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O VALOR DA ORALIDADE NA INTELIGÊNCIA DA PRÁTICA EDUCATIVA

3 O EDUCANDO JOVEM E ADULTO CONSIDERADO A PARTIR DE

3.2 O VALOR DA ORALIDADE NA INTELIGÊNCIA DA PRÁTICA EDUCATIVA

A mulher e o homem desde criança aprendem a se expressar, a usar a sua fala, a se fazer entender através da oralidade, só mais tarde na escola, aprendem a escrever o que já falavam. Entender e fazer-se entender de forma oral, significa, dentre outras coisas, expressar a prática social na qual o sujeito está inserido. O uso inteligente dessa oralidade na alfabetização de adultos, por meio do fazer educativo do(a) educador(a), é um caminho para que, o educando possa ser capaz de fazer sua re-leitura de mundo, aprendendo e reaprendendo no seu cotidiano, transformando-se num sujeito ativo e participativo de sua sociedade. De acordo com Freire (2002, apud MORAES, p. 1)7

A aprendizagem da leitura e da escrita equivale a uma ‘releitura’ do mundo [...] as crianças pequenas, bem antes de desenharem letras, aprendem a falar, a manipular a linguagem oral [...] em seguida, apenas escrevem o que já aprenderam a dizer. Qualquer processo de alfabetização deve integrar essa realidade histórica e social, utilizá-la metodicamente para iniciar o aluno a exercer, tão sistematicamente quanto possível a sua oralidade, que está infalivelmente ligada ao que chamo de ‘leitura de mundo’.

A função da oralidade na alfabetização de jovens e adultos é de fundamental importância, pois é através da fala que as pessoas expõem sua percepção de mundo, informando peculiaridades do seu fazer neste mundo, constituindo seus saberes, por meio de suas experiências de vida.

Assim, o(a) educador(a) ao considerar a oralidade do educando, ouvindo a sua história, está reconhecendo seus saberes prévios no fazer pedagógico, abordando novos conhecimentos que, integrados com as informações da escola, constrói novas aprendizagens. Estas se desenvolvem de forma mais simples e mais compreensível, pois caminha primeiro pelo universo social e cultural do educando, para em seguida, reconstruir esses conhecimentos

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MORAES, Clovis Alberto Mendes de (2002). Texto traduzido. Paulo Freire conversa com Márcio D’olne Campos. Leitura da Palavra...Leitura de Mundo.

no espaço escolar. O(a) educador(a) é então, mediador(a) entre os saberes prévios do aluno e os saberes formais da escola. Em função disso a professora entrevistada Margarida Alves diz,

O educador tem que trabalhar em cima da realidade dele, as vezes você leva uma aula preparada e eles vem com um tema que não tem nada haver com o assunto que você ia desenvolver, você aproveita e dar uma aula diferente, onde todos mostram interesse pelo tema. Ajudar a segura o aluno (em sala de aula) é saber escutá-lo em sala de aula, é muito importante saber ouvir as pessoas.

Como educadores(as) somos conscientes de que a construção da escrita é representação formal do saber, ficando a construção oral na história da educação, em últimos planos. No entanto, a oralidade vem ganhando maior importância na EJA, através da valorização dos saberes pré-existentes do educando. Compreende-se ao se tratar de jovens e adultos que, eles já possuem uma história de vida, uma trajetória que lhes possibilitam construir uma visão e uma atitude de mundo, sem usar os meios formais da escola. Como assinala Figueiras e Soares (2005. p. 8)8

A importância da oralidade, na teoria e prática da lectoescrita, vem sendo cada vez mais reconhecida, ao se tratar da alfabetização de jovens e adultos. Além de se constituir num desafio para práxis alfabetizadora, ela é objeto de crescente interesse e reflexão por parte de estudiosos de várias áreas [...].

É na procura de aperfeiçoamento do fazer pedagógico, que se faz necessário um novo olhar e um ouvir mais atencioso à voz do educando jovem e adulto. Neste sentido o(a) educador(a) constrói uma postura alerta em sua prática educativa, desenvolvendo habilidades que considere de forma imprescindível a utilização do conhecimento prévio do educando, como um meio inteligente e facilitador da aprendizagem. Sobre essa questão Figueira e Soares (Ibid. p. 9-10) ressaltam que,

A busca de aprimoramento de nossa práxis educativa nos leva a reconhecer a especificidade de sua dimensão epistemológica, pois implica estar atento a todos os fatores que possam estar interferindo no processo de aprendizagem, além de suscitar um constante olhar crítico sobre nosso quefazer de educadores de adultos. O papel da oralidade – ou seja, a consciência de sua centralidade - pode exercer nesse quefazer é o que pode vir a torná-lo mais rico e estimulante, além de mais complexo.

