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Para além das dramaturgias: Os sentidos que corpam novas descobertas.

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Academic year: 2023

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Para além das dramaturgias:

Os sentidos que corpam novas descobertas.

Letícia Almeida de Andrade1

“Não quero dançar mais nada que não me permita cair”

Vanessa Macedo

1 Letícia Almeida de Andrade, bailarina-interprete-pesquisadora-criadora. Técnica em Dança pelo Mediotec. Este

artigo refere-se ao requisito parcial de aprovação do trabalho de conclusão de Licenciatura e Bacharelado em Dança pela Universidade Anhembi Morumbi da turma ingressada em 2019.

E-mail da pesquisadora: letsalmeida6@gmail.com E-mail da orientadora: scheyeflavia@gmail.com

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Resumo: Um trabalho compositivo necessita de olhares atentos aos seus códigos, alegorias e sentidos levantados pelas intencionalidades criativas que ocorrem durante seu processo. E é sobre o nascimento das dramaturgias a partir das noções sobre o corpar da obra de dança “Nós ainda lembramos”, (criação coletiva, desenvolvida por 15 graduandos do TCC de bacharelado da turma de 2019), que este artigo irá investigar. Tendo como inquietação principal a questão sobre, de que forma uma obra se encaminha dramaturgicamente a partir do momento em que a corpamos?

Palavras-chave: Dramaturgias em dança – obra artística – corpar – corpomídia.

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Introdução.

Contextualizando o passado...

Lembra da dificuldade que tinha em anunciar a proposição de uma ideia? Como era difícil acreditar que suas vontades e desejos poderiam somar e auxiliar na criação de um procedimento ou na melhoria de escolhas coletivas?

A graduação em dança auxiliou na conquista da autodescoberta, o viés em educação somática possibilitou o encontro com uma organização de um corpo total consciente-social- político-sensível, que está aberto a realizar trocas constantes com o espaço, o tempo, o outro, os sentidos e o mundo. E é através dela que os parâmetros para perceber as facilidades e dificuldades em sair das zonas de conforto, estar em frente ao atrito e friccionar desafios dentro de uma montagem e criação de uma obra de dança coletiva se fortificam.

As escolhas do processo de uma criação artística se dilatam num paradigma da complexidade constante, onde tudo é fluxo e rígido, tudo se questiona, a fruição se faz necessária do começo ao meio, já o fim não reconhece seu lugar no tempo, está sempre fugindo do presente, buscando renovação e adaptação.

E acredite, o corpar das informações que surgiram durante o processo de criação da apresentação de dança do TCC de bacharelado da turma de 2019, te transformou, e espero que possa sempre expressar, pulsar e dançar as mudanças.

Te encontro no depois;

Os desafios dramatúrgicos.

Pensar sobre dramaturgia em dança, infelizmente, ainda não é um assunto demasiadamente acessível e repleto de informações no Brasil, sendo até mesmo o

“dramaturgista” um espaço pouco assumido por pesquisadores dessa área artística. Além de ter se tornado uma palavra de significado algumas vezes subvertidos no senso comum e reduzido a simplicidades básicas de sentidos óbvios (que contestam a autonomia e a capacidade interpretativa do público) em apresentações de danças que são produzidos por pessoas que mantém o pensamento romântico/modernista e consideram por exemplo em incluir a dramaturgia somente depois de haver uma coreografia (palavra está que também se problematiza na compreensão de ser reduzida unicamente como sequências de passos pré- estabelecidos), ou através do significado que uma música específica carrega, tudo isso afim de

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contar uma história, trazendo uma construção de narrativa mimeticamente desenvolvida em cena. (HERCOLES, 2018, p.90)

Ir além e pensar dramaturgia através de composições que partem inicialmente de investigações e experiências corporais e que se aprofundam e complexificam durante seu processo, passando assim a incluir as demais referências, compreendendo os sentidos e significados que a obra expõe através de seu período de montagem/criação foi a dificuldade que nós do grupo de TCC de bacharelado em dança de 2022 acabamos enfrentando em nosso trabalho compositivo. Porém, antes de embarcarmos nas questões dramatúrgicas de nossa criação, surge para mim a reflexão sobre a pergunta:

Quando e como passamos a entender a obra corpada em nós?

