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desafios do respeito à diferença Katiane Ribeiro da Cruz

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São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005

POLÍTICA INDIGENISTA DE SAÚDE E PARTICIPAÇÃO INDÍGENA:

desafios do respeito à diferença

Katiane Ribeiro da Cruz*

RESUMO

Análise do processo de participação indígena nas decisões sobre as ações indigenista de saúde. Toma como referência empírica o processo de participação dos Tenetehara-Guajajara, Pukobyê (Gavião) e Krikati no Pólo- Base de Amarante, parte integrante do Distrito Sanitário Especial Indígena no Maranhão, em 2000. A participação indígena é analisada a partir do paradigma da multiculturalidade, buscando identificar em que medida pode ser considerada específica e diferenciada em relação à diversidade cultural dos povos indígenas.

Palavras-Chaves: Povos Indígenas, Política de Saúde, Participação Indígena

ABSTRACT

Process analysis of indigenous participation in the decisions on the indigenist actions of health. It takes as an empiric reference the participation process of Tenetehara-Guajajara, Pukobyê (Gavião) and Krikati in Polo de Amarante region-base, integrant part of Distrito Sanitário Especial Indígena in Maranhão, in 2000. The indigenous participation is analyzed from the multicultural paradigm, seeking to identify in what way it can be considered specific and differentiated regarding the cultural diversity of the indigenous peoples.

Key-words: Indigenous Peoples, Health’s Politics, Indigenous Participation.

1 INTRODUÇÃO

Tenho como objetivo fazer uma reflexão sobre a relação entre Estado brasileiro e povos indígenas, a partir da Constituição de 1988, tomando como referência a análise da participação indígena nas decisões sobre ações de saúde, definida na atual política indigenista de saúde. Busco perceber se a forma como foi definida a participação indígena consegue atender ao critério de respeito ao específico e diferenciado, enfatizado no discurso do Estado.

Tomo a Constituição de 1988 como referência pois percebo que a mesma representa um marco na relação entre Estados e povos indígenas ao declarar que são reconhecidos aos índios sua organização social, línguas, costumes, crenças, tradições e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Esta Constituição definiu elementos que posteriormente resultaram em mudanças nas ações indigenistas de saúde: a descentralização destas ações da Fundação Nacional do Índio/ FUNAI, subordinada ao

*Mestre em Políticas Públicas.

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Ministério da Justiça, para a Fundação Nacional de Saúde/ FUNASA, subordinada ao Ministério da Saúde, através da criação dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas/ DSEI.

A pesquisa foi baseada na epistemologia multicultural, que reconhece a realidade como uma construção, cuja existência é marcada pelos personagens que a criam, das teorias que a descrevem e da linguagem que permite a descrição e sua comunicação.

Uma das questões principais do multiculturalismo é o gerenciamento da diferença (SEMPRINI, 1999). Neste sentido, cabe questionar: como um Estado, que destaca a igualdade como um de seus direitos fundamentais e tem como base princípios universalizantes, pode trabalhar o respeito à diferença entre os povos indígenas?

Detive-me em analisar documentos oficiais relativos a esta temática e, como campo empírico, tomo como referência o processo de participação dos Tenetehara-Guajajara, Pukobyê (Gavião) e Krikati, atendidos no Pólo-Base de Amarante, parte do DSEI no Maranhão/ DSEI-MA, em 2000. Viso a contribuir nas discussões e reflexões sobre a relação entre Estado e povos indígenas, especialmente no que se refere às ações indigenista de saúde, cujos resultados poderão servir como subsídio à elaboração de políticas públicas.

Inicialmente cabe destacar que estou considerando políticas indigenistas como sendo um conjunto de normas, valores e formas de ações direcionadas aos povos indígenas, colocadas em práticas por instituições governamentais (COELHO, 1990). Neste sentido, a política indigenista de saúde refere-se especificamente as ações de saúde, formuladas e implementadas por instituições governamentais, ou seja, não-indígenas. Assim, faço a distinção entre ação indigenista de saúde e ações indígenas de saúde, que consistem nas formas de identificações, explicações, tratamento e prevenção do fenômeno saúde/ doença definidas no âmbito das culturas dos povos indígenas .

Considero povos indígenas como nações e, na relação com o Estado, como minorias nacionais, tal como define Kymlicka (1996). As nações, de acordo com este autor, caracterizam-se por possuir suas próprias formas de organização, mesmo não sendo institucionalizada, línguas e culturas diferenciadas, cuja existência não estão intrinsecamente vinculadas à implantação do Estado. Na relação com o Estado, as nações constituem minorias nacionais por desejarem seguir sendo sociedades distintas em relação à cultura majoritária da qual fazem parte, exigindo portanto diversas formas de autonomia, autogoverno e a garantia de direitos a assistência de ações implementadas através de políticas públicas que sejam executadas de maneira a respeitar as diferenças sócio-culturais.

Cada povo possui sua própria identidade que, tal como define Castells (2001, p.

22-23), é “um processo de construção de significado com base em um atributo cultural, ou ainda em um conjunto de atributos culturais inter-relacionados, o(s) qual(ais) prevalece(m) sobre outras fontes de significados [...] Identidades organizam significados”. A identidade é construída e ocorre sempre dentro de um contexto marcado pelo poder. Poder aqui é

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entendido a partir da definição de Foucault (1981), como algo que circula, que funciona em cadeia, sem nunca estar localizado aqui ou ali, mas funcionando e se exercendo em redes, na qual os indivíduos são sempre centros de transmissão, estando sempre em posição de exercê-lo ou sofrer a sua ação.

Percebo que a construção das políticas indigenistas no Brasil tem sido caracterizada por diferentes disputas que se estruturam como um campo de poder próprio. De acordo com Bourdieu (1998, p. 28-29), campo de poder consiste em:

relações de forças entre as posições sociais que garantem aos seus ocupantes um quantum suficiente de forças sociais – ou de capital – de modo a quês estes tenham a possibilidade de entrar nas lutas pelo poder, entre as quais possuem uma dimensão capital as que têm por finalidade a definição da forma legítima de poder [... ]..

Considero que as relações interinstitucionais referentes às políticas indigenistas no Brasil, ocorrem em um campo de lutas para transformar ou conservar o campo de forças.

Neste sentido, percebo o Estado não como um todo homogêneo, mas como um lugar de conflitos no qual, em relação às ações indigenistas de saúde, passam a atuar além da FUNAI, a FUNASA, o Ministério Público e outras instituições governamentais e não- governamentais.

2 POVOS INDÍGENAS E POLÍTICA DE SAÚDE

A atual política indigenista de saúde, denominada Política Nacional de Atenção a Saúde para Povos Indígena1s que foi aprovada como parte integrante da Política Nacional de Saúde, afirma oficialmente ter uma nova perspectiva de atuação, baseada na superação do paradigma de assimilação destes povos à “comunhão nacional” e o propósito de garantir o acesso à atenção integral a saúde dos indígenas, de acordo com diretrizes e princípios do Sistema Único de Saúde/ SUS, contemplando a diversidade social, cultural, histórica, geográfica e política, visando a favorecer a superação dos fatores que os tornam mais vulneráveis aos problemas de saúde que afetam os brasileiros, reconhecendo a eficácia se sua medicina, assim como o direito desses povos a sua cultura (BRASIL. 2000, p.12).

A Política Nacional de Atenção a Saúde para Povos Indígenas conceitua Distrito Sanitário Especial Indígena como sendo:

1Elaborada de acordo com as determinações das Leis Orgânicas e a Constituição Federal – que reconhece as especificidades étnico-culturais e os direitos territoriais dos povos indígenas (MS, 2000). Aprovada Portaria n.º 254, de 31 de janeiro de 2002 como parte integrante da Política Nacional de Saúde (CRUZ, 2003).

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São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005 um modelo de organização de serviços – orientado para um espaço etno-cultural dinâmico, geográfico, populacional e administrativo bem delimitado -, que contempla um conjunto de atividades técnicas, visando medidas racionalizadas e qualificadas de atenção à saúde, promovendo a reordenação da rede de saúde e das práticas sanitárias e desenvolvendo atividades administrativo-gerenciais necessárias à prestação da assistência, com controle social (BRASIL. 2000, p. 12-13).

