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3 da Convenção Modelo

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Academic year: 2023

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Texto publicado no livro ESTUDOS AVANÇADOS DE DIREITO TRIBUTÁRIO – TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL: NORMAS ANTIELISIVAS E OPERAÇÕES INTERNACIONAIS. Coord. Clovis Panzarini Filho, Fernando Tonanni, Ricardo Ribeiro, Daniel Vitor Bellan, Marco Behrndt e Roberto Vasconcellos. Ed.

Elsevier. 2012, p. 129-144.

Autor: João Francisco Bianco

OS LUCROS DAS EMPRESAS E O ART. 7 DOS TRATADOS CONTRA A DUPLA TRIBUTAÇÃO

Sumário: Introdução. 7.1. O art. 3 da Convenção Modelo. 7.2. O texto do art. 7 da Convenção Modelo. 7.3. Os tratados firmados pelo Brasil.

7.4. A Jurisprudência dos Tribunais Judiciais.

Referências.

*********************** ***********************

Introdução

O planejamento tributário internacional pode dar-se de várias formas, sendo muito comum a utilização de instrumentos híbridos de financiamento entre empresas do mesmo grupo. Também se verifica intensa atividade de planejamento para aproveitar benefícios fiscais previstos em leis internas que regem o uso de propriedade intelectual. As próprias leis de preço

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de transferência, reguladoras das operações realizadas entre partes relacionadas, quando aplicadas em conjunto com as regras de tax sparing previstas nos tratados firmados pelo Brasil, apresentam ótimas oportunidades para o planejamento tributário internacional.1

No Brasil, é cada vez mais comum o uso de sociedades holding na organização das atividades internacionais dos grandes grupos empresariais, que exercem suas atividades em vários países por meio de empresas controladas ali constituídas. Daí por que tem crescido o estudo dos tratados internacionais firmados com o objetivo de evitar a dupla tributação, pois são esses tratados que regulam a repartição das competências tributárias entre os países envolvidos nesse tipo de estrutura.

É comum, no entanto, verificarmos a ocorrência de dúvidas na aplicação dos tratados internacionais, em função de ser pouco conhecida a forma como interagem os diversos artigos dos tratados que versam sobre regras distributivas. Não é meu objetivo aqui tratar desse tema.2 Na verdade, chamei a atenção para o problema porque creio que uma das possíveis causas para a ocorrência dessas dúvidas é a incompreensão do teor dos arts. 3 e 7 dos tratados firmados pelo Brasil.

Esses dois artigos são fundamentais para a exata compreensão da forma de aplicação dos tratados para evitar a dupla tributação e para solucionar os chamados conflitos de qualificação. O art. 3 define expressamente os termos básicos empregados nos tratados, além de indicar como deve ser buscada a definição dos termos não definidos. O art. 7 trata da alocação de competências para tributar os lucros empresariais.

Se examinarmos o teor dos tratados firmados pelo Brasil para evitar a dupla tributação internacional, vamos verificar que os nossos tratados adotam como base o texto da Convenção Modelo elaborada pela Organização para a

1 Para uma visão geral sobre os variados instrumentos de planejamento tributário internacional, consulte-se: Chris Finnerty, Paulus Merks, Mario Petriccione e Raffaele Russo (ed.), Fundamentals of International Tax Planning. IBFD: Amsterdam, 2007.

2 Sobre o assunto, recomendo Kees van Raad. Cinco Regras Fundamentais para a Aplicação de Tratados para Evitar a Dupla Tributação. ln: Revista de Direito Tributário Internacional. Quartier Latin, São Paulo, v. l, p. 195.

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Cooperação e Desenvolvimento Econômicos - OCDE. A estrutura dos nossos tratados é idêntica à estrutura da Convenção Modelo. A sequência de artigos, a disposição dos temas, a própria redação dos dispositivos, tudo indica que nossos tratados seguem quase que literalmente o texto da Convenção Modelo.

Especificamente no que nos interessa, que são os arts. 3 e 7, vamos verificar que nossos tratados adotam integralmente o texto da Convenção Modelo. Trata-se de cópia literal. Basta conferir o teor desses artigos conforme consta nos tratados firmados entre o Brasil e a África do Sul3 e entre o Brasil e o Canadá,4 ambos redigidos oficialmente nas línguas inglesa e portuguesa.

A versão em inglês da Convenção Modelo e a versão em inglês dos arts. 3 e 7 desses dois tratados são idênticas. Esse fato evidencia que a versão em português dos nossos tratados deve ser tradução fiel e exata do texto em inglês da Convenção Modelo. Isso porque a versão em português desses dois tratados é a mesma empregada em todos os demais tratados firmados pelo Brasil.