Antes de responde-la, vamos contextualizar o verbo corpar, que não se originou através da professora e crítica de dança Helena Katz, mas foi melhor desenvolvido por ela através do seu longo estudo e pesquisa – méritos compartilhados com a jornalista Christine Greiner- sobre a Teoria Corpomídia. A teoria recebe esse nome por contrapor a ideia do corpo estar apenas ocupando as mídias, passando assim ele mesmo a se reconhecer e existir como mídia, porém uma que não se iguala as demais que tecnologicamente e socialmente conhecemos, que exercem a função de processar e transmitir informações, isso porque “o corpo encontra a informação e ela se transforma em corpo, modificando-se. E nada é preservado pois tudo é fluxo, tudo é acontecimento.” (KATZ e GREINER, 2015, p.9).

Um outro diferencial das mídias processadoras que conhecemos em relação ao corpomídia é o fato dessas não sofrerem com transformações que mudam suas formas “Mas o corpo, sim, se transforma em acordo com o tipo de informação com o qual lida justamente porque a transforma em corpo.” (KATZ e GREINER, 2015, p.9).

Além dessa questão de informação e transformação, o corpo é também entendido pela Katz não como uma casca oca de fisicalidade que é ocupada pela alma, consciência, essência ou qualquer outro sinônimo de algo impalpável que na cultura ocidental é compreendido como separado e desprendido do nosso corpo físico/movimento, sendo geralmente desassociados no senso comum como o “eu” e o “meu corpo”.

E basicamente todo esse processo de nos entender como corpo e entender que informações transformam-se em corpo e nos geram modificações, que a palavra corpar toma sentido. Estamos corpando quando as informações além de transformar e modificar nossos

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corpos, tornam-se corpo. Corpar é tornar as informações em hábito, em costume intrínseco que se mantém, se transmuta e pulsa em um estar constante em corpo.

Sendo o corpo um ‘estar sendo’, a sua natureza passa a ser a de um verbo – no caso, um verbo sempre ‘se gerundiando’, pois nunca sai desse estado contínuo de precisar ficar se fazendo corpo a todo instante, uma vez que a cada instante encontra com informações. Foi esta compreensão e o desejo de não pertencer a lugares já ocupados que levou ao ‘corpar’ para nomear o que se passa. O corpo está sempre se corpando porque as informações viram corpo. Em sendo assim, corpo também passa a ser verbo (KATZ, 2021, p.29)

A partir dessa proposição levantada pela Katz, trago a provocação de que durante a criação de uma obra artística diversas informações passam a surgir, a serem subvertidas, repensadas e descartadas , logo, em todo instante os corpos envolvidos sofrem por transformações, levando então as ideias que surgem no processo a serem expostas e questionadas recorrentemente, dado que “a informação não entra no corpo, é nele processada e, depois, expressa”(KATZ, 2021, p.28), ou seja, as informações que nascem junto a obra, tornam-se o(s) corpo(s) envolvidos e vão sendo através deles expressadas, ganhando forma, estrutura e se bem corpadas, boa organização para se sustentar através de seus parâmetros - e é compreendido também que isso acontece numa perspectiva plural de corpar referente a uma mesma informação, já que nossas percepções em reconhecer e nos relacionar com os sentidos dentro dela, de nossos próprios corpos e trajetórias pessoais variam.

Para Edgar Morin (1996), somos seres bio culturais, e a complexidade está também nas nossas determinações antropossociais, que relacionam-se com nossas evoluções biológicas que são produtos das evoluções socioculturais. Isto é, a análise do meio/ambiente, da singularidade e autonomia, dos acontecimentos históricos coletivos e individuais, estão imbricados a percepção complexa e questionadora das informações que nos corpam, sabendo disso, reforço a ideia de que nosso corpar é sempre múltiplo e complexo em relação a nossas noções como e com o sujeito-objeto-ambiente-informações-corpo. Encarando essas variações, retomo a pergunta “Quando e como passamos a entender a obra corpada em nós?”

Irei realizar essa reflexão através das minhas experiências e perspectivas dentro desse trabalho criativo de TCC, mas em minha resposta tentarei proporcionar escopo suficiente para propor a você leitor a refletir de quais formas se reconhece corpando uma obra artística.

