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3 SOCIEDADE CIVIL E PARTICIPAÇÃO

4.2 MSUs no Brasil Lutas por habitação e habitabilidade

4.2.1 Velho e novo movimento de bairros

O relevo que damos aos movimentos de bairros nesta parte do trabalho corresponde à análise de Gohn (2008, p.227), mencionada parágrafos acima, que dá conta da maior importância para o contexto brasileiro de entender a diferença entre novos e antigos movimentos populares. Os movimentos de bairros no Brasil têm origem e forte relação, num primeiro momento, com as SABs – sociedades de amigos de bairros - da fase populista, anterior, portanto, ao período histórico diretamente aqui implicado e expressão de um tipo de relação que não é o objeto deste trabalho, pois não se traduzem em autêntica manifestação de movimentos populares, já que espelham um tipo de política paroquial, baseada em clientelismo.

Jacobi (1983, p.147) explica que no período pós-1945, o populismo tornou-se a principal forma de resposta política às demandas por maior acesso ao consumo e participação, decorrentes da intensificação do processo de urbanização no Brasil naquele período. Tal processo de urbanização se configurou de forma espoliativa, já que o ímpeto do Estado em consolidar as atividades produtivas prescindiu da provisão das necessidades mais imediatas dos contingentes que migravam da vida rural para a urbana.

O populismo, por sua vez, oferecia-se como alternativa à espoliação, tentando atuar como provedor universal das carências urbanas. Em troca do apoio das camadas populares urbanas, legitimava suas lutas, fracassando posteriormente em atendê-las. É nesse contexto que se organizariam as sociedades de amigos de bairros (SABs) das décadas de 1950 e 1960. As SABs estavam vinculadas a determinados políticos. Esta espécie de “organização popular” proliferou exemplarmente em São Paulo sob a prefeitura de Jânio Quadros a partir de 1953 (Idem, p.148), intermediando a barganha de votos em troca de melhorias localizadas.

O golpe de 1964 desmantelaria essa mecânica ao sufocar seu poder de barganha, fundado em questões eleitorais, e tais movimentos ou organizações tornaram-se reduto de práticas assistencialistas e, “assim como nos sindicatos, ele foi dominado por lideranças pelegas, porta-vozes da política oficial” (GOHN, 1991, p. 53).

De um ou outro modo, contudo, estamos diante de um “movimento social” a que SOUZA (2006, p.281) se refere como “mero” ativismo urbano em sentido fraco, ao estilo do “sindicalismo de resultados”, sem compromisso com uma crítica social mais ampla ou, ainda, de organizações de bairro nascidas por criação “de cima” produto de programas estatais de “assistência social”, criados como base social de um partido burguês (EVERS, 1982, p. 132).

Mais importante para nossa análise é o tipo de movimento de bairro que se difundiu a partir do início da década de 70 e ao qual Gohn (1991, p.53 e ss.) se refere como novo movimento de bairros. Articulado a novas práticas da Igreja Católica como, por exemplo, os clubes de mães. “A falta de espaço para discutir os problemas e o medo da repressão fizeram com que o manto protetor da Igreja tornasse a saída possível na busca de soluções para as questões cotidianas” (Idem, p.54).

Entretanto, à medida que esses movimentos foram se constituindo em nível local, foram se desvinculando da Igreja, ainda que muitas vezes continuassem a utilizar seu espaço físico. Tais características parecem atender ao mesmo tempo a duas situações referidas como totalmente distintas por Evers (Idem), quais sejam: as estruturas organizativas nascem, literalmente, da necessidade e para se transformar em

organizações estáveis, conquistando permanência posterior à sua causa imediata, devem passar por uma série de processos de aprendizado e mudanças estruturais em aparente oposição àquelas organizações geradas por impulso de forças externas ao bairro, neste caso a igreja, o que demandaria com o passar do tempo, uma apropriação dos conteúdos e estruturas de tais organizações pelos moradores do bairro.

De modo que, ainda que o fator necessidade estivesse presente, a precária liberdade política naquele momento era um obstáculo à organização popular. O impulso dado por forças exógenas - quase sempre alguns setores da Igreja Católica - foi decisivo para a maioria dos movimentos sociais que brotaram no período, a rápida apropriação de seus mecanismos pelas bases dos movimentos pode ser uma demonstração da genuinidade, bem como do vigor das mobilizações.

A respeito da espontaneidade que se pode atribuir aos movimentos, muito freqüentemente considerados movimentos autônomos, de iniciativa exclusiva do povo, Boschi e Valladares (Op. cit. p.135) destacaram a importância de agentes externos para a mobilização e às vezes para a “desmobilização”. Tais agentes atuam como um catalisador nas fases iniciais, direcionando a atuação coletiva para um alvo determinado. Podem prosseguir em fases posteriores mantendo um estado de mobilização contínua, que sustenta o movimento.

Os autores mencionam o papel da Igreja Católica, sabidamente um “agente externo” muito presente. Em alguns dos movimentos estudados pelos autores14

, a Igreja atuou como agente externo de mobilização e de propulsão, mas em outros, embora tenha facilitado a mobilização, assumiu o papel de interlocutora, funcionando, assim, como força de contensão, diminuindo a autonomia desses movimentos.

A partir de meados da década de 1970, à medida que a sociedade civil aumentava a pressão pela democratização - cujo fulcro político até então fora quase sempre tangenciado por intermédio de temas como a carestia, por exemplo - os movimentos populares de âmbito local foram se articulando e extrapolando os limites dos bairros.

Segundo Gohn (1991, p.54), esta foi a fase dos “lançamentos oficiais” das lutas por creches, transportes, loteamentos clandestinos entre outros. Os movimentos de bairros tornaram-se, ainda, importantes pontos de apoio às greves ocorridas em 1978 e 1979, através do apoio material por meio da coleta de alimentos e pela organização que marcaria uma importante articulação entre o movimento de bairro e o movimento sindical.

Os autores mencionados, embora tenham descrito e explicado a tendência de substituição das velhas formas de organização popular local por outras mais autônomas e com aspirações a uma ampliação de seus temas, com vistas à democratização, não deixam de acusar a convivência ambígua entre organizações de naturezas distintas. Assim, era comum a presença de organizações “de base” e organizações “pelegas” (Idem) comprometidas com um figurino clientelista e servindo de apoio a forças políticas tradicionais nas eleições de 1978 e 1982.

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