Assim, o estudo dos tratados firmados pelo Brasil deve ser iniciado pelo exame do teor da Convenção Modelo e dos comentários feitos pelo Comitê de Assuntos Fiscais da OCDE. Trata-se de importante fonte de pesquisa sobre a correta interpretação do teor do texto, que não pode ser simplesmente ignorada.

E especificamente no caso dos arts. 3 e 7, entendo ser necessário iniciar o seu exame pelos textos em inglês e em francês da Convenção Modelo, para que não reste qualquer tipo de dúvida sobre a correta interpretação desses dispositivos.

Após esse exame, pretendo elaborar uma tradução dos textos desses dois artigos para o português, para somente depois confrontar essa minha versão com o texto em português utilizado nos tratados firmados pelo Brasil.

Esse procedimento me parece fundamental para atingirmos a melhor compreensão do teor dos arts. 3 e 7 e para identificarmos possíveis problemas na versão para o português adotada pelos nossos tratados.

3 Confira-se o teor em inglês no site oficial do South African Revenue Service (http://www.sars.gov.za/home.asp?pid=3919).

4 O tratado firmado com o Brasil, na versão em inglês, pode ser encontrado no site da University of British Columbia (http://faculty.law.ubc.ca/brooks/treaties/

canada/brazil_ e. pdf).

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Inicio, portanto, com o exame do art. 3.

7.1. O art. 3 da Convenção Modelo

O art. 3 lista uma série de termos e expressões utilizados ao longo de todo o texto da Convenção Modelo e fixa expressamente as suas definições. Meu interesse é especificamente sobre os quatro primeiros itens do art. 3.

ART. 3, ITEM 1, LETRA a

• OCDE em inglês: the term "person" includes an individual, a company and any other body of persons.

• OCDE em francês: le terme "personne" comprend les personnes physiques, les sociétés et tous autres groupements de personnes.

• Tratados do Brasil: o termo "pessoa" compreende as pessoas físicas, associedades e qualquer outro grupo de pessoas.

• Minha sugestão: o termo ''pessoa" designa as pessoas físicas, as pessoas jurídicas e qualquer outro grupo de pessoas.

Person ou personne estão sendo usados aqui em sentido amplo. Eles englobam tanto as pessoas físicas como as pessoas jurídicas. Company também é termo amplo, mas está sendo usado para referir-se a uma das espécies de pessoas (as jurídicas), contrapondo-se à pessoa física. Por isso, na minha sugestão de tradução, preferi utilizar a expressão pessoa jurídica como correspondente a company, pois ela é gênero do qual os demais tipos de pessoas jurídicas são espécies.5

Evitei utilizar o termo sociedade, como na versão em francês, porque na verdade a sociedade é apenas um tipo específico de pessoa jurídica, que não inclui os demais, como as firmas individuais, as associações e as

5 Segundo o Black's Law Dictionary, "company is a union or association of persons for carrying on a commercial or industrial enterprise. May consist of a partnership, corporation, association or joint stock company". ln: Henry Campbell Black. Black's Law Dictionary. 5. ed. St Paul, Minn: West Publishing, p. 147.

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fundações. Claramente esse não é o sentido de person ou de personne adotado pela Convenção Modelo.

ART. 3, ITEM l, LETRA b

• OCDE em inglês: the term "company" means anybody corporate or any entity that is treated as a body corporate for tax purposes.

• OCDE em francês: le terme "société" designe toute personne morale ou toute entité qui est considérée comme une personne morale aux fins d' imposition.

• Tratados do Brasil: o termo "sociedade" designa qualquer pessoa jurídica ou qualquer entidade que, para fins tributários, seja considerada como pessoa jurídica.

• Minha sugestão: o termo pessoa jurídica designa qualquer entidade que se submeta ao regime tributário próprio da pessoa jurídica.

Aqui a confirmação de que company deve ser entendido como pessoa jurídica, da forma mais ampla possível, pois ele engloba todos os grupos de pessoas que são tratados como pessoas jurídicas para fins fiscais. A adoção do termo sociedade pelos tratados do Brasil não me parece a mais adequada, pelos motivos vistos anteriormente. De qualquer forma, como os tratados do Brasil utilizam o termo sociedade correspondendo a company, devemos ter em mente que, quando lermos sociedade nos nossos tratados, devemos entendê-lo como pessoa jurídica.

ART. 3, ITEM l, LETRA c

• OCDE em inglês: the term "enterprise" applies to the carrying on of any business.

• OCDE em francês: le terme "entreprise" s'applique à l'exercice de toute activité ou affaire.

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• Tratados do Brasil: este dispositivo não possui correspondente nos nossos tratados.