De início trago o aspecto mais amplo e macro, nele, noto que começo a organizar meus pensamentos e reflexões em torno das lógicas que surgem durante o processo, ou seja, não

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desassocio os acontecimentos do meu dia-a-dia em relação à obra, e com isso, passo a me sentir cada dia mais nutrida de referências e bagagens que de alguma forma possam somar ou serem descartadas durante a criação, trago também um esforço da memória, refletindo as diversas informações que já me corpam e que eu posso propor para serem reflexionadas em nosso trabalho. Durante esses momentos, percebo que a maioria das organizações e alusões que emergem, são processuais e estão sempre precisando de olhares que acolhem o novo e resistem no antigo ao mesmo tempo, gerando tensões em meu corpo, logo, sinto a pesquisa e a investigação sempre pulsando ali (na obra) e aqui (em mim). “A pesquisa carrega a ideia de investigar o desconhecido … ter continuidade, delinear-se com o tempo...” (MACEDO, 2016, p.10).

Agora trazendo a lupa para as questões da fisicalidade, proporcionada pelos estudos somáticos que modificaram e organizaram meu corpo durante meus anos na graduação, é possível elencar os elementos mais tácitos e micro que se relacionaram em meu corpo durante esse processo criativo. Este trabalho me causava a necessidade de um aquecimento que me aproximava da presença cênica, logo, passei a compreender as organizações corporais necessárias para poder abrir meus poros e me colocar vulnerável para receber e lidar com as demais informações que estavam à deriva permeando durante todo o processo criativo e os ensaios, e que consecutivamente me transformavam a todo instante. Com isso, percebia meu corpo se dilatar, expandindo a energia e o ar do centro para suas extremidades, passando a ocupar o espaço e transformar minha kinesfera em paralelo aos demais corpos que habitavam a mesma espacialidade. Meus ombros não pesavam para frente, mas sim ganhavam espaço para crescer proporcionado pelas minhas escápulas que se organizaram em rotação para baixo e para fora, permitindo assim que meu esterno expandisse e se aproximasse em direção a meu púbis, dando forças ao trabalho de oposição gravitacional que meus pés realizavam enquanto aterravam-se ao chão para minha sustentação. E as tensões proporcionadas pelo macro dissolvem-se no micro através das trocas que realizo ao empurrar o chão, com a percepção do espaço e os outros integrantes do grupo, através do olhar, das noções do tempo, das dinâmicas de movimentação, do foco e da equalização constante do tônus. Dessa forma, percebi meu corpar das lógicas que nossa criação passou a demandar, me sentindo assim cada vez mais próxima e íntima dela, além de me expor mais aos seus aspectos sensíveis, passando a me localizar tanto como receptora da obra e das falas do coletivo como também a expressar ideias e informações.

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[...] na educação somática a inclusão dos dados sensíveis é uma condição do processo de elaboração do conhecimento. Mas, especificamente, o que demarca o somático na abordagem do corpo é a percepção do ‘corpo vivo’ segundo uma ótica sensorial, perceptiva, interna, subjetiva. (COSTAS, 2010, p.16)

Através das percepções que foram intensificadas pelos estados proporcionados no decorrer do corpar dos estudos da educação somática e da obra, a compreensão dos sentidos e escolhas que eram por nós realizados durante nossa pesquisa e criação do trabalho de conclusão de bacharelado em dança da turma do ano de 2019, “Nós ainda lembramos”, tornaram-se mais intrínsecos a nós, e com isso, ganho abertura para voltar a refletir sobre os aspectos dramatúrgicos da composição.

Para atravessarmos essas questões acerca das dramaturgias, acho necessário que as estruturas de nosso processo não fiquem endógenas e restritas a nós criadores, por isso, irei compartilhá-las de maneira resumida com você leitor através de nomes e explicações que desenvolvi para os procedimentos que tomamos durante toda a pesquisa compositiva.

1. Caixa de sonhos: No 6° semestre, iniciamos as conversas e o levantamento de vontades e ideias para a execução do nosso TCC, nelas, cinco palavras-chaves foram selecionadas para que realizássemos pesquisas corporais: Identidade;

Estados Corporais; Memória; Sensações; Tecnologia.

