Poissy, 1929/31. Arquitetos Le Corbusier e Pierre Jeanneret. Planta do térreo.
RINO LEVI NA HISTÓRIA 183 Dessa maneira, para Le Corbusier, a única base concebível para uma arquitetura que correspondesse ao mundo exato das máquinas era a geometria: prismas, cubos, cilindros, pirâmides e esferas como
“volumes puros”. Esses, jamais serão rompidos, nem mesmo
movimentados. Daí a afirmação de que, exceto no “conjunto para
[102] Vila Savoye, em Poissy, 1929/31. Arquitetos Le Corbusier e Pierre Jeanneret. Vista 1º andar com
rampa que leva ao terraço-jardim.
[101] Vila Savoye, em Poissy, 1929/31. Arquitetos Le Corbusier e Pierre Jeanneret. Plantas 1º andar e
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Regina Previdelli”, o repertório corbusiano não é importante para a
produção de Rino Levi no período examinado. O mesmo acontece com as vanguardas italianas. Delas, o nome mais importante é Giuseppe Terragni73. Colega mais novo de Rino Levi na Politécnica de Milão, é um dos fundadores do chamado Gruppo 7, em 1926 e, mais tarde, em 1928, adere ao MIAR – Movimento Italiano per
l’Architettura Razionale. O Gruppo 7 tentou fundamentar a sua
arquitetura moderna no espírito da tradição; o MIAR quis, em primeiro momento, que o fascismo e a arquitetura moderna se ajustassem.
Nas teses do Gruppo 7, promulgadas nos anos 1926/27, temos afirmações do tipo “o apanágio das vanguardas era um arrebatamento
artificioso, uma fúria vã de destruição (...). Em nós existe um tal substrato clássico, o espírito da tradição é tão profundo (...) que evidentemente e quase mecanicamente a nova arquitetura não poderá deixar de conservar uma marca tipicamente nossa”.74 Terragni, dos
sete signatários destas teses, é o único a avisar do perigo do retorno aos preceitos acadêmicos. Não se satisfaz, portanto, com as indicações
73 Giuseppe Terragni (1904-1943) depois de terminar o curso da Escola Técnica, em Como, Terragni
frequentou a Politécnica de Milão e, em 1927, abriu um escritório com o irmão Attilio, em Como. Juntamente com Luigi Figini, Gino Pollini, Sebastiano Larco, Ubaldo Castagnoli, Guido Frette e Carlo Enrico Rava, fundou o Grupo dos 7, que exigia uma abordagem contemporânea e racional à arquitetura italiana. No mesmo ano, na Bienal em Monza, Terragni expunha o seu projeto, muitíssimo elogiado, de uma fábrica de gás. Apesar do academicismo e da forte resistência de opositores como Marcello Piacnetini, Rerragni conseguiu que se construíssem em Como (1927/28) seus Apartamentos Novocomum, um edifício rigorosamente retilíneo, em que os andares intermediários possuem esquinas arredondadas com segmentos de vidro. Em 1928 aderiu ao MIAR ( Movimento Italiano per l’Architettura Razionale). Geralmente considera-se que a sua melhor obra foi o Edifício do Partido Facista ( a Casa del Fascio), em Como (1932-1936): um prisma de mármore branco em cuja fachada geométrica conseguiu efeitos espetaculares de luz e sombra. Para a primeira Trienal de Milão, Terragni, com outros arquitetos, construiu o Estúdio dos Artistas à Beira do Lago, em 1933. em 1936 construiu o jardim infantil Antonio SantÉlia, em Como, e, em 1936 e 2937, a Vila Bianca, em Seveso, enquanto trabalhava simultaneamente com Pietro Lingeri no projeto para a Danteum, em Roma. Para a cidade de Lissone, iria mais tarde construir, em 1938, uma outra Casa do Partido Facista, em colaboração com Antonio Carminati. A Vila Frigerio, em Como (1939-1940), é considerada a última obra mais importante de Terragni.
74 Guppo 7, teses publicadas em A revista italiana, citado por ZEVI, Bruno. Giuseppe Terragni.
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dos mestres racionalistas; quer acrescentar elementos inquietos, de ruptura.
Segundo Zevi, comentando o edifício Apartamentos Novo comum75,
em Como, 1927/28, “aos vinte e três anos, o gesto revolucionário,
explosivo, levado a cabo ilegalmente, apresenta um projeto de cunho classicista e constrói, surpreendentemente, um edifício que se coloca dentro da vanguarda européia. Provoca um escândalo. A comissão de obras, sentindo‐se ridicularizada, abre um inquérito para estabelecer se o Novocomum constitui um elemento de deturpação. Mas, a partir de então Terragni venceu a sua batalha pela nova arquitetura.”76 A
apresentação do projeto de cunho classicista[103] e a substituição
pelo projeto moderno[103 A] repete a estratégia de Warchavchik com relação à casa da Rua Santa Cruz.
75 Apartamentos Novo comum, Como, 1927/28. Arquiteto Giuseppe Terragni. 76 ZEVI, Bruno, op. cit., p. 26.
[103] Apartamentos Novocomum, Como, 1927/28. Arquiteto Giuseppe Terragni. O projeto apresentado à
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Quanto ao Novocomum, numa primeira solução ‐ da qual se conhece
uma axonométrica[104] ‐ um corpo semi‐cilíndrico interrompia a
horizontalidade do paralelepípedo, para depois sublinhar o seu vigor tridimensional expandindo‐se no terraço superior. Numa segunda
versão[105, 106, 107], esse corpo aparece eliminado para evitar uma
planta simétrica da frente de 63,50 m de comprimento e, sobretudo, para privilegiar os ângulos escavados, onde se aninham cilindros de vidro que ‐ em forma de dente no segundo andar ‐ deixam o quinto suspenso no vazio. Segundo Zevi “neste período de criatividade
impetuosa, Terragni não se contenta com os métodos racionalistas de Le Corbusier, Gropius, Mies e Oud. Fere a estereometria ainda que mordendo‐lhe os cantos, isto é, os nós em que a fachada se move para conquistar, através de um não‐finito a profundidade volumétrica.”77 É o
que temos na vista lateral[108] com o cilindro de vidro dissolvendo a aresta, reposta no último andar.
