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FREITAS, Maria Ester De. Assédio moral e assédio sexual: faces do poder perverso nas organizações. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 41, n. 2, p. 8-19, abr./jun. 2001

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Academic year: 2023

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AS RELAÇÕES DE ASSÉDIO SEXUAL NO ÂMBITO UNIVERSITÁRIO: A dualidade entre silêncio e visibilidade dentro da Universidade Federal do Ceará.

Débora Taumaturgo Boecke1 Maria Clara Ribeiro Martins2 Francisco Samuel Dias Barroso3

RESUMO: O presente artigo busca realizar uma discussão acerca da temática da violência de gênero, possuindo o assédio sexual no âmbito universitário como objeto central da pesquisa. Buscou-se analisar alguns casos de assédio provenientes das relações professor-aluna e servidor-aluna, com o fim de analisar a disparidade entre o número de denúncias oficiais à instituição e a incidência dessa violência no cotidiano das alunas. Discute-se, também, a ineficácia da Ouvidoria na resolução do conflito.

Palavras-chave: Assédio sexual; Violência de gênero;

Universidade Federal do Ceará.

ABSTRACT: The present paper seeks to conduct a discussion about the issue of gender violence, with sexual harassment at the university level as the central object of the research. We sought to analyze some cases of harassment from teacher- student and employee-student relations, in order to analyze the disparity between the number of official complaints to the institution and the incidence of this violence in the daily life of the students. It also discusses the inefficiency of the Ombudsman's office in resolving the conflict.

Keywords: Sexual harassment; Gender violence; Federal University of Ceará

1 INTRODUÇÃO

Esse artigo é fruto da pesquisa de monografia realizada durante a graduação em Ciências Sociais no ano de 2017, onde buscou-se explicitar as situações de assédio sexual vivenciadas por mulheres dentro da Universidade Federal do Ceará (UFC) e o papel dos órgãos da instituição na resolução do problema. De acordo com o Código Penal brasileiro, pode ser caracterizado como o “ato de constranger alguém com o intuito de obter vantagem

1 Socióloga, mestranda pelo Programa de Pós-graduação em Sociologia na Universidade Federal do Ceará. E-mail: deboraboeckel@gmail.com

2 Socióloga, mestranda pelo Programa de Pós-graduação em Sociologia na Universidade Federal do Ceará. E-mail: mariaclaramartins-@hotmail.com

3 Sociólogo, mestrando pelo Programa de Pós-graduação em Sociologia na Universidade Federal do Ceará. E-mail:samuelbarroso176@gmail.com

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ou favorecimento sexual”, de acordo com o artigo 216. Pode ser interpretado como a prática de importunar e incomodar a vítima com palavras ou frases que possam caracterizar algum tipo de constrangimento e\ou ofensa.

A lei citada acima, refere-se principalmente aos casos de assédio sexual dentro do ambiente de trabalho, onde o agressor normalmente está numa posição hierarquicamente superior que a do indivíduo agredido. No entanto, é necessário deixar claro que este tipo de crime não está restrito apenas a esse tipo de ambiente, uma vez que outros espaços como escolas e universidades também dispõem de estruturas hierarquizadas.

O campo de estudo escolhido para a realização da pesquisa empírica foi a Universidade Federal do Ceará (UFC), mais especificamente o Centro de Humanidades que é dividido em três partes e está localizado na cidade de Fortaleza, no bairro Benfica. O campus possui um número grande de alunos matriculados em cursos como Letras, Jornalismo, Pedagogia, Ciências Sociais, Publicidade e Propaganda, dentre outros, além de abranger também os cursos de línguas estrangeiras oferecidos pelas Casas de Cultura.

Os locais apresentados possuem uma intensa movimentação, de alunos e outras pessoas que circulam por aquela localidade, entre seu horário de abertura e fechamento, 7:00 e 22:00, respectivamente. A movimentação também é intensa devido ao ambiente propício para a reunião de grupos para a realização de atividades de promovem uma sociabilidade entre os frequentadores dos cursos mencionados.

