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RESPIRAR E RESISTIR: ENTREVISTA COM GRAÇA GRAÚNA

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Academic year: 2023

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DOI: http://dx.doi.org/10.35520/diadorim.2022.v24n1a50394 Recebido em: 23 de fevereiro de 2022 /Aceito em: 25 de maio de 2022

RESPIRAR E RESISTIR:

Entrevista com Graça Graúna BREATHE AND RESIST:

Interview with Graça Graúna Marta Passos Pinheiro1 Guilherme Trielli Ribeiro2 Viviane de Cássia Maia Trindade3 RESUMO

Graça Graúna é indígena do povo Potiguara do Rio Grande do Norte, escritora, crítica literária e professora da Universidade de Pernambuco (UPE), na área de Literatura e no Curso de Licenciatura em Ciências Sociais. Possui doutorado em Teoria Literária (UFPE) e pós-doutorado em Educação, Literatura e Direitos Indígenas (UMESP). É autora de livros de literatura e teoria: Contrapontos da literatura indígena contemporânea no Brasil, referência nos estudos sobre literatura indígena; Canto mestizo; Tessituras da terra; Tear da palavra; Flor da mata; Criaturas de Ñanderu; e Fios do tempo (quase haikais). Nesta entrevista, Graça Graúna responde a questões sobre a concepção e publicação da literatura indígena, suas especificidades no Brasil, a atuação da mulher escritora indígena, direitos humanos, a prática do “escreviver”, a presença indígena na literatura modernista e sua mais recente publicação: Fios do tempo (quase haikais), livro lançado no final de 2021. Reconhecendo como literatura indígena um conjunto abrangente de produções orais e escritas, a poeta chama a atenção para seu caráter coletivo, ancestral, de resistência e resiliência. Ela destaca a importância da mulher indígena nos campos da educação, da política e das artes. Em sua produção, reconhece a forte presença de questões sociais, principalmente as relacionadas a direitos humanos e ao meio ambiente, além da responsabilidade de escrever sobre o universo indígena, ainda desconhecido por muitos. Adepta da prática do escreviver, Graça Graúna ressalta que a escrita é concebida por ela de forma ampla, estando presente não só nos textos impressos, mas também nas diversas artes dos povos originários.

PALAVRAS-CHAVE: Graça Graúna; literatura indígena; literatura de resistência; escreviver.

1 Professora do Departamento de Linguagem e Tecnologia do Centro Federal de Educação Tecnoló- gica de Belo Horizonte (Cefet-MG). E-mail: martapassaro@gmail.com.

2 Professor do Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino da Faculdade de Educação da Univer- sidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E-mail: guilhermetrielli@gmail.com.

3 Professora no Instituto de Educação Continuada da Pontifícia Universidade Católica de Minas Ge- rais (IEC/PUC Minas). E-mail: vivianemaia.t@gmail.com.

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and professor at the University of Pernambuco (UPE). She holds a PhD in Literary Theory (UFPE) and completed postdoctoral research in Education, Literature and Indigenous Rights (UMESP).

She is the author of books on literature and theory, including: Contrapontos da literatura indígena contemporânea no Brasil, reference in studies on indigenous literature; Canto mestizo; Tessituras da terra; Tear da palavra; Flor da mata; Criaturas de Ñanderu; and Fios do tempo (quase haikais). In this interview, Graúna answers questions about the conception and publication of Indigenous literature and its particularities in Brazil, Indigenous woman writers, human rights, the practice of escreviver (life- writing), the Indigenous presence in Brazilian modernist literature, and her most recent publication:

Fios do tempo (quase haikais). By conceiving Indigenous literature as a comprehensive set of oral and written works, the poet draws attention to its collective, ancestral character of resistance and resilience.

She highlights the importance of Indigenous women in the fields of education, politics, and the arts.

In her work, she recognizes the strong presence of social issues, especially those related to human rights and the environment, in addition to the responsibility of writing about the Indigenous culture, still unknown to many. A practitioner of life-writing, Graça Graúna approaches writing with a broad angle, including in her definition not only the printed texts, but also other arts of native peoples.

KEYWORDS: Graça Graúna; Indigenous literature; resistance literature; escreviver (life-writing).

Advertência:

se eu parasse de escrever respiraria?

Graça Graúna Fios do tempo (quase haikais)

1- O que é literatura indígena e quais são as especificidades dessa arte no Brasil?

Nunca é demais afirmar que a literatura indígena é uma canoa no mar da ancestralidade.

Entre as especificidades dessa arte, o fazer coletivo ressalta, ao mesmo tempo, a unidade e o todo. Essa literatura (quer seja escrita ou oral) é, ao mesmo tempo, a assinatura de milhares e milhares de vozes excluídas ao logo dos mais de 500 anos de colonização. Literatura indígena é também uma arte de resistência, resiliência; é uma forma de lutar pelo meu/nosso lugar no mundo.

2- Como você vê a atuação da mulher indígena na Educação e no âmbito literário?

Dentro ou fora das sociedades indígenas, o papel da mulher pode e deve ser encarado como relevante. Não pode ser desconsiderado o avanço da mulher indígena no campo da educação, da política, das artes; na luta pela conquista do território, como foi possível observar,

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Respirar e resistir: entrevista com Graça Graúna Marta Passos Pinheiro; Guilherme Trielli Ribeiro; Viviane de Cássia Maia Trindade acompanhar as manifestações em todo o Brasil, no movimento “Demarcação já”; sobretudo na grande Marcha das Mulheres Indígenas, em Brasília/DF. Sem dúvida, esses acontecimentos refletem nas artes, na educação, e muitos nomes se destacam na Literatura e em outras Artes:

Aline Pachamama, Brasília Morena (Potiguara/RN), Eliane Potiguara, Fernanda Vieira, Julie Dorrico, Karollen Potyguara (RN), Cacique Lúcia Paiaku (RN), Marcia Kambeba e Meiriane (Potiguara/RN) e Yacunatuxa, entre outras; na Educação: Darlene Taukane, Marcia Mura, Maria Pankararu e Severiá Idioriê; na Política: Cacica Neide Truká, Tayse Potiguara (RN) e Sônia Guajajara, entre outras lideranças indígenas.

3- Como você vê a publicação dos textos de autoria indígena e sua recepção? De que forma as questões acerca dos direitos humanos afetam essa produção?

Sobre a publicação dos meus textos e a recepção em torno deles, aproveito a oportunidade para agradecer ao público leitor o constante afeto e atenção aos meus escritos. Muito do que escrevo está atrelado ao social, aos direitos humanos e a questões relacionadas ao meio ambiente e a tantos outros problemas que podem caber num poema, por exemplo. Alguns livros de minha autoria estão esgotados. Infelizmente, por questões financeiras, não tive a oportunidade de reeditá-los, mas permanece o sonho de reeditar, por exemplo: Flor da mata, Canto mestizo e Criaturas de Ñanderu. É grande a responsabilidade de escrever sobre um universo que, geralmente, muitos desconhecem: o universo indígena.

4- Você tem sido citada por escritores e escritoras indígenas mais jovens. Já podemos falar em uma tradição de escrita indígena?

Costumo dizer que a nossa literatura indígena sempre existiu e existirá sempre. Uma prova disso é a riqueza da nossa tradição oral. O livro no formato impresso é apenas uma das faces dos nossos saberes, pois a nossa escrita se apresenta também em forma de um colar, de pintura rupestre, de uma cesta, de uma esteira e de uma infinidade de conhecimentos que a chamada sociedade ocidental não reconhece.

5- No depoimento “Dos saberes indígenas: o nosso papel também é fazer arte” (no Projeto Mekukradjá, coordenado por Daniel Munduruku), você afirma: “Meu pai pescava no mangue, pegava caranguejo, ‘unha de véio’ (um tipo de ostra), muçum (um peixe preto comprido feito cobra) e outros frutos da maré pra garantir a nossa sobrevivência. Nesse ritmo, fui aprendendo a escreviver desde cedo”. Que outras experiências de vida marcaram sua escrita?

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universitária, ao participar de eventos culturais em Recife/PE, conheci nomes importantes, a exemplo do professor, artista e cineasta pernambucano Jomar Muniz de Brito. Nos eventos culturais, seu nome estava sempre associado à prática do “escreviver”. Nesse ritmo, fui criando gosto pelo exercício de crítica e escritura, de maneira que optei por uma feitura de poemas críticos que caracterizam o meu jeito de ser e escrever/viver.

6- Com a comemoração do centenário da Semana de Arte Moderna de 1922, a presença indígena na literatura modernista vem sendo destacada por muitos críticos. Como você avalia essa presença, considerando obras como Pau-Brasil, de Oswald de Andrade;

Macunaíma, de Mário de Andrade; Cobra Norato, de Raul Bopp; e Martim Cererê, de Cassiano Ricardo?

Como vocês podem ver, os saberes indígenas alimentaram e muito o chamado movimento modernista nas obras de Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Raul Bopp e Cassiano Ricardo, entre outros autores brasileiros. Embora não pareça, antes da “Semana de 22”, o nosso Makunaimã já existia; porém, na busca de uma identidade “nacional”, o escritor Mário de Andrade criou um personagem chamado “Macunaíma” e deu-lhe o atributo de sujeito “sem nenhum caráter”, o que se distancia e muito do sentido original da entidade Makunaimã. Como diria o escritor e parente indígena Cristino Wapichana, a entidade Makunaimã faz parte do sagrado mundo dos povos indígenas que habitam o Monte Roraima, no extremo Norte do Brasil. Nessa direção, eu, Graça Graúna, considero que o sujeito “sem nenhum caráter” parece condenado ao “deslugar”, enquanto a entidade Makunaimã resiste, pois faz parte de uma realidade que norteia os ecos da nossa ancestralidade.

7- No seu último livro Fios do tempo (quase haikais), a publicação cartonera, feita artesanalmente, dá um grande destaque ao projeto gráfico da obra. A capa de papelão traz uma pequena folha de louro costurada à mão, com linha vermelha. A apresentação de Paula Santana é acompanhada por imagens de parênteses, sugerindo pontos de costura.

Os “quase haikais” são dispostos individualmente em folhas com cortes horizontais, possibilitando várias ordens e formas de leitura. Como você vê o papel do projeto gráfico nessa obra? Fale um pouco da concepção dos poemas e do livro.

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Respirar e resistir: entrevista com Graça Graúna Marta Passos Pinheiro; Guilherme Trielli Ribeiro; Viviane de Cássia Maia Trindade Os poemas (haikais) de Fios do tempo existem já há um bocado de tempo. São todos inéditos. Em meio à pandemia, resolvi libertar os originais engavetados, o que significou/

significa muito para mim. Alguns dos haicais criei ao longo da pandemia e cada momento de escrita surgiu como um respiro. Diria que esse livro significa para mim um processo catártico, pois me fez ir ao fundo do poço para sobreviver ao isolamento social a que fomos submetidos/

as. Acolhi o estilo cartonero como uma forma de libertação (dos contratos longos) e sobretudo pela clareza no trato dos direitos autorais.

Escrever, pra quê?

Pra respirar e resistir como quer a Poesia Graça Graúna Fios do tempo (quase haikais)

Referências

ANDRADE, Oswald de. Pau-Brasil. Paris: Au Sans Pareil, 1925.

ANDRADE, Oswald de. Poesias reunidas. 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1974.

ANDRADE, Mário de. Macunaíma: o herói sem nenhum caráter. São Paulo: Oficinas Gráficas de Eugenio Cupolo, 1928.

BOPP, Raul. Cobra Norato. São Paulo: Estabelecimento Gráfico Irmãos Ferraz, 1931.

GRAÚNA, Graça. Canto mestizo. Rio de Janeiro: Ed. Blocos, 1999.

GRAÚNA, Graça. Tessituras da terra. Belo Horizonte: Edições Mulheres Emergentes, 2000.

GRAÚNA, Graça. Tear da palavra. Belo Horizonte: Edições Mulheres Emergentes, 2001.

GRAÚNA, Graça. Criaturas de Ñanderu. São Paulo: Manole, 2010.

GRAÚNA, Graça. Contrapontos da literatura indígena contemporânea no Brasil. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2013.

GRAÚNA, Graça. O coelho e a raposa. (Tradução de mitos indígenas do México). São Paulo:

FTD, 2014.

Referências

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