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Sociedade da informação e do conhecimento

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Academic year: 2023

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AS LIÇÕES DO BANCO MUNDIAL PARA A INSERÇÃO DOS PAÍSES PERIFÉRICOS NA

“SOCIEDADE DO CONHECIMENTO E DA INFORMAÇÃO”: que conhecimento? Para qual desenvolvimento?

Selma Maria Silva de Oliveira Brandão1

RESUMO: Este estudo aborda as principais recomendações do Banco Mundial, direcionadas aos países periféricos a partir dos anos 1990, para a inserção na propalada “Sociedade do Conhecimento e da Informação”. De modo sintético, a análise indica que sob a égide do neoliberalismo, a inovação tecnológica, foi propalada de acordo com os ditames internacionais, visando fortalecer os interesses do mercado.

Nesta direção, os resultados do trabalho demonstram que a disseminação dessa ideologia encontra razão de ser nas respostas que os intelectuais defensores do sistema capitalista tiveram que produzir para responder a uma das mais graves crises do capitalismo, com repercussões até os dias atuais.

Palavras-chave: Ciência. Banco Mundial. Inovação tecnológica. Sociedade da informação e do conhecimento.

Desenvolvimento.

ABSTRACT: This study approaches the main recommendations of the World Bank, directed to the peripheral countries from the 1990s, for insertion into the so-called

"Knowledge and Information Society". In summary, the analysis indicates that under the aegis of neoliberalism, technological innovation, was promoted in accordance with international dictates, aiming to strengthen the interests of the market. In this direction, the results of the work demonstrate that the dissemination of this ideology finds reason for being in the answers that the intellectual defenders of the capitalist system had to produce to respond to one of the most serious crises of capitalism, with repercussions until the present day.

Key words: Science. World Bank. Technological innovation.

Information society and knowledge. Development.

1 INTRODUÇÃO

Sob o argumento que a sociedade vivencia outra etapa da economia mundial, cujo desenvolvimento, depende do conhecimento e da informação, a inovação tecnológica, tem

1 Doutora em Políticas Públicas. Professora do Curso de Serviço Social. Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: selmambrandao@gmail.com

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sido fortemente impulsionada nas últimas décadas, como balizadora da produção científica em todo o mundo.

Assim, o presente trabalho tem como objetivo central analisar os parâmetros norteadores da implementação das políticas de Ciência e Tecnologia (C&T) nos países periféricos, recomendados pelos organismos internacionais, sobretudo o Banco Mundial.

Neste contexto, busca-se problematizar, o que esta por trás da disseminada ideologia que a sociedade do futuro é a sociedade do conhecimento e, se propaga de modo irreversível no contexto de uma nova Revolução Científica e Tecnológica.

2 O QUE EXISTE POR TRÁS DO PROPALADO DISCURSO DA “SOCIEDADE DO CONHECIMENTO E DA INFORMAÇÃO”?

É indiscutível que, a partir das últimas décadas do século XX, os países do centro à periferia do sistema capitalista vem passando por rápidas e profundas transformações, ocasionadas, dentre outros aspectos, pelo acelerado processo de desenvolvimento científico e tecnológico, com repercussões em todas as dimensões da vida em sociedade. “Em geral, a referência temporal ao século XXI adota a projeção de que a sociedade do novo século é a sociedade do conhecimento que se difunde como expressão irresistível da Revolução Científica e Tecnológica.” (SINDICATO NACIONAL DOS DOCENTES DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR, 2004, p. 43). Em decorrência destas transformações, disseminou- se a ideia de que a sociedade vivencia uma nova forma de ordenamento, caracterizada, sobretudo, pelo alargamento sem precedentes da utilização diretamente produtiva da ciência e tecnologia, associada ao crescimento e popularização das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs), - na vida cotidiana das pessoas, entre todos os segmentos sociais.