O cenário acima descrito, apesar de contar com profissionais da área de segurança, responsáveis pela preservação do patrimônio público e pela proteção dos alunos, comporta um número de relatos de assédio sexual dentro do recinto e próximo às suas adjacências, e contrariamente a esse alto número de casos, órgãos da UFC como a Ouvidoria e a Comissão de Ética constam com pouquíssimos relatos: apenas dois nos últimos dois anos.

Carece, então, o debate de quais políticas públicas a UFC está efetivamente aplicando aos casos cada vez mais expressivos de assédio sexual dentro dos limites da instituição e se essas políticas efetivamente melhoram a vida das alunas da instituição.

2 A FACETA DAS RELAÇÕES DE ASSÉDIO

2.1 Assédio sexual como uma relação de poder

No intuito de analisar as informações sobre os casos de assédio sexual dentro do Campus do Benfica, é importante conceituar o que entendemos por violência de gênero e

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assédio sexual. De acordo com a OMS, violência de gênero pode ser definida como “todo ato de violência que tenha, ou possa ter, como resultado, um dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico para a mulher, assim como ameaça de tais atos, a coação, ou privação arbitrária da liberdade, tanto se ocorrerem na vida pública como na privada”

(BARREIRA, p. 209). A partir dessa definição, portanto, nosso objeto de estudo qualifica-se como violência de gênero.

Como mencionado anteriormente, a definição de assédio sexual pelo Código Penal refere-se prioritariamente aos casos de assédio no ambiente de trabalho, onde o homem, prevalecendo-se de sua posição superior na hierarquia da empresa, intenta favorecimento sexual de alguma mulher, ameaçando demiti-la, caso ela se oponha. Embora o exemplo supracitado seja bastante problemático e mereça um aparato legal que proteja mulheres dessa situação, o problema do assédio não está restrito ao ambiente laboral. De fato, o assédio sexual está nas ruas, nos shoppings, nas escolas, nas universidades. No decorrer das entrevistas, notamos que todas as mulheres que conversaram conosco definiram assédio como toda e qualquer abordagem que tenha uma conotação sexual e as coloque numa posição desconfortável, de não reciprocidade; e de acordo com essa definição, todas, sem exceção, disseram já ter sido vítimas de algum tipo de assédio sexual. O que nos leva a procurar entender os mecanismos de poder que legitimam essas práticas violentas ocorrerem diariamente sem, necessariamente, causar revolta na sociedade civil.

Segundo Pierre Bourdieu (2003), a dominação do masculino sobre o feminino se dá porque a dominação masculina não carece de legitimação, pois ela é justificada por meio das diferenças biológicas percebidas entre os sexos e é incorporada pelos indivíduos na forma de esquemas de percepção, ação e preferência duráveis. Como em toda dominação, os esquemas de pensamento dominantes influenciam também os dominados, que acabam por legitimar ainda mais a dominação: as próprias mulheres acabariam, segundo o autor, por reproduzir as representações que as depreciam na ordem social.

Pierre Bourdieu mostra em sua obra que a dominação masculina está para além da relação entre homens e mulheres. Em uma sociedade onde os pilares da vida social sustentam-se na honra, no poder e nas diversas formas de dominação masculina, homens e mulheres se veem subjugados a essa dominação simbólica, sem ter necessariamente consciência da mesma.

“O poder simbólico, que se exerce por meio de palavras, pensamentos e gestos, torna natural o que, de fato, é construído pela sociedade. Este poder invisível é responsável pela reprodução do mundo social, apresentando-se, também, através de diferentes instituições como o estado, a família, a escola etc.” (BARREIRA, 2011)

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A reprodução dessa dominação simbólica é palpável nos ambientes universitários, mesmo que, a priori, seja um espaço de debate e aprendizado, ainda acarreta todas as diferenças pré-estabelecidas entre homens e mulheres, sendo bastante comum presenciarmos cenas de reprodução desses paradigmas.

A posição hierarquicamente superior exerce um papel importante nas dinâmicas de assédio, uma vez que o assédio sexual configura-se, de acordo com Freitas (2001: 14) não por uma relação desigual baseada no masculino versus feminino, mas por um desequilíbrio de poder, onde “um dos elementos da relação dispõe de formas de penalizar o outro lado”.