• Minha sugestão: o termo "empreendimento" designa o exercício de qualquer atividade econômica.

Este dispositivo é muito importante porque ele diferencia o termo company do termo enterprise (entreprise, em francês). Isso quer dizer que necessariamente os dois termos têm significados diversos. Caso fossem sinônimos, ou tivessem o mesmo significado, não teria sido apresentada uma definição diferente para cada um deles, em alíneas separadas do item 1 do art. 3.

Vimos acima que company refere-se à pessoa jurídica. É o sujeito, a pessoa. Enterprise, portanto, não pode significar pessoa jurídica, porque pessoa jurídica já está definida na Convenção Modelo como company.

A definição de enterprise dada pela letra c do item 1 é de desenvolvimento de uma atividade. É o objeto da pessoa, é o exercício de uma atividade econômica. Na versão em inglês, o termo refere-se ao desenvolvimento de um negócio. Na versão em francês, a referência é feita ao exercício de qualquer atividade ou negócio. Minha sugestão, portanto, é que enterprise seja traduzido para o português como empreendimento.

Empreendimento não se confunde com empreendedor. Empreendimento é o negócio desenvolvido pelo empreendedor.

Empreendimento é o objeto da atividade. Empreendedor é o sujeito da atividade.

O termo empresa também poderia ser empregado para traduzir enterprise, como sinônimo de empreendimento. Ocorre que empresa tem duplo significado. Ela pode referir-se a "empreendimento ou cometimento intentado para a realização de um objetivo"6, sem dúvida. Mas também pode designar pessoa jurídica.

6 De Plácido e Silva, "Vocabulário Jurídico". 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 592.

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Na legislação brasileira, o termo empresa é empregado indistintamente nos dois sentidos.

No Código Civil, por exemplo, o art. 1.142 emprega empresa no sentido de empreendimento, ao definir estabelecimento como "todo complexo de bens organizado para exercício da empresa, por empresário ou por sociedade empresária". Já a Constituição Federal emprega o termo empresa no sentido de pessoa jurídica no art. 195, inciso I, ao determinar que a seguridade social será financiada mediante contribuições sociais pagas pelo empregador, pela empresa e pelas entidades a ela equiparadas, na forma da lei.

Na Lei nº 6.404, de 15/12/1976, empresa aparece com o sentido de empreendimento no art. 2º (pode ser objeto da companhia qualquer empresa de fim lucrativo), e com o sentido de pessoa jurídica no parágrafo único do art. 116 (o acionista controlador tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa).

O inconveniente de traduzirmos enterprise por empresa é que não vai ficar claro que, no contexto da Convenção Modelo, ele está designando a atividade empresarial e não a pessoa jurídica em si mesma. E esse é claramente o sentido da definição de enterprise do art. 3.

Daí por que, para evitar dúvidas na identificação de qual o significado que as partes contratantes pretenderam conferir ao termo, minha sugestão é que na tradução de enterprise da letra c do item 1 do art. 3 seja empregado o termo empreendimento. Ele é mais fiel ao espírito dos textos em inglês e em francês, pois realça a diferença entre company/société (pessoa jurídica) e enterprise/entreprise (empreendimento, negócio, atividade).

ART. 3, ITEM l, LETRA d

• OCDE em inglês: the terms "enterprise of a Contracting State"

and "enterprise of the other Contracting State" mean respectively an enterprise carried on by a resident of a Contracting State and an enterprise carried on by a resident of the other Contracting State.

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• OCDE em francês: les expressions "entreprise d'un État contractant" et "entreprise de l'autre État contractant"

désignent respectivement une entreprise exploitée par un resident d'un État contractant et une entreprise exploitée par un resident de l'autre État contractant.

• Tratados do Brasil: as expressões "empresa de um Estado Contratante" e "empresa do outro Estado Contratante"

designam, respectivamente, uma empresa explorada por um residente de um Estado Contratante e uma empresa explorada por um residente do outro Estado Contratante.

• Minha sugestão: as expressões "empreendimento de um Estado Contratante" e "empreendimento do outro Estado Contratante"

designam, respectivamente, um empreendimento desenvolvido por um residente de um Estado Contratante e um empreendimento desenvolvido por um residente do outro Estado Contratante.

Este item não apresenta maiores dificuldades. Ele apenas confirma a necessidade do emprego do termo empreendimento para expressar a melhor tradução de enterprise. Mas aqui aparece agora o termo residente, que não é definido no art. 3. Na verdade, ele é definido no art. 4 da Convenção Modelo, nos seguintes termos:

ART. 4

• OCDE em inglês: the term "resident of a Contracting State"

means any person who, under the laws of that State, is liable to tax therein.

