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Vídeo 4: Opinião do apresentador sobre mãe que abandonou bebê dentro de

5.1. ANÁLISE DE CONTEÚDO DOS COMENTÁRIOS PUBLICADOS PELOS

5.1.4. Vídeo 4: Opinião do apresentador sobre mãe que abandonou bebê dentro de

No quarto vídeo, o apresentador do programa emite sua insatisfação ao noticiar a morte de um bebê, que foi encontrado dentro de uma mochila às margens da BR 101, em São José de Mipibu/RN. O bebê tinha apenas 15 dias de vida. Em sua fala, o apresentador se mostra indignado com a atitude da mãe, reforça a importância de usar métodos contraceptivos para não engravidar e fala o tempo inteiro direcionado para a câmera principal, com a foto do bebê recém-nascido no telão ao fundo. O vídeo não apresenta maiores detalhes sobre as circunstâncias em que o bebê foi encontrado, nem o paradeiro da mãe.

Esse é um dos vídeos com maior quantidade de comentários, 90 no total e é possível encontrar opiniões contrárias a atitude da mãe concordando/apoiando a fala do apresentador, além de comentários de lamentação de cunho religioso, emojis ou comentários expressando lamento, tristeza ou preocupação: “Uma tristeza em saber até que ponto o ser humano chega isso é crueldade. O fato não é julgar, mas

12 Como dispõe o artigo 217-a do Código de Processo Penal (1940), para crimes de estupro de

vulnerável, a pena é a reclusão de 1 a 5 anos com agravante de um a dois terços da pena, em razão da natureza íntima de afeto (pai).

é pensar antes de fazer. É como o ciro (sic) falou existem várias formas de prevenção”, “Lamentável”, “Oh Deus é de partir o coração”, “E todos os métodos que você citou tem na rede pública gratuitamente”. As pessoas usam somente o fato do não uso de preservativos para julgar a mãe e não procuram entender os motivos que a fizeram abandonar o bebê, nem as condições físicas e mentais em que esta mãe se encontrava e o contexto social em que poderia estar inserida. Há somente um comentário que avalia a possibilidade de a mãe estar depressiva ou doente: “Não vamos julgar sem saber o motivo ela pode ser doente, depressão pós parto”. Parte dos comentários publicados possivelmente tenham base em um preceito moral “que condena toda relação sexual a partir do momento em que ela não se desenrole no quadro da conjugalidade e em vista de seus objetivos próprios” (FOUCAULT, 1985, p.169). No entanto, seguem muitos outros argumentos apresentados pelos telespectadores que compõem a audiência do programa:

“Na minha opinião gente, quem tem depressão não procura namorado não entendam isso, pessoas depressivas não querem conversa com ninguém, as vezes não querem ver ninguém imagine ai??? Isso não existe não encaixa na minha cabeça não... Tem que pagar pelo crime que cometeu sim”, “Eu concordo plenamente com Ciro tem vários métodos de evitar ela não evitou porque não quis”, “Engraçado que pra ter relação sexual ela não teve e nem estava com depressão. Certos comentários me poupe”, “Não tem papinho de depressão que faça eu aceitar ou entender o que a moça fez com esse anjinho, era uma vida que sofreu até a morte, sem culpa nenhuma do que aconteceu nessa tal relação que ela tinha com o pai da criança”, “Como que vou conseguir entender que uma pessoa abandonou um bebê, em uma estrada sabendo os riscos que essa criança iria correr, não ela não é mãe. Ela é uma monstra”, “Eu só sei de uma coisa na hora de fazer é muito bom ai depois ta doente esse e muita safadeza era pra ser presa”.

Assim como no exemplo do vídeo do pai que abusou sexualmente da filha, quando o comentário atribui à mãe um adjetivo de ‘monstra’, existe o emprego de um argumento do senso comum de ‘desumanizá-la’, uma vez que essa não é uma atitude socialmente aceita, ainda mais repudiada pela relação maternal que foi negligenciada. Ela não pode ser chamada de mãe, porque socialmente o papel da mãe é o que cuida, amamenta, protege, não o que abandona, que pode ser melhor

compreendido nesse comentário: “Muito triste esta mulher não pode ser chamada de mãe nem os animais faz isto com seus filhos”.

Os comentários que julgam a vida sexual da mãe, que a condenam que nessas circunstâncias ela não estaria doente, de certo modo, são reforçados por uma estratégia de poder que se anunciou na modernidade e é refletida por Foucault (1985), ao analisar a história da sexualidade. Segundo ele, a mulher enquanto mãe tinha como ditame a responsabilidade de gerar e gerir o corpo social, o espaço familiar e a vida das crianças. Dessa forma, o controle dos corpos das mulheres passa a ser organizado de modo a permitir o adestramento deles, envolvendo-os numa mecânica produtiva, lançando mão de inúmeras técnicas para sujeitá-los. Todo um conjunto de saberes e discursos envolvendo a sexualidade da mulher passa ao status de verdade e de racionalidade (FOUCAULT, 1985).

Os comentários que questionam a saúde mental da mãe, apoiando-se no argumento de que ao ter relações sexuais não havia doença, além de existir uma generalização de sintomas depressivos (de que todas as pessoas depressivas não se relacionam, não conversam ou não querem ter contato com ninguém), há uma série de preceitos morais direcionados ao papel da mulher em uma relação.

Ainda se destacam comentários condenatórios e pedindo punição à mãe: “Assassina tem que pagar por essa crueldade”, “O Brasil era pra ter pena de morte”, “tem que pagar”, “(...) merece a cadeia”, como se desacreditando que não haverá punição para esse caso e que a punição mais justa seria a morte da mãe.

Apenas um comentário cobra responsabilidades do pai da criança: “Sei que a atitude dela foi terrível, mas acho que a criança tem pai, porque o pai não tomou alguma atitude também para ser responsável com seu filho?”. E é interessante analisar esse comentário porque vai contra o que é socialmente estabelecido de que apenas a mãe (por ter gerado a criança) é unicamente responsável por ela, comportamento fruto de resquícios de uma sociedade enraizada no machismo e que isenta o homem em ter responsabilidades assim como a mãe.

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