Essa penalidade pode vir como no caso de Maíra, através de ameaças de reprovações na disciplina do professor, prejudicando-a academicamente pode conta de uma negativa antes às piadas e investidas sexuais do mesmo. Como pontua Freitas (2001, p. 14):

Se uma proposta não aceita uma negativa, ela é qualquer outra coisa, exceto um convite. É como se estivéssemos diante de uma situação que só apresenta duas alternativas: a cruz ou a espada. O que está sendo sugerido não é um prazer, nem uma relação gratificante, mas um preço que deve ser pago.

O preço a ser pago nem sempre é algo que estamos dispostas a pagar, justamente porque o assédio sexual tem implicações na vida profissional, mas que acabamos tolerando por receio de que a negativa ou a reação violenta de indignação traria consequências permanentes. Prejudicar-se nesse aspecto, em época de crises e incertezas no Brasil, é arriscado e este risco não é algo que uma mulher queira submeter-se, seja uma mulher com medo de ser facilmente substituída em uma empresa, ou uma aluna que almeja pós- graduação com receio de incomodar e contrariar os professores do departamento.

2.2 Lugares para se dizer, formas para se anunciar

Durante a pesquisa, ouvimos diversos relatos de mulheres que já foram intimidadas e/ou assediadas dentro do campus da universidade, geralmente por professores e servidores da instituição, que a partir de mecanismos de poder sedimentados nas relações hierárquicas entre professor-aluna e servidor-aluna, esses homens assediam e intimidam alunas sem medo de represália. A falta de represália por parte das meninas, esse silêncio, não é necessariamente medo. A socióloga Irlys Barreira (2011, p. 210) fala que o silêncio nas práticas violentas não significa passividade, “mas luta intensa para escapar da posição de uma narrativa feita por outros - aqueles que se sentiam em posição de superioridade moral”. É extremamente problemático para essas mulheres denunciarem o assédio sofrido

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dentro da instituição, até pelo receio de sofrer consequências por parte do professor ou servidor denunciado, como constatado durante as entrevistas realizadas. Podendo ter seu futuro acadêmico ou sua liberdade no campus restringida, a maioria das vítimas optam por compartilhar suas histórias em ambientes mais favoráveis à sua fala, como em coletivos feministas, centros acadêmicos, e grupos fechados em redes sociais.

A falta de denúncias oficiais é constatada quando se pensa na disparidade entre o número de relatos de assédio sexual e o número de denúncia feitas ao órgão responsável dentro da instituição -- apenas duas denúncias na Ouvidoria da UFC em todo o ano de 2015 em todos os campi da UFC. É possível associar o que sociólogo alemão Norbert Elias (1939) fala sobre a vergonha como mecanismo de autodisciplina. Segundo o autor, são os próprios indivíduos que constroem, dão forma e mantêm as configurações sociais baseadas em teias ou redes de interdependência, firmadas a partir do momento em que duas ou mais pessoas interagem socialmente. Desse modo, baseada nessas teias de interdependência, quando a mulher se encontra em uma situação de assédio, muitas vezes ela está condicionada a não reagir, a usar a vergonha como sanção social, por acreditar que a situação foi por ela condicionada - um processo de culpabilização da vítima -, e que tomar medidas legais seja despropositado. Heleieth Saffioti aborda o assunto ante os crimes frutos da dominação do patriarcado. Segundo a autora:

O julgamento destes criminosos sofre, é óbvio, a influência do sexismo reinante na sociedade, que determina o levantamento de falsas acusações – devassa é a mais comum – contra a assassinada. A vítima é transformada rapidamente em ré, procedimento este que consegue, muitas vezes, absolver o verdadeiro réu.

(SAFFIOTI, 2004, p. 46)

Durante nossa visita à Ouvidoria da Universidade e sobre a medida posta em prática para solucionar denúncias de assédio é promover um encontro entre agressor e agredida, quebrando assim o anonimato da denúncia e comprometendo a experiência da aluna no decorrer do curso, uma vez que agora o denunciado saberá exatamente quem prestou queixa e poderá, ou não, dedicar-se a interferir ainda mais no cotidiano da mesma na faculdade. Falta à instituição a noção de que as denúncias deveriam ser anônimas, e que expor a vítima ao seu agressor, além de provocar enorme constrangimento para a aluna, não evitará que esse professor volte a persegui-la. Ou seja, não solucionará o problema.

Uma vez que a instituição carece de políticas de evitamento da violência de gênero efetivas, a criação de espaços de fala, como delegacias especializadas, coletivos feministas dentro da Universidade, etc., que sejam capazes de dar suporte e visibilidade para casos de

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assédio sexual torna-se, portanto, imprescindível para a construção de definições que desempenham um papel importante na classificação e criação de políticas de restrição dessas práticas violentas. (BARREIRA, 2011, p. 216)

Embora a violência física seja mais facilmente reconhecida, acarretando sempre uma grande comoção social e pedidos de punição para os responsáveis pela sociedade civil; o assédio moral e psicológico é igualmente grave e destrutivo. Mas por se tratar de danos “invisíveis”, esse tipo de assédio e intimidação tem, se não mais aceitação pela sociedade civil, menos comoção da mesma. Para os homens que soltam comentários para as transeuntes, para os homens que abordam insistentemente as mulheres, seja enviando poemas eróticos, forçando contato físico ou fazendo comentários maldosos; há sempre uma grande parcela da população que busca justificar esse comportamento, como “mas é só uma cantada” “se não quer ouvir, não usa short curto”. Esse tipo de comentário que minimiza o assédio acaba por desestimular as mulheres de denunciarem seus agressores;

e o relato dessas violências que não são verbalizadas, que não têm inscrição no cotidiano, acabam por serem contadas sem autoria, como se fosse uma voz coletiva anônima.

É crucial, portanto, a criação de mecanismos que deem visibilidade aos casos de assédio sexual dentro do ambiente universitário. Até a realização dessa pesquisa, não encontramos nenhum levantamento de dado significativo sobre o problema, fato que chama atenção para a falta de discussão sobre o assunto nas esferas mais altas da hierarquia acadêmica. Embora seja um assunto amplamente discutido nas rodas de conversa promovida por Centros Acadêmicos e coletivos feministas, ainda há pouca representatividade em órgãos como a Ouvidoria e a Comissão de Ética da Universidade.

3 A EXPERIÊNCIA DE CAMPO

3.1. Os relatos das alunas

Realizamos entrevistas com 15 mulheres que estão matriculadas em cursos de graduação localizados nos centros de humanidades da UFC, tendo como intervalo de tempo 10 dias para a realização das mesmas; os encontros aconteceram dentro da universidade, foram gravados, mas por questões éticas ficou decidido que nenhuma das moças irá ter seu nome exposto no trabalho.

Foi bem interessante o acolhimento que recebemos durante a realização da pesquisa, todas as convidadas a contribuir com este texto se colocaram em plena disposição e se

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mostraram entusiasmadas com a problematização do tema dentro da Universidade. Por unanimidade, elas caracterizaram o assédio sexual como qualquer tipo de contato, intimidação ou conversação que tenha uma conotação sexual e as coloque numa posição desconfortável, de não reciprocidade.

Acreditam que o agressor pode ser caracterizado como qualquer homem que frequente a universidade, seja ele professor, aluno ou servidor; até mesmo aqueles que não possuem vínculo institucional, mas circulam pelo campus, desde que apresentem o comportamento acima mencionado.

Apesar de caracterizarem os agressores em potencial como qualquer homem que frequente a universidade, colocaram que se sentem mais intimidadas e agredidas pelos que possuem vínculos com a instituição, principalmente professores e servidores. O incômodo chega a ser tanto, que muitas alunas dizem evitar determinadas rotas dentro de seus departamentos para não esbarrar com certos servidores, assim como evitam se matricular em disciplinas ministradas por alguns professores por se sentirem invadidas e agredidas por tais.

Muitos foram os relatos de assédios sexuais cometidos por professores, das 15 entrevistadas apenas 3 disseram nunca ter sido vítimas; uma atribuiu essa “sorte” pelo fato de pouco conversar com os professores e circular no departamento em que estuda. Outra especulou que talvez esse não assédio tenha acontecido pelo fato dos professores saberem de seu engajamento político e se sentirem amedrontados a fazer esse tipo de coisa com tal pessoa.