• OCDE em francês: l'expression "resident d'un État contractant"

désigne toute personne qui, en vertu de la législation de cet État, est assujettie à l'impôt dans cet État.

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• Tratados do Brasil: a expressão "residente de um Estado Contratante" significa qualquer pessoa que, em virtude da legislação desse Estado, está sujeita a imposto nesse Estado.

• Minha sugestão: a expressão "residente de um Estado Contratante" significa qualquer pessoa que, em virtude da legislação desse Estado, está sujeita à tributação nesse Estado.

Como se vê, residente é qualquer pessoa que seja sujeita à tributação em um Estado.7

Na versão em inglês, a expressão enterprise of a Contracting State é definida como enterprise carried on by a resident of a Contracting State. E resident é definido como qualquer pessoa sujeita à tributação no Estado Contratante. Logo, enterprise of a Contracting State significa em português um empreendimento desenvolvido por uma pessoa residente em um Estado Contratante.

O exame do texto em francês nos leva à mesma conclusão. Entreprise d'um État contractant é definido como une entreprise exploitée par un resident d'um État contractant. E resident é definido como uma pessoa sujeita à tributação no Estado Contratante. Logo, entreprise d'un État contractant deve ser entendido em português como sendo uma atividade explorada por uma pessoa residente em um Estado Contratante.

Nas duas versões, a conclusão é idêntica. Enterprise e entreprise estão se referindo à atividade (objeto) desenvolvida por um residente (sujeito).

Daí por que minha sugestão de tradução para o português dessa expressão é de empreendimento de um Estado Contratante, pois reflete melhor o exercício de uma atividade de cunho econômico desenvolvida por uma pessoa, física ou jurídica, residente em um Estado Contratante.

7 Não vou abordar aqui a discussão sobre o significado da expressão "liable to tax", ou seja, se ela se refere a pessoa sujeita à tributação ou submetida à tributação, pois desnecessária para fins deste trabalho. Sobre essa questão, consulte-se João Victor Guedes Santos. Escopo Pessoal dos Tratados: O Conceito de "Liable to Tax" à Luz do Caso Azadi Bachao. ln: Revista de Direito Tributário Internacional, v. 13, São Paulo, Quartier Latin, p. 81.

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Feitas essas observações sobre o art. 3, podemos passar agora ao exame do art. 7.

7.2. O texto do art. 7 da Convenção Modelo

O art. 7 trata da tributação dos lucros auferidos por meio de estabelecimentos permanentes. Este trabalho não tem por escopo examinar o conceito de estabelecimento permanente.8 Interessa-me especificamente a parte inicial do item 1 desse dispositivo. Novamente vou iniciar o seu exame transcrevendo a versão em inglês da OCDE, a versão em francês da OCDE, a versão em português adotada pelos tratados do Brasil, para depois sugerir uma tradução para o português.

• OCDE em inglês: Business Profits.

• OCDE em francês: Bénéfices des Entreprises.

• Tratados do Brasil: Lucros das Empresas.

• Minha sugestão: Lucros da Atividade.

O termo profit designa comumente o resultado líquido positivo auferido por meio do confronto entre as receitas auferidas e os custos e despesas incorridas.9Lucro traduz bem esse significado. Já o termo business, por outro lado, refere-se ao exercício de uma atividade econômica desenvolvida com o objetivo de lucro.10 Bénéfice pode ser traduzido também por lucro. E entreprise, como vimos, significa o exercício de uma atividade econômica.

Business, na versão em inglês, está sendo usado como equivalente a entreprise, na versão em francês do texto da OCDE. E no corpo do item 1 do art.

8 Sobre o assunto consulte-se Bianco, João Francisco Bianco. O Estabelecimento Permanente na Legislação do Imposto de Renda. ln: Grandes Questões Atuais do Direito Tributário. São Paulo: Dialética. 9. v.

9 Henry Campbell Black. Black's Law Dictionary. 5. ed. St Paul, Minn: West Publishing, p.

632.

10 Idem, p. 103.

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7, na versão em inglês, foi empregada a expressão profits of an enterprise, referindo-se exatamente a business profits, o que indica que as duas expressões são sinônimas. Logo, uma boa tradução para business profits ou para bénéfices des entreprises poderia ser lucros da atividade, ou seja, uma versão abreviada da frase completa os lucros derivados do exercício de uma atividade econômica.

• OCDE em inglês: 1. profits of an enterprise of a Contracting State shall be taxable only in that State unless the enterprise carries on business in the other Contracting State through a permanent establishment situated therein.