Em que pese os notórios avanços em curso neste período, é sabido que a revolução tecnológica é um elemento que faz girar a roda do capitalismo desde a sua gênese. No contexto de sua expansão, no século XIX, a utilização da ciência como força produtiva potencializou o poder do capital sobre o trabalho, para aumentar a produção de mercadorias através da transformação da natureza, cujo processo é muito bem analisado por Karl Marx em O capital. Nesta obra depreende-se que é inerente ao capital transformar tudo à sua volta em mercadoria mediante a subsunção de seu valor de uso em valor de troca: as coisas, as pessoas e o próprio conhecimento científico. Sob esta perspectiva,

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então, o conhecimento científico só adquire valor se, submetido às leis do mercado, possuir valor de troca; se converter em outra mercadoria. Assim Karl Marx (2004, p. 57) inicia sua célebre obra, O capital:

A riqueza das sociedades onde rege a produção capitalista configura-se em imensa acumulação de mercadorias e a mercadoria, isoladamente considerada, é a forma elementar dessa riqueza. Por isso nossa investigação começa com a análise da mercadoria. A mercadoria é, antes de mais nada, um objeto externo, uma coisa que, por suas propriedades, satisfaz necessidades humanas, seja qual for a natureza, a origem delas, provenham do estômago ou da fantasia. Não importa a maneira como a coisa satisfaz a necessidade humana, se diretamente, como meio de subsistência, objeto de consumo, ou indiretamente, como meio de produção.

Ou seja, nesta citação, percebe-se claramente que toda mercadoria possui necessariamente valor de uso, por ser capaz de satisfazer necessidades humanas, sejam elas provenientes do estômago ou da fantasia. Enfim, “[...] a utilidade de uma coisa faz dela valor de uso.” (MARX, 2004, p. 58). Contudo, afirma o referido autor, se toda mercadoria possui uma utilidade, cada mercadoria é veículo material de um valor de troca. Ou seja:

O valor de troca revela-se no início, na relação quantitativa entre valores–de-uso de espécies diferentes, na proporção em que se trocam, relação que muda constantemente no tempo e no espaço. Por isso o valor-de-troca parece algo casual e puramente relativo, e, portanto, uma contradição em termos, um valor-de-troca inerente, imanente à mercadoria. (MARX, 2004, p. 58).

Ao comentar acerca da subordinação impiedosa do valor de uso ao valor de troca da produção científica sob os ditames do capital assim destaca Mészáros, (2004, p. 269):

Ao longo de todo seu desenvolvimento, a ciência moderna foi obrigada a servir com todos os meios a sua disposição à expansão do valor de troca, dentro do quadro de um sistema de produção orientado para o mercado que, em si, estava sujeito aos ditames da concentração e da centralização do capital, assim como a absoluta necessidade de lucro sob as condições da composição orgânica do capital que, do ponto de vista da facilidade e do lucro, foi se tornando cada vez pior.

Neste sentido, ao longo do século XX, no contexto da divisão internacional do trabalho, no mundo capitalista, ocorreu uma tendência ascendente e de feições particulares de fusão entre ciência e tecnologia, em razão de seu maior envolvimento no processo de valorização do capital. Em consequência das duas Guerras Mundiais, da depressão econômica e posterior ascensão do fascismo, houve, na primeira metade do século XX, um deslocamento do centro de gravidade da ciência do continente europeu para os EUA, acarretando uma migração em massa de cientistas dos países periféricos para os países desenvolvidos, sobretudo para os EUA, fenômeno que ficou conhecido como fuga de cérebros. (HOBSBAWM, 1995). A partir de dados do Relatório das Nações Unidas de 1989,

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afirma o referido autor, enquanto nas décadas de 1970 e 1980 os países desenvolvidos investiram quase três quartos de todos os orçamentos do mundo em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), os pobres (‘em desenvolvimento’) não gastaram mais de 2% a 3%.

O resultado deste investimento desigual fica claro a partir dos seguintes dados referentes à década de 1970: enquanto um país desenvolvido como os EUA possuíam mais de mil cientistas e engenheiros para cada milhão de habitantes no Brasil, por exemplo, este número era de aproximadamente 250. (HOBSBAWM, 1995).