77 ZEVI, Bruno, op. cit., p.28.
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[104] Apartamentos Novocomum, Como, 1927/28. Arquiteto Giuseppe
Terragni. Axonométrica: primeira solução com semi-cilindro central.
[105] Apartamentos Novocomum, Como, 1927/28. Arquiteto Giuseppe Terragni. Maquete solução
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[107] Apartamentos Novocomum, Como, 1927/28. Arquiteto Giuseppe
Terragni. Maquete solução intermediária, vista da esquina.
[106] Apartamentos Novocomum, Como, 1927/28. Arquiteto Giuseppe Terragni. Maquete solução
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A Casa del Fascio[109]78, Como 1932/36, é o exemplo mais claro da
paradoxal relação entre Terragni e o fascismo. Em um ensaio ilustrativo sobre o projeto, escrito pelo próprio arquiteto, o edifício aparece repetidamente como casa do povo, onde se anula toda
solução de continuidade entre interior e exterior e predomina o conceito de visibilidade, do instintivo controle estabelecido entre público e responsáveis, visto que a burocracia não tem aí razão de ser.
Abolidas estas artificiosas soluções planimétricas as quais visavam
realizar no edifício público um conjunto de compartimentos estanques para impedir que o público transpusesse certas zonas do edifício reservadas ao dirigente, ao chefe administrativo ou ao funcionário.
78 Casa del Fascio, Como, 1932/36. Arquiteto Giuseppe Terragni.
108] Apartamentos Novocomum, Como, 1927/28. Arquiteto Giuseppe Terragni. Vista lateral com o cilindro de
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Sob o aspecto urbanístico, tratava‐se de cortar os nós górdios da tímida e insidiosa oposição polêmica, levada a cabo por obstinados tradicionalistas com a ilusão de transformar as nossas belas históricas cidades italianas num sistema de praças e lugares etiquetados com as datas dos vários períodos da arquitetura. Zevi comenta que “à
concepção duma casa de vidro, livre de vínculos hierárquicos, popular e democrática, Terragni dava o nome de “fascista”; mas está claro que tal, estava nos antípodas do regime.”79
O projeto que Zevi nomeou de caixa de vidro é um prisma perfeito, planta quadrada de 33,20 m de lado, e 16,60 m de altura, que corresponde exatamente à metade do comprimento. Ainda segundo Zevi, “delineação rígida desde o princípio com o fim de exigir um
trabalho encarniçado para queimar as suas virtudes classicistas.”80
79 ZEVI, Bruno, op. cit., p. 17. 80 ZEVI, Bruno, p. cit., p. 74.
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Quadrado e prisma são de fato cânones do purismo de Corbusier, mas aqui aparecem contestados, visto que o volume não está suspenso por pilotis, e as fachadas não são livres com respeito à armação estrutural, ao contrário, unem‐se a ela, criando uma profundidade estratificada. Para Terragni é “monumentalidade
austera, primitiva, mítica (...) nenhuma alegoria, nenhuma concessão agradável (...) nenhuma epígrafe que distraia da beleza da frase procurada, da eloquência medida dum nome ou dum cimélio.”81
Quatro elevações distintas[110], todas dissimétricas, com quatro mensagens radicalmente diferenciadas. Todas de um branco radioso, vindo do mármore que cobre o concreto, plasticamente interrompido por um jogo de superfícies abertas e fechadas. Terragni tinha primeiro idealizado esta Casa do Povo como uma ferradura abrindo‐se para a Piazza dell’Imperio. No fim, criou um pátio interno com uma entrada magnífica[111], cujas dezesseis portas podem ser abertas simultaneamente, como folhas de vidro.
81 TERRAGNI, Giuseppe, apud ZEVI, Bruno, op. cit. p. 78.
[111] Casa del Fascio, Como, 1932/36. Arquiteto Giuseppe Terragni. Planta.
[110] Casa del Fascio, Como, 1932/36.
Arquiteto Giuseppe Terragni. Vista esquina sul.
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Segundo Zevi, “esse ideal intransigente de perfeição tem uma faceta
política: é a antítese clara da vulgaridade fascista, quer significar o resgate mítico ou, melhor, a instintiva, desesperada negação promulgada no interior do sistema corrompido.”82
Embora já tenhamos alertado para as diferenças entre Le Corbusier e Terragni, também aqui, embora não suspensos por pilotis, temos a integridade do volume. A grelha cartesiana, a rigorosa ortogonalidade, a vitalidade dos espaços internos e sua continuidade com o exterior, mais uma vez estão distantes da obra de Levi, pelo menos neste período.
Assim, parece que o interesse de Levi pelos movimentos que reagiam contra o ecletismo e que lutavam por uma renovação da arte se concentrou nas experiências das habitações em série, principalmente nas alemãs e holandesas. Da mesma maneira Le Corbusier e inclusive Terragni ‐ de quem poderíamos esperar uma familiaridade maior pela semelhança de formação – são, nesse momento, referências secundárias para Levi.