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Preconceito linguístico - osé Pereira da Silva

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Academic year: 2023

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Preconceito linguístico

Segundo Marcos Bagno (2017, s.v.), o preconceito, o prejulgamento – isto é, a atitude de lançar um juízo prévio e pronto sobre um fato, uma pessoa ou um grupo de pessoas antes de sequer entrar em contato com o fato ou com a pessoa/grupo – parece ser algo inerente ao ser humano que vive em sociedade. Essa atitude tem estreito vínculo com as ideologias. Segundo Terry Eagleton (1997, p. 17), “sem algum tipo de preconcepção nem sequer seríamos capazes de identificar uma ques- tão ou situação, muito menos de emitir qualquer juízo sobre ela”. E o autor explica: “Por um lado, a ideologia não é um mero conjunto de doutrinas abstratas, mas a matéria da qual cada um de nós é feito, o elemento que constitui nossa própria identidade; por outro lado, apre- senta-se como um ‘todos sabem disso’, uma espécie de verdade anôni- ma universal. (...) A ideologia é um conjunto de pontos de vista que eu por acaso defendo; esse ‘acaso’, porém, é, de algum modo, mais do que apenas fortuito (...). Com bastante frequência parece ser uma miscelâ- nea de refrões ou provérbios impessoais, desprovidos de tema; no en- tanto, esses chavões batidos estão profundamente entrelaçados com as raízes de identidade pessoal que nos impelem, por exemplo, de tempos em tempos, ao assassinato ou à tortura. Na esfera da ideologia, o parti- cular concreto e a verdade universal deslizam sem parar para dentro e para fora um do outro, evitando a mediação da análise racional”.

Valendo-se dessas reflexões, Marcos Bagno (2000, p. 48-49) atribui o rótulo de mitos àquilo que Terry Eagleton chama de “refrões ou pro- vérbios impessoais” e “chavões batidos”, e designa como preconceito o que Terry Eagleton chama de “uma espécie de verdade anônima uni- versal”, um “todos sabem disso”. Seria aquilo a que Antonio Gramsci (1891-1937) se refere como o “senso comum” na consciência empírica do povo: “Tal senso comum é um ‘agregado caótico de concepções díspares’ – uma zona de experiência ambígua, contraditória, que, como um todo, é politicamente retrógrada” (apud EAGLETON, 1997, p.

111).

Marcos Bagno sugere que talvez se possa ver na relação ideologia- preconceito uma hiperonímia: os diversos preconceitos (racial, de gê- nero, etário, linguístico, religioso, de classe, de origem geográfica, de orientação sexual etc.) que imperam no “senso comum” são hipônimos da ideologia dominante, assim como os mitos que os conformam são hipônimos desses preconceitos:

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Utilizando o termo mito para abordar o preconceito linguístico, Marcos Bagno se vale das reflexões de Roland Barthes (1985), para quem o mito é “uma fala despolitizada”. Segundo Roland Barthes, a semiologia revelou que a função do mito é transformar uma intenção histórica em natureza, uma contingência em eternidade: “Ora, este pro- cesso é o próprio processo da ideologia burguesa. Se a nossa sociedade é objetivamente o campo privilegiado das significações míticas, é por- que o mito é formalmente um instrumento mais apropriado para a in- versão ideológica que a define: em todos os níveis da comunicação humana, o mito realiza a inversão da anti-physis em pseudo-physis

(BARTHES, 1985, p. 163).

A ênfase de Roland Barthes incide principalmente sobre a operação executada pelo mito na relação história-natureza: “O mundo penetra na linguagem como uma relação dialética de atividades, de atos humanos:

sai do mito como um quadro harmonioso de essências. Uma prestidigi- tação inverteu o real, esvaziou-o de história e encheu-o de natureza, re- tirou às coisas o seu sentido humano, de modo a fazê-las significar uma insignificância humana. A função do mito é evacuar o real: literalmen- te, o mito é um escoamento incessante, uma hemorragia, ou, se se pre- fere, uma evaporação; em suma, uma ausência sensível. (...) Passando da história à natureza, o mito faz uma economia: abole a complexidade dos atos humanos, confere-lhes a simplicidade das essências, suprime toda e qualquer dialética, qualquer elevação para lá do visível imediato, organiza um mundo sem contradições, porque sem profundezas, um mundo plano que se ostenta em sua evidência, cria uma clareza feliz: as coisas parecem significar sozinhas, por elas próprias” (BARTHES, 1985, p. 163-164).

Assim como Marcos Bagno em seus trabalhos (1999 e 2000), os au- tores que colaboraram na coletânea organizada por Laurie Bauer e Pe- ter Trudgill (1998) também utilizaram o termo mito para se referir às noções preconcebidas sobre línguas e linguagem que vigoram no senso comum dos falantes de língua inglesa. Marina Yaguello (1988), por sua vez, se refere às idées reçues (“ideias preconcebidas”) ao elencar o sen- so comum dos franceses. Em seu primeiro trabalho dedicado ao tema,

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Marcos Bagno (1999) lista oito principais mitos que compõem o pre- conceito linguístico na cultura brasileira:

1) A língua portuguesa falada no Brasil apresenta uma unidade sur- preendente.

2) Brasileiro não sabe português [Eu não sei português] [Só em Por- tugal se fala bom português].

3) Português é muito difícil.

4) As pessoas sem instrução falam tudo errado [feio].

5) O lugar onde melhor se fala português no Brasil é o Maranhão.

6) O certo é falar assim porque se escreve assim.

7) É preciso saber gramática para falar e escrever bem.

8) O domínio da norma culta é um instrumento de ascensão social.

Outros mitos, no entanto, poderiam ser acrescentados à lista: “os jovens têm uma linguagem pobre”; “a televisão [a mídia] está arruinan- do o português”; “os anglicismos vão acabar com a língua portuguesa”;

“eu não tenho sotaque, os outros é que têm”; “existem línguas avança- das e língua primitivas” etc.

No que diz respeito ao senso comum linguístico vigente na socieda- de brasileira, Marcos Bagno (2012a, p. 83) afirma: “Boa parte da res- ponsabilidade pela divulgação e manutenção desses mitos e preconcei- tos tem cabido à escola e às ideologias de ensino de língua que configu- ram ainda (tristemente) em grande medida o trabalho pedagógico”.

Opinião semelhante é a de Michael Stubbs (2002, p. 157): “Toda a área da língua na educação está impregnada de superstições, mitos e este- reótipos, muitos dos quais têm persistido por séculos e, às vezes, com distorções deliberadas dos fatos linguísticos e pedagógicos por parte da mídia. (...) Existe uma generalizada incapacidade de encarar a língua como um objeto de reflexão crítica: ela quase sempre é considerada óbvia demais para ser digna de estudo, ou misteriosas demais parra ser explicada. As opiniões prescritivas sobre ‘padrões’ parecem simples- mente incontestáveis, e os ‘problemas’ da língua parecem merecer um tratamento fácil e superficial”. E em sua conhecida introdução à lin- guística teórica, John Lyons (1968, p. 2) também alerta para a existên- cia de “toda sorte de preconceitos sociais e nacionalistas associados à língua, e muitas falsas concepções populares, estimuladas pela versão deformada da gramática tradicional que é comumente ensinada nas es- colas. E é realmente difícil libertarmos nossa mente desses preconceitos e dessas falsas concepções: mas esse primeiro passo é necessário e compensador”.

Na obra considerada fundadora da linguística moderna, o Curso de

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Linguística Geral, publicado sob o nome de Ferdinand de Saussure, já se podia ler: “Na vida dos indivíduos e das sociedades, a linguagem constitui fator mais importante que qualquer outro. Seria inadmissível que seu estudo se tornasse exclusivo de alguns especialistas; de fato, toda a gente dela se ocupa pouco ou muito; mas (consequência parado- xal do interesse que suscita) não há domínio onde tenham germinado ideias tão absurdas, preconceitos, miragens, ficções” (SAUSSURE, 1916, p. 45).

A perenidade do preconceito linguístico é um fato que mereceria um exame profundo de antropólogos, sociólogos, psicólogos, historia- dores, analistas do discurso etc. Ele está documentado na cultura oci- dental, por exemplo, desde os gregos antigos, como Platão (427 a.C.- 347 a.C.), para quem só a língua grega era bem formada e lógica, en- quanto todas as demais eram bárbaras, isto é, se expressavam como balbucios desconexos. Mais adiante, no período helenístico, os funda- dores da gramática tradicional lançariam as sementes que floresceriam e se enraizariam profundamente na cultura europeia (e nas derivadas dela), ao avaliarem negativamente os processos de mudança linguística e ao considerarem que somente a escrita literária consagrada era digna de estudo, de cultivo e de preservação, a ponto de só ela merecer o sta- tus de “língua”. A esse respeito, escreve Maurizio Gnerre: “A gramáti- ca normativa escrita é um resto de época em que as organizações dos Estados eram explicitamente ou declaradamente autoritárias e centrali- zadas. (...) O fato é que na cadeia de legitimação do saber não aconte- ceu nenhuma revolução, nenhuma mudança do poder absoluto para o constitucional, nenhuma mudança da monarquia para a república etc. A cadeia de legitimações do saber em linha direta de descendência. A gramática normativa é o elemento privilegiado nesta linha direta de po- der absoluto. Afinal, as ciências e a própria filosofia admitem a crítica e a refutação explícita do que precedeu ou de fases anteriores de ativida- de intelectual. Não é o mesmo para a língua padrão. (...) Tal como na religião, nos valores morais e éticos, na norma linguística não aparece uma crítica explícita de fases anteriores. Pelo contrário, a impressão que é transmitida é de continuidade” (GNERRE, 1985, p. 19-20).

Essa concepção reducionista, estrita e estreita impedirá durante sé- culos a fio o surgimento de uma abordagem científica, racional da lin- guagem humana e das línguas em geral, ou seja, uma abordagem pro- priamente linguística e não somente normativo-prescritiva ou filosófi- ca, como foi o caso durante toda a Idade Média, o Renascimento e a Idade Moderna. Somente na virada do século XVIII para o XIX, com o

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descobrimento das relações genéticas entre as línguas que viriam a ser chamadas de indo-europeias, é que surgiu um campo de investigação e conhecimento sobre as línguas que pode ser chamado de científico, na concepção positivista do termo “ciência” vigente durante aquele perío- do. Mesmo assim, a força dos mitos irracionais sobre as línguas (acu- mulada ao longo de vinte século) pouco diminuiu, a tal ponto que Ja- mes Milroy pôde escrever: “Numa época em que a discriminação em termos de raça, cor, religião ou sexo não é publicamente aceitável, o úl- timo baluarte da discriminação social explícita continuará a ser o uso que uma pessoa faz da língua” (MILROY, 1998, p. 64-65).

Segundo Marcos Bagno (2003, p. 16), isso se dá porque a lingua- gem, de todos os instrumentos de controle e coerção social, talvez seja o mais complexo e sutil, sobretudo depois que, ao menos no mundo ocidental, a religião perdeu sua força de repressão e de controle oficial das atitudes sociais e da vida psicológica mais íntima dos cidadãos. “E tudo isso é ainda mais pernicioso”, prossegue, “porque a língua é parte constitutiva da identidade individual e social de cada ser humano – em boa medida, nos somos a língua que falamos, e acuar alguém de não saber falar sua própria língua materna é tão absurdo quanto acusar essa pessoa de não saber ‘usar’ corretamente a visão (isto é, afirmar o ab- surdo de que alguém é capaz de enxergar, mas não é capaz de ver) ou o olfato (isto é, afirmar o absurdo de que alguém é capaz de sentir o chei- ro, mas não de aspirá-lo)” (BAGNO, 2003, p. 16-17).

Assim, num longo processo histórico, o que passou a ser chamado de língua é um “objeto” considerado como exterior aos indivíduos, al- go acima e fora de qualquer indivíduo, externo à própria sociedade,

“uma espécie de entidade mística sobrenatural, que existe numa dimen- são etérea, imperceptível aos nossos sentidos, e à qual só uns poucos iniciados têm acesso. (...) É como se a língua não pertencesse a cada um de nós, não fizesse parte da nossa própria materialidade física, não estivesse inscrita dentro de nós – por isso ela pode ser ‘maltratada’, ‘pi- soteada’, ‘atropelada’: a língua é vista como um Outro” (BAGNO, 2003, p. 18).

Uma das principais fontes históricas do preconceito linguístico na cultura brasileira é, sem dúvida, o fato de ser o Brasil um país resultan- te de um longo período colonial, que durou 322 anos, contra os menos de duzentos de independência política. A formação histórica do Brasil é estruturada em torno de um profundo e permanente ódio de classe, di- rigido pelas camadas dominantes a todo o resto da população. Além disso, e principalmente, “uma análise correta dos padrões culturais que

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se tornam dominantes na sociedade brasileira, certamente com conse- quências até nossos dias, teria que se concentrar na escravidão, naquilo que ela tem de singular e de comum com outras sociedades escravocra- tas” (SOUZA, 2015, p. 636). É também a análise que se encontra em Lilia Moritz Schwarcz e Heloisa Murgel Starling (2015): “Certa lógica e certa linguagem da violência trazem consigo uma determinação cultu- ral profunda. Como se fosse um verdadeiro nó nacional, a violência es- tá encravada na mais remota história do Brasil, país cuja vida social foi marcada pela escravidão. Fruto de nossa herança escravocrata, a trama dessa violência é comum a toda a sociedade, se espalhou pelo território nacional e foi assim naturalizada. Se a escravidão ficou no passado, sua história continua a se escrever no presente. A experiência de violência e dor se repõe, resiste e se dispersa na trajetória do Brasil moderno, esti- lhaçada em milhares de modalidades de manifestação” (SCHWARCZ

& STARLING, 2015, p. 237). E uma dessas modalidades de manifesta- ção da violência é precisamente a discriminação por meio da lingua- gem. A escravidão é a espinha dorsal da história do Brasil, vigorou por mais de trezentos anos contra apenas 130 anos de abolição (oficial) do regime escravista. E é precisamente o fantasma do negro, antes escravo e agora liberto, que apavora a elite, desesperada por se afastar de tudo o que se pareça com ele. De fato, já em 1888, o escritor Tristão de Alen- car Araripe Jr. (1848-1911) emprega sem rodeios a expressão “o falar arrevesado dos africanos” (confira FARACO, 2016, p. 153).

A transplantação do português da Europa para a América do Sul sob condições de exploração, colonização e escravização impregnou a cul- tura linguística nacional de crenças difíceis de extirpar. A noção da su- posta superioridade do português europeu e, no mesmo gesto, a depre- ciação do português brasileiro é moda corrente entre as camadas soci- ais letradas há séculos e se preserva em grande medida até a época atu- al:

1) O Correio Braziliense passa a publicar, a partir de hoje, uma se- ção de crítica ao idioma português falado e escrito por autoridades bra- sileiras em discursos, entrevistas e documentos. A seção via se chamar A Última do Português e não deve ser entendida como uma alusão aos nossos irmão do além-mar, que falam o idioma melhor que os brasilei- ros. (...) O português falado no Brasil possui as peculiaridades do lin- guajar dos colonizados. É um idioma destinado a esconder o pensamen- to e jamais revelar intenções. (...) Pode-se dizer qualquer coisa que di- ficilmente ela terá objetividade (...)” (André Gustavo Stumpf, Correio Braziliense, 19/2/1995).

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2) “Sempre me perguntam onde se fala o melhor português. Só po- de ser em Portugal”” (Sérgio Nogueira Duarte, 1998, p. 65).

3) “Basta pensar que a língua brasileira é outra. Uma pequena mos- tra de erros de redação coletados na imprensa revela que o português aqui se transformou num vernáculo sem lógica nem regras” (Marilene Felinto, Folha de São Paulo, 4/1/2000).

4) “O que me deixa sobretudo envergonhado é esse acordo ortográ- fico de mentirinha que estamos impingindo aos donos do copyright da última flor inculto etc. Todos os meses eu sinto na prática a minha falta de ouvido para o português de fa(c)to. Escrevo uma coluninha para a (...) revista de bordo da TAP. Por mais que eu tente escrever sem brasi- leirismos explícitos, quase todas as frases acabam traduzidas pelo edi- tor para o original” (Ricardo Freire, Guia da Semana, O Estado de São Paulo, 13/6/2008, p. 114).

5) “E a língua, que é uma das bases da nação tanto quanto o territó- rio, está virando um dialeto confuso em que dá [sic] bom dia a todos e todas. (...) A nossa língua já é muito pouco conhecida no nosso próprio país isso nos emudece um pouco (Alexandre Garcia, Bon dia, Brasil, 14/1/2015).

Essas declarações são herdeiras do pensamento, por exemplo, de Joaquim Nabuco que, ao tomar posse na Academia Brasileira de Letras em 1897, assim discursou: “A raça portuguesa, entretanto, como raça pura, tem maior resistência e guarda assim melhor o seu idioma; para essa uniformidade de língua escrita devemos tender. Devemos opor um embaraço à deformação que é mais rápida entre nós devemos reconhe- cer que eles são os donos das fontes, que as nossas empobrecem mais depressa e que é preciso renová-las indo a eles. A língua é um instru- mento de ideias que pode e deve ter uma fixidez relativa. Nesse ponto tudo devemos emprenhar para secundar o esforço e acompanhar os tra- balhos dos que se consagrarem em Portugal à pureza do nosso idioma, a conservar as formas genuínas, características, lapidárias, da sua gran- de época. (...) Nesse sentido, nunca virá o dia em que Herculano ou Garrett e os seus sucessores deixem de ter toda a vassalagem brasileira”

(NABUCO, apud PINTO, 1978, p. 197-198).

O discurso de Joaquim Nabuco deu voz a um projeto ideológico exitoso: “A lusitanização progressiva da norma escrita, num período de 65 a 70 anos (1824-1892), se encaixa perfeitamente no projeto político da elite brasileira pós-independência de construir uma nação branca e europeizada, o que significava, entre muitos aspectos, distanciar-se e diferenciar-se do vulgo (...), isto é, da população etnicamente mista e

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daquela de ascendência africana, que constituíam, sem dúvida, um es- torvo grande àquele projeto” (FARACO, 2001, p. 34).

Esse projeto da elite branca é coerente com a formação histórica da sociedade brasileira: “Conservando as marcas da sociedade colonial es- cravista, ou aquilo que alguns estudiosos designa como ‘cultura senho- rial’, a sociedade brasileira é marcada pela estrutura hierárquica do es- paço social que determina a forma de uma sociedade fortemente verti- calizada em todos os seus aspectos: Nela, as relações sociais e intersub- jetivas são sempre realizadas como relação entre um superior, que manda, e um inferior, que obedece” (CHAUÍ, 2000, p. 89).

Em todas as sociedades, existe sempre um grupo de pessoas, uma classe socia, ou um comunidade local específica, que acreditam ser o seu modo particular de falar a língua o mais correto, o mais bonito, o mais elegante e, por isso, deve ser o modelo que as outras classes e co- munidades precisam imitar. Em geral, são os moradores das regiões economicamente mais ricas, os habitantes de alto poder aquisitivo dos grandes centros urbanos, os cidadãos com acesso aos melhores meios de escolarização – enfim, aquilo que nas ciências sociais se chama de classes dominantes. Essa situação varia muito de acordo com o grau de democratização das relações sociais de um país. Em sociedades multi- língues, é comum que os falantes de uma determinada língua (a que re- cebe o status de língua oficial ou a que é falada pela comunidade de- tentora da maior parcela do poder político e econômico) exerçam dis- criminação para com os falantes das demais línguas presentes no terri- tório: na Espanha, por exemplo, os falantes de castelhano nutrem fortes preconceitos contra o galego, o asturiano, o basco e o catalão, línguas secularmente subjugadas e minorizadas. No Canadá, são os falantes de francês que se veem oprimidos pelos que falam inglês, assim como, na Grã-Bretanha, são os falantes de galês e escocês os que experimentam a discriminação.

Assim, o preconceito linguístico está presente em qualquer grupo humano e em muitos lugares constitui um instrumento de conflitos e tensões sociais. No Brasil, porém, devido à formação histórica da soci- edade, os indivíduos urbanos letrados não só discriminam o modo de falar de seus compatriotas analfabetos, semianalfabetos, pobres e exclu- ídos, como também discriminam o seu próprio modo de falar, as suas próprias variedades linguísticas, como se viu nos exemplos citados acima. Pode-se dizer, portanto, que o preconceito linguístico no Brasil se exerce em duas direções: de dentro da elite para fora dela, contra os que não pertencem às camadas sociais privilegiadas; e de dentro da eli-

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te para ao redor de si mesma, contra seus próprios membros. Isso por- que existe na mentalidade dos brasileiros em geral, e dos falantes urba- nos escolarizados em particular, a convicção muito arraigada de que no Brasil ninguém fala bem o português. É um caso particular daquilo que os sociolinguistas catalães chamam de autoaversão (autoodi). No dese- jo de se identificar com a cultura dominante e com os grupos que a re- presentam, os brasileiros urbanos letrados das classes média e média al- ta desprezam o seu próprio modo de falar, uma vez que o reconhecem como muito distante da norma-padrão inspirada nos usos literários ca- nonizados e nas variedades de prestígio do português europeu. Se já experimentam uma baixa autoestima quanto a seus próprios hábitos linguísticos, a discriminação que exercem para com as variedades dos falantes não urbanos, de origem indígena, pobres e menos letrados é de uma violência simbólica ainda maior. Além da autoaversão, portanto, existe nas camadas urbanas letradas brasileiras uma evidente esquizo- glossia. Analisando a história sociolinguística do Brasil, Carlos Alberto Faraco (2002), após fazer a necessária distinção entre norma-padrão e norma culta, escreve: “Como a distância entre a norma culta e o padrão artificialmente forjado era muito grande desde o início, enraizou-se, em nossa cultura, uma atitude purista e normativista que vê erros em toda parte e condena qualquer uso (mesmo aqueles amplamente correntes na norma culta e em textos de nossos autores mais importantes) de qual- quer fenômeno que fuja ao estipulado pelos compêndios gramaticais mais conservadores. Essa situação nos tem causado inúmeros males, seja no ensino, seja no uso de um desejável padrão. Este, que deveria ser um elemento sociocultural positivo, se tornou, no caso brasileiro, um pesado fator de discriminação e exclusão sociocultural. É evidente para muitos e desde há muito que é preciso mudar essa situação, supe- rando o quadro de verdadeira esquizofrenia linguística em que estamos metidos. E isso só pode ser viabilizado aproximando o padrão da norma culta” (FARACO, 2002, p. 43).

E o sistema educacional, como agência primordial de reprodução do ideário retrógrado das classes dominantes, exerce papel fundamental na transmissão e perpetuação dessas discriminações.

Recentemente, porém, em reação a essa tradição purista e lusitani- zante, e suas consequências nefastas, algumas ações oficiais têm feito do preconceito linguístico um objeto de políticas públicas educacionais no Brasil. Em 1998, por exemplo, no documento publicado pelo Minis- tério da Educação e intitulado Parâmetros Curriculares Nacionais, já se podia ler, no volume relativo ao ensino de língua portuguesa, a cons-

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tatação da existência de “muito preconceito decorrente do valor atribu- ído às variedades padrão e ao estigma associado às variedades não pa- drão, consideradas inferiores ou erradas pela gramática. Essas diferen- ças não são imediatamente reconhecidas e, quando são, são objeto de avaliação negativa. Para cumprir bem a função de ensinar a escrita e a língua padrão, a escola precisa livrar-se de vários mitos: o de que exis- te uma forma ‘correta’ de falar, o de que a fala de uma região é melhor do que a de outras, o de que a fala ‘correta’ é a que se aproxima da lín- gua escrita, o de que o brasileiro fala mal o português, o de que o por- tuguês é uma língua difícil, o e que é preciso ‘consertar’ a fala do aluno para evitar que ele escreva errado. Essas crenças insustentáveis produ- ziram uma prática de mutilação cultural (...)” (PCN, 1998, p. 31). Tam- bém em seu Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), destinado à compra e distribuição de livros escolares (e dicionários), o edital publi- cado pelo Ministério da Educação explicita: “Serão excluídas do PNLD 2016 as obras didáticas que veicularem estereótipos e preconceitos de condição social, regional, étnico-racial, de gênero, de orientação sexu- al, de idade ou de linguagem, assim como qualquer outra forma de dis- criminação ou de violação de direitos”. Disponível em:

<http://bit.ly/2qA3L1W>. Acesso em: 27/04/2017).

Essas diretrizes têm incentivado autores e editoras de livros didáti- cos a tentar se adequar aos princípios e critérios da política oficial de educação, com vistas a obter sucesso nos processos de vendas ao go- verno. Um dos mais visíveis reflexos dessa tentativa é a presença, em quase todas as obras destinadas ao público escolar, de algum tratamen- to explícito do fenômeno da variação linguística, em geral acompanha- do de manifestos contra o exercício da discriminação social por meio da linguagem. No entanto, conforme conclui Marcos Bagno (2013b, p.

45) de sua pesquisa sobre 24 coleções destinadas às antigas 5ª a 8ª sé- ries do ensino fundamental, “é forçoso constatar que o recurso à termi- nologia e aos conceitos da sociolinguística serve apenas como malaba- rismo retórico para, no fim das contas, continuar a prescrever e a impor um modelo mitificado e mistificador de ‘língua certa’, distante de qual- quer modalidade de uso real, incluindo aí a língua escrita mais monito- rada contemporânea. A existência da variação é reconhecida tão so- mente para, mais adiante, ser abandonada em nome dessa utopia lin- guística (...). Os livros didáticos propõem como seu objeto de ensino, feitas todas as contas, uma norma curta – termo proposto por Carlos Alberto Faraco (2008) para designar esse modelo irreal e irracional de

‘correção linguística’ que serve de muro de contenção contra toda e

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qualquer tentativa de validação, ainda que mínima, de variantes inova- doras, de alternativas à norma-padrão tradicional, mesmo que repre- sentem usos há muito tempo incorporados à gramática do português brasileiro, inclusive na escrita literária. Trata-se, portanto, de uma ten- tativa de falsear a realidade”.

Algum empo antes, porém, ao investigar o tratamento dado à varia- ção linguística em livros didáticos destinados ao ensino médio, Paula Maria Cobucci Ribeiro Coelho (2007, p. 141) já constatava: “Alguns autores apresentam o tema [variação linguística] de forma superficial;

outros limitam-se a expor o teme em um capítulo apenas e, nos capítu- los seguintes, ‘esquecem’ o assunto, principalmente nos exercícios gramaticais”. A autora expõe de que modo muitas das obras didáticas pesquisadas “citam casos de variação linguística para o aluno corrigir o

‘erro’; ‘passar para a norma-padrão’ ou identificar os ‘desvios de lin- guagem’. [Outras] também apresentam exercícios gramaticais com ob- jetivo de identificar ‘o problema’, ‘o equívoco’ ou ‘a inadequação’

(...)” (COELHO, 2007, p. 143). E conclui: “Infelizmente, constatamos pouquíssimas propostas que proporcionem a percepção das questões sociais que envolvem a língua (isto é, os contrastes, conflitos, aproxi- mações e distanciamentos entre as variedades estigmatizadas e as vari- edades de prestígio) para ajudar no combate ao preconceito linguístico tão arraigado em nossa cultura” (COELHO, 2007, p. 145).

A formação comprovadamente deficiente do professorado brasileiro em geral e dos docentes que se destinam ao ensino de língua em parti- cular, aliada ao tratamento problemático da variação linguística na grande maioria os livros didáticos, dificilmente poderá contribuir para o combate mencionado acima por Paula Maria Cobucci Ribeiro Coelho.

Além disso, numa visão mais geral das crenças e atitudes do corpo do- cente das escolas públicas brasileiras, “não adianta cobrir o som com a peneira: nosso ambiente educacional ainda é, em grande parte, ideolo- gicamente conservador. Esse conservadorismo do nosso ambiente edu- cacional vai muito além, é claro, do ensino de língua. Quando se trata de machismo, racismo, homofobia e outras discriminações, as pesqui- sas mostram a persistência de um ideal normativo intolerante e exclu- dente” (BAGNO, 2013b, p. 18). Uma comprovação desse conservado- rismo ideológico aparece na seguinte reportagem de uma revista espe- cializada em educação: “Pesquisa da Faculdade de Economia, Admi- nistração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP) de 2009 apontou que nas escolas públicas brasileiras, 87% da comunidade (sejam alunos, pais, professores ou servidores) têm algum grau de pre-

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conceito contra homossexuais. O levantamento foi realizado com base em entrevistas feitas com 18,5 mil alunos, pais, professores, diretores e funcionários, de 501 unidades de ensino de todo o país” (disponível em

<http://bit.ly/2sdgfgD>, acesso em 27/4/2017). O racismo e o machis- mo também têm sido objeto de muitas investigações que comprovam o vigor desses preconceitos no ambiente escolar (MUNANGA, 2005).

Segundo Marcos Bagno (CEALE, Glossário, s.v.), o termo precon- ceito designa uma atitude prévia que assumimos diante de uma pessoa (ou de um grupo social), antes de interagirmos com ela ou de conhecê- la, uma atitude que, embora individual, reflete as ideias que circulam na sociedade e na cultura em que vivemos. Assim como uma pessoa pode sofrer preconceito por ser mulher, pobre, negra, indígena, homossexual, nordestina, deficiente física, estrangeira etc., também pode receber ava- liações negativas por causa da língua que fala ou do modo como fala sua língua.

O preconceito linguístico resulta da comparação indevida entre o modelo idealizado de língua que se apresenta nas gramáticas normati- vas e nos dicionários e os modos de falar reais das pessoas que vivem na sociedade, modos de falar que são muitos e bem diferentes entre si.

Essa língua idealizada se inspira na literatura consagrada, nas opções subjetivas dos próprios gramáticos e dicionaristas, nas regras da gramá- tica latina (que serviu durante séculos como modelo para a produção das gramáticas das línguas modernas) etc. No caso brasileiro, essa lín- gua idealizada tem um componente a mais: o português europeu do sé- culo XIX. Tudo isso torna simplesmente impossível que alguém escre- va e, principalmente, fale segundo essas regras normativas, porque elas descrevem e, sobretudo, prescrevem uma língua artificial, ultrapassada, que não reflete os usos reais de nenhuma comunidade atual falante de português, nem no Brasil, nem em Portugal, nem em qualquer outro lu- gar do mundo onde a língua é falada.

Mas a principal fonte de preconceito linguístico, no Brasil, está na comparação que as pessoas da classe média urbana das regiões mais desenvolvidas fazem entre seu modo de falar e o modo de falar dos in- divíduos de outras classes sociais e das outras regiões. Esse preconceito se vale de dois rótulos: o “errado” e o “feio” que, mesmo sem nenhum fundamento real, já se solidificaram como estereótipos. Quando anali- sado de perto, o preconceito linguístico deixa claro que o que está em jogo não é a língua, pois o modo de falar é apenas um pretexto para discriminar um indivíduo ou um grupo social por suas características socioculturais e socioeconômicas: gênero, raça, classe social, grau de

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instrução, nível de renda etc.

A instituição escolar tem sido há séculos a principal agência de ma- nutenção e difusão do preconceito linguístico e de outras formas de discriminação. Uma formação docente adequada, com base nos avan- ços das ciências da linguagem e com vistas à criação de uma sociedade democrática e igualitária, é um passo importante na crítica e na des- construção desse círculo vicioso.

Sugere-se, para complementar este verbete, a leitura de A norma ocul- ta: língua e poder na sociedade brasileira (2013) e Preconceito linguís- tico: o que é, como se faz (2014), de Marcos Bagno e Linguagem e es- cola: uma perspectiva social, de Magda Becker Soares (1986).

Veja os verbetes: Atitudes, Autoversão, Comportamento linguístico, Dialeto, Educação linguística, Esquizoglossia, Glotofobia, Gramática, Higiene verbal, Ideologias linguísticas, Língua, Linguagem, Linguísti- ca folk, Norma, Prescritivismo, Purismo e Variação linguística.

Pré-construído

Segundo Patrick Charaudeau e Dominique Maingueneau (2006, s.v.), a noção de pré-construído – elaborada por Paul Henry (1975) e desenvolvida posteriormente em Michel Pêcheux (1975) – é uma re- formulação das teorias da pressuposição de Oswald Ducrot. O pré- construído pode ser entendido como a marca, no enunciado, de um dis- curso anterior; portanto, ele se opõe àquilo que é construído no momen- to da enunciação. Um sentimento de evidência se associa ao pré- construído, porque ele foi “já dito” e porque esquecemos quem foi seu enunciador. Os fenômenos que desencadeiam esse efeito discursivo es- tão ligados às operações de encaixamento sintático (relativa, nominali- zação, adjetivo deslocado etc.).

A noção de pré-construído está intimamente ligada à de interdiscur- so: ela contribui para desestabilizar a oposição entre o exterior e o inte- rior de uma formação discursiva, em benefício da noção de imbricação entre discursos e de relações com outras formações discursivas exterio- res e anteriores – que entram no discurso de um sujeito.

A noção de pré-construído foi elaborada por Paul Henry (1990), se- gundo Franck Neveu (2008, s.v.), a partir dos trabalhos de semântica linguística de Oswald Ducrot, baseada na lógica dos pressupostos. De- signa-se por pré-construído aquilo que, no discurso, resulta de uma construção anterior no momento da enunciação, e se encontra, por isso mesmo, retirado da asserção do enunciador, estando totalmente condi- cionado, ou seja, implicado, pressuposto ou subentendido pela asser- ção. Aos pré-construídos são, assim, necessariamente, anexados efeitos

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de evidência de saber presumido adquirido, de “já dito”. Trata-se de cobrir com esta noção o fato de que “fala-se antes, aleatória e indepen- dentemente” do discurso que se enuncia.

Os “traços” do pré-construído no enunciado são, essencialmente, verificáveis através de maneiras que resultam de uma operação de atua- lização, de tematização, de predicação secundária, e, mais geralmente, do encaixamento sintático. Por exemplo, a atualização nominal (uma flor): o artigo indefinido marca a pré-construção de um conjunto de ob- jetos que, por definição, não deveria se reduzir a um elemento, o que tem por corolário a indeterminação presumida do objeto designado pelo sintagma uma flor, em ele colhe uma flor; no destaque (“CHASSÉ DE

PRISTINA, o jornal diário – Koha Ditore – renasce na Macedônia”, Le Monde 27/04/1999): o segmento destacado tematizado marca a presun- ção de realidade, até mesmo de notoriedade, do processo evocado pelo particípio chassé); a nominalização (A REDUÇÃO NOS QUADROS suscita a cólera dos empregados): o grupo nominalizado marca a pré-construção do processo “os quadros foram reduzidos” etc.

A noção de pré-construído tem servido, em análise do discurso, so- bretudo na escola francesa, para formular a tese da exterioridade consti- tutiva de todo discurso, ou seja, a presença do interdiscurso no interior de toda a formação discursiva. A fim de evitar as imprecisões e confu- sões da aplicação desta noção, é importante distinguir os fatos da pré- construção próprios à atividade linguística daqueles que lhes são exte- riores e que, dessa forma, requerem o conhecimento de um objeto do mundo (pré-construído nocional) ou o conhecimento de uma situação (pré-construído situacional), como o distinguiu, entre outros, nas apli- cações da teoria das operações enunciativas, Antoine Culioli.

Como complemento a este verbete, sugere-se a leitura de Dire et ne pas dire: principes de sémantique linguistique, de Oswald Ducrot (1972a); o artigo “Construções relativas e articulações discursivas”, de Paul Henry (1990); A inquietação do discurso, de Denise Maldidier (2003); Les vérités de la Palice. Linguistique, sémantique, philosophie, de Michel Pêcheux (1975b).

Veja os verbetes: Implicação, Implícito, Inferência, Interdiscurso, Polifonia, Pressuposto e Subentendido.

Pré-coordenação

Segundo Maria Isabel Faria e Maria da Graça Pericão (2008, s.v.), pré-coordenação é a combinação de dois ou vários conceitos num des- critor sintético feita durante a elaboração da linguagem documental. No caso de ser feita antes da indexação do documento, esta combinação é

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já dada pelo tesauro ou pela lista de autoridade. Neste caso, fala-se de indexação pré-coordenada.

Pré-coordenado

Pré-coordenado se diz do sistema ou índice de assuntos, em que a combinação dos termos que constituem um cabeçalho de assuntos ou matérias se faz quando este se atribui ao documento e não no momento da pesquisa, como acontece com o pós-coordenado.

Pré-crítica

Pré-crítica é a antecrítica, crítica antecipada. É a operação feita pe- los comitês de leitura, tomando com modelo a crítica e as equipes de leitores que são uma amostra do público teórico, à imagem do qual o editor fará as suas escolhas.

Predela

Segundo Maria Isabel Faria e Maria da Graça Pericão (2008, s.v.), predela é a súmula apresentada na margem de uma gravura ou quadro relativa àquilo que nele se represente; compartimento inferior de um quadro, mapa ou carta geográfica, onde, muitas vezes rodeado por uma pequena moldura, se encerram elementos identificadores do quadro principal.

Prédica

Prédica é o mesmo que discurso religioso (COSTA, 2018, s.v.).

Veja os verbetes: Discurso, Homilia, Oração, Prática, Sermão.

Predicabilidade

Veja o verbete: Predição.

Predicação

Predicação é a afirmação contida numa proposição.

Neste sentido, como classificação do predicado, a predicação pode ser verbal ou nominal, conforme encerre um juízo de relação (também chamado "modal") ou um juízo de atribuição. Quando o juízo é de re- lação, o núcleo predicativo é constituído pelo verbo (Nasce o sol);

quando é de atribuição, é constituído pelo nome (Deus é bom).

Se o núcleo predicativo for o verbo, pode este exprimir um ato per- feito ou um ato imperfeito. No primeiro caso, diz-se que o verbo tem predicação completa (Nasce o sol); no segundo caso, que tem predica- ção incompleta, pois necessita de um nome que o perfaça (Deus criou o mundo). O termo que completa a predicação de um verbo se chama

"objeto".

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Segundo Zélio dos Santos Jota (1981, s.v.), sendo o que se contêm no predicado, a predicação pode ser verbal ou nominal, conforme seja um predicado nominal ou um predicado verbal. A afirmação contida no predicado, por sua vez, pode ser completa ou incompleta. Se dize- mos Pedro caiu, o verbo cair, por si mesmo, já diz tudo, é completo, razão pela qual se chama intransitivo. Se, porém, dizemos Pedro ma- tou, logo sentimos faltar algo exigido pela predicação do verbo, que, no caso, se diz transitivo, e o algo que lhe falta, objeto. Exemplo: Pedro matou o pássaro. Não deixa de merecer reparos a divisão dos verbos quanto à predicação, em intransitivos e transitivos. Já não se trata de es- tabelecer distinção entre adjunto adverbial (Pedro faleceu em Niterói) e complemento adverbial (Pedro está em Niterói), mas de acrescentar al- go sem o que estamos impossibilitados de classificar verbos como ser ou estar, como em Pedro está doente, tanto mais quanto, sendo o ver- bo, no caso, mero liame, o conteúdo da predicação se concentra exata- mente no predicativo. Conceituá-los como intransitivos seria admitir possíveis construções como Pedro está. e em consequência, também em Eu o considero inteligente o verbo não se completa com o objeto apenas, mas requer ainda o predicativo, sem o que até sua significação é outra. Logo, tais verbos são transitivo-predicativos (transpredicati- vos), como o verbo ser seria predicativo, como bitransitivo é o verbo que pede dois objetos, nome consagrado e simples; além do mais, dizer que o verbo é transitivo direto e indireto não significa peça ele os dois objetos numa só construção (o verbo assistir é transitivo direto e indire- to, mas em acepções diferentes). O verbo pedir, a rigor, para fugirmos ao prático bitransitivo, teria de ser transitivo direto e indireto ao mes- mo tempo ou construção que o valha.

No domínio linguístico, segundo Franck Neveu (2008, s.v.), a pre- dicação pode ser definida como uma operação de construção da frase que consiste em relacionar dois elementos cujo papel gramatical é niti- damente distinto: de um lado, um constituinte em posição de sujeito (Exemplo: JULIETE corre para comprar o jornal), de outro lado, um constituinte em posição de predicado (Exemplo: Juliete CORRE PARA COMPRAR O JORNAL).

Nessa perspectiva, define-se o predicado como o constituinte cen- tral da frase já que é esse elemento que, numa consideração ampla, ex- prime a relação predicativa. Ele pode ser de natureza verbal; agrupa, neste caso, não somente os constituintes do sintagma verbal (o vero e os argumentos que ele rege), mas pode igualmente conter os comple- mentos não essenciais. O predicado pode ser igualmente de natureza

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não verbal (Exemplo: NA FRENTE, os pequenos; ATRÁS, os grandes;

MAGNÍFICO, todos juntos!).

Fala-se de predicação secundária no caso de construções que ex- primem, no interior da frase, um conteúdo frasal. A noção se aplica, en- tre outras, às construções do tipo Juliete tem os olhos azuis, nas quais o verbo ter manifesta um sentido atributivo e um comportamento de ver- bo copulativo, e onde se observa um amálgama de duas proposições das quais uma, de forma reduzida (os olhos azuis), forma um predicado secundário que depende de uma predicação de nível superior. As cons- truções destacadas, como as aposições (Exemplo: DOENTE, Juliete permaneceu na cama), são outra forma de predicação secundária, nas quais o segmento destacado predicativo se apoia num dos argumentos da predicação principal.

A oposição sujeito/predicado aparece nos filósofos gregos da Antigui- dade para descrever a operação universal de expressão do julgamento segundo a qual uma propriedade (o predicado) é atribuída a uma subs- tância (o sujeito), julgamento formulado por aquilo que a lógica chama de proposição, ou seja, um enunciado capaz de ser declarado verdadei- ro ou falso. Essa estrutura de julgamento a priori, baseada num bina- rismo lógico, é um conceito que passou do discurso filosófico ao dis- curso gramatical, e que se impôs na análise sintática às custas de uma simplificação bastante abusiva dos fatos da língua.

Veja os verbetes: Atributo, Cópula, Predicatividade, Substância, Sujeito.

Predicação de identidade

Predicação de identidade ou operação dinâmica de identificação, segundo Valdir do Nascimento Flores et al. (2018, s.v.), é a operação por meio da qual se atribui, no discurso, um grau de equivalência se- mântica a dois enunciados, instituindo-se entre eles uma relação para- frástica.

A predicação de identidade semântica é um procedimento de dis- curso que se identifica com o próprio parafraseamento como atividade discursiva. Por meio dela, o enunciador institui, na evolução do discur- so, um parentesco semântico entre dois enunciados. Essa predicação pode ocorrer por meio de traços linguísticos que inscrevem o parentes- co semântico nos próprios enunciados ou, então, por meio de marcado- res de reformulação parafrástica, quando nos enunciados em relação es- se parentesco não for linguisticamente perceptível.

Sugere-se a leitura de La paraphrase; e Paraphrase et énontiation, de Catherine Fuchs; os artigos: “Les marqueurs de la reformulation pa-

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raphrastique”, de Elisabeth Gulich e Thomas Kotschi; e “Paraphrase e métalangade dans le dialogue de vulgarisation”, de Marie-Françoise Mortureux; e o capítulo “Parafraseamento”, de José Gaston Hilgert.

Veja os verbetes: Marcador de reformulação parafrástica, Paráfra- se e Parentesco semântico.

Predicação verbal

Como classificação morfossintática da regência do verbo, a predi- cação verbal compreende: o verbo de ligação, o verbo intransitivo, o verbo transitivo direto, o verbo transitivo indireto e o verbo bitransiti- vo.

Verbo de ligação é o que, servindo de liame entre um predicativo e o sujeito, indica estado ou qualidade deste. Podem ser verbos de liga- ção: ser, estar, ficar, andar, permanecer, tornar-se, parecer, continuar etc.

Verbo intransitivo é o que tem sentido completo (predicação com- pleta), não precisando de objeto direto nem de objeto indireto. Exem- plos: dormir, correr, gear, voar, morrer etc.

O verbo transitivo circunstancial (que exige complemento circuns- tancial – exemplos: Fui a Minas Gerais. Venho de São Paulo) era con- siderado também como intransitivo, porque a gramática tradicional an- tiga, só considerava transitivos, o verbo transitivo direto, o transitivo indireto e o bitransitivo.

O verbo transitivo é o que tem sentido incompleto e precisa de complemento ou objeto direto (sem necessidade de preposição, como comprar, vender, buscar, levar etc.) e objeto indireto (com a necessi- dade de preposição, como precisar, gostar, obedecer etc.)

O verbo bitransitivo é o que precisa de dois complementos: um ob- jeto direto e um objeto indireto. Exemplos: oferecer, doar, pedir etc.

Alguns gramáticos só consideram como transitivos indiretos os ver- bos que exigem complementos regidos pela preposição "a", cujo com- plemento possa ser substituído pelo pronome "lhe". Exemplos: Agrade- ço a você (= lhe). Obedeço-lhe (a meu pai). Os demais, costumam ser chamados de transobjetivos. Exemplo: Preciso de um emprego (= dele).

Veja o verbete: Complemento, Objeto, Predicativo, Sujeito e Verbo.

Predicado

Predicado é aquilo que se diz do sujeito.

Numa frase de base constituída de um sintagma nominal seguido de um sintagma verbal, diz-se que a função do sintagma verbal é a de pre- dicado. Assim, em Pedro escreveu uma carta à sua mãe, o sintagma

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nominal é o sujeito (isto é, o tema da frase) e o sintagma verbal escre- veu uma carta à sua mãe é o predicado (isto é, o comentário do tema).

Entenda-se, no entanto, que a palavra sujeito, nessa definição, coin- cide com o conceito de tópico. Tanto que existe até oração sem sujeito, no sentido de "ser do qual se declara alguma coisa".

O predicado pode ser nominal ou verbal, conforme contenha uma afirmação de existência (juízo de atribuição: A é B), ou uma afirmação de consequência (juízo de ralação: A causa B). Assim, na oração Deus é bom, o predicado nominal é é bom e na oração Deus criou o mundo, criou o mundo é o predicado verbal.

O núcleo do predicado nominal é o nome (substantivo, adjetivo, pronome, infinitivo, oração substantiva). O núcleo do predicado verbal é o verbo (de ação ou de fenômeno).

No predicado nominal, é normal a existência de um verbo cópula ou de ligação (em português, ser ou estar). Mas esse verbo não é es- sencial, pois há línguas que, pelo menos, em certas condições, o dis- pensam. Em latim, por exemplo, é comum construir-se certas frases nominais sem o verbo cópula. Exemplo: Opus justitiae pax (A paz é fruto da justiça).

Os verbos das orações nominais exprimem existência (ser) ou esta- do (estar). Como, porém, há mais de uma modalidade de estado, tam- bém funcionam como verbos relacionais os seguintes: continuar, per- manecer, andar (persistência de estado), ficar, tornar-se (mudança de estado), parecer (dúvida de estado).

Assim, numa frase de base cujo sintagma verbal seja constituído de uma cópula (ser) ou de um verbo assimilado à cópula (permanecer, pa- recer etc.), chama-se predicado ao adjetivo, ao sintagma nominal ou ao sintagma preposicional constituintes do sintagma verbal. Assim, nas frases "Pedro permanece em casa", "Pedro é feliz", "Pedro se tornou engenheiro", os sintagmas em casa, feliz e um engenheiro são chama- dos de predicados.

Numa oração (denominada por isso "oração mista") podem conju- gar-se os dois predicados, o nominal e o verbal. Neste caso, o predica- do se denomina predicado verbo-nominal. Exemplo: O sol nasceu ruti- lante. Aí se afirma duas coisas do mesmo sujeito e dentro da mesma oração: primeiro, que o sol nasceu (juízo de relação, predicado verbal);

segundo, que o sol estava rutilante (juízo de atribuição, predicado no- minal). O predicado nasceu rutilante se chama predicado verbo- nominal. Veja o capítulo 6 de Semântica, de John Lyons (1980).

Segundo Robert Lawrence Trask (2015, s.v.), predicado é a parte da

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sentença que sobra quando se exclui o sujeito. Foi o filósofo grego Aristóteles quem dividiu as sentenças pela primeira vez em sujeitos e predicados. Dado um sujeito fixo, Beatriz, podemos construir sentenças acrescentando a esse sujeito um número indeterminado de predicados diferentes: fuma, é esperta, foi promovida, quer comprar um novo car- ro, acha que a astrologia e bobagem. Em todos esses casos, o papel de predicado é desempenhado por um sintagma verbal; é o que acontece tipicamente nas línguas, embora algumas permitam predicados perten- centes a outras categorias sintáticas.

Convém atentar para o fato de que os lógicos usam o termo predi- cado de um modo muito diferente, que atualmente tem destaque em linguística, principalmente em semântica. No sistema de lógica formal conhecido como cálculo de predicados, a sentença Bruno é careca se- ria representado tipicamente como Careca (bruno). Aqui, Careca é um predicado lógico correspondente ao português é careca, e é um predi- cado de um lugar, que requer apenas um argumento (sintagma nomi- nal) para ser satisfeito. A sentença Bruno ama Cássia poderia ser repre- sentada, de maneira análoga, por meio de um predicado de lugar como Ama-Cássia (bruno), mas é mais comum representá-la como um predi- cado de dois lugares, da seguinte maneira: Ama (bruno, cássia). Desta vez, o predicado, Ama, exigiu dois argumentos para ser satisfeito.

Como esses dois usos do termo “predicado”, que conflitam entre si, estão igualmente disseminados na linguística, o leitor, sempre que cru- zar com o termo, terá que ter o cuidado de entender qual é o sentido vi- sado.

Leia-se complementarmente, Grammar: a student’s Guide, de Ja- mes R. Hurford, da página 185 à 189.

Veja os verbetes: Concordância, Predicação, Oração, Sintagma verbal, Sujeito, Termo essencial e Verbo.

Predicado complexo

Segundo Maria Margarida de Andrade (2009, s.v.), predicado com- plexo é o predicado dos verbos que exigem diferente tipos de argumen- tos – os chamados complementos verbais. São determinantes do predi- cado complexo: o complemento direto ou objeto direto, representado por um substantivo ou pronome, não introduzido por preposição neces- sária; objeto direto preposicionado e pleonástico, para verbos transiti- vos diretos; complemento relativo ou objeto indireto, que também pode ser pleonástico, introduzido por preposição, para os verbos transitivos indiretos, complemento predicativo ou apenas predicativo, para os ver- bos de ligação e complemento nominal.

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Em gramática tradicional, chama-se predicativo do sujeito ao adje- tivo ou substantivo e suas expansões que figuram no predicado nomi- nal, depois de verbo de ligação. No francês, muitas vezes se denomina de predicado somente ao adjetivo atributo que constitui uma frase com a cópula ser. Por exemplo, em Pierre est inteligent, intelligent é o pre- dicado da frase.

Em gramática gerativa, o predicado (abreviatura Pred.): 1) indica a função do sintagma verbal na regra de reescritura da frase de base SN + SV, onde o sintagma nominal é o sujeito e=deste predicado (O pai lê o jornal); 2) indica a função do sintagma nominal, do sintagma preposi- cional e do adjetivo numa estrutura onde o verbo ser vem seguido por um modificador, pode ser escrita: Aux + ser + pred.

Chama-se de predicado lógico à propriedade que se afirma de um sujeito lógico.

Predicado incomplexo (simples)

Predicado incomplexo ou predicado simples é aquele dos verbos que não exigem complementos. Exemplos: As crianças crescem rapi- damente. O bebê dorme tranquilo. Depois de longa doença, o fazendei- ro morreu. No fim da tarde, a chuva parou.

Predicado nominal

Predicado nominal é aquele que tem por núcleo um nome, e é for- mado por um verbo de ligação mais predicativo do sujeito. O predicado nominal indica estado ou qualidade. Exemplos: Os alunos serão estudi- osos. A rosa é vermelha. João é inteligente. No final da semana, estou cansada. O mágico parece hábil.

Segundo Zélio dos Santos Jota (1981, s.v.), predicado nominal é o predicado que se concentra no nome, ocorrente em frases com verbo de ligação. Em Pedro morreu, o que se afirma do sujeito se contém no verbo (predicado verbal), ao passo que em Pedro é inteligente, o que dele se afirma está implícito no nome inteligente, já que o verbo é mero liame, que liga o sujeito ao predicativo. Logo, só há verbo de ligação quando há predicativo. Exemplo: Pedro é (ficou, está, permanece, tor- nou-se, parece) doente. Em Pedro permaneceu (ficou, está) aqui, por exemplo, já que aqui não é predicativo, permaneceu (ficou, está) tam- bém não é verbo de ligação. O predicado nominal tem por núcleo um nome; o predicado verbal, um verbo (transitivo ou intransitivo). Há ou- tro predicado, chamado predicado verbo-nominal, que participa dos dois tipos anteriores: tem dois núcleos, um nominal e outro verbal. Por

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exemplo, em Pedro caiu, temos predicado verbal; em Pedro está feri- do, temos predicado nominal, mas em Pedro caiu ferido há como que o cruzamento dos predicados; a informação se contém não só em caiu (verbo) como em ferido (nome), donde se considerar caiu ferido como predicado verbo-nominal.

O predicado nominal pode ser assim representado graficamente:

Veja o verbete: Gênero, Nome, Núcleo, Número, Oração, Predica- do, Predicativo do sujeito e Verbo de ligação.

Predicado verbal

Predicado verbal é aquele em que o que se declara do sujeito está contido no verbo. O predicado verbal tem as seguintes características: o núcleo é um verbo transitivo ou intransitivo, que indica ação ou movi- mento, e não tem predicativo do sujeito. Exemplos: O gato correu. A fábrica apitou e os empregados vieram depressa.

O predicado verbal pode ser assim representado graficamente:

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Veja o verbete: Adjunto adverbial, Núcleo, Objeto, Oração, Predi- cado, Predicado nominal, Sujeito simples e Verbo.

Predicado verbo-nominal

É o predicado que tem dois núcleos: um núcleo verbal e um núcleo nominal. É mais frequentemente a sua ocorrência com verbo intransiti- vo mais predicativo do sujeito, mas também ocorre com o verbo transi- tivo. Exemplos: O gato correu assustado. O rapaz chegou ofegante. O aluno saiu atrasado. As meninas assistiram ao espetáculo entusiasma- das. Ele julga o chefe competente.

O predicado verbo-nominal pode ser assim representado grafica-

mente:

Veja o verbete: Núcleo, Objeto, Oração, Predicado, Predicado no- minal, Predicado verbal, Predicativo, Sujeito simples e Verbo.

Predicador

O termo predicador foi sugerido por alguns teóricos para indicar o elemento verbal nas construções Sujeito-Verbo-Objeto, ou melhor, Su- jeito-Predicador-Objeto, evitando assim o uso de "verbo" no sentido funcional e formal (cf. "um sujeito deve ter um substantivo como seu exponente" com a frase indesejável "um verbo deve ter um verbo como seu exponente"). Veja o capítulo 8 de Introdução à linguística teórica, de John Lyons (1979) e o capítulo 5 de Syntax, de Peter H. Matthews (1981).

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Predição

Predição é a afirmação de algo que pode acontece3r no futuro, aju- dado por alguma inspiração de ordem sobrenatural. Predomina aí uma linguagem de tom profético e místico (COSTA, 2018, s.v.).

O termo predicação qualifica, segundo Franck Neveu (2008, s.v.), no quadro de uma teoria da linguagem, uma função específica que con- siste em formular regras que permitam predizer gramaticalidade de uma expressão. Essa função preditiva é aplicada particularmente na construção a priori das proposições empíricas capazes de falsificar uma hipótese. Fala-se assim, em sincronia, de preditividade dessa ou daque- la configuração material da língua. A função preditiva permite sistema- tizar a descrição das possibilidades de uma língua, mas sua capacidade explicativa fica bastante limitada.

Veja os verbetes: Combinatória, Falsificabilidade, Formalismo, Normalização, Gramaticalidade, Inferência, Língua, Observatório, Possibilidades de uma língua, Profecia.

Predicar

Predicar é dar um predicado a um sintagma nominal, isto é, forne- cer um comentário a um sujeito tópico.

Predicativa

Oração predicativa é a subordinada substantiva que exerce a função de predicativo do sujeito ou predicativo do objeto da oração que a rege.

Exemplo: A vantagem é que ele trabalha. (Compare com A vantagem é esta).

As orações subordinadas substantivas predicativas se apresentam desenvolvidas ou reduzidas: 1) Desenvolvidas – a) conectivas (conjun- cionais integrantes). Exemplos: Meu desejo é que venças. Que tenhas um ano próspero e feliz são os meus votos. b) justapostas, introduzidas por pronome indefinido ou advérbio. Exemplos: Não sou quem pensas.

Quem os repreende sou eu. Sou como me fizeram. 2) Reduzidas do in- finitivo. Exemplos: Minha alegria era voltar para casa. Nesta forma, pode vir preposicionada. Exemplos: Meu sonho era de fazer grandes viagens. Sua promessa foi de me ajudar sempre.

Predicatividade

A noção de predicatividade foi desenvolvida, principalmente em psicomecânica da linguagem, por Gustave Guillaume, que a definiu como a faculdade que tem uma palavra de dizer algo de alguma coisa.

A noção traduz uma intuição que remonta à Antiguidade, segundo a qual existem dois tipos de palavras que dispõem de uma capacidade

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superior às outras. Essa intuição foi materializada bem cedo na história das gramáticas pelas oposições entre palavras “principais” e palavras

“acessórias”, palavras “cheias” e palavras “vazias”, palavras “lexicais”

e palavras “gramaticais” etc.

Gustave Guillaume fundamenta sua oposição entre partes da língua predicativas e não predicativas apoiando-se na natureza do significado material da palavra, ou seja, na noção que ele veicula. Distingue, assim, segundo a natureza de sua ideogênese, duas espécies de palavras: 1) aquelas cuja matéria nocional provém do fato relatado pela frase, e cuja ideogênese é fornecida pela conceitualização dos dados da experiência humana (substantivo, adjetivo, advérbio, verbo: partes predicativas da língua); 2) aquelas cuja matéria nocional provém do mecanismo do fato que é a própria frase, e cuja ideogênese é obtida pela transcendência de dados da experiência humana, não se utilizando, de maneira reflexiva, senão do ato de linguagem atualizada por esta experiência (pronome, artigo, preposição, conjunção: partes não predicativas da língua).

Como demonstra adequadamente Gérard Mognet, comentando o modelo teórico de Gustave Guillaume:

“A fronteira não foi traçada de maneira absoluta entre as duas séries de partes da língua. Existem, sobretudo, mecanismos linguísticos atra- vés dos quais as partes predicativas da língua podem ser conduzidas a estados que poderíamos chamar sublimados por si mesmos, o que os faz funcionar como palavras gramaticais. O caso mais evidente é o da auxiliarização: predicativo em Je pense, donc je suis (Penso, logo exis- to), o verbo être (ser, existir) não o é mais quando se torna auxiliar de aspecto: je suis arrivé (cheguei), ou da voz passiva: je suis puni (sou punido). Inversamente, as partes não predicativas da língua poderão, muitas vezes, ser tornadas predicativas; com a preposição pour (para, a favor), pode-se fazer um substantivo: le pour et le contre (o a favor e o contra)” (MOIGNET, 1981).

Veja os verbetes: Aporte, Auxiliar, Cópula, Gramaticalização, Ide- ogênese, Incidência, Palavra, Parte do discurso, Psicomecânica da linguagem, Subdução.

Predicativo

Predicativo é o termo da oração que indica o estado do sujeito (no predicado nominal e no predicado verbo-nominal) ou do objeto, duran- te a ação verbal ou em consequência dela.

Exemplo 1: Paulo voltou doente. Nessa oração o predicado é verbo- nominal e doente é o predicativo do sujeito.

Exemplo 2: O juiz declarou o réu inocente. Nessa oração, declarou

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o réu inocente é o predicado verbo-nominal. O sujeito – o juiz – exer- ceu a ação de "declarar" e, em consequência, o réu reassumiu o estado de inocência. Analisa-se inocente como predicativo do objeto.

O predicativo pode aparecer regido das preposições a, de, em, para, por e como. Exemplos: pôr-se a salvo, tachar a humanidade de falida, arvorar-se em árbitro, escolher para senador, ter o moço por culpado, considerar a lei como injusta. "Como são melancólicas e solenes, ao pino do sol, as vastas campinas!..." (José de Alencar); "As flores anoi- tecem murchas" (Padre Antônio Vieira); "Chegamos cansados ao in- ferno" (Padre Antônio Vieira); "O diabo anda solto"; "Os punhos con- tinuavam cerrados e os braços tesos " (João Ribeiro)

O predicativo é um termo de natureza adjetiva, mesmo quando exercido por substantivo, que, nesse caso, sintetiza uma qualidade do sujeito ou do objeto. Por isso, não deve ser confundido com o adjunto adverbial, que é obviamente, de natureza adverbial (exercido por ad- vérbio ou equivalente). Portanto, numa oração como A monja caminha- va silenciosa, deve-se analisar silenciosa como predicativo do sujeito e não como adjunto adverbial de modo. Por outras palavras, muitas vezes o predicativo responde à pergunta como? da mesma forma que o adjun- to adverbial; mas a natureza adjetiva do termo mostra que se trata de predicativo e não de adjunto.

O problema admite ainda um enfoque estilístico. Pode-se ler a res- peito no artigo de Harri Meier (1974, p. 61-127), intitulado "Adjetivo e Advérbio" em seu livro Ensaios de Filologia Românica.

Para a gramática tradicional, segundo Jean Dubois et al. (1998, s.v.), predicativo é a maneira de ser ou a qualidade que o enunciado re- conhece como pertencente a alguém ou a alguma coisa por meio de um verbo expresso ou subentendido. Em Nosso homem é louco, louco é predicativo de um sujeito com o qual é relacionado por meio do verbo ser ou de um verbo similar (parecer, tornar-se etc.). Pode ser também predicado do objeto direto depois de verbos como chamar, ter, esco- lher, conhecer, consagrar, coroar, criar, crer, declarar, dizer, eleger, considerar, fazer, instituir, julgar, nomear, ordenar, proclamar, repu- tar, saudar, saber, encontrar, querer etc. A construção do predicativo é, geralmente, direta (ou seja, sem preposição). Em Parece bom e em Julgo-o culpado, bom (predicativo do sujeito) e culpado (predicativo do objeto) são construídos diretamente. O mesmo não acontece com louco, inteligente, chefe e inimigo nas frases seguintes: Tratam-no co- mo louco. Tomaram-no por inteligente. Ele decide na qualidade de chefe. É considerado como inimigo. Aí, de e por são preposições e na

Referências

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A criação, proposta na Disciplina Tópicos em Literatura e Dramaturgia, partiu do estudo da obra dramática de autoria coletiva, Makunaimã – o mito através do tempo, publicada em 2019,