PESQUISADORES PENSANDO ATIVIDADES MATEMÁTICAS COM O GEOGEBRA: UM OLHAR SOBRE O PROCESSO DE ELABORAÇÃO
Vinícius dos Santos Honorato Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho (UNESP - RC) honoratovinicius@hotmail.com Ricardo Scucuglia Rodrigues da Silva Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho (UNESP - SJRP) scucugliaricardo@gmail.com Resumo:
Este trabalho apresenta um recorte de uma pesquisa de mestrado que objetiva investigar como ocorre o processo de elaboração de atividades matemáticas com o GeoGebra no âmbito de um grupo de pesquisadores em Educação Matemática. Os dados foram coletados mediante a filmagem de reuniões nas quais os pesquisadores/elaboradores criavam e discutiam as tarefas que envolviam Geometria Espacial. Os resultados evidenciam que o processo de elaboração se caracteriza como colaborativo. Neste sentido, as atividades estiveram sujeitas a diferentes percepções e experiências, o que acarretou em significativas mudanças qualitativas de enunciado. A pesquisa contribui com a possibilidade de um olhar sobre as discussões a respeito do desenvolvimento de tarefas matemáticas num âmbito acadêmico, que frequentemente é responsável por formação inicial e continuada de professores. Da mesma forma, são apresentadas propostas inovadoras para o ensino de Geometria Espacial mediante as atividades desenvolvidas.
Palavras-chave: Geometria Espacial, Seres-Humanos-com-Mídia, Investigação Matemática, Experimentação com Tecnologias.
Grupo de Discussão: ( ) 1 ( ) 2 (x) 3
Introdução
Este trabalho visa apresentar um recorte de uma dissertação de mestrado em estágio final, a qual tem como objetivo investigar como ocorre o processo de elaboração de atividades investigativas pautadas em Geometria Espacial com base no uso do software GeoGebra.
Os sujeitos desta pesquisa foram quatro pesquisadores em Educação Matemática
que possuíam o intuito de desenvolver um banco de atividades a serem implementadas
num curso de extensão universitária ministrado à professores e futuros professores de Matemática. Nós, autores desta comunicação, fizemos parte deste grupo e, portanto, somos, também, sujeitos de nossa pesquisa. Para esta comunicação, apresentamos apenas uma das atividades elaboradas, intitulada “construções geométricas no espaço”, e também discussões ocorridas dentre o processo que guiaram a atividade a possuir o formato aqui apresentado.
Experimentação com Tecnologias e Investigação Matemática
Duas das principais perspectivas teóricas que fundamentaram esta pesquisa foram a experimentação-com-tecnologias e a investigação matemática. Primeiramente, a experimentação-com-tecnologias (BORBA; VILLARREAL, 2005, BORBA;
SCUCUGLIA; GADANIDIS, 2014) está intrinsicamente ligada ao uso de tecnologias digitais tendo em vista explorar conceitos e problemas matemáticos. Segundo Borba e Villarreal (2005) um ambiente de experimentação está associado com a formulação de conjecturas, coordenação de múltiplas representações, provas e demonstrações, tentativa e erro. Portanto, ao se considerar a informática, juntam-se às características citadas outras como: manipulação dinâmica de objetos construídos, exploração do caráter visual, dinâmico e manipulativo de objetos matemáticos, exploração do caráter visual, dinâmico e manipulativo de objetos matemáticos.
Um aspecto sobre a experimentação com tecnologias relevante a esta pesquisa é o caráter aberto das atividades desenvolvida nesta perspectiva. Borba, Scucuglia e Gadanidis (2014) consideram ainda um caráter aberto, porém controlado, no qual as atividades possuem certo direcionamento ao seu objetivo, porém deixam espaço para que o explorador faça as próprias descobertas e escolha os próprios caminhos de resolução.
Assim como na experimentação-com-tecnologias, a investigação matemática
também resguarda suas noções de atividade aberta. Ponte (2005) apresenta algumas
considerações sobre a natureza de atividades que se tornam pertinentes a discussão num
âmbito de elaboração. Dentre estas, destaca que uma atividade de natureza aberta é
importante para o desenvolvimento de capacidades como autonomia e lidar com situação
complexas. O autor caracteriza então as investigações como sendo aquelas que emitem um
grau de dificuldade alto junto a uma caracterização aberta.
Sistematicamente, Ponte, Brocardo e Oliveira (2013) propõem uma metodologia de aula a qual denominam de investigação matemática. Para eles, uma investigação matemática envolve quatro momentos característicos. O primeiro diz respeito à exploração e à formulação de questões. O segundo é o momento da formulação de conjecturas, contando com a organização dos dados e o levantamento de afirmações sobre a conjectura pensada. O terceiro abrange testes e reformulações, na busca de refinar a conjectura. O quarto momento envolve justificar a conjectura e avaliar o raciocínio desenvolvido. Em se tratando de uma aula investigativa, os autores afirmam que, do ponto de vista do professor, uma aula com tais características pode ser ministrada em três fases: introdução da tarefa;
realização da investigação; discussão dos resultados. Logo, o processo de elaboração das atividades de nosso grupo esteve impregnado pelas ideias de proporcionar atividades que se enquadrassem, o quanto possível, dentre as perspectivas da investigação matemática.