• OCDE em francês: 1. les bénéfices d'une entreprise d'un État contractant ne sont imposables que dans cet État, à moins que l'entreprise n'exerce son activité dans l'autre État contractant par l'intermédiaire d'un établissement stable qui y est situé.

• Tratados do Brasil: 1. os lucros de uma empresa de um Estado Contratante só são tributáveis nesse Estado, a não ser que a empresa exerça sua atividade no outro Estado Contratante por meio de um estabelecimento permanente aí situado.

• Minha sugestão: 1. os lucros de um empreendimento de um Estado Contratante são tributáveis somente nesse Estado, a não ser que o empreendimento exerça sua atividade no outro Estado Contratante por meio de um estabelecimento permanente aí situado.

Antes de passar ao exame da tradução sugerida para o texto do item 1 do art. 7, julgo conveniente explorar um pouco mais o teor desse artigo. É preciso entendê-lo bem para somente depois passar para o exame da sua tradução. Para tanto, vou substituir algumas expressões adotadas pelo art. 7, nas suas versões em inglês e em francês, por suas definições constantes do art. 3.

Afinal de contas, se estamos tratando de conceitos definidos pela própria Convenção, nada impede que os substituamos por suas definições dentro do próprio dispositivo.

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Senão vejamos.

Vou substituir a expressão "enterprise of a Contracting State" por sua definição prevista no art. 3: "enterprise carried on by a resident of a Contracting State". Além disso, vou substituir o termo resident pela definição constante do art. 4: "any person who is liable to tax under the laws of a State". Na versão em francês, vou substituir as mesmas expressões correspondentes.

Vejamos como ficaria então a redação do art. 7, nessas condições:

• OCDE em inglês: 1. profits of an enterprise carried on by any person who is liable to tax under the laws of a Contracting State shall be taxable only in that State unless the enterprise carries on business in the other Contracting State through a permanent establishment situated therein.

• OCDE em francês: 1. les bénéfices d'une entreprise exploitée par une personne qui est assujettie à l'impôt en vertu de la législation d'un État contractant ne sont imposables que dans cet État, à moins que l'entreprise n'exerce son activité dans l'autre État contractant par l'intermédiaire d'un établissement stable qui y est situé.

A redação aqui sugerida, construída simplesmente a partir da substituição de termos e expressões por suas definições facilita a melhor compreensão do alcance do art. 7. Vejamos sua versão para o português.

• em português: 1. os lucros de um empreendimento desenvolvido por uma pessoa sujeita a imposto em um Estado Contratante são tributáveis somente nesse Estado, a não ser que o empreendimento exerça sua atividade no outro Estado Contratante por meio de um estabelecimento permanente aí situado.

Segundo esse dispositivo, o residente de um Estado, pessoa física ou jurídica, que desenvolve uma atividade econômica qualquer com objetivo de lucro, terá os lucros auferidos com o exercício dessa atividade tributados exclusivamente no Estado onde reside, ou seja, onde está sujeito a imposto.

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Caso o residente de um Estado desenvolva uma atividade econômica (empreendimento) no outro Estado, a única possibilidade de os lucros auferidos com o exercício dessas atividades serem tributados pelo outro Estado é se a atividade econômica desenvolvida no outro Estado for feita por meio de um estabelecimento permanente.

Logo, se não restar configurada a existência de um estabelecimento permanente no outro Estado, este outro Estado não tem competência para exigir tributo sobre os lucros ali auferidos com o exercício de qualquer atividade econômica pelo residente de um Estado.

Essa conclusão é confirmada pelos Comentários à Convenção Modelo da OCDE. O item 9 dos comentários ao art. 7 prevê expressamente que é considerado um princípio universalmente aceito em matéria de tributação internacional que, até que um residente de um Estado fixe um estabelecimento permanente em outro Estado, ele não deve ser considerado como participante da vida econômica do outro Estado, a ponto de estar submetido ao poder de tributar desse outro Estado. Daí por que somente quando caracterizada a existência de um estabelecimento permanente em um Estado é que este está autorizado pelo tratado a exercer sua competência tributária.

Ainda uma observação merece ser feita sobre esse dispositivo. Uma tradução simplesmente literal do art. 7 nos leva ao seguinte texto: "a não ser que o empreendimento exerça sua atividade no outro Estado". Ora, essa frase não reflete bem o sentido do art. 7 nas suas versões em inglês e em francês, pois, como vimos acima, empreendimento é atividade (objeto) e não pessoa (sujeito).

Portanto, uma tradução mais fiel ao espírito do texto seria a seguinte: "a não ser que o empreendimento seja desenvolvido no outro Estado".