2. Subverter em ação: Em grupos, passamos a tornar essas palavras em ação, nos dividindo para realizarmos a elaboração e o compartilhamento de laboratórios onde as propostas se pautavam em relação a cada uma das palavras-chave, logo, cinco diferentes grupos se responsabilizaram por cada uma delas.

3. Afinidade à deriva: A partir das questões e percepções alavancadas em cada laboratório, afinidades e novas vontades de pesquisas foram sendo traçadas, com isso, alguns grupos e duplas se aproximavam (ou afastavam-se) e acabaram aprofundando-se em alguns procedimentos, elaborando assim a construção de diferentes cenas independentes.

4. “De repente cena”: Após o tempo de investigações desses diferentes procedimentos, foram delimitadas 7 cenas, sendo elas nomeadas como: Fitas, Camisas-fricção, Quarteto, Elástico, Foto, Lanternas e Cadeiras.

5. O que pulsa até aqui: Já no 7° semestre, nos deparamos com a conversa sobre nosso fio condutor e questionamento sobre como (e se) gostaríamos de alinhavar as cenas para a projeção de um trabalho homogêneo. Nesse momento decidimos que as palavras “experiência” e “memória” pulsavam em similaridade nas 7

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cenas, e que nosso fio condutor seria a interação com o público, através de intervenções e instalações sinestésicas.

6. Encontros e desencontros: Passamos a aceitar a improvisação como uma investigação de costura de cenas, mas pela relutância de alguns integrantes da turma, passou a surgia a necessidade maior de uma estruturação através de roteiros, logo, nossas investigações permeavam ao cumprimento de roteiros diferentes e pré-determinados a cada ensaio, havendo todo final de roteiro espaços para improvisações.

7. Cenografia e outras poéticas: Os pensamentos sobre cenografia, figurino, cores e iluminação ocorriam nas bordas de nossas pesquisas, no início senti dificuldade de relacionar essas questões estéticas com o que era investigado em cena, principalmente tendo em mente que tudo isso fazia parte das dramaturgias da obra mas que pareciam sempre conversas paralelas que permeavam as margens e só através do tempo passaram a borrar e se mixar com os sentidos percebidos até o momento.

8. O erro que nutre: A partir do momento em que o coletivo passou a se apegar por um mesmo roteiro, a questão “sobre o que é o trabalho de vocês?” surgiu de nossa orientadora Flávia Scheye, e a dificuldade para chegarmos a uma resposta era grande, balbuciávamos entre a realidade caótica e as fabulações que se pautavam em nossas vontades mas que não condiziam com o que era apresentado em nossos ensaios, para explicar melhor, as escolhas que estávamos tomando estavam gerando sentidos equivocados em relação às nossas vontades, e ao assumirmos que nossos desejos não estavam claros em nossas intencionalidades, tivemos de repensar a estrutura;

9. Análise e evolução: A partir do erro (que não ocupa esse artigo como um juízo de valor) me coloquei para analisar tudo o que tínhamos até aqui, com isso, percebi que talvez estivéssemos dando focos para os momentos errados, notei que nosso fio condutor não era mais a interação com o público, e sim a improvisação (que nomeamos no trabalho como ruído), então, montei um novo roteiro (com a ajuda da minha amiga Luiza Peluso), e nele existia o esquema de cenas novamente de ordem pré-determinada mas também espaços de ruído (improvisações) como transições de cenas, e então finalmente conquistamos o todo: novo roteiro, novo fio condutor e tudo isso por conta das análises do erro;

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10. “Na sua estante”: Através do nosso novo roteiro, pudemos passa a acolher os sentidos que já estavam ali, mas que antes possuíam pouco espaço para aparecer, serem notados e analisados;

11. Nós ainda lembramos: Com a dramaturgia e a composição melhor compreendidas por nós, passamos a nos aprofundar no estudo das presenças cênicas, principalmente em relação ao diferente espaço cênico que possuímos (teatro vazado, meio arena, sem coxias), que nos colocava na obrigação de estarmos o tempo todo em cena, variando o foco e o tônus. Realizamos também as escolhas finais sobre: Nossa autonomia em relação aos aspectos mais técnicos como iluminação, sonoplastia e o nome do trabalho: “Nós ainda lembramos”.