Borba, Scucuglia e Gadanidis (2014) propõem uma vertente de proximidade ou convergência entre as duas ideias (experimentação-com-tecnologias e investigação). Para os autores, que escrevem baseados no uso do GeoGebra, a utilização do software “pode se revelar significativa para a aprendizagem quando o cenário didático-pedagógico formado a partir de atividades matemáticas envolve complexidade com relação ao pensamento matemático” (BORBA; SCUCUGLIA; GADANIDIS, 2014, p. 54). Neste sentido, intensificar esta complexidade é fundamental na (re)elaboração de uma atividade matemática investigativa.
Metodologia
O objetivo dessa pesquisa, de natureza qualitativa (BICUDO, 1993), é identificar
de que forma ocorre o processo de elaboração de atividades matemáticas com o GeoGebra
por parte de um grupo de pesquisadores. Portanto, para realizar a produção de dados,
formamos um grupo com quatro pesquisadores em Educação matemática, sendo três
mestrandos e um professor doutor, orientador dos demais membros. A intensão do grupo
era elaborar um banco de atividades com o objetivo de implementá-las em um curso de
extensão universitária que seria ministrado a professores e futuros professores de
Matemática. Assim, o grupo se reuniu num total de seis reuniões onde as atividades foram
discutidas e aprimoradas. Tais reuniões foram filmadas para posterior análise dos dados.
Em meio ao processo, decidimos que a intervenção do grupo de pesquisa, ao qual fazíamos parte, seria interessante para o desenvolvimento das tarefas. Desta forma, duas das seis reuniões ocorreram junto ao Grupo de Pesquisa em Informática, outras Mídia e Educação Matemática (GPIMEM). Nestas oportunidades, mais pesquisadores puderam conhecer o opinar sobre o caráter investigativo e experimental das atividades, cada um contribuindo com sua experiência e vivência dentro da Educação Matemática. As reuniões foram registradas em vídeo e notas de campo foram tomadas. Os sujeitos também interagiram online, em um grupo fechado criado no Facebook, onde as versões das atividades eram postadas antes de cada reunião. Logo, os comentários de cada postagem se tornaram, também, dados para esta pesquisa. Assim, cada versão das atividades, foram consideradas uma versão conceitual do material gerado. O referido curso ocorreu em junho de 2016 nas dependências da Universidade Estadual Paulista, campus de Rio Claro, com carga horária de 18 horas. Porém os dados aqui apresentados não são referentes ao curso e sim ao processo de elaboração das atividades. Este processo ocorreu mediante a elaboração das atividades previamente ao curso, e a avaliação e potencial reelaboração após o mesmo.
Os registros audiovisuais foram transcritos e as discussões ocorridas acerca da elaboração das atividades foram tematizados em relação os pressupostos teóricos assumidos. Triangulando os dados, consideramos temas emergentes relacionados ao conteúdo matemático e ao caráter didático-pedagógico. Em ambos aspectos, consideramos o uso educacional de tecnologias digitais, destacando especificidades do GeoGebra.
A atividade Construções Geométricas no Espaço
Para este trabalho, expomos como exemplo a atividade “Construções Geométricas no Espaço”. A versão final da atividade, que apresentamos abaixo, foi concebida após quatro versões diferentes. Subsequente, trazemos algumas discussões relevantes para que a atividade atingisse tal formato.
Quadro 1 - Atividade: Construções Geométricas no Espaço
Um Poliedro é uma figura geométrica que possui faces poligonais, arestas e vértices. A palavra poliedro deriva do grego e significa “muitas faces”.
Desde os gregos antigos, os polígonos regulares são construídos a mão utilizando régua e compasso. Desta forma, através de um segmento e duas circunferências é possível construir um triângulo retângulo. Com alguns segmentos e circunferências também é possível construir um quadrado e de outras formas é possível construir inúmeros polígonos regulares preservando suas propriedades geométricas.
Mas e quanto aos poliedros regulares? É razoável pensar que estes também possam ser construídos através de outras figuras espaciais como esfera, planos e segmentos.
O Software GeoGebra, em sua janela de visualização 3D, possui ferramentas chamadas “Cubo” e
“Tetraedro”. Estas constroem diretamente o poliedro sugerido. Mas e se o software não nos desse esta opção? Como desenvolveríamos estas figuras espaciais?
Esta atividade possui como objetivo a construção de Poliedros através de figuras espaciais prévias como planos, esferas e retas.
Atividade:
1. Construindo um poliedro de acordo com suas propriedades geométricas.
Construa um triângulo regular (na janela de visualização 2D) utilizando a ferramenta polígono regular . Na janela de visualização 3D (menu exibir), construa 3 esferas com centro nos três vértices do triângulo e raio igual ao tamanho do lado do triângulo (use um vértice como centro e outro como ponto qualquer das esferas). Utilize a ferramenta “Esfera dados Centro e Um de Seus Pontos” .
Marque as interseções das esferas duas a duas utilizando o comando “interseção de duas superfícies” e em seguida marque um e apenas um ponto comum destas três interseções utilizando a ferramenta “ponto”
ou “interseção de dois objetos” . Sua construção deve se aproximar do que é mostrado na figura abaixo:
Obs: utilize a janela de álgebra para ocultar as esferas e também as circunferências de interseção para ter uma melhor vista.
Ligue os vértices do Triângulo até o ponto gerado na interseção utilizando segmentos de reta.
Qual o poliedro gerado? Justifique sua resposta.
Os softwares de Geometria dinâmica “permitem que construções geométricas possam ser arrastadas pela tela mantendo-se os vínculos estabelecidos durante a realização da construção” (ZULATTO, 2003). Nesse sentido, um quadrado, construído por suas propriedades geométricas num software com esta característica, não deixará de ser um quadrado quando for arrastado por um de seus vértices. Com base nessa ideia, pode- se dizer que os procedimentos realizados nesta atividade caracterizam uma construção geométrica?
Justifique?
Que elementos da construção garantem que as características do poliedro sejam mantidas?
2) Se utilizarmos um quadrado como figura inicial, marcando a interseção superior e inferior das esferas (que agora serão quatro) qual poliedro geramos? Este poliedro é regular? Justifique.
3) Utilize polígonos regulares, esferas, retas perpendiculares e paralelas, planos e o que achar necessário para construir um Cubo.
Referências Bibliográficas
ZULATTO, R. B. A. O perfil dos professores de matemática que utilizam softwares de geometria dinâmica em suas aulas. In: VALENTE, V. R. (Org.) Anais do II SIPEM. São Paulo. SBEM, 2003.
Fonte: Dados de Pesquisa
Inicialmente, o grupo de pesquisadores responsável pelas atividades estava baseado nas noções de atividades investigativas para o desenvolvimento do material a ser implementado no curso de extensão. A respeito da atividade que aqui exemplificamos, uma das indagações de uns dos pesquisadores, ainda nas primeiras reuniões, abordava a prova do arrastar. Sua fala foi a seguinte: “Mas tem a questão da prova do arrastar que às vezes tem que... ah... se não tiver familiaridade, isso não é tão intuitivo, tem que explicar figura, construção... tá?”. Desta forma, a tarefa foi desenvolvida com esta atenção, e assim o item (f) se encarregou de explorar esta potencialidade da Geometria Dinâmica. Acreditamos que a formalização desta ideia está submetida a intervenção do professor/aplicador da atividade conforme sua mediação. O caráter investigativo de uma atividade matemática pode demandar a exploração de um potencial pedagógico.
Uma das características desta atividade está em possuir as partes iniciais munidas de um “tutorial” e possuir no item (3) os momentos onde o aluno pode desenvolver as próprias conjecturas e testes. Esta característica com certa direcionalidade entrou em discussão dentre as reuniões devido a um incômodo de uma das pesquisadoras:
Figura 1 - Discussão do Facebook
Fonte: Dados de pesquisa
O pesquisador que redige a resposta, mostra sua posição que segue em
concordância com Borba, Scucuglia e Gadanidis (2014) no que tange a noção de atividades abertas controladas. Portanto, para a tarefa que expomos, foi mantido o formato controlado no item (1) e (2) e o formato aberto no item (3).
De fato, todo o processo foi influenciado por um fato constatado pelo grupo na primeira reunião. Na ocasião, nós não tínhamos a opção de conhecer o perfil dos futuros participantes do curso. Não sabíamos se seriam indivíduos com algum conhecimento de GeoGebra ou de Geometria Espacial. Desta forma, as atividades passaram a possuir certo caráter diretivo com intensão de propor o andamento das implementações.
Em reunião com o Grupo de Pesquisa, uma pesquisadora participante que realizava a atividade se atentou para uma característica das construções no GeoGebra:
Pesquisadora: a única coisa é que a gente primeiro tinha que fazer um polígono 2D e aí esse polígono que seria construído, ele seria a base do poliedro 3D. Só que a gente só percebeu isso porque o Valter falou. Porque a gente fez os dois primeiros e daí pra fazer o terceiro a gente “como é que vai fazer o cubo?”, daí o Vinícius “não, vocês não viram isso? Que tinha que fazer um quadrado que aí vai ser um...” Aaaah tá! Então talvez fazer (...) mais uma pra eu poder realmente verificar que só com duas a gente não conseguiu entender que o triângulo montava o tetraedro e o outro.