Na atualidade, o panorama mundial nesta área permanece inalterado, com os EUA concentrando grande parte das atividades de P&D, o que lhes garante uma dianteira no desenvolvimento tecnológico, fortemente impulsionado nas últimas décadas pela inovação.

Isto significa que o grande destaque assumido pela inovação tecnológica, no âmbito das atividades de P&D, representa a intensificação da relação entre ciência, tecnologia e produção de bens e serviços com fins diretamente produtivos e na perspectiva de acelerar, cada vez mais, o processo de valorização do capital. Nesta direção compreende-se que o reconhecido desenvolvimento tecnológico alcançado pelos EUA no mundo contemporâneo

“[...] faz parte da materialidade do projeto hegemônico estadunidense, constituindo-se em uma das bases do novo imperialismo.” (NEVES; PRONKO, 2008, p. 145).

Uma das consequências mais danosas deste processo se refere às investidas cada vez maiores e, de forma indiscriminada, do mundo empresarial no campo científico, cujo resultado é a mercantilização das atividades de pesquisa com a consequente privatização dos conhecimentos delas resultantes. Através de contratos fechados entre universidades e empresas, prática cada vez mais comum no mundo, a pesquisa é desenvolvida como em uma grande linha de produção, a partir de padrões rigorosos de tempo e qualidade, tendo em vista garantir os interesses do cliente contratante dos serviços.

Neste contexto, considerando o grande potencial lucrativo das novas descobertas, busca-se assegurar o monopólio do conhecimento, direcionando todo o seu processo produtivo: desde a seleção do tema a ser investigado e dos pesquisadores que trabalharão no projeto, passando pelos mecanismos operacionais da pesquisa até a elaboração dos resultados, posteriormente comercializados nas prateleiras do mercado do conhecimento, transformado em inovação tecnológica.

Este processo de monopolização do conhecimento foi ratificado e mesmo potencializado pela atual legislação internacional de proteção a propriedade intelectual, 2

2 A propriedade intelectual foi internacionalizada a partir do denominado Acordo TRIPs, sigla em inglês que significa Acordo Comercial Relacionado aos Direitos de Propriedades Intelectuais, firmado por 127 países membros da Organização Mundial do Comércio (OMC). Até o Acordo TRIPs de 1994, cada país tinha liberdade para decidir o que seria ou não objeto de uma patente. Por

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fechando assim o círculo de ferro em torno dos países hegemônicos, dentre os quais os maiores beneficiários são os EUA. Neste país, por exemplo, a partir dos anos 1980, através de uma lei sobre patentes, ficou estabelecido que todo pesquisador ao elaborar qualquer conhecimento que tenha aplicação comercial tem o direito de exigir uma patente e assim garantir o monopólio e ganhos extraordinários sobre suas descobertas científicas, mesmo que a pesquisa tenha sido realizada com dinheiro público. A partir de então, cada vez mais a pesquisa nos EUA está sendo direcionada para qualquer coisa que em princípio, as pessoas achem patenteável, com graves consequências para a chamada pesquisa básica, ou seja, aquela sem valor comercial.

Mészáros (2012) adverte sobre os riscos deste processo, por ele denominado de tecnologização da ciência, ao mesmo tempo que chama a atenção sobre a responsabilidade social dos cientistas, considerando a forma como, em geral, o conhecimento científico é produzido e utilizado na sociedade capitalista. Dado que sob as leis do capital o que importa é o lucro, o autor destaca o perigo do desenvolvimento de pesquisas, por exemplo, nas áreas de biotecnologia e clonagem, pela ameaça que representam para a autodestruição da humanidade. “Essa nova dimensão se acrescenta ao arsenal já existente de armas nucleares, químicas e biológicas, cada uma delas capaz de nos infligir muitas vezes um holocausto universal.” (MÉSZÁROS, 2012, 83).

