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2 A REVISÃO DE TEORIAS E A EXPLICITAÇÃO DE CONCEITOS

2.3 Espaço público como espaço de resistência nas cidades

2.3.4 A violência urbana

A violência urbana tem sido um dos principais argumentos para a existência do apartheid social das cidades atualmente e para a diminuição do uso desses espaços pelos mais favorecidos socialmente.

A violência nos espaços públicos da cidade apresentam-se de várias formas, destacando-se a descaracterização e destruição do patrimônio, os acidentes no trânsito, os roubos, os crimes, a prostituição, o tráfico de drogas, a luta entre gangues de jovens etc.

É certo que, nas últimas décadas, as variadas manifestações de violência física têm, com crescente intensidade, se colocado na percepção social como um dos principais problemas da vida nas grandes cidades. Porém, as causas dessa violência têm raízes mais profundas na forma de vida e na organização da sociedade atualmente.

Muitas explicações têm sido apresentadas, tanto no plano da existência cotidiana dos indivíduos e grupos, quanto no da interpretação sociológica. Na percepção social da classe dominante, a violência aparece geralmente como um problema funcional de controle social e administração da justiça. Porém, também existe uma relação direta entre a violência e a

estrutura social e a organização social da vida cotidiana nas cidades, onde prevalecem a individualização, privatização dos interesses e o egoísmo. Segundo Yázigi (1997), é preciso alargar mais os horizontes, incorporando outras causas para a violência de hoje, entre outras a vontade do exercício do poder, que se encontra relacionada também com a relação de força no seio da sociedade.

Parece existir uma nova guerra de classes, devido à percepção que existe majoritariamente com respeito às causas da violência. Na arquitetura, predomina no ambiente construído, o efeito fortaleza, onde as construções são cercadas de grandes muros, sistemas de segurança e de vigilância, emergindo como estratégia socioespacial deliberada, dificultando a acessibilidade dos de menor renda a determinadas áreas.

No entanto, a violência vem se expandindo também em áreas de estratos sociais mais favorecidos, como uma patologia social. Nesses locais, ela é isolada e individualizada, e geralmente ocorre em espaços privados, cujos motivos são gerados, em sua maioria, por comportamento patológico. Nos espaços públicos das cidades, a violência guarda uma íntima inter-relação entre criminalidade, pobreza e narcotráfico (RODRIGUES, 2002).

O que se percebe nas grandes cidades são parques públicos sendo murados; as praias segregadas; os centros públicos de diversão, fechados; congregações de jovens e torcidas, proibidas e, apesar dessas medidas, os lugares públicos e as ruas vão se tornando cada vez mais perigosas. Essas áreas vão deixando, assim, de serem vistas como o lócus de sociabilidade, juntamente com as relações de vizinhança.

O enclausuramento de grupos em suas classes e guetos é um empecilho às possibilidades de vivência coletiva e, assim, nega o fato da cidade como pólis, que se funda na possibilidade de pessoas diferentes poderem viver em conjunto e estabelecer contato político. Instala-se na sociedade, em relação à cidade e ao espaço público, uma espécie de agorafobia coletiva. Em um primeiro momento acontece a fuga, o não-uso, o esvaziamento da função

política simbólica identitária da cidade; posteriormente, essa agorafobia se transforma em medo, rejeição, pavor do espaço público, porque não se caracteriza mais como protetor, conectador e integrador (ROLNIK, 2000) .

Entretanto, essas constatações da perda de prestígio dos espaços públicos e do isolamento humano não implicam a impossibilidade histórica de mudança, pois existe dentro da sociedade contradições e conflitos que podem resultar em possibilidade de reação em prol de modificar o futuro a partir das práticas presentes, sendo possível a partir de uma práxis inovadora, um processo de redefinição nos quadros da vida social coletiva que, gradativamente, possa modificar as práticas sociais e espaciais a partir da contemporaneidade.

Os espaços públicos de lazer urbano, pensados como espaço social onde se desenvolvem relações entre seres, grupos, meios, classes, são riquíssimos em possibilidades de vivências coletivas revolucionárias, no sentido de possibilitar essa práxis social inovadora.

O desafio atual é, portanto, o de retomar o espaço público como lugar de uma participação ativa, normalizada e refundá-la como um espaço de política, de uma atividade cotidiana, de um agir relacional, sem deixar de sonhar com as utopias, porém com os pés na realidade, na prática diária consciente. Os espaços públicos urbanos necessitam ser pensados como terrenos privilegiados da matriz de relações entre o público e o privado, pois é o território das práticas sociais, que permite a vivência do direito e justiça (GOMES, 2002).

A violência existente nesses espaços deve ser pensada a partir de uma percepção mais ampla, que extrapole os interesses dos que não necessitam deles para as suas atividades do cotidiano. Deve-se refletir principalmente acerca dos principais motivos do perigo existente nessas áreas, e em que medida poderá ser superado a partir de novas formas de atuação nesses espaços.

Essa atuação deve se basear numa nova forma de planejar esses espaços em prol de torná-los mais agradáveis e menos violentos. Para isso, essas áreas necessitam ser construídas

com vistas às necessidades da comunidade usuárias do seu entorno, para guardar uma identidade com esta e assim possibilitar um sentimento de pertencimento gerador de responsabilidades frente ao seu uso e sua conservação, além de uma normalização do uso desses espaços, sem descartar um policiamento não ostensivo do lugar.

Nesse sentido, torna-se necessário pensar o espaço urbano como espaço de possibilidades, no qual os espaços públicos de lazer, por não se caracterizarem pelo ideário do privado, base do pensamento capitalista, podem assumir um papel privilegiado para a construção de uma solidariedade em prol de uma sociedade mais igualitária.