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2.2 Aplicação das abordagens dominantes nas ciências sociais a estudos sobre controle

2.2.3 A visão weberiana

A interpretação de Max Weber para o Estado moderno, elaborada no início do século XX, se constitui, ainda hoje, referência fundamental para a discussão sobre administração pública (OLIVIERI, 2008). A compreensão weberiana do Estado moderno ressalta o caráter de dominação social, constituído historicamente pela evolução das sociedades humanas. Em suas próprias palavras,

[...] o Estado é aquela comunidade humana, que dentro de determinado território... reclama para si (com êxito) o monopólio da coação física legítima, pois o específico da atualidade é que a todas as demais associações ou pessoas individuais somente se atribui o direito de exercer coação física na medida em que o Estado o permita. Este

Como já visto no item 2.1, Max Weber busca compreender o sentido dos fenômenos sociais a partir da subjetividade. No caso do Estado moderno, ele localiza a noção da legitimidade da dominação em fundamentos internos e externos relativamente aos indivíduos governados.

Os fundamentos internos são aqueles desenvolvidos na esfera da política, respondendo pela disposição das pessoas para a submissão à autoridade do Estado. Esses fundamentos podem ser relacionados com três categorias distintas: 1. confiança no eterno ontem, representando a força do já conhecido e favorecendo à dominação tradicional; 2. atração pelo carisma do líder, promovendo a confiança na representação do governante e valorizando a dominação carismática; 3. a confiança na validade das leis e normas, justificando a dominação racional-legal (WEBER, 1999).

Os fundamentos externos dizem respeito aos meios constituídos pelo Estado para definir legalmente como os agentes que o representam devem agir para terem as suas ações identificadas com a vontade do Estado. Esses meios representam a burocracia de governo ou a máquina de governo, a que coloca o Estado em funcionamento. Instrumentalmente, essa definição racional define a organização do Estado e, também, a forma como os agentes que o representam são nomeados.

Os agentes nomeados para representar o Estado detêm a prerrogativa de representar a vontade desse ente, na forma de competências definidas legalmente e de quadro de funcionários especializados autorizados a colocarem em funcionamento a máquina administrativa.

Como os agentes agem em nome do Estado, surge o problema de como se pode controlá-los. Por deterem a autorização legal para dispor dos recursos administrativos e materiais colocados à disposição do Estado (WEBER, 1999), existem riscos de extrapolação que devem ser coibidos para preservação da noção de legitimidade do projeto político do Estado moderno.

Para compreender a interpretação weberiana para o problema de controle do poder dos agentes do Estado, observa-se que Weber (1999) utiliza dois tipos ideais: o político e o burocrata. O político estrutura suas ação com base na responsabilidade política, realizando escolhas que atingem verticalmente a todos e respondendo por suas ações junto ao eleitorado. Já o burocrata ampara suas ações na definição racional-legal dos regulamentos, tendo sua virtude na capacidade de reproduzi-los e responder administrativamente pela obediência a eles.

Em termos de dominação da força de trabalho, a definição weberiana da burocracia pública não se distingue da privada. Trata-se do mesmo tipo ideal, caracterizado por: 1. organização contínua de cargos (normas); 2. sistemática definição de funções (divisão de trabalho); 3. atribuição de autoridade compatível com a função (hierarquia); 4. definição de instrumentos necessários de coerção e limitação do uso (controle hierárquico); 5. preparo técnico adequado dos funcionários (especialização); 6. separação dos funcionários da propriedade dos meios de produção (não há donos de cargos, mesmo nos casos de estabilidade).

Na burocracia privada, a indicação do dirigente máximo depende de deliberação dos proprietários do capital e a definição de suas práticas decorre da noção de liberdade de mercado existente na sociedade e das possibilidades de competição, considerando as obrigações e vedações a que dos estão sujeitos por lei.