Assim, em decorrência do enorme desenvolvimento tecnológico das últimas décadas - grande parte introduzido no mundo do trabalho, - foram criadas categorias, noções e termos próprios, via de regra, utilizados de maneira análoga, na perspectiva de imprimir ideologicamente na sociedade o sentido de uma revolução irreversível, caracterizada pela supremacia do conhecimento: sociedade pós-industrial, sociedade pós- capitalista, sociedade informática, sociedade em rede, sociedade programada e os mais difundidos sociedade da informação e sociedade do conhecimento.3

exemplo, alguns países, inclusive o Brasil, não reconheciam patentes sobre medicamentos até aquela data. Isso acabou para todos os países signatários de TRIPs, como o Brasil, porque este acordo unificou regras e amarrou a política relacionadas à proteção intelectual, incluindo patentes, direitos autorais e marcas ao comércio internacional. A punição ao país que infringir este Acordo virá pelo comércio, através de retaliações nas suas exportações para os países membros da OMC.

(FIONI, 2012).

3 Esses conceitos foram disseminados a partir da publicação de uma série de obras de autores renomados com grande repercussão mundial. Citam-se aqui algumas de maior divulgação no país, obedecendo à ordem cronológica de sua publicação: A Sociedade Informática, do filósofo polonês Adam Schaff, 1990; Sociedade Pós-capitalista, do filósofo e administrador austríaco Peter Drucker, 2002; Pelas Mãos de Alice: o social e o político na pós-modernidade, do sociólogo português Boaventura Sousa Santos, 1995; Império, do filósofo italiano Antonio Negri e do crítico literário americano Michael Hardt, 2001; A Sociedade em Rede, do sociólogo espanhol Manuel Castels, 1999; Crítica á Modernidade e um Novo paradigma para Compreender o Mundo Hoje, do sociólogo francês Alain Touraine, 1994 e 2006.

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Sob esse verdadeiro arsenal conceitual, assistiu-se ao surgimento do que seria um novo paradigma de desenvolvimento tecnológico fundado na inovação, a partir do pressuposto de que a sociedade do conhecimento é um novo modelo de organização social, pós-industrial, sem classes, cujo principal recurso é o conhecimento, ilimitado e ao alcance de todos. (FRIGOTO, 1995).

Com esses determinantes, a ideologia da sociedade do conhecimento tem servido de suporte para “[...] estes sujeitos políticos coletivos do capital [...]”, nas palavras de Lima (2007, p.51), tais quais a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), OMC e, particularmente, o Banco Mundial na elaboração de suas recomendações para a liberalização econômica dos países periféricos, em nome, mais uma vez, da modernização e do desenvolvimento4.

3 OS PARÂMETROS DA POLÍTICA DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA (C&T) PARA OS PAÍSES PERIFÉRICOS, SEGUNDO O RELATÓRIO DO BANCO MUNDIAL “O CONHECIMENTO A SERVIÇO DO DESENVOLVIMENTO”

Ao longo das últimas décadas, os países situados na periferia do sistema capitalista como o Brasil tiveram que adequar ou mesmo definir sua política econômica, segundo os ditames neoliberais,

[...] em busca de equilíbrio orçamentário via redução de gastos públicos no setor de serviços, abertura comercial, liberalização financeira com livre ingresso de capital estrangeiro, desregulamentação e liberalização dos mercados domésticos, privatização das empresas e dos serviços públicos. (SGUISSARDI, SILVA JR., 2001, p.15).

Estas orientações são direcionadas aos países periféricos a partir de uma série de documentos produzidos, principalmente pelo Banco Mundial (BM), abordando os mais diferentes temas, todos, segundo o Banco (1998/1999, p. 1), de grande “[...] interesse para as nações subdesenvolvidas ou em desenvolvimento”. Dentre estes documentos, destaca-

4 Parece desnecessário afirmar que este não é um fenômeno novo no mundo. Mudam-se os enfoques, ampliam-se os raios de atuação destas instituições, mas os objetivos continuam os mesmos. Ou seja, as políticas desenvolvimentistas sempre são evocadas nos processos de crise do capitalismo. Sob a ameaça do Comunismo, os EUA lançaram uma série de programas pautados no binômio pobreza – segurança para retirar as economias dependentes do atraso econômico e social, perigosamente suscetível a influências subversivas. Nos anos de neoliberalismo, as políticas sociais destes países têm sido alvo constante de ingerência destes organismos ao ser tratada como uma estratégia eficaz de alívio da pobreza e um campo promissor para exploração do capital em busca de novos mercados.

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se o Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial de 1998/1999. A partir do tema O Conhecimento a Serviço do Desenvolvimento, são estabelecidos parâmetros para balizar a implementação das políticas de Ciência e Tecnologia (C&T) naqueles países, a partir da seguinte estratégia: a inserção subordinada no capitalismo internacional via importação e adaptação de tecnologias desenvolvidas nos centros hegemônicos mundiais.

Ao se consultar o referido documento, percebe-se que a ideologia da sociedade do conhecimento e da informação perpassa todo o conteúdo ao partir do seguinte pressuposto:

“[...] o conhecimento é o principal fator de desenvolvimento, pois tudo depende dele.”

(BANCO MUNDIAL, 1998/1999, p. 1). Segundo o relatório, “[...] os pobres e os ricos - sejam pessoas ou países –são diferentes, não apenas por possuírem menos capital mas porque tem menos conhecimento.” (BANCO MUNDIAL, 1998/1999, p. 1). De acordo com o diagnóstico feito pelo BM, os problemas mais comuns que afetam os países em desenvolvimento são de duas ordens: a defasagem de conhecimento e os problemas de informação. Neste âmbito, o Banco concentra suas recomendações na necessidade de investimento em dois tipos de conhecimento: conhecimento sobre tecnologia e sobre atributos ou informação.5

Segundo o BM, a defasagem de criar conhecimento está diretamente relacionada, na maioria das vezes, às precárias condições materiais de produção desse conhecimento, caracterizada pela falta de capital, infraestrutura necessária e recursos humanos qualificados. Como nos países em desenvolvimento, esta condição tende a se perpetuar como verdadeiro círculo vicioso, a saída é procurar atalhos para quebrá-los. “Como criar conhecimento é caro, é por isso que grande parte do conhecimento é produzido nos países industrializados.” (BANCO MUNDIAL, 1998/1999, p. 2).

[...] não será necessário que os países em desenvolvimento reinventem a roda – ou o computador, ou o tratamento da malária. Em vez de recriar conhecimentos existentes, os países mais pobres têm a opção de adquirir e adaptar os conhecimentos já disponíveis nos países mais ricos. (BANCO MUNDIAL, 1998/1999, p. 2, grifo nosso).

Nesta passagem do documento, observa-se clara alusão a subordinação dos países periféricos a tecnologia produzida no exterior. Concomitantemente, introduz outra determinação do projeto hegemônico mundial ao reconhecer que a defasagem de conhecimento não se resolve apenas com aquisição de conhecimento, mas depende de um

5 Embora ambos os tipos de problemas incidam sobre a política científica brasileira, aborda-se na presente análise, a defasagem de conhecimento de forma mais detalhada, por apresentar uma relação mais direta com a definição de tal política.

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esforço tecnológico local de buscar, escolher, adaptar e adquirir as tecnologias mais adequadas ao seu processo de desenvolvimento.

No entanto, se criar conhecimento é caro, como admite o relatório, o que dizer, então de comprá-lo? Sem fazer referência aos custos monetários necessários para sua importação – para muitos países impossíveis de arcar, – recomenda o BM que as economias em desenvolvimento podem, ainda, elaborar pesquisa nacional baseada no conhecimento local, criando usos modernos para conhecimentos tradicionais. Segundo o relatório:

O conhecimento também flui dos países em desenvolvimento para os industrializados. Isso inclui não só o conhecimento indígena – por exemplo, sobre as propriedades curativas de certas plantas locais, fruto da biodiversidade de alguns países em desenvolvimento–mas também algumas inovações tecnológicas modernas. (BANCO MUNDIAL, 1998/1999, p. 34).

De onde se depreende que, no atual estágio do capitalismo mundial, a inserção dos países periféricos na nova divisão internacional do trabalho permanece, em grande medida, subordinada aos interesses econômicos dos países centrais, mais industrializados. A dependência científico-tecnológica marcada, entre outras coisas, pela importação de conhecimentos dos países periféricos, apresenta-se naturalizada no documento em questão, sem que se reconheçam os determinantes históricos deste processo.

Como exemplo da reflexão feita até aqui, o documento aborda a questão da biodiversidade6 e sua potencialidade econômica e científica – na atualidade ainda mais alardeada, – sem fazer referência ao uso mercantil indiscriminado do patrimônio genético do planeta. Este uso foi feito, ao longo de séculos de espoliação, pelos países centrais, grande parte, via contrabando dos recursos genéticos e espécies animais e vegetais presentes de forma abundante nos países periféricos.

Nesse contexto se situam países como Brasil, Colômbia, Costa Rica e Madagascar que possuem um patrimônio genético tão rico que os meios especializados falam em megabiodiversidade. Somente o Brasil possui, aproximadamente, 20% de toda a biodiversidade existente atualmente no planeta. Enquanto as maiores e mais conceituadas indústrias dos ramos farmacêuticos, de engenharia genética e de biotecnologia são originárias dos países centrais. Através da biopirataria, uma enorme diversidade de material genético (extração de genoma, tráfico de animais, princípios ativos de plantas), além dos conhecimentos e saberes tradicionais dos povos indígenas, quilombolas, seringueiros e ribeirinhos que vivem nos países latino-americanos, sobretudo na região da Amazônia legal

6 Termo utilizado por biólogos contemporâneos para definir com maior ênfase a quantidade de espécie animais e vegetais existentes no planeta.

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brasileira, têm sido contrabandeados para o estrangeiro7. Nestes países, um valor científico ocidental é atribuído aos conhecimentos tradicionais - através de pesquisas avançadas, desenvolvidas em grandes laboratórios – que, aprimorados, resultam na criação de novas tecnologias, para em seguida serem patenteados por grandes empresas multinacionais, sem gerar nenhum benefício para o país ou para aquela população originalmente detentora do conhecimento indevidamente apropriado8.

Sob o discurso de guardião do planeta e zelador da paz mundial, os EUA tornaram ainda mais rígidas as leis de patentes para reduzir a pirataria intelectual e, ao fazê-lo, favoreceram as empresas transnacionais com sede nos países desenvolvidos, inclusive norte-americanas, que agora estão patenteando tudo, desde o genoma humano até a biodiversidade da floresta tropical, acentuando assim a espoliação e a dependência dos países periféricos. (MÉSZÁROS, 2012). No campo da agricultura, por exemplo, setor de interesse vital para os EUA, a produção de alimentos geneticamente modificados é realizado por megaempresas transnacionais, como a norte-americana Monsanto. O pimentão doce e sem sementes é apenas mais uma novidade no mercado mundial, onde praticamente todas as frutas cítricas (laranja, limão e tangerina) são produzidas em laboratórios. Nos EUA, 80%

das melancias consumidas atualmente não possuem sementes9. Neste sentido,

7 Há mais de uma década, ou seja, em dezembro de 2001, 23 pajés de diferentes tribos indígenas do Brasil, reunidos na cidade de São Luís-MA, para discutir o tema A sabedoria, a Ciência do Índio e a Propriedade Industrial formularam um memorável documento denominado de Carta de São Luís, endereçada à Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI) da ONU, cujo teor consistia em questionar frontalmente toda forma de patenteamento que derive de acesso a conhecimentos tradicionais. Ao declarar que o conhecimento é coletivo e não simplesmente uma mercadoria que se pode comercializar como qualquer objeto no mercado, os pajés propõem ao governo, dentre outras coisas, “[...] que reconheçam os conhecimentos tradicionais como saber e ciência, conferindo-lhes tratamento equitativo em relação ao conhecimento ocidental, estabelecendo uma política de ciência e tecnologia que reconheça a importância dos conhecimentos tradicionais.” (CARTA ..., 2001, p. 2).

8 Levantamentos oficiais confirmam que o Brasil já perdeu centenas de milhões de dólares com registro no exterior de novas patentes sobre produtos e saberes contrabandeados da Amazônia.

Como no Brasil ainda não possui um sistema de proteção legal dos direitos de propriedade intelectual de comunidades tradicionais, nem mesmo uma lei sobre esta matéria - apenas uma medida provisória do ano de 2001, – aliado ao fácil acesso ao território nacional, sobretudo a Amazônia – cuja área de abrangência correspondente a 5. 029.322 km2, – faz-se necessário e urgente desenvolver mecanismos de proteção desse patrimônio, de modo a reverter para a população uma parte dos lucros obtidos com o registro de patentes. Tarefa não muito simples, na medida em que, em última instância, o que está em questão é algo muito maior: saber “[...] o que é o conhecimento e a quem ele pertence”. Dados obtidos através de palestra sobre saberes tradicionais, proferida na última edição da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), mesa redonda, realizada em São Luis-MA, no mês de julho de 2012.

9 Enquanto isso, na Amazônia brasileira, mais de mil índios representantes de diversas etnias promovem feira de sementes num grande esforço para manter vivas suas tradições, atividades sócio-econômicas e culturais, bem como a agrobiodiversidade amazônica. As sementes tradicionais também chamadas de crioulas, manejadas pelos povos indígenas há séculos, são produto de um conhecimento altamente elaborado que envolve a seleção, conservação e melhoramento de culturas as mais diversas, de acordo com os gostos, o clima e a dinâmica de cada

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[...] o governo dos Estados Unidos está fazendo o possível para impor ao resto do mundo produtos cuja adoção garantiria - ao forçar eternamente os agricultores de todo o mundo a comprar sementes não renováveis da Monsanto – o domínio absoluto para os Estados Unidos no campo da agricultura. As tentativas de empresas norte-americanas de patentear genes visam objetivo semelhante.

(MÉSZÁROS, 2012, p.52).

Para Mészáros (2012, p. 53), na atualidade, entre os tipos de dominação econômica e cultural realizada pelos EUA, entretanto, nenhuma é mais grave que a forma voraz e terrivelmente perdulária com que aquele país “[...] toma para si os recursos de energia e de matérias primas do mundo, com dano imenso e crescente para as condições de sobrevivência humana, 25% deles para não mais que 4% da população mundial.”

Desconsiderando esta realidade, e com o propósito de defender os interesses do grande capital transnacional, sob a liderança dos EUA, o BM ressalta, ainda no documento em análise, as possibilidades de os países periféricos virem a contribuir, no âmbito da produção do conhecimento, com a elaboração de inovações que, desenvolvidas localmente, possam ser aproveitadas em escala mundial. A grande ênfase, portanto, na inovação como eixo central das políticas de Ciência e Tecnologia dos países periféricos, é, na verdade, mais uma estratégia financeira e comercial dos países hegemônicos, difundida através das agências multilaterais. De igual modo, os países em desenvolvimento teriam a oportunidade de saltar à frente dos países industrializados, investindo profundamente no consumo das modernas TICs.

Segundo o BM, inúmeras oportunidades são abertas na sociedade do conhecimento através da revolução nas comunicações que, devem ser mais bem aproveitadas pelos países em desenvolvimento para difundir conhecimentos amplamente e a baixos custos, reduzindo assim a defasagem no interior de cada pais, bem como entre os países industrializados e em desenvolvimento. No entanto, de acordo com Jameson, (1999, p. 188-189):

Há um segundo requisito para superar crises sistêmicas no capitalismo: o recurso a inovações e mesmo a “revoluções” na tecnologia. Ernest Mandel considera essas mudanças coincidentes com os estágios que acabamos de descrever: a tecnologia do vapor para o momento do capitalismo nacional; a eletricidade e o motor de combustão interna para o momento do imperialismo; e a energia atômica e a cibernética para o nosso atual momento de capitalismo multinacional e globalizado, que veio a ser rotulado por alguns como pós-modernidade. Essas tecnologias produzem novos tipos de bens e são úteis para abrir novos espaços no mundo,

“encolhendo” dessa forma o globo e reorganizando o capitalismo de acordo com

região e cultura. A impressionante variedade de sementes, contínuo manejo e conservação do ambiente são mostra viva de como o conhecimento pode ser utilizado de forma sustentável para a manutenção da vida no planeta. I Feira Mebengokré de Sementes tradicionais, 03 de setembro de 2012, Pará-Brasil.

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uma nova escala. Esse é o sentido em que descrições do capitalismo recente, em termos de informação e cibernética, são apropriadas (e muito reveladoras, culturalmente falando); mas elas precisam ser juntadas à dinâmica econômica da qual tendem a ser facilmente amputadas, retórica, intelectual e ideologicamente.

3 CONCLUSÃO

Assim, ao se analisar as recomendações do BM, sobretudo, o Relatório Conhecimento para o Desenvolvimento, direcionado aos países periféricos para superarem a condição de pobreza e desigualdade, conclui-se que não se desconhece o papel potencialmente libertador do conhecimento e da tecnologia. No entanto, enquanto construção realizada por homens e mulheres ao longo da história da humanidade, todo conhecimento é historicamente situado, fruto das condições objetivas de um modo determinado de organização societária. Se esta premissa é verdadeira, o padrão de relações sociais em vigor na atual formação societária – o capitalismo – impossibilita que a função social da ciência e da tecnologia seja exercida livremente, pois ambas, de modo geral, estão subordinadas aos interesses econômicos nela dominantes. Dessa forma, enxergar no crescimento da ciência e na disseminação das modernas TICs um novo agente de transformação e emancipação social, na atualidade, é no mínimo, querer “[...] entregar-se as fantasias ‘pós-ideológicas’ dos apologetas sociais [...]” como afirma Mészáros (2004, p.

285).

Outrossim, a disseminação dessa ideologia encontra razão de ser nas respostas que os intelectuais defensores do sistema capitalista tiveram que produzir – via de regra, encomendadas pelos países hegemônicos, sob a liderança dos EUA - para responder a uma das mais graves crises do capitalismo, com repercussões até os dias atuais.

REFERÊNCIAS

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CARTA de São Luís do Maranhão: Carta dos Pajés. São Luís, 2001. Disponível em:<http://antroposimetrica.blogspot.com.br/2009/04/carta-de-são-luis-do-maranhao-

02022004.html>. Acesso em: 19 ago. 2012.

FIONI, R. A quem pertence o conhecimento científico? In Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, 64., 2012, São Luís. Anais ... São Luís:

SBPC/UFMA, 2012.

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FRIGOTO, G. Educação e crise do capitalismo real. São Paulo: Cortez, 1995.

HOBSBAWM, E. Era dos extremos: o breve século XXI - 1914-1991. Tradução Marcos Santarrita. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

JAMESON, F. Cinco teses sobre o marxismo atualmente existente. In WOOD, E. M;

FOSTER, J. B. Em defesa da história: marxismo e pós-modernismo. Rio de janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999.

LIMA, K. de S. Contra-reforma na educação superior: de FHC a Lula. São Paulo: Xamã, 2007.

MARX, K. Crítica da economia política: livro I. Tradução de Reginaldo Sant’ Anna. 22. ed.

Rio de janeiro: Civilização brasileira, 2004.

MÉSZÁROS, I. O poder da ideologia. Tradução Paulo César Castanheