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OS JESUÍTAS E AS LÍNGUAS:

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Academic year: 2023

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Os jesuítas e as línguas: contexto Brasil-África colonial / Cristine Gorski Severo / - Campinas, SP: Pontes Editores, 2019 Bibliografia. Naquela época, os jesuítas portugueses já haviam composto e publicado uma gramática e um dicionário da língua. Passando por esta experiência, que hoje chamaremos de imersão na língua, sabíamos que cumprimos um costume que todos os missionários observam, independentemente de governo político ou religião: o missionário deve primeiro identificar-se com aqueles que pretende evangelizar, e deve fazê-lo com todos os seus sentidos – o que vê e o que ouve, mas sobretudo o que come e o que fala com a boca:

Mas nem todos os sentidos são adaptados da mesma forma; por exemplo, a comida local nem sempre é aceitável para paladares e estômagos que vêm de outros lugares. No entanto, todos os Jesuítas concordaram que é preciso evangelizar em duas línguas: a local e a portuguesa, para que haja comunicação entre as diversas etnias. No entanto, todas as línguas faladas na escola, como a escola de ensino rural de Boroma (Tete), que era multiétnica, expressavam a mesma fé católica.

Era o caso dos ritos chineses, que os jesuítas encaravam com certo “sentimento de grupo” porque mostravam a coragem ou a bravura de adaptar o cristianismo à cultura chinesa, ao mesmo tempo que compartilhavam uma frustração mal disfarçada por “perder para Roma”. Podemos sugerir pelo menos duas razões: em geral, os jesuítas agem primeiro, depois fazem ou não. É a teoria da ação - é por isso que dizem que eles acreditam mais na Igreja do que em Deus, porque para eles o engajamento prático é mais importante.

Portanto, porque os jesuítas na Cúria Romana e outras cúpulas do Vaticano tinham muitos oponentes: lembre-se de quanto a Inquisição perseguiu os jesuítas, incluindo pe. Verdade ou não, essa intencionalidade múltipla está subjacente ao nosso trabalho: o que os jesuítas têm em mente quando “mergulham” nas línguas alheias tem propósitos óbvios, mas envolve uma complexidade de perspectivas que só se desdobra com cuidado.

INTRODUÇÃO

Embora entenda que os modelos de povoamento e engenho formam internamente universos complexos e não funcionaram como únicos modelos de relação e exploração colonial, assumo neste livro que é possível deduzir algumas regularidades no modo como as línguas eram discursivas e circulavam no espaço-tempo e no universo simbólico concebido como aldeia e engenho. Testemunho que o conhecimento de línguas "locais ou exóticas" serviu tanto a um projeto missionário quanto a um projeto de formação e salvação individual. Nesse contexto, enfoco como a conversão foi discutida e praticada no universo missionário, independentemente de seus efeitos e experiências subjetivas.

Quanto ao recorte temporal, pretendo explorar, descrever e analisar as práticas linguísticas jesuítas no contexto da dominação portuguesa nas Américas e na África Ocidental (Angola e Congo), entre os séculos XVI, XVII e XVIII, até a expulsão dos jesuítas do Brasil em 1759. Reconheço uma grande produção bibliográfica sobre o tema, embora pouco tenha sido escrito sobre a relação entre os jesuítas e as línguas nesses contextos, com exceção dos estudos linguísticos sobre as principais gramáticas e catecismos produzidos nas línguas guarani, tupi, kimbundo e kicongo.

Antes, trata-se de considerar essa produção gramatical como inscrita em um processo de discursivização das línguas que segue um determinado modelo epistemológico que sujeita as práticas linguísticas indígenas e africanas às suas chaves interpretativas específicas. É um exercício reflexivo carregado de “algo” que os modelos epistemológicos jesuítas não captaram. Resumidamente, o Concílio de Trento - o décimo nono concílio ecumênico da Igreja Católica, também chamado de Concílio da Contra-Reforma Protestante - durou doze anos e funcionou como uma resposta ao surgimento da Reforma Protestante do século XVI, com um total de vinte e cinco sessões e três bulas (Aya7,7,8).

3 Tradução para o português das sessões do Concílio Ecumênico de Trento disponível em: . Trata-se de saber, por um lado, como foi feito este uso da linguagem pelos jesuítas; e, por outro lado, os efeitos que esse uso teve na representação do que conta como língua no Brasil. Tomando o Concílio de Trento como ponto de partida histórico – em articulação com a história da Companhia de Jesus – assumo que a política linguística dos jesuítas não operou de forma regular e homogênea no Brasil, nem considerou da mesma forma as línguas faladas por indígenas e africanos.

Nosso objetivo é focar nas formas de captação das línguas indígenas e africanas que circularam no contexto colonial, apesar das frágeis fronteiras geográficas que ainda estavam em processo de demarcação. Assumo que as fronteiras linguísticas que definem as línguas também são porosas e foram lentamente se constituindo politicamente. Assim, o processo de captura das línguas indígenas pelos jesuítas ligados à coroa portuguesa produziu uma territorialização das línguas indígenas, na esteira das políticas coloniais envolvendo as relações entre Portugal e Espanha.

Portanto, espero que a compreensão da relação dos jesuítas com as línguas nos ofereça pistas sobre as relações estabelecidas entre jesuítas e indígenas no que se refere ao papel, por exemplo, da oralidade na cosmovisão indígena. Ou seja, mais do que processos de perda, é uma consideração de como as relações coloniais produziram processos de hibridação (Canclini, 2003; Hall, 2006; Gilroy, 2001), sem perder a dimensão regida pelas relações de poder (Foucault, 1999) envolvendo os povos indígenas.

Referências

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Isto não vale somente para o Brasil, mas para todas as regiões do mundo: em quase todos os países a maioria das línguas é ameaçada, e em muitos uma grande parte das línguas já