.

O ciclo de produção da habitação, no mercado formal, além dos altos custos de implantação, envolve a elaboração do projeto arquitetônico e dos complementares - estrutural, elétrico, hidrossanitário, prevenção e combate ao incêndio, climatização, etc. -, o licenciamento da obra, a construção propriamente dita e uso do imóvel produzido. No que interessa a esta tese, a construção de edifícios com mais de três pisos, somente o tempo de construção consome de 10 a 48 meses, dependendo do volume a ser construído, enquanto que o uso pode se estender por décadas47. Já o tempo de licenciamento, a ser acrescentado, não se dá em menos de 30 dias, para as obras mais simples, podendo se estender por até um ou dois anos, dependendo das condições do empreendimento, que envolvam, por exemplo, o licenciamento ambiental, e/ou estudo de impacto de vizinhança.

Ainda vinculado ao ciclo de produção/consumo, Vargas (2014, p.36) chama especial atenção para o “caráter inercial” do produto imobiliário. Esta inércia se manifesta através da “resistência às mudanças urbanas”, frente ao volume de investimentos necessários à sua produção e à sua durabilidade. Assim, a depreciação que se dá em longo

47Em nota, vinculada no Jornal A Notícia, de 03.05.2016, informa-se que a Mitra Diocesana de Joinville está interessada em construir um edifício comercial de 15 andares, cuja obra deverá se iniciar em julho de 2016 e deverá se estender por cerca de 18 meses. A nota informa ainda que a Mitra já possui cerca de 70% dos recursos destinados ao empreendimento, cujo custo está orçado em R$ 8 milhões de reais.

prazo, implica em uma menor descartabilidade do produto, que pode ser requalificado para outros usos que não os que foram inicialmente programados.

Em quarto lugar, há que se considerar o papel que a moradia desempenha na definição dos custos gerais da reprodução da força de trabalho, na medida em que o pagamento pela mercadoria, se dá via de regra através do salário, pois por pressão política da própria classe trabalhadora, “não é possível reduzir ao máximo possível” a remuneração. Das quatro características até aqui abordada, esta exerce um papel determinante na discussão da tese em curso.

Assim, se estabelece um vínculo indissociável entre a questão da reprodução da força de trabalho e a “redução das condições de vida e de moradia” dos trabalhadores (VILLAÇA, 1986, pp. 7-8 e HARVEY, 2014, p. 119). Registre-se que aqui estão sendo levados em conta os trabalhadores vinculados ao mercado de trabalho formal, que no seu cotidiano, disputam silenciosamente, com o chamado ‘exército de reserva’ as escassas posições disponibilizadas pelo sistema produtivo privado e até mesmo no serviço público. Ou seja, não há trabalho para todos e, as formas da cidade revelam essa situação com muita clareza e, às vezes, com muita eloquência.

Além das quatro características estruturais do processo de produção da moradia, Villaça (1986, pp.9-13) chama atenção para o papel desempenhado pelas políticas públicas, frequentemente contraditórias, pois, via de regra, o enunciado e a implementação não deixa transparecer os reais objetivos de favorecer a acumulação do capital. Tal consideração se faz importante, pois, há que se levar em conta que “toda política tem sempre uma dimensão econômica”.

Essa dimensão político-econômica suscita, segundo Villaça (1986), algumas questões:

a) “Por que não se consegue oferecer condições decentes de moradia?;

b) Por que favelas e cortiços crescem?; e

c) Por que os pobres têm que morar cada vez mais longe?”. A resposta a essas provocações é dada pelo próprio autor que aponta para o caráter ideológico burguês da formulação das políticas públicas. Assim, guiado por essa mesma ideologia, o Estado brasileiro ao reconhecer a situação de pobreza do país, tem apontado como saída o progresso econômico - é farto o registro, de que a política não deu o resultado esperado -, pois “...a melhoria não pode ser feita às custas

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daqueles que já atingiram um certo grau de conforto” (VILLAÇA, 1986)..

Nesse sentido Villaça (1986, pp. 9-13), Santos (1992) e Harvey, (2014, p.133) convergem na visão de que o progresso a que se refere o discurso oficial, deveria ser construído com “...mecanismos progressivamente sofisticados para o controle da terra”, mas não de qualquer terra, mas sim daquela socialmente valorizada pelos investimentos públicos, “..logo monopolizados pelo capital privado”.

O controle da terra e a partir dele a apropriação de rendas decorrentes da situação de monopólio estão vinculadas à intima relação que se dá entre os processos de acumulação de capital e de urbanização. A urbanização, segundo Harvey (2014, p. 92), opera como meio privilegiado de inversão do excedente de capital e de trabalho ao longo da história do capitalismo, pois desempenha uma “função particular na dinâmica de acumulação do capital”, que no caso específico, é marcado pelos longos períodos de trabalho, pela baixa rotatividade e longevidade dos investimentos. De tal sorte que, a urbanização é marcada por uma especificidade geográfica, relativamente à sua produção e aos monopólios espaciais que marcam a “...natureza dos espaços e dos lugares criados ou produzidos por esses movimentos”, corroborando a visão de Santos (1996).

Assim é que através do aparelhamento do Estado e da imposição de um modo de vida ideologizado, fundado em estilos de vida, capacidade de trabalho, valores culturais e políticos, que a classe capitalista encontra meios de orientar o processo urbano, ou seja a