Em função disso, a melhor tradução do art. 7, a meu ver, seria a seguinte:

• em português: 1. os lucros de um empreendimento de um Estado Contratante são tributáveis somente nesse Estado, a não ser que o empreendimento seja desenvolvido no outro Estado Contratante por meio de um estabelecimento permanente aí situado.

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7.3. Os tratados firmados pelo Brasil

Vamos agora confrontar a minha sugestão de tradução dos arts. 3 e 7 da Convenção Modelo com o texto desses mesmos artigos adotados pelos tratados firmados pelo Brasil.

Tratados do Brasil Minha versão

ART. 3 - DEFINIÇÕES GERAIS ART. 3 - DEFINIÇÕES GERAIS 1. Na presente Convenção, a não ser que o

contexto imponha uma interpretação diferente:

1. Para os fins desta Convenção, a não ser que o contexto imponha conclusão diversa:

(d) o termo "pessoa" compreende as pessoas físicas, as sociedades e qualquer outro grupo de pessoas;

(a) o termo "pessoa" designa as pessoas físicas, as pessoas jurídicas e qualquer outro grupo de pessoas;

(e) o termo "sociedade" designa qualquer pessoa jurídica ou qualquer entidade que, para fins tributários, seja considerada como pessoa jurídica;

(b) o termo "pessoa jurídica" designa qualquer entidade que se submeta ao regime tributário próprio da pessoa jurídica;

(c) o termo "empreendimento" designa o exercício de qualquer atividade econômica;

(f) as expressões "empresa de um Estado Contratante" e "empresa do outro Estado Contratante" designam, respectivamente, uma empresa explorada por um residente de um Estado Contratante e uma empresa explorada por um residente do outro Estado Contratante.

(d) as expressões "empreendimento de um Estado Contratante" e

"empreendimento do outro Estado Contratante" designam, respectivamente, um empreendimento desenvolvido por um residente de um Estado Contratante e um empreendimento desenvolvido por um residente do outro Estado Contratante.

ART. 7 - LUCROS DAS EMPRESAS ART. 7 - LUCROS DA ATIVIDADE ECONÔMICA

1. Os lucros de uma empresa de um Estado Contratante só são tributáveis nesse Estado, a não ser que a empresa exerça sua atividade no outro Estado Contratante por meio de um estabelecimento permanente aí situado.

1. Os lucros de um empreendimento de um Estado Contratante são tributáveis somente nesse Estado, a não ser que o empreendimento seja desenvolvido no outro Estado Contratante por meio de um estabelecimento permanente aí situado.

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O confronto da versão em português dos tratados firmados pelo Brasil com a minha versão para o português do texto da Convenção Modelo traz algumas surpresas.

A primeira delas é que, nos tratados firmados pelo Brasil, simplesmente não consta a definição do termo enterprise. Esse item inteiro não foi incluído no art. 3 quando da elaboração dos nossos tratados. Assim, após a definição de sociedade, passa-se direto para a definição de enterprise of a Contracting State.

Essa omissão é explicada pelo fato de a versão da Convenção Modelo que foi tomada como base para os nossos tratados é a de 1977. E naquela versão, efetivamente, não havia a definição de enterprise. Essa definição somente foi inserida na versão da Convenção Modelo de 2000, tendo sido mantida desde aquela época.

A maioria dos tratados firmados pelo Brasil é anterior a 2000, daí por que neles não há menção à definição de enterprise. Mas é uma pena que, mesmo nos tratados firmados posteriormente a 2000, não haja definição expressa do termo enterprise. Isso porque, a meu ver, a omissão desse dispositivo prejudica um pouco a melhor compreensão do texto, pois é na definição de enterprise que se verifica o confronto entre os termos person, company e enterprise, deixando claro que os três são conceitos diferentes e que não se confundem.

A segunda surpresa é a tradução de enterprise por empresa. Como vimos acima, efetivamente empresa pode significar empreendimento, atividade, negócio. Mas o termo também designa pessoa jurídica. E entre nós é amplamente difundido o significado de empresa como pessoa jurídica. Na verdade, o termo empresa é muito mais conhecido e empregado como pessoa jurídica do que como empreendimento.

E isso pode levar o intérprete ou o aplicador dos nossos tratados a cair em uma armadilha, qual seja, entender que o art. 7 está se referindo a empresa como pessoa jurídica e não como empreendimento.

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Parece claro, por tudo que foi visto acima, que o art. 7 dos nossos tratados e da Convenção Modelo refere-se a empresa no sentido de empreendimento e não no sentido de pessoa jurídica. Ainda que nos nossos tratados não exista definição de enterprise, como na Convenção Modelo atual, mesmo assim é forçoso concluir que a interpretação sistemática dos dispositivos onde o termo empresa é empregado indica que ele significa empreendimento.

Tomemos o art. 3 dos nossos tratados. Nele verificamos claramente a distinção entre sociedade e empresa. Sociedade está sendo utilizada no sentido de pessoa jurídica. E empresa está sendo utilizada no sentido de empreendimento. Se a empresa empregada no art. 7 significasse pessoa jurídica, deveria ter sido adotado o termo sociedade, que é a definição oficial de pessoa jurídica prevista no art. 3. Pelo contrário, foi utilizado o termo empresa, que, embora não seja definido no tratado, só pode estar se referindo a empreendimento, que é o outro significado possível de empresa.

O fato de enterprise referir-se a empreendimento e não a pessoa jurídica é confirmado pela doutrina. Veja o que, sobre o assunto, escreveu Klaus Vogel11 em 1997, antes portanto de haver na Convenção Modelo uma definição específica de enterprise.

“32.a. Enterprise of a contracting State: According to art. 1 MC, no one other than a person can claim treaty entitlement. Therefore, treaty protection of an enterprise depends on the person that carries on the enterprise rather than the place where the enterprise is carried on. The treaty definition makes this clear.

Consequently, an enterprise owned by a resident of a contracting State and carrying on business exclusively in the other State, continues to qualify as an "enterprise of the - first mentioned – contracting State" even if it has no business assets, nor engages in any activities, in that State (...). Conversely, an enterprise carried on in a contracting State does not enjoy treaty protection if the entrepreneur is a resident of a non-contracting State. However, if this enterprise, by changing the legal form in which it is organized, takes on the legal form of a body corporate or that of any other legal form generating qualification as a "person", and if, by virtue of this new legal form, it now qualifies as a resident (art. 4) of that contracting State, it becomes an enterprise of that contracting State.”

11Klaus Vogel on Double Taxation Conventions, Kluwer, The Hague, 1999, p. 184.

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O texto transcrito não deixa margem a dúvidas. Mas uma de suas frases merece destaque especial. Confira-se: "treaty protection of an enterprise depends on the person that carries on the enterprise rather than the place where the enterprise is carried on". Essa frase resume toda a linha de argumentação até aqui desenvolvida. A proteção do tratado ao empreendimento depende da pessoa (física ou jurídica) que desenvolve o empreendimento e não do local onde o empreendimento é desenvolvido. Se a pessoa (física ou jurídica) residente em um Estado Contratante desenvolve um empreendimento (atividade) em outro Estado Contratante, este outro Estado não tem competência para tributar os lucros gerados pelo empreendimento (atividade).

Esse é o verdadeiro sentido do art. 7.

Pode-se concordar ou não com a conveniência política de adotar-se esse critério. Mas não se pode discordar da conclusão a que se chega com o exame do teor do art. 7.

Diante de todo o exposto, parece não restar qualquer dúvida de que enterprise não pode ser entendido como pessoa jurídica, mas sim como atividade, negócio, empreendimento. Assim, podemos concluir que o negociador dos nossos tratados teria sido mais prudente se empregasse outro termo para traduzir enterprise para o português, a fim de evitar esse tipo de dúvida.12

7.4. A Jurisprudência dos Tribunais Judiciais

O art. 7 dos tratados firmados pelo Brasil para evitar a dupla tributação vem sendo examinado por nossos Tribunais Regionais Federais nos casos de remuneração de serviços prestados por não residentes. O fisco brasileiro exige a incidência do imposto de renda na fonte sobre as remessas feitas ao exterior a título de remuneração por serviços prestados a fonte pagadora residente no Brasil, com base no Ato Declaratório Cosit nº 01, de 05/01/2000. Já os contribuintes questionam essa exigência sustentando que o

12 A confusão relacionada com o termo enterprise não é nova, nem privilégio do Brasil.

Há anos discute-se esse assunto no cenário internacional. Confira-se Kees van Raad,

"The Term Enterprise in the Model Double Taxation Conventions - Seventy Years of Confusion", in Herbert H. Alpert & Kees van Raad (editors), Essays on International Taxation in Honor of Sidney. I. Roberts, Kluwer, The Hague, 1993, p. 317-333.

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art. 7 dos tratados firmados pelo Brasil impediria a incidência do imposto. O fisco tem entendido que o art. 7 dos tratados é inaplicável ao caso. Assim, o imposto poderia ser exigido com base no art. 21, que permite ao Brasil tributar outros rendimentos não previstos nos artigos precedentes.

Não é meu objetivo aqui analisar o mérito dessa questão. No entanto, julgo importante registrá-la, pois para mim trata-se de claro exemplo de como o art. 7 dos tratados vem sendo incorretamente entendido. Senão, vejamos.