O DSEI constitui um modelo em que há uma reordenação e adaptação da rede de serviços de atenção básica de saúde, pois, sendo um subsistema do SUS, toda a estrutura de organização de serviços para os povos indígenas necessariamente passa a ser vinculada de forma subordinada à organização de serviços definidos para a sociedade brasileira. Neste sentido, para apreender o novo modelo indigenista de saúde é importante considerar que a organização de serviços no SUS foi definida de forma regionalizada e hierarquizada, visando a uma alta capacidade de resolução de serviços, de acordo com níveis de complexidade crescente: baixa, média e alta complexidade.

Para o atendimento básico ou de baixa complexidade foi definida a criação de uma estrutura de serviços a serem executados em nível local, nas aldeias, através da atuação de equipes multidisciplinares, formadas minimamente por médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem, odontólogos e agentes indígenas de saúde/ AIS. Para o atendimento de média e alta complexidade foi definido que os mesmos deveriam ser realizados na rede de atendimento hospitalar do SUS (BRASIL, 2000).

A forma de organização de serviços de saúde em nível básico ou de baixa complexidade para os povos indígenas é similar à realizada no Programa de Saúde da Família/ PSF criado pelo Ministério da Saúde, em 1994, para realizar atendimento básico de saúde junto à sociedade braseira. Este programa vem se constituindo como a principal estratégia do SUS na reorientação do modelo assistencial de saúde a partir da atenção básica.

Assim como no PSF, o atendimento indigenista de saúde tem como prioridade estabelecer ações básicas de saúde pautadas no atendimento local. Para os povos indígenas foi definida a criação de Pólos-Base que deveriam funcionar com a primeira referência para os AIS, podendo está localizados na área indígena ou no município de referência. Quando localizado no município, o Pólo-Base deveria corresponder à unidade básica de saúde já existente neste município, devendo ser resolvida a maioria dos agravos para a rede de serviços do SUS (BRASIL, 2000).

Paralelamente a esta estrutura de atendimento deveriam ser oferecidos serviços de apoio, através da casa de saúde Indígena/ CASI, localizadas em municípios de referência. A CASI deveria oferecer condições de alojamento, alimentação, assistência de enfermagem durante 24 horas, encaminhamento e acompanhamento de pacientes nas consultas, etc. (BRASIL, 2000).

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No que se refere à participação indígena no novo modelo de atenção a saúde indígena, o Decreto N° 3156/99 regulamentou que esta ocorreria através da formação do Conselho Distrital em cada DSEI, nos moldes como foi garantida a participação comunitária definida na política nacional de saúde, pela Lei N° 8141/90. Os Conselhos Distritais, tal como os Conselhos Municipais de Saúde, possuem composição paritária (formada por 50%

de representantes dos usuários e 50% de representantes das organizações governamentais envolvidas, prestadores de serviços e trabalhadores do setor de saúde) e caráter deliberativo, em função do qual pode aprovar plano distrital, planejar e avaliar a execução de ações de saúde, apreciar prestações de contas de órgãos e instituições executoras das ações de saúde indígena (BRASIL, 1999).

Neste caso, o aspecto diferenciador entre as instâncias de controle social indígena e não-indígena é a referência, no Decreto N° 3156/99, ao Conselho Local, cuja composição é exclusivamente de usuários indígenas de cada comunidade indígena (BRASIL, 1999). Sua atribuição, todavia, restringe-se a realizar discussões sobre os serviços de saúde executados na área de abrangência do Conselho Local e atuar como instância consultiva junto ao Conselho Distrital, pois não possui caráter deliberativo. Além disso, foi definida também a participação indígena não só nas instâncias de controle social do DSEI, mas também no Conselho Nacional e Saúde/ CNS, Conselhos Municipais e Estaduais de Saúde, visto que os indígenas constituem-se, também, como usuários do SUS (BRASIL, 1999; BRASIL, 2000).

3 PARTICIPAÇÃO INDÍGENA E SAÚDE INDIGENISTA: DESAFIOS DO RESPEITO À DIFERENÇA

Para discutir se a forma como foi definida a participação indígena consegue atender ao critério de respeito ao específico e diferenciado é importante apreender também as dimensões do processo de implementação. Detive-se em apreender o processo de participação indígena no DSEI-MA, mais especificamente as ações desenvolvidas no Pólo-Base de Amarante, como campo empírico para melhor analisar esta questão.