Na burocracia pública, a ocupação de cargos nos órgãos públicos pertence à liderança política e as práticas desses dirigentes são definidas pela estrutura racional-legal. Como as referências para as práticas estão previstas em lei, o esperado é que os agentes administrem

“[...] sine ira et studio, sem ódio ou favor” (WEBER, 1999, p.539), segundo as normas

existentes, de forma a preservar a honra oficial do Estado.

Essa racionalidade de decisões baseadas em regras oficiais oferece ao mercado o atendimento a sua demanda por condições seguras para a tomada de decisões econômica. Trata-se de vantagem considerável em relação ao risco da justiça de cádi (WEBER, 1999, p.531), em que cada um, em cada situação, define seu próprio juízo.

Para preservar sua honra e sua previsibilidade, a burocracia deve constituir condições objetivas de controle sobre a ação de seus integrantes. Em termos do modelo weberiano, o controle sobre a burocracia tem como fundamentos duas premissas: 1. a autonomia da tomada de decisões no Estado pertence à esfera da política e a implementação dessas decisões compete à burocracia. Portanto, para efeito de legitimidade do Estado, cabe à esfera política controlar a burocracia para que ela não ultrapasse as suas prerrogativas; 2. a possibilidade de a esfera política controlar a burocracia depende da instituição de estruturas racionais-legais, com descrição o mais pormenorizada possível sobre os procedimentos.

A despeito de o modelo reconhecer a subordinação da burocracia à política, o autor admite que, paradoxalmente, o exercício do poder do Estado se encontra na burocracia. Como as decisões políticas são concretizadas pela burocracia, a partir do quadro de funcionários e dos recursos públicos colocados à disposição desses últimos, o domínio efetivo do Estado

“[...] não se manifesta nos discursos parlamentares... mas sim no cotidiano da administração... nas mãos do funcionalismo...” (WEBER, 1999, p.529).

Para limitar esse poder, compete à esfera política a tarefa de minimizar a possibilidade de a burocracia tomar decisões para as quais não detém legitimidade. Esse possibilidade advém do elevado conhecimento que o funcionalismo tem sobre o dia a dia da burocracia, o que pode conduzir à transformação do saber oficial em saber secreto. Como esse saber é cumulativo, o avanço do poder da burocracia pode se tornar irrefreável, com risco de perda da garantia de que existam forças capazes de mantê-la sob limites adequados fixados pelas regras e sob controle.

A eficácia desse controle está condicionada ao conhecimento da classe política sobre o funcionamento da burocracia. Trata-se de tarefa desafiadora, pois esse conhecimento só é plenamente acessível aos burocratas. Por isso é que, segundo a teoria weberiana, a descrição dos procedimentos da burocracia deve ser o mais detalhada possível. A definição pormenorizada dos procedimentos torna viável ao parlamento examinar os atos praticados pela burocracia com base em evidências de congruência ou incongruência à base normativa.

A dominação sobre a burocracia viabiliza-se pela exigência de os agentes públicos se submeterem ao dever legal de obedecer a ordens de conteúdo específico, emitida por pessoa ou grupo de pessoas que estão ocupando posições que lhes possibilitam impor suas vontades. O sistema confere autoridade a alguns agentes para impor a sua vontade e sua decisão aos subordinados, sempre de acordo com o conjunto de regras previamente definidas. Essa lógica permite ao parlamento identificar a localização da responsabilidade e de imputar punições, quando cabíveis.

Dessa forma, a lógica burocrática diz que a autoridade e a disciplina advêm da regra e não da pessoa. Em tese, tanto quem comanda, quanto quem obedece o faz em nome da lei. A autoridade comanda em nome da lei e quem obedece também segue a determinação legal Portanto, a responsabilidade na administração pública não se encontra difusa, mas localizada no comando da burocracia, que tem o dever legal de exercer o controle hierárquico sobre o quadro de funcionários.

Caso o órgão não se submeta às decisões políticas, os dirigentes são substituídos e há nova possibilidade de construção de alinhamento, já que os detentores de autoridade de comando da burocracia estabelecem o elo entre o controle político e o hierárquico. Esse comando responde pelo dever de promover o alinhamento do órgão burocrático às definições políticas. Pelo exercício do controle hierárquico, a autoridade controla os atos praticados

pelos demais agentes públicos integrantes da burocracia e, por isso, pode prestar contas ao controle político.

Assim, a teoria weberiana identifica como elementos fundamentais para a legitimidade da dominação do Estado a definição racional-legal das práticas dos operadores do Estado e a instituição de controle político sobre a burocracia e o exercício de controle hierárquico pela liderança nomeada para dirigir os órgãos burocráticos. Torna-se interessante salientar que o controle político e, não o controle hierárquico, é considerado como o mais relevante para a manutenção da legitimidade do Estado. Trata-se da visão de que o maior risco para a noção de legitimidade da dominação do Estado encontra-se na possibilidade de extrapolação do poder da burocracia, o que faz com que o fundamental do controle seja promover o maior alinhamento possível entre a ação da burocracia, a definição política e a vontade da sociedade. Nesse modelo, a possibilidade de reivindicação do caráter efetivamente público do Estado dependeria da evolução das sociedades, que conduziria a escolhas de melhores quadros para a liderança política, pelo fortalecimento de partidos fortes, que formariam parlamentos capazes de evitar a preponderância de elementos emocionais e irracionais que caracterizam o comportamento de massa na política. Essa melhor liderança exigiria profissionalismo da burocracia e, com isso, haveria mais alinhamento das práticas dos agentes do Estado ao interesse público.

Citando a experiência europeia do início do século XX, Weber (1999) relata que a escolha de lideranças virtuosas e o desenvolvimento profissional da burocracia, com a inserção de trabalhadores altamente qualificados e treinados, possibilitaram a incorporação de sentido de honra estamental na burocracia que promove interesse pela integridade das práticas. Essa virtude teria a capacidade de cercear a corrupção e o diletantismo que seriam duas características capazes de comprometer a capacidade técnica e a legitimidade dos Estados. Esse modelo sustenta a expectativa de que burocracias mais profissionalizadas possam responder por mudanças de comportamentos na administração pública.

No Brasil, a abordagem foi utilizada por Olivieri (2008), em sua tese de doutorado, para realizar estudo de caso sobre a Secretaria Federal de Controle Interno (SFC). A pesquisadora buscou compreender se os trabalhos realizados pelo órgão possibilitam a realização do controle político sobre a burocracia e se esse controle influencia, de algum modo, a formação ou o comportamento da coalizão de governo e/ou a capacidade de coordenação intrafederativa.

Olivieri (2008) concluiu que a SFC realiza monitoramento sobre a execução das políticas federais e que essa atividade representa recurso político de poder do governo tanto para controlar a burocracia federal, quanto para distribuição de poder na coalizão de governo. Dessa forma, entende que a SFC realiza controle político e que esse controle auxilia a liderança política do Poder Executivo a exercer controle sobre a burocracia.

Trata-se de interpretação diferenciada no Brasil, dado que, em geral, se entende que o controle externo é o controle político sobre a burocracia e que o controle interno é o controle da administração pública sobre seus próprios atos, conforme as interpretações técnica e do Direito.

Verifica-se que a abordagem weberiana difere das abordagens anteriores. Ela não se propõe a prescrever uma solução para o problema pesquisado, permitindo ao pesquisador interpretar a realidade utilizando especialmente a subjetividade. A autora, com base em entrevistas com integrantes da SFC e em leituras de documentos e relatórios de auditoria e de fiscalização, interpreta o fenômeno estudado a partir de tipos ideais previamente definidos.

Para os objetivos desta tese, a abordagem weberiana auxilia para a compreensão de vários elementos sobre a função do controle interno, mas, pela limitação de utilizar os tipos ideais, eles formulam entendimentos a priori e não consegue explicar as razões pelas quais as práticas no campo de interesse funcionam de determinadas formas.