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Zona Muda das representações sociais

6. Análise Estrutural de uma Representação

6.2. A teoria do núcleo central

6.2.5. Zona Muda das representações sociais

A teoria do núcleo central (Abric, 1976, citado por Abric, 1994, 1994a; Flament, 1987,1989; Guimelli et Rouquete, 1992; Moliner, 2005) apareceu com fins experimentais sobre a transformação da representação social. A Escola de Aix-en- Provence e a de Montpellier têm desenvolvido trabalhos de análise estrutural das representações procurando identificar os elementos centrais das mesmas.

Abric (1976 citado por Abric, 1994a) identifica no núcleo central os elementos funcionais e normativos. Moliner (1994) identifica, na representação social, os campos, propondo um modelo bi-dimensional, localizando no núcleo central o campo das normas. Flament (1994) considera a representação social totalmente composta por prescrições que, conforme as situações, poderiam ser funcionais ou descritivas.

Flament (1999, citado por Menin, 2007) desenvolveu um estudo sobre as representações sociais de alunos sobre “estudo”. Partindo do pressuposto que os questionários que se usam para descrever representações são reflexo do discurso normativo acerca do objecto, pediu aos alunos que respondessem ao questionário em três tipos de situações diferentes: como alunos; como alunos mas na condição de serem bem vistos pelos professores; e como alunos mas na condição de serem mal vistos. Nesta pesquisa encontra diferenças significativas nas respostas consoante as situações em que foram respondidos os questionários.

Guimelli e Deschamps (2000, 2004) desenvolveram também estudos sobre representações em diferentes contextos de produção de resposta, condição normal (responder por si mesmo) e condição de substituição (responder por outro), concluindo que os indivíduos responderam do modo que pensam ser socialmente aceitável, levando-os a mascarar avaliações socialmente negativas sobre o objecto.

Nestes estudos, os autores, ressaltam a influência das condições em que as representações são recolhidas nos dados obtidos, principalmente quando o objecto de representação é sensível às normas sociais.

Assim, estes estudos de Abric, Guimelli e Deschamps revelam o efeito da adaptação do discurso dos inquiridos às normas sociais. Quando os indivíduos respondem por si têm tendência a responder de modo a não demonstrar representações condenáveis pelos grupos de referência.

É a hipótese da zona muda (zone muette) das representações sociais, composta por elementos da representação que não são expressas pelos indivíduos, em condições normais de

produção, para evitar o conflito com valores morais ou normas de um determinado grupo, ecos emocionais de fortes normas culturais.

Estes estudos procuram comprovar a existência da zona muda das representações sociais (Abric, 2003), isto é, os espaços das representações que, embora sejam comuns a um determinado grupo e nele partilhadas, não se revelam facilmente nos discursos diários e, ainda mais, nos questionários de investigação, pois são consideradas como inadequadas em relação às normas sociais vigentes. Os estereótipos negativos e os preconceitos são disso exemplo.

A maior parte dos estudos em representações sociais baseia-se nas verbalizações dos indivíduos nas entrevistas, questionários e outros instrumentos identificadores dos discursos. Abric (2003:61) levanta o problema da confiabilidade dos dados obtidos: as pessoas que

interrogamos dizem-nos mesmo o que pensam? O autor ilustra este problema referindo-se às

estatísticas realizadas em França a respeito das eleições presidenciais de 2002.

Embora as estatísticas mostrassem Le Pen em terceiro lugar nas intenções de voto (depois de Chirac e Jospin) os resultados reais colocaram-no em segundo. Ora, para o autor, provavelmente as pessoas entrevistadas antes das eleições não revelaram as suas intenções de voto por temerem ficar mal vistas.

Para Abric (2003:62), esta zona pode ser composta por certos elementos do núcleo central de uma representação que estão adormecidos, não por que não estejam activados, mas porque são não-expressáveis.

Assim, certos elementos da representação, mesmo aqueles que podem ser centrais, podem ficar escondidos ou mascarados de forma que o que aparece são os elementos periféricos.

