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João Paulo II, falando do verdadeiro rosto da Igreja, na sua relação com o homem e sua cultura, na fidelidade à sua missão, sublinha que:

«Para evangelizar eficazmente há que adoptar decididamente uma atitude de reciprocidade e compreensão para simpatizar com a identidade cultural dos povos, dos grupos étnicos e dos vários sectores da sociedade moderna. Não só, é necessário trabalhar pela aproximação das culturas, de modo que os valores universais do homem sejam acolhidos com um espírito de fraternidade e solidariedade. Evangelizar supõe penetrar nas identidades culturais específicas»77.

A Igreja, família de Deus e família humana, é chamada a pregar por actos e palavras que Jesus morreu e ressuscitou para a salvação do mundo, do homem concreto e sem excepção nem eleição por sua proveniência ou condição social e continua operante para transformar a vida do mundo. Por outro lado, enquanto sinal da presença de Deus, deve revelar, aos homens, a sua profunda ligação com os pobres e os oprimidos.

De facto, a inculturação do Evangelho na cultura do povo visa, além de conhecer profundamente o homem e o ambiente que queremos evangelizar, a uma identificação com os dramas concretos da humanidade e com eles procurar soluções. Ou seja, a Igreja não é chamada a fugir dos problemas da humanidade, mas a sofrer com os que sofrem e a lutar pelo bem dos seus filhos. Neste sentido, a primeira e principal preocupação da Igreja é a salvação integral do ser humano, a sua felicidade que se manifesta, mais plenamente na comunhão com Deus e com os outros. E, «é necessário estar atento a tudo o que, vindo de onde vem, desfigura o rosto de Deus»78,

presente no pobre e na sua cultura.

A Igreja, sem impor a sua doutrina como lei para a sociedade, não pode ficar silenciosa na sua relação com as culturas. Aliás, tal como a Igreja se deve inculturar, também a cultura e os costumes dos povos precisam de ser purificados pela verdade do Evangelho, caminho para a vida.

77 JOÃO PAULO II, Ecclesia in África. Nº 59.

78 Papa Francisco, “Discurso en el encuentro con la comunidad musulmana en la mezquita central de Koudoukuo en

Bangui”, in MISSIONES ESTRANJERAS: “Francisco en África, de la amenaza a la esperanza”. Madrid: Nº 271,

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Deste modo, a Igreja compreende, assume e participa da verdadeira teologia africana, carregada de dores, mas também de esperanças numa verdadeira e total liberdade de todas as formas de sofrimento no seu encontro definitivo com Deus.

Portanto, é impossível conceber um caminho de evangelização ou um verdadeiro rosto da Igreja que negligencie os problemas alarmantes na sociedade moçambicana que se referem à justiça, à libertação efectiva, ao desenvolvimento e à paz. Não se pode falar de um verdadeiro rosto da Igreja se ela não se compromete com a vida social e está alheia aos problemas do dia-a-dia da humanidade. Entretanto, é preciso, como já salientamos nas linhas anteriores, que não se pode reduzir a missão da Igreja apenas ao aspecto temporal de satisfação dos desejos e preocupações da humanidade. Mas, tal como não se pode reduzir, também não se pode dispensar pois trata-se de uma parte fundamental e decisiva na relação entre o homem e a Igreja, e, talvez, entre homem e Deus, através da Igreja.

Desempenhando o seu múnus espiritual e pastoral, a Igreja relaciona-se com a política e a economia, com a sociedade e a cultura para as consciencializar do valor da vida humana e da necessidade de defendê-la e respeitar como dom de Deus. O homem não pode ser visto nem definido por aquilo que possui, consome ou proveniência, mas pela sua verdadeira identidade de filho amado por Deus. Por isso, sabendo que o homem a evangelizar é um ser concreto e não abstrato, alguém que vive num ambiente concreto, influenciado pela sua cultura, política e economia que a ele se impõem, ou outros factores externos, é preciso mergulhar no seu ambiente e compreender todas as condicionantes que se impõem à sua fé e à sua resposta ao chamamento de Deus.

Na verdade, a Igreja manifesta o seu verdadeiro rosto, bem como os seus filhos, quando assume como seus os problemas e os anseios do povo e quando, mais do que denunciar os abusos contra os direitos humanos, contra a paz e contra a vida, desperta nos cidadãos e nos cristãos, em particular, em virtude da sua vocação, a importância da participação nas lutas pelo desenvolvimento do país com as suas obras e testemunho de vida fraterna, baseada no amor de Deus. De facto, a nossa fé deve-se mostrar à altura dos desafios impostos pela sociedade, trabalhando para a sua transformação. Por outro lado,

«a Igreja deve, também, abandonar toda e qualquer forma de paternalismo, e superar as estruturas e métodos que favoreçam o infantilismo, o subdesenvolvimento, a

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dependência, (…), e encontrar princípios, estruturas e métodos que promovam o homem todo»79.

Isto é, uma Igreja consciente do valor humano, que defende e promova os seus direitos, os direitos dos povos e de cada cultura.

Tal como a Igreja, o cristão não pode ser um homem resignado nas dificuldades do dia-a- dia e vítima das políticas da sociedade, mas um verdadeiro agente que luta por uma sociedade mais justa, mesmo sabendo que isso pode custar até a própria vida como, aliás, aconteceu com a prisão e morte de muitos missionários ao longo da história da evangelização do país e estiveram ao lado do povo na mudança de regime político. Ou seja, a missão de construção de uma sociedade moçambicana mais justa e harmoniosa é de todos e implica com cada cidadão em particular. Ou melhor, não podemos falar de uma verdadeira mudança e conversão sociais se não houver, em primeiro lugar um desejo e esforço pessoal de mudança e de paz.

É neste contexto que podemos sublinhar o tipo de Teologia da Igreja para a sociedade moçambicana, tal como em África, que se baseará, essencialmente, na reconstrução da identidade, como sublinha Matumona, da africanidade corrompida pelos modelos de globalização importados e ferida pelas guerras e pelo ódio, algo apenas possível com a identificação da Igreja com o povo e seus problemas de hoje e do futuro. Aliás, «uma teologia sem prática permanece como nova reflexão inconsistente e improdutiva, sem sentido para se afirmar como uma verdadeira ciência e perderia a sua ligação com a Igreja, pois a teologia deve estar ao serviço da comunidade»80. É o

verdadeiro rosto da Igreja ao serviço do povo, manifestando, desde já, que a salvação da humanidade, missão primordial a que foi chamada, começa na terra, reavivando a esperança humana e lutando com os homens nos seus dramas mais básicos como a promoção humana, os valores indispensáveis e tão desejados como a paz, a justiça, a reconciliação com Deus e com os outros, bem como a capacidade se sonhar com uma autonomia de vida, tanto a nível político, económico, social e cultural, por uma verdadeira e efectiva participação na vida social.

É necessário que a Igreja, lutando pela igualdade de direitos entre todos os moçambicanos, como Mãe, fomente a unidade nacional, não obstante a diferenciação étnica, cultural, religiosa e acompanhando a sociedade nas suas mais variadas transformações, pela incarnação da realidade

79 LUZIA, José, Manuel Vieira Pinto: O Visionário de Nampula. P. 36.

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humana e social, se coloque também «ao serviço da reconciliação, da justiça e da paz»81, como

uma dimensão indispensável da sua missão no meio da humanidade.