Em todos os julgamentos13 - sejam aqueles que concluem pela aplicação do art. 7 ou os que sustentam que o art. 21 é o aplicável - verifica-se que o termo empresa é entendido como equivalente a pessoa jurídica e não como a empreendimento. Há uma intensa discussão, em todos os acórdãos, sobre o conceito de lucro, se deve ser utilizada a definição de lucro da lei interna (lucro real, presumido ou arbitrado) ou se essa definição deve ser afastada porque o contexto do tratado assim o exige, como determinado pelo item 2 do art. 3. Mas todas as decisões partem do pressuposto de que empresa corresponde a pessoa jurídica e que o conceito de lucro em discussão é o de lucro da pessoa jurídica.

Esse mesmo entendimento foi sustentado pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial n. 1.161.467-RS, em 17/05/2012. Confira-se sua ementa:

“4. O termo "lucro da empresa estrangeira'', contido no artigo 7 das Convenções, não se limita ao "lucro real", do contrário não haveria materialidade possível sobre a qual incidir o dispositivo, porque todo e qualquer pagamento ou remuneração remetido ao estrangeiro está - e estará sempre - sujeito a adições e subtrações ao longo do exercício financeiro.

(...)

13 Confiram-se os acórdãos: AMS n. 2004.50.01.001354-5, proferido pela Quarta Turma do TRF da 2ª Região em 16/03/2010; AC n. 2002.71.00.006530-5 (RS), proferido pela Primeira Turma do TRF da 4ª Região em 04/07/2007; MAS n. 92245-PE, proferido pela Terceira Turma do TRF da 5ª Região em 20/08/2009; e MAS n. 2002.51.01.002701-0, proferido pela Quarta Turma Especializada do TRF da 2ª Região.

(19)

6. Portanto, "lucro da empresa estrangeira" deve ser interpretado não como "lucro real", mas como "lucro operacional", previsto nos artigos 6°, 11 e 12 do Decreto-lei nº 1598/77 como "o resultado das atividades, principais ou acessórias, que constituam objeto da pessoa jurídica", aí incluído, obviamente o rendimento pago como contrapartida de serviços prestados.”

Como se vê, o Superior Tribunal de Justiça segue a mesma linha de raciocínio dos Tribunais Regionais Federais: empresa significa pessoa jurídica; e lucro da empresa corresponde ao lucro operacional da pessoa jurídica.

Ora, o entendimento anterior está totalmente equivocado. O termo empresa no artigo 7 não se refere a pessoa jurídica e sim à atividade desenvolvida pela pessoa jurídica, conforme exaustivamente demonstrado no decorrer deste trabalho.

Caso empresa significasse pessoa jurídica, o que se admite apenas para argumentar, fatalmente teríamos de concluir que o artigo 7 é aplicável apenas às pessoas jurídicas, quando sabemos todos que ele se aplica também às pessoas físicas.

Basta consultar os artigos 3 e 4 dos tratados. Os referidos dispositivos são expressos ao estabelecer que a empresa é explorada pelo residente (item 3.1 "d"); residente é qualquer pessoa (item 4.1); e pessoa compreende tanto a pessoa física como a sociedade (item 3.1 "a").

O tema requer, portanto, uma correção de rota. O pressuposto sobre o qual se baseiam as discussões não está correto. É preciso reiniciar o debate sobre o assunto para que, ao final, as conclusões não estejam contaminadas por uma interpretação errônea do texto dos nossos tratados.

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Referências

BIANCO, João Francisco. O Estabelecimento Permanente na Legislação do Imposto de Renda. ln: Grandes Questões Atuais do Direito Tributário. São Paulo:

Dialética. 9. v.

RAAD, Kees van. Cinco Regras Fundamentais para a Aplicação de Tratados para Evitar a Dupla Tributação. Revista de Direito Tributário Internacional. São Paulo:

Quartier Latin, v. 1.

RAAD, Kees van. The Term Enterprise in the Model Double Taxation Conventions - Seventy Years of Confusion. ln: ALPERT, Herbert H.; RAAD, Kees van (editors). Essays on International Taxation in Honor of Sidney. I. Roberts. The Hague: Kluwer Law International. 1993.

SANTOS, João Victor Guedes. Escopo Pessoal dos Tratados: o conceito de "Liable to Tax" à luz do caso Azadi Bachao. Revista de Direito Tributário Internacional, v.

13, São Paulo, Quartier Latin.

Sites

South African Revenue Service. http://www.sars.gov.za/home.asp?pid=3919

University of British Columbia. http://faculty.law.ubc.ca/

brooks/treaties/canada/brazil_e.pdf

Referências

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