Agora sim, acredito que eu e você estamos juntes nesse diálogo, logo, posso começar a investir nos aspectos dramatúrgicos da obra. Vamos nessa...

Por mais que nossas vontades e desejos tivessem sido enumerados anteriormente á nossas investigações da fisicalidade, foi apenas através do tempo e do processo que nossa compreensão da obra, fomentação do que ela necessitava e escolhas coletivas foram tomadas (diante desse processo, nosso corpar da obra estava também acontecendo), com isso, compreendo a dramaturgia que surgiu em nossa pesquisa como uma processual – aquela que é fomentada através das experiências do processo.

Segundo Rosa Hercoles (2018) a dramaturgia está se relacionando com a forma e o sentido, e no corpo que dança ela está simultânea à composição coreográfica que se relaciona com o espaço-tempo. Com isso, nossa dramaturgia processual demandou do tempo para passar a ser percebida por nós, e o modo como as relações entre composição e dramaturgia se estabeleceram foi através de análises e percepções tanto de dentro quanto de fora da obra, nos munindo com questionamentos constantes perante a nossas escolhas e seus “por quês?”.

Quero dar destaque ao procedimento 8. “O erro que nutre”, por enxergar ele como um dos momentos fundamentais para aceitação de uma dramaturgia que estava por vir. Nossa busca incessante para a construção de uma composição integrada de 7 cenas que antes eram individuais nos possibilitou notar que não estávamos conseguindo lidar com nossas propostas de forma orgânica o suficiente para serem compreendidas tanto por quem assiste mas também por quem compunha a obra. Isso porque havia uma insistência de um aglomerado de combinações que não eram funcionais em relação às nossas vontades, então os desejos que passaram a se intensificar na construção de uma obra que tece conexões com as diversas e

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diferentes memórias particulares e coletivas, estavam, por exemplo, se transmutando em um espetáculo sobre o terror que foi vivenciar o momento da pandemia dentro das plataformas tecnológicas de comunicação como o zoom, e definitivamente não era isso que estávamos querendo evidenciar em nossas dramaturgias.

Então considero que foi através do “erro” que pudemos ser provocados pela nossa orientadora a procurarmos um novo caminho para investigar (nomeio de erro pois não conseguimos alcançar nossas vontades por meio de nossas escolhas compositivas, e por uma diferente tomada de decisão consciente do coletivo, optamos por modificar a estrutura e alcançar as intencionalidades desejadas, afinal o “erro” podia ser apenas um novo caminho aberto pelo processo e ser melhor aceito e acolhido por nós, mas no caso, decidimos não abrir mão de nossos desejos acerca dos sentidos dramatúrgicos que aspirávamos. O “erro” aqui não está como juízo de valor e sim de alcance de expectativas e nova possibilidade de escolhas.).

Particularmente acho esse processo lindo, a forma como desintegrar para contradizer e reorganizar as escolhas para que outras passem a emergir foi e pode ser necessário em qualquer metodologia de processo criativo, mesmo que para isso o caos e atrito se intensifiquem, isso é trazer complexidade para a obra, e não aceitar de forma simplista e passiva tudo aquilo que surge. (MORIN, 1996)

E foi somando parâmetros e palavras que já existiam anteriormente com as novas características cênicas que surgiram através dos primeiros roteiros, que fui capaz de analisar e realizar uma diferente estruturação das cenas. Os novos parâmetros que pulsavam eram:

MEMÓRIA, RUÍDO, IMPROVISAÇÃO e INTERAÇÃO COM PÚBLICO.

Com isso, apresento a vocês ao novo e quase último roteiro:

 Elástico: dupla Yuri Nascimento e Luana Bicalho começando no espaço externo ao teatro.

 1⁰ parte da cena das fotografias/poses acontecendo no espaço interno do teatro.

 Quarteto/fricção inicia após um tempo de investigação das poses.

 Momento de improvisação de falas e interação com o público para o foco transmutar do centro do teatro para as arquibancadas.

 Meninas que estavam sentadas e espalhadas nas cadeiras entre o público nas arquibancadas davam início a suas pesquisas corporais.

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 Cena das lanternas/blackout.

 Transitar para as lanternas iluminando o momento em que eu e a Luiza Peluso passávamos fitas durex uma na outra.