No Maranhão, em 1999, a Equipe de Saúde do Índio no Maranhão/ ESAI-MA2 realizou um trabalho de divulgação que se deteve em informar as mudanças, sem a discussão de questões extremamente relevantes relacionadas à definição e organização do

2As ESAI foram criadas no âmbito das Coordenações Regionais da FUNASA, com objetivo de planejar e executar ações indigenistas de saúde de suas áreas de abrangência.

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DSEI-MA3, mas apenas sobre questões mais operacionais (CRUZ, 2003). O que se observou, na prática, foi a centralização nas decisões por parte da FUNASA, tanto em nível central, na Coordenação de Saúde do Índio/ COSAI4, quanto no âmbito da coordenação regional, no caso dos profissionais que passaram a compor o DSEI-MA, oriundos da ESAI- MA.

O trabalho de discussão e divulgação sobre o DSEI restringiu-se a abordar aspectos mais operacionais relacionadas a questões específicas de cada aldeia: falta de medicamento, perfurações de poços, contratação de AIS, lotação de auxiliares de enfermagem, etc. Neste sentido, considero que não houve a participação indígena efetiva dos povos indígenas no Maranhão no processo de mudança das ações indigenistas de saúde.

O DSEI-MA foi criado para atender aos povos que vivem em terras indígenas localizadas na área deste estado, sem que houvesse uma discussão com os indígenas. Da mesma forma, foram criados cinco Pólos-Base que passaram a compor o DSEI-MA, sem considerar critérios étnicos, mas tomando como referência aspectos geográficos e burocráticos, ou seja, foram definidos a partir da concentração populacional e considerando a presença de indígenas nas proximidades dos municípios com os quais foram firmados convênios para funcionamento dos Pólos-Base.

O Pólo-Base de Amarante foi criado para atender aos povos Tenetehara- Guajajara, Pukobyê (Gavião) e Krikati. Passou a funcionar através do convênio entre a FUNASA, responsável por garantir o repasse de recursos financeiros, e a prefeitura de Amarante do Maranhão, responsáveis pela execução destas ações.

No primeiro ano de funcionamento do DSEI-MA, em 2000, as instâncias de controle social não foram implantadas conforme prevê a legislação5. A criação do Conselho Distrital no DSEI-MA só ocorreu em 2001, com a realização de apenas uma reunião para criação do mesmo. De acordo com a forma como foi definido o novo modelo de atenção à saúde indígena, uma das principais funções do DSEI é promover a articulação para o funcionamento do Conselho Distrital que constituía na instância detentora do poder de decisão neste processo (BRASIL, 1999). Neste caso, de acordo com a legislação, a criação dos Conselhos Locais sem a criação do Distrital constituía-se em situação que inviabilizava

3Apesar de ter sido sugerido no Seminário Regional sobre a Proposta do Ministério da Saúde na Implantação dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas que esta discussão fosse realizada com os indígenas. Este Seminário ocorreu em São Luís – MA, no período de 29 a 31 de março de 1999.

4 Coordenação criada na FUNASA, vinculada ao Departamento de Operações, com a função de coordenar, no âmbito do SUS, ações de saúde e definir, junto com a FUNAI, critérios para a elaboração de projetos específicos de saúde.

5 Aprovação do Plano Distrital; avaliação da execução das ações de saúde planejadas, propondo, caso necessário, a sua reprogramação total ou parcial; apreciação da prestação de contas dos órgãos e instituições executoras das ações e serviços de atenção à saúde (BRASIL, 1999).

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a participação dos povos indígenas, nas decisões do DSEI-MA, visto que o Conselho Local não compreende uma instância deliberativa.

O Conselho Local do Pólo-Base de Amarante só foi criado no terceiro mês de funcionamento do DSEI-MA, em 2000, sendo caracterizado pela permanência de muitas dúvidas sobre modelo de atendimento à saúde e o papel dos conselheiros. Tal situação foi agravada, entre outras coisas, pela forma de transmissão destas informações: repassadas em língua portuguesa, em detrimento da língua indígena.

O Conselho Local do Pólo-Base de Amarante foi formado por indígenas dos povos Tenetehara-Guajajara, Pukobyê (Gavião) e Krikati que possuem diferentes histórias de contato, formas de organizações distintas e uma história de divergências entre si, ocorrendo constantemente situações de impasses e discordâncias nas reuniões e uma grande rotatividade de conselheiros.

Além disso, cabe considerar que mesmo com a realização de reuniões do Conselho Local não significava que as decisões tomadas pelos conselheiros seriam aceitas pelos indígenas da aldeia que estes “representavam”, visto que existem diferenças entre a forma de organização ocidental e as dos povos indígenas:

as sociedades indígenas não partilham a idéia de democracia representativa tipo grega; aqui a noção de representatividade não contempla a delegação de autoridade e da possibilidade de decidir pelos representados. O poder do chefe político indígena não tem alcance suficiente para tomar decisões que possam alterar a realidade social de seus liderados e nem tem como garantir que suas decisões e acordos sejam por estes cumpridos. Como sua autoridade é centrada no uso da palavra eles não conduzem os liderados conforme seus desejos, mas enunciam propostas e pontos de vistas que podem ser considerados, seguidos ou rejeitados pelos liderados (GARNELO; SAMPAIO, s/d, p. 3).

Entre os povos indígenas o poder de decisão encontra-se centrado na aldeia, em âmbito local, no qual todos têm a oportunidade de participar, sem que haja a delegação de poderes para que apenas um representante decida por todos. Neste caso, considero que a forma como foi definida, na perspectiva formal, a participação indígena nas instâncias de controle social baseia-se em uma lógica contrária à dos povos indígenas, pois desloca o poder de decisão das aldeias. Neste sentido, é possível perceber que existem elementos bastante distintos presentes na organização indígena que são opostos ao definido como necessário para o funcionamento do controle social no SUS.

Esta situação contribui para que estes povos acionassem a identidade de resistência que, tal como define Castells (2001, p.34), é criada por atores que se encontram em oposição/ condição desvalorizadas e/ ou estigmatizadas pela lógica de dominação, construindo, assim, trincheiras de resistência e sobrevivência com base em princípios diferentes dos que permeiam os princípios da sociedade, ou mesmo opostos a estes

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últimos”. Assim, era constante a utilização de outras estratégias visando a participação nas decisões sobre a saúde: retenção de funcionários e viaturas nas aldeias.

Além disso, o Conselho Local, por sua vez, apresentava problemas em função de ser composto por povos distintos e, por não possuir caráter deliberativo que permitisse a resolução das questões apresentadas nas reuniões. Este passou de uma situação de legitimidade ao descrédito, por parte dos conselheiros e usuários indígenas, pois percebiam que estavam sempre discutindo os mesmos problemas, para os quais não viam efetivadas as soluções definidas nas reuniões do Conselho Local.

4 CONCLUSÃO

A criação de uma política indigenista de saúde no Brasil que oficialmente apontava para a implantação de um modelo de atenção à saúde específico e diferenciado, apresenta ambigüidades, visto que o Estado construiu uma política de caráter nacional, que retira as especificidades dos diferentes povos indígenas que habitam no Brasil, tratando-os como índios genéricos, como se todos fossem iguais.

Baseada na política nacional de saúde, define a participação indígena através de representatividade (conselhos), que diverge da forma de organização indígena, pois entre estes a tomada de decisão está centrada em âmbito local, nas aldeias, onde há a participação de todos.

O Conselho Local do Pólo-Base de Amarante apresentava problemas por ser composto de diferentes povos, cuja necessidade de decidirem sobre questões consideradas prioritárias para todos contribuiu para o surgimento de conflitos e disputas. Como não possuía caráter deliberativo que permitisse a resolução dos problemas identificados, o Conselho Local passou de uma situação de legitimidade ao descrédito, por parte dos conselheiros e usuários indígenas.

Além de problemas intrínsecos a própria formulação, somam-se os de implementação, visto que no DSEI-MA não foi privilegiada a participação indígena, nem mesmo conforme prevê a legislação. O Conselho Distrital só foi criado em 2001. A criação do Conselho Local do Pólo-Base de Amarante não se constituiu um mecanismo de participação dos Tenetehara-Guajajara, Pukobyê (Gavião) e Krikati, nem conseguiram atender ao critério de respeito ao específico e diferenciado, tal como enfatizado pelo Estado, evidenciando as deficiências e capacidades de um sistema social integrar a diferença, sem impor-se a esta, como um desafio central do multiculturalismo.

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REFERÊNCIAS

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FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1981.

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