Considerando, ainda, que os elementos do núcleo central podem ser funcionais ou normativos, Abric (2003) sugere que os que ficam na zona muda são os normativos, pois são estes, mais ligados a avaliações e valores, que aparecem como ilegítimos para o grupo de pertença do indivíduo que representa.

Abric conclui que “para certos objectos, em certos contextos, existe uma zona muda de representação social. Esta zona muda é composta de elementos da representação que não são verbalizados pelos sujeitos nos métodos clássicos de recolha de dados” (2003: 61).

Segundo Guimelli e Deschamp (2000), a zona muda é composta por elementos da representação que são contra-normativos, isto é, cognições ou crenças que não são expressas pelo sujeito em condições normais de produção, pois podem entrar em conflito com valores morais ou normas de um determinado grupo.

Para se identificarem os elementos da zona muda de representação será necessário desenvolver métodos específicos de investigação, uma vez que esta zona é constituída de elementos contra-normativos e, para que o indivíduo os revele, será necessário reduzir a pressão normativa sobre o indivíduo que representa.

Abric (2003) afirma que, numa primeira análise, a pressão normativa tem a sua origem em dois elementos da situação: o próprio indivíduo e o seu grupo de referência, e será sobre estes dois aspectos que actuarão as técnicas para identificar a zona muda.

A primeira – técnica de substituição, a partir de quem fala, se por si ou por outros – visa reduzir a pressão normativa, reduzindo o nível de implicação pessoal do sujeito em relação à representação do objecto.

A segunda – técnica de descontextualização normativa – visa reduzir a pressão normativa colocando o sujeito num contexto mais distante de seu próprio grupo de referência, permitindo-lhe, assim, exprimir mais livremente seu pensamento através da redução dos riscos de julgamento negativo da parte dos seus interlocutores.

No entanto, Abric (2003) identifica um limite à técnica de substituição, ao afirmar que esta apenas permite colocar a hipótese de que as representações recolhidas são da zona muda, pois pode acontecer que as representações fornecidas na substituição sejam representações que os sujeitos têm do grupo de referência e não as da zona muda.

Concluindo sobre as condições de existência da zona muda, Abric (2003) chama a atenção para o facto de que esta diz respeito a um certo tipo de representação, aquelas que

representam objectos sensíveis impregnados de valores sociais reconhecidos e partilhados.

Sensíveis porque o campo representacional contém cognições e crenças que, se expressas,

poderiam colocar em xeque valores morais ou normas sociais valorizadas pelos grupos.

No entanto, para o autor, em certas situações, os elementos da zona muda podem ser expressos pelos indivíduos, daí a investigação sobre as condições de expressão desses elementos. A hipótese da zona muda coloca uma questão importante para a teoria do núcleo central: se as representações mudam segundo contextos normativos diferentes, o que se mantém estável numa representação? Pode-se pensar num núcleo central de toda representação?

Para Abric (2003), o facto de existirem elementos mascarados ou escondidos na zona muda e de estes elementos serem os do núcleo central não implica que o núcleo central de uma representação não seja estável. Abric reafirma sua hipótese de que o “conteúdo do núcleo central não muda segundo variações do contexto. Certos elementos serão mais facilmente expressos que outros. No entanto, existem. O problema é fazê-los emergir" (2003: 80).

Estas transformações ou adaptações das representações quando o sujeito fala por outro, ou fala para outros, podem ser explicadas como projecções de representações verdadeiras na voz de outro, como sugerem os estudos de Abric (2003), Guimelli e Deschamps (2000), Deschamps e Guimelli (2004, citados por Menin, 2006) e outros.

No entanto, podem também representar transparências de representações, nas quais os sujeitos apenas revelam o conhecimento que têm das representações de outros grupos, tal como explicam Flament e Rouquette (2003, citado por Menin, 2006). Em todas estas possibilidades as normas sociais são actuantes. Seja por projecção, por transparência, por adequação a uma fonte de influência, em todas as situações de representações de um grupo por outro se pode inferir a presença de normas que parecem orientar que representações são as mais adequadas, as desejáveis em cada situação e que podem produzir modificações, mesmo centrais, nas representações.

Assim, o fenómeno da zona muda abre um campo de investigação sobre representação social e normas sociais que precisa continuar a ser explorado.