FLC 1258, 27 de SET e 06 de OUT/2011/aulas 9 e 10
Introdução ao Estudo das Línguas Crioulas de Base Portuguesa e do Português na África
Prof. Dr. Gabriel Antunes de Araujo g.antunes@usp.br Profa. Dra. Márcia S. D. de Oliveira marcia.oliveira@usp.br
Hipóteses sobre a gênesis das línguas crioulas
Nestas aulas tratamos sobre hipóteses acerca da gênesis das línguas crioulas.
Nos ‘slides’ que se seguem apontamos referendação bibliográfica e resumimos os principais tópicos abordados em sala.
No século XIX, entre os proponentes da
Linguística Histórica e da Geografia Dialetal,
surgem os termos: superstrato, substrato e
adstrato.
A busca por ‘estratos’ a fim de se compreender a gênesis dos crioulos
Superstrato – a língua do grupo com maior prestígio;
comumente é a língua lexificadora.
Ex.: língua portuguesa no crioulo de Cabo Verde
Substrato – termo usado para referir-se à presença de influências linguísticas do(s) grupo(s) de menor prestígio em um pidgin ou crioulo.
Ex.: línguas do oeste da África no crioulo de Cabo Verde
Adstrato– línguas de igual prestígio que estão em contato com um pidgin ou crioulo.
Ex.: línguas ameríndias nos crioulos de base inglesa do Suriname (como o saramacan)
Teorias ligadas ao ‘superstrato’ –
‘input’ europeu
Ver:
Besten, Hans den; Pieter Muysken; Norval Smith. 1995.
The theories focusing on the European input. In: Arends, Jacques; Pieter Muysken; Norval Smith. Pidgins and creoles: An introduction. Amsterdam: John Benjamins, p.
87-97.
Nos slides a abreviação dos autores é: (B,M&S)
Alguns tópicos a serem ressaltados:
(1) Monogênesis – teoria que advoga uma simples origem para as línguas crioulas. É expressa em algumas versões:
‘input europeu’ – continua ...
Algumas versões da Monogênesis:
1ª.) todos os crioulos viriam de um Pidgin Português do Oeste Africano – PPOA.
2ª.) Adiciona à primeira versão o fato de o PPOA ser derivado de uma língua franca do Mediterrâneo – sabir.
sabir – língua franca do Mediterrâneo que
existiu por volta do ano 1000, mas seus
primeiros registros datam a partir do século
XIV.
‘input europeu’ – continua ...
Uma abordagem mais restrita para explicar a ocorrência de crioulos de base inglesa e francesa é assumir que estes são derivados respectivamente de um Pidgin Inglês do Oeste Africano (PIOA) e de um Pidgin Francês do Oeste Africano (PFOA).
A questão, segundo (B,M&S), é: (a) se os dois grupos de crioulos baseados no inglês (grupos do Atlântico e do Pacífico) e (b) se os dois grupos de crioulos baseados no francês (grupos do Atlântico e do Oceano Índico) têm a mesma origem em comum.
Muito popular nos anos 60 e 70, a monogênesis hoje é largamente negada.
‘input europeu’ – continua ...
Hipótese de dialetação de línguas europeias
As Línguas crioulas seriam dialetos regionais de línguas européias: inglês, francês e holandês.
Ex: dialetação do holandês – comparação
com o pidgin falado no Suriname (sranan) e
o falado na Guiana – (berbice dutch)
(holandês de Berbice)
Teoria ligadas ao substrato – o ‘input’
não-europeu
Ver:
Arends, J.; Kouwenberg, S; Smith, N. 1995.Theories focusing on the non-European input. In. Arends, Jacques; Pieter Muysken; Norval Smith. Pidgins and Creoles: An Introduction. Amsterdam: John Benjamins, p. 99-111.
Quanto a este tópico, rever principalmente nossas aulas sobre morfossintaxe, como por exemplo, as construções seriais. Estes são um dos traços que ratificam as teorias do substrato.
A influência do adstrato
A influência de línguas indígenas
(ameríndias) é amplamente restrita a
empréstimos lexicais.
Um ‘apanhado geral’ sobre teorias acerca das línguas crioulas
No centro do debate sobre a gênesis de línguas crioulas estão duas grandes questões:
(1) se a formação dos crioulos foi abrupta – séculos XVIII e XIX: papel central na gênesis dos crioulos a universais linguísticos e à aquisição de primeira língua;
(2) se a formação dos crioulos cruzou pelo
menos 2 gerações de falantes – papel central
no bilinguismo ou aquisição de segunda
língua.