 Cena da fricção das nossas camisas começava a acontecer.

 Mais um momento de improviso coletivo.

 Finalizamos com a coreografia investigada através das poses iniciais.

Obviamente, esse roteiro sofreu modificações, após a análise e sugestões da nossa orientadora, que conseguiu evidenciar alguns pontos de tensão e transições mais orgânicas. E é interessante frisar que esse trabalho nos faz repensar e desenvolver modificações constantes até hoje, depois de sua estreia, por se colocar num âmbito de existência flexível e não monolítica, que demanda percepção do local em que se ocupa e de uma dramaturgia que depende da interação com quem a assiste para se firmar.

Considerações Finais.

Para um novo entendimento de corpo.

Tornar-se mais consciente ganhando parâmetros e propriedade para lidar com as informações que nos corpam, faz parte do estudo proporcionado por um processo criativo em dança que valoriza o respeito e as organizações individuais e coletivas a partir das maneiras que organizamos nossas estruturas corporais. Partindo disso, a variedade da forma que nos portamos e em qual ambiente e função decidimos ocupar dentro de um processo de montagem e criação, podem dilatar de diferentes modos nossos poros, ampliando nossas relações com as tensões, expressando elas através de nossas percepções do tempo-espaço-formas-sentidos.

Podendo assim nos transformar em complexificadores das escolhas, não aceitando tudo aquilo que surge em primeira instância, entendendo as pluralidades do grupo, questionando o novo e reorganizamos o antigo, para que as demandas que a própria obra (em relação aos nossos desejos e vontades) passem a ser estabelecidas, confrontadas e também respeitadas.

É importante frisar a ideia de que o corpo se transforma quando encontra com uma informação, e através desse processo artístico isso não poderia ter sido diferente.

Individualmente o corpar e o perceber dos sentidos dramatúrgicos existentes em nossa criação, nos colocou numa posição de artista-questionadora-propositora muito diferente de qualquer outra que já pudemos experienciar. Percebemos nosso corpo se transformar em um com novas lógicas de existência, mais seguro de si, cheio de vontade de pulsar e compartilhar ideias, se expor ao sensível e nos relacionar a novos processos onde podemos ser colocadas a encarar

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diferentes desafios. Experienciar e corpar uma criação em dança fez com que passássemos a nos reconhecer como uma mulher que é capaz de ir muito longe com seu corpo artista, social, político, pesquisador e questionador do mundo.

Escrevo esse artigo na tentativa de investigar os modos como as nossas transformações e novas descobertas nos aproximam da compreensão dos sentidos e signos que surgem dentro de uma obra artística em dança, mas nesse processo passei a me relacionar com descobertas pessoais e íntimas que são aqui expostas através das cartas de introdução, que escrevo pensando na e para a Letícia antes de corpar a obra, e concluo com essa carta que remeto para a Letícia de hoje, que corpou e se transformou através dela. Obrigada por resistir corpando a dança, que esse nosso desejo de criar não se desintegre através das dificuldades em existir artista.

Com todo carinho e afeto que corpa em nós Letícia A

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Referências Bibliográficas:

COSTAS, Ana. As contribuições das Abordagens Somáticas na Construção de Saberes Sensíveis da Dança: um estudo sobre o Projeto Por que Lygia Clark?. São Paulo:

UNICAMP, 2010.

GREINER, Christiane. KATZ, Helena. Arte & Cognição. Corpomídia, comunicação, política. AnnaBlume. São Paulo: AnnaBlume, 2015, p. 7 – 19.

KATZ, Helena. Conexões Entre o Corpo APPS e o Mundo Regido Por Editais. São Paulo, 2015.

KATZ, Helena. Corpar. Porque Corpo Também é Verbo. São Paulo: Coleção PPGAC ECA USP 40 anos, 2021, p. 19 – 30.

HERCOLES, Rosa. As dramaturgias do Movimento. Dramaturgias, [S.L.], n. 8, 2018, p. 88 – 99.

MACEDO, Vanessa. Pulsação da Obra: dramaturgia das práticas contemporâneas de dança.

São Paulo: USP/ECA, 2016.

MORIN, Edgard. O problema epistemológico da complexidade. Lisboa: publicações Europa – América, 1996, s/d. p. 236 -255.

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