Podemos perceber que os relatos dos assédios cometidos pelos professores variavam muito, desde se sentir constrangida por receber “emails com poemas eróticos”, “ser beijada no rosto enquanto ele segurava sua cintura com força” até mesmo receber cantadas como

“gato de botas eu já vi, mas gata de botas é a primeira vez”.

Em seguida, colocarei a transcrição de alguns dos relatos para que a vizualização dos assédios sexuais se dê de uma forma mais nítida:

“Uma amiga minha tem uma relação mais próxima com os professores, um especial chegou a presentear ela com um livro e eles sempre conversam. Esse mesmo professor um dia, enquanto a gente tava no corredor conversando com as amigas, ele passou do outro lado do corredor e simplesmente voltou, chegou próximo e [a]

abraçou, depois deu um beijo na testa. Todo mundo ficou meio assim… se perguntando o que foi aquilo. E que mesmo ela sendo próxima dos professores, nunca tinha dado espaço pra aquilo. Ela achou bem invasivo. E a gente que viu, presenciou a cena, também.” (Relato anônimo)

“Tem um professor que logo no início da disciplina pedia pra gente colocar o nome, número do telefone e o email. Ficava de conversinha no Facebook, puxando assunto, curtindo tudo que eu postava, até que um dia eu recebi um email dele, e quando vi era poema erótico… fiquei meio assim… mas nunca comentei. E todo

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mundo sabe quem é, mas ninguém tem coragem de falar nada. Muitas meninas já comentaram comigo que passaram pela mesma coisa.” (Relato anônimo)

“Não, não acho que eu tenha sido vítima de assédio sexual por algum professor…

mas assim, tem um bem mais velho que me adicionou no Facebook e começou a curtir minhas coisas loucamente, e fiquei meio assim porque me disseram que a antiga namorada dele era do mestrado, aluna, e parecia comigo… vai que né...”

(Relato anônimo)

As entrevistadas colocaram que os assédios sexuais por parte dos professores acontecem tanto presencialmente, durante as aulas, nos corredores do departamento com contato físico indevido e palavras ou frases que ofendem e as amedrontam, mas que também são bastante assediadas nas redes sociais; com um número de curtidas elevado no Facebook, conversas que caracterizariam um flerte pelo chat ou pelo email.

No caso dos servidores públicos e terceirizados da UFC, os relatos são ainda mais agressivos, variam de intimidade física como “colocar a mão na perna e dizer que estava linda” até ser tão invasivo ao ponto de fazer com que determinada aluna evite ir a coordenação de seu curso para não encontrá-lo.

Em seguida, um relato de alunas que dizem ter sido assediadas por servidores:

De semana passada pra cá tô falando com minhas amigas sobre o da coordenação… eu não tenho nenhum contato com ele. Não gosto de pessoas muito invasivas, fico meio… todo mundo do curso gosta dele, mas eu e minhas amigas não gostamos disso, porque às vezes tem até um contato físico invasivo. No começo ele dava bom dia, mas tudo bem, respondia e tal, só que depois de um tempo começou a me incomodar, porque nem sempre eu tava afim… e passou a ficar pra esse lado de contato físico e elogio demais ‘ah, gostei da tua roupa, tu tá linda’ mas tipo, ele não tem que gostar da minha roupa. E o pior, agora ele chega e me abraça e eu fico sem reação, não sei como reagir, como falar que não gosto.

Pensei que era coisa minha, mas uma amiga também já falou que não gostava dele.

Achava que o problema era comigo, mas uma amiga que é mais séria e nunca deu abertura nenhuma, disse que ele chegou e pegou nela.. Ela ficou muito mal. (Relato anônimo)

Uma das alunas entrevistadas é transsexual e acredita que essa condição contribui ainda mais na incidência de assédios que ela sofre. A mesma citou já ter sido assediada por servidores diversas vezes, em sua maioria de forma verbal, quando tais falavam “vem pagar um boquete pra mim” e pediam “deixa eu te comer”. Para ela, além de não entenderem que ela é uma mulher transsexual e a confundirem com homossexual travestido de mulher, essa sua condição talvez os faça acreditar que ela é algum tipo de

“prostituta, que está sempre disposta a fazer sexo com quem aparecer”.

Eles pensam que por eu ser transsexual, sou alguma espécie que tá sempre disposta a fazer sexo. Uma vez tava andando por aqui e uns servidores ficaram gritando ‘ei, vem pagar um boquete pra mim’. Outro, uma vez, falou ‘tu devia deixar eu comer o teu cu’. Pode ser até pelo grau de instrução deles, que não permite que eles tenham entendimento da minha condição de identidade de gênero, mas só por eu ser aluna da instituição que eles trabalham, deveria ter mais respeito. Isso me incomoda muito, mas sempre fico calma e vou lá, conversar pra resolver as coisas com eles. (Relato anônimo)

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No início dessa transição de identidade de gênero, a mesma evitava fazer suas necessidades fisiológicas na universidade por não conseguir utilizar o banheiro, o feminino por ter tido um grupo de meninas que rechaçavam sua entrada nele, acusando-a de ser um homem transvestido de mulher que poderia abusar das meninas que frequentam o banheiro; e o masculino por medo dos tipos de assédio e agressão que poderia a vir sofrer, enquanto mulher em um ambiente socialmente construído para ser destinado aos homens.

Durante as entrevistas também indagamos sobre a circulação de pessoas sem vínculo com a universidade dentro do campus, mas quase todas se colocaram numa condição favorável a isso, justamente por enxergar perigo maior nos que possuem algum tipo de vínculo institucional e hierárquico.

3.2 A experiência na Ouvidoria da UFC

O que nos motivou a realizar esta breve pesquisa, foi o altíssimo número de relatos de assédio sexual que ouvimos dentro da universidade. Procuramos entrar em contato com o órgão da ouvidoria da UFC, localizada no centro de Humanidades 3. A visita aconteceu no dia 14\01\2015 e durou cerca de 40 minutos.

Fomos até lá para solicitar o número de denúncias que poderiam ser encaixadas como assédio sexual e tivemos a surpresa de saber que até ano retrasado (2014), todas as denúncias como assédio, preconceito, agressão física eram enquadradas numa só categoria que era a da “reclamação”. Com isso, ficaria inviável para os ouvidores buscarem realizar um levantamento anterior ao de 2015.

Durante a visita, os dois que nos atendiam acabaram por falar que em 2015 em toda a Universidade Federal do Ceará, só houveram dois casos de denúncia que poderiam ser caracterizadas como assédio sexual, uma cometida por um servidor e outra por um professor. Ambos fora do centro de humanidades.

Uma das alunas que denunciou em 2015, segundo os ouvidores, diz ter sofrido o assédio sexual quando ingressou no curso, mas só teve coragem de denunciar após sua colação de grau, por medo de sofrer algum tipo de retaliação que resultasse em reprovação, intimidação ou um novo assédio.

Diante desse caso, perguntamos qual o papel da ouvidoria na Universidade e como ela age frente a esses acontecimentos. Ambos que estavam nos atendendo explicaram que

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o órgão serve para mediar esses conflitos, mas não possui nenhum caráter punitivo, que a partir do momento em que o assédio chega a configurar uma agressão, o caso é repassado para a comissão de ética da universidade.

Todas as universitárias entrevistadas dizem não sentir confiança suficiente para realizarem uma denúncia institucional; primeiro por não acreditarem na competência e na resolução do conflito pela ouvidoria e segundo por sentirem medo de algum tipo de retaliação por parte do professor. Outras ainda citaram que por muitas vezes chegaram a achar que o problema era com elas, pelo fato do professor se dar super bem com outras meninas do curso.

Um dado que nos chamou a atenção, foi o fato da maioria das alunas sequer saberem como e onde se poderia realizar a denúncia. As que sabiam da existência do órgão, disseram não sentir confiança suficiente para realizarem uma denúncia institucional;

primeiro por não acreditarem na competência e na resolução do conflito pela ouvidoria; e segundo por sentirem medo de algum tipo de retaliação por parte do professor.

4 CONCLUSÃO

A breve pesquisa que resultou neste artigo diz respeito a problematização do assédio sexual dentro da universidade, caracterizado como qualquer ato de intimidação verbal ou físico, que tenha uma conotação sexual e que venha a ser cometido diante de uma situação hierárquica, tendo como agressor algum professor ou servidor da Universidade Federal do Ceará.

A pesquisa foi realizada através de dois métodos,bibliográfico e entrevistas com foco nas histórias e narrativas das mulheres, como demonstrado por Rocha (2006) e Maluf (1999), na inserção a campo que se estendeu do início de agosto até meados de novembro de 2016. Durante o processo de elaboração do trabalho, muito se aprendeu e muito se foi repensado no que concerne às relações entre o silêncio da vítima de assédio e a visibilidade que essas histórias eventualmente ganham.

Ao todo, 15 entrevistas foram realizadas com alunas matriculadas em cursos localizados nos centros de humanidades da UFC, localizados no bairro Benfica. Sabemos que o número de entrevistadas pode não ser tão representativo, no entanto, essa pesquisa foi realizada para além do mérito de um trabalho científico, mostrou-se importante para levar a tona casos de assédio sexual rotineiros que não tem reflexo algum dentro dos órgãos de denúncias da instituição.

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Durante o processo de pesquisa, foi observado que as formas como o assédio se expressa nas relações entre professores e alunas perpassa muito os aspectos do assédio moral, uma vez que este parte do princípio de inferioridade de uma das pessoas. No assédio sexual, assim como no moral, há rebaixamento e humilhação da vítima, não somente baseado em uma disparidade de poder relacionada a gênero. As relações de assédio sexual observadas nos Centros de Humanidades do Benfica se dão baseadas não em uma relação de desiguais pela questão de gênero masculino versus feminino, “mas porque um dos elementos da relação dispõe de formas de penalizar o outro lado”.

(FREITAS, 2001: 14); isso pôde ser observado nos relatos de Maíra e nas muitas histórias anônimas recebidas através do formulário. Percebe-se, portanto, que essa dinâmica entre professores e alunas, quando problemáticas, não se limitam apenas às agressões de cunho sexual, mas baseiam-se principalmente na noção hierarquizada que um dispõe de poder para penalizar e controlar o outro.

Mais uma vez, os escritos de Freitas tornam-se pertinentes para este trabalho, uma vez que a autora fala sobre os processos do poder perverso do assédio. Esse processo de controle parte da perversão moral do agressor, que se regozija em rebaixar física ou psicologicamente seu subordinado, de forma a reiterar seu poder sobre o outro. Não podendo ver essa perversão como uma doença psiquiátrica ou um desvio de comportamento, resta supor que esse comportamento perverso não se caracteriza como uma doença psiquiátrica, mas por um processo frio e racional, somado a uma incapacidade de considerar os outros como seus iguais. (FREITAS, 2001: 9) Longe de querer apontar dedos para professores específicos, a pesquisa buscou, acima de tudo, trazer à luz a problemática do assédio sexual na sociedade, para refletir sobre as relações de gênero, seus embates e conquistas no século XXI.

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REFERÊNCIAS

BARREIRA, Irlys. Violência contra as mulheres: visibilidade e silêncio. In: (in)Segurança e Sociedade: treze lições. BARREIRA, César; BATISTA, Élcio (Orgs.); Campinas, SP:

Pontes Editores, 2011.

BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Rio de Janeiro, RJ: Editora Bertrand Brasil, 2003.

ELIAS, Norbert. O processo civilizador, vol. 2: formação do Estado e civilização. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar Editor Ltda, 1993.

FREITAS, Maria Ester De. Assédio moral e assédio sexual: faces do poder perverso nas organizações. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 41, n. 2, p. 8-19, abr./jun. 2001

MALUF, Sônia Weidner. Antropologia, narrativas e a busca de sentido.

Horizontes Antropológicos. Porto Alegre, ano 5, n. 12, p. 69-82, dez. 1999

ROCHA, Gilmar. A etnografia como categoria de pensamento na antropologia moderna. Cadernos de campo. São Paulo, n. 14/15, p. 1-382, 2006

SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani.

Gênero, patriarcado, violência. São Paulo:

Editora Fundação Perseu Abramo, 2004.

Referências

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