Um ‘apanhado geral’ – continua ...
As questões (1)-(2) do slide anterior residem no papel das línguas de substrato e na formação dos crioulos. A estrutura gramatical dos crioulos pode ser atribuída:
(i) inteiramente às línguas do substrato em contato, via as línguas dominantes funcionando como ‘lexificadoras’ (mecanismo conhecido por ser ativo na aquisição de segunda língua);
(ii) a propriedades gramaticais dos crioulos que são independentes de línguas do substrato; essas propriedades são resultado de aspectos universais da faculdade das línguas humanas. O representante mais proeminente dessa corrente é Derek Bickerton (1974, 1981, 1984, 1988).
Bickerton: Universais de Aprendizagem de Língua – a Hipótese do Bio-Programa
A Hipótese Universalista – Bickerton e o ‘Bioprograma’
Bickerton, Derek (1981). Roots of Language.
Karoma Publishers
Bickerton, Derek, (1984). The language bioprogram hypothesis, in: Behavioral and Brain Sciences, 7, 173-221.
As propriedades gramaticais dos crioulos são independentes de línguas do substrato;
essas propriedades são resultado de
aspectos universais da faculdade das línguas
humanas.
Derek Bickerton – continua ...
A Hipótese do Bioprograma é uma teoria ancorada nos aspectos similares entre as diferentes línguas crioulas afirmando que esses aspectos não poderiam ser atribuídos à propriedades das línguas lexificadoras (do superstrato), nem às do substrato.
Bickerton ancora-se nos aspectos similares
entre as diferentes línguas crioulas.
Derek Bickerton – continua ...
A crioulização se dá quando crianças são expostas a uma comunidade de fala de um pidgin altamente não estruturado; estas crianças usariam então sua capacidade inata para transformar este pidgin – não estruturado – em uma língua com uma gramática altamente estruturada. Como esta capacidade linguística é universal, a gramática dessas novas línguas atesta, portanto, muitas similaridades.
Comparando o pidgin hawaiano e o crioulo, Bickerton identificou 12 traços que ele hipotetizou serem integrantes de qualquer língua crioula:
Derek Bickerton – continua ...
Tendo analisado os 12 traços, Bickerton propôs ter sido capaz de caracterizar, ao menos parcialmente, propriedades inatas da gramática.
Para Bickerton, uma língua crioula surge a partir de um pidgin prévio que não existia há mais de uma geração e, entre uma população onde, no máximo, 20% eram falantes da língua dominante e os 80% restantes eram linguisticamente diversos. (Logo, por esta definição, exclui-se muitas línguas que podem ser chamadas de crioulas – por ser uma teoria chamada de ‘abrupta’. Por exemplo, as próprias línguas crioulas do Suriname: sranan, por exemplo.)
Muitos crioulos não têm os 12 aspectos apontados acima. Outros têm mais que eles.
Outro problema na teoria de Bickerton é que ela coloca toda a ênfase nas crianças e crianças eram escassas nas plantações onde os crioulos apareceram por várias razões: falta de mulheres, alta taxa de esterilidade, mortalidade infantil, doenças.
Bickerton: a grande contribuição
A grande contribuição de Derek Bickerton é apontar para as línguas crioulas evidenciando-as como parte do conjunto dos
‘universais linguísticos’.
Bickerton chama a atenção do mundo
linguístico para a importância do estudo
dessas línguas no tocante ao entendimento
de ‘mente’. Logo, o estudo de línguas
crioulas é inserido no ‘circuito’ dos linguistas
interessados em explicar os fenômenos de
aquisição da linguagem e não apenas de
aquisição de línguas crioulas.
As hipóteses ‘universalistas’ e
‘substratistas’ se complementam
Falar sobre os estudos e hipóteses acerca de línguas crioulas e não falar de Salikoko Mufuwene seria, a nosso ver, um equívoco.
Este grande linguista do contato tem suas próprias posições acerca de línguas pidgins e crioulas, mas citamos aqui, ao término de nossa revisão sobre as posições ‘estratistas’ e universalista(s) uma de suas grandes argumentações que é a de que as hipóteses
‘universalistas’ e substratistas se complementam, logo não são excludentes como muitos advogam:
Mufwene, S. S. 1986. The universalist and substrate hypotheses complement one another. In Muysken, Pieter & Norval Smith (eds.). Substrata versus universals in Creole genesis – Papers from the Amsterdam Creole Workshop, p. 129-163. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins.