SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL DECIDE SOBRE A NÃO-INCIDÊNCIA DE ICMS NAS IMPORTAÇÕES AMPARADAS EM CONTRATOS DE ARRENDAMENTO MERCANTIL (LEASING)
Importante decisão foi proferida pelo Supremo Tribunal Federal ao examinar a possibilidade de haver tributação do ICMS em toda e qualquer importação de bens.
Nas últimas décadas os Estados vêm exigindo o recolhimento do imposto estadual quando do desembaraço aduaneiro. Todavia, como é sabido, a competência estadual para instituir e cobrar impostos encontra limites estabelecidos na própria Constituição Federal quando outorga competência tributária às diferentes entidades políticas (União, Estados e Municípios).
No caso do ICMS, esta outorga está prevista no artigo 155, inciso II que tem a seguinte redação:
“Art. 155 - Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
I – ...
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.”
É comum ouvir afirmações de que o imposto incide sobre
“mercadorias”.
“Mercadoria” é um termo que tem um significado predominante.
Todavia pode, com alguma elasticidade, ser empregado de forma a refletir outras conotações.
Essas possíveis conotações acabaram gerando controvérsias entre fisco e contribuinte, cada um sustentando o significado que melhor lhe conviesse.
Em diversas ocasiões tivemos oportunidade de afirmar que o interprete deve se ater ao comando constitucional com isenção de ânimo, procurando de forma incansável investigar a outorga de competência constitucional e seus respectivos limites1.
A atenta observação do Texto Constitucional evidencia que o núcleo da hipótese de incidência do ICMS não é a “mercadoria” em si, mas, sim a
“operação” da qual ela é o objeto.
Com efeito. A norma constitucional determina que o imposto incida
“sobre operação” e aí começa a investigação pelo aplicador da lei.
De forma sistemática, toda vez que a Constituição Federal empregou este termo (operação) ela o fez no sentido de “negócio jurídico”, “transação”.
Assim, além da afirmação constante do próprio texto da norma, a interpretação sistemática da Magna Carta sinaliza o perfil restritivo do campo de incidência do imposto.
Tendo como premissa que o imposto incide sobre “uma operação” o passo subsequente é detectar que tipo de operação é essa.
A partir de então, observa-se que a leitura da norma constitucional passa a qualificar e restringir esse tipo de “operação”, eliminando toda e qualquer outra supostamente possível.
aquela inerente, a pertinente, a que diga respeito ou, finalmente, a “relativa” à circulação.
Pois bem. Já se pode perceber que os Estados e o Distrito Federal têm competência para tributar negócios jurídicos ou transações que tenham por objeto (sejam relativos) um bem móvel ao qual pode ser atribuída a qualificação jurídica de “mercadoria”.
Muitas são as operações que podem ser praticadas com bens móveis, tais como a locação, a doação, o comodato etc.
Todavia, para efeitos de competência tributária dos Estados, o legislador constituinte elegeu apenas uma única “operação” que, tendo expressão econômica típica e peculiar, pode ser passível de oneração por parte das Unidades Federativas.
É característica ínsita do negócio jurídico de natureza mercantil ter como objeto a transferência onerosa da propriedade da coisa móvel que, nestas circunstâncias, é juridicamente qualificada pelo Direito como “mercadoria”. Não há possibilidade jurídica de se falar em “operação mercantil” sem que concomitantemente se materialize a transferência da propriedade do bem objeto desta transação.
Em rápidas considerações estes são os pressupostos de incidência do ICMS válidos inclusive quando a “operação” se inicie no exterior e aqui seja concluída.
Com maior profundidade, estas questões foram definitivamente tratadas no julgamento proferido no RE 461.968-7 SP.
No caso tratava-se de importação de aeronave, suas partes e peças, amparadas em um contrato de arrendamento mercantil.
Nesse tipo de “operação” o arrendador transfere apenas a posse da coisa móvel ao arrendatário. Não é da natureza do contrato de arrendamento mercantil a imediata transferência da propriedade do bem móvel objeto do negócio.
O arrendamento mercantil pode, em algum momento da vigência do contrato, transformar-se em compra e venda e, neste caso, a coisa entregue a título de arrendamento se transforma em “mercadoria” e só então seria possível se falar da incidência do imposto estadual, antes não.
Desta forma, no momento do desembaraço aduaneiro da coisa importada (quando em tese ocorre o fato gerador do ICMS) os pressupostos de incidência do imposto estadual não estão presentes e, conseqüentemente, não se pode impor ao importador o pagamento do imposto estadual.
Em consonância dos comentários aqui apresentados destaca-se a afirmação do Exmo. Ministro Eros Grau, relator do acórdão:
“10 – O imposto não é sobre entrada de bem ou mercadoria importada, senão sobre essas entradas desde que elas sejam atinentes a operações relativas à circulação desses mesmos bens ou mercadorias.
11 – Digo-o em outros termos: o inciso XI, alínea a, do § 2º do artigo 155 da Constituição Federal do Brasil não instituiu um imposto sobre a entrada de bem ou mercadoria importada do exterior por pessoa física ou jurídica.
12 – O que faz é simplesmente estabelecer que, desde que atinente a operação relativa a sua circulação, a entrada de bem ou mercadoria importas do exterior por pessoa física ou jurídica sofrerá a incidência do ICMS.”
No mesmo sentido o voto proferido pelo Exmo. Sr. Ministro Marco Aurélio:
menor dúvida, tem-se, no inciso IX do artigo 155 da Carta, a regra de incidência do ICMS sobre mercadoria importada do exterior, mas mercadoria que adentre o território nacional sob o ângulo da operação, a que me referi, de circulação, considerada a compra e venda”.
Maiores detalhes devem ser observados com a leitura da íntegra da decisão proferida no RE nº 461.968-7 SP.