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Monografia apresentada ao curso de pós-graduação “processo de Alfabetização na Vida adulta” da Universidade de Brasília – UNB, de Alberto Magno Barreto Filgueiras e Paulo Renato Escobar Soares. 2005.

Por meio da linguagem oral do educando jovem e adulto, no processo ensino- aprendizagem, o(a) educador(a) identifica seus saberes prévios e, através deles, constrói-se uma prática mais envolvente, acerca da própria realidade social e cultural do educando.

Com a valorização dos conhecimentos do alfabetizando na escola, ele vai sentindo-se estimulado a aprender mais sobre sua própria história, redescobrindo-se, construindo uma visão crítica e transformadora da realidade que o cerca. É, nessa direção, que a cultura oral do educando jovem e adulto colabora, fundamentalmente, no processo de construção formal da linguagem escrita. Assim, como destaca Figueira e Soares (Ibid. p. 15),

os educadores poderiam se valer da cultura oral prévia dos educandos para conectar o conhecimento que ela contêm com novas aprendizagens, em diferentes áreas. Por exemplo, ao trabalhar a memória dos acontecimentos vividos, está-se também fazendo ‘história oral’, questionando a experiência do tempo vivido individual e coletivo, enriquecendo a elaboração de textos.

Dito de outro modo, queremos mostrar diante do exposto que, um outro aspecto inteligente da prática educativa do(a) alfabetizador(a) de jovens e adultos é a utilização dos saberes prévios do educando, que se manifesta através de sua oralidade. É importante que o(a) educador(a) reconheça que tais saberes são constituídos através das experiências da realidade de vida do educando, influenciando intrinsecamente na construção de sua linguagem oral. Esta, por sua vez, articulada no espaço escolar estabelece a linguagem escrita. Nesse sentido, a professora entrevistada Chiquinha Gonzaga descreve

Gosto de iniciar a aula sempre com a leitura de um texto, trabalhando a auto-estima, eles são muito carentes e adoram este momento. (Conversa informal). Correção da tarefa de casa. Partindo sempre das dificuldades trazidas por eles. Explicando o conteúdo. Às vezes copiando o conteúdo, pra amenizar (Xérox dos conteúdos). Exercícios em classe. Trabalhos para casa. Bingos, músicas, etc. Modestamente minha aula não é ruim. (grifos nossos)

Chiquinha Gonzaga demonstra, em sua fala, uma prática educativa que valoriza, por meio do diálogo, da história de vida do educando, os conhecimentos que eles trazem consigo. A professora também expõe sua criatividade ao trabalhar com músicas que abordam as dificuldades do seu educando.

Dessa forma, quando o(a) educador(a) reúne suas várias capacidades: abertura, intuição, criatividade, curiosidade, apreciando os saberes prévios do educando jovem e adulto, está usando sua inteligência da prática alfabetizadora.

Esta abordagem é uma reflexão sobre a oralidade no ato de alfabetizar, numa perspectiva de valorização no processo ensino-aprendizagem, das experiências de mundo que o educando jovem e adulto traz consigo por meio de sua oralidade para a escola. Sobre esta questão Freire (In MORAES, 2002, p.2) diz que,

Insisto em afirmar: o ensino deve sempre respeitar os diferentes níveis de conhecimento que o aluno traz consigo à escola. Tais conhecimentos exprimem o que poderíamos chamar de identidade cultural do aluno-ligado, evidentemente, ao conceito sociológico de classe. O educador deve considerar essa ‘leitura de mundo’ inicial que o aluno traz consigo, ou melhor, em si. Ele forjou-a no contexto de seu lar, de seu bairro, de sua cidade, marcando-a fortemente com sua origem social.

Reconhecer os saberes que o educando já possui, seus conhecimentos experimentados, por meio de sua oralidade é identificar seus saberes prévios na ação alfabetizadora, tão poucos utilizados na prática e tanto teoricamente discutidos.

Vale ressaltar, que promover os saberes da experiência do educando na prática educativa, não é desconsiderar os conteúdos elaborados pelo sistema formal de ensino, como assinala Campos (apud MORAES, 2002, p. 4), “não se trata em absoluto de negar os meios, os instrumentos científicos de que dispomos, como livros, trabalhos de laboratório, conteúdo de programas – todo saber oficial, enfim”. Trata-se de construir uma ponte entre o que o educando jovem e adulto aprende na escola e o que ele aprende com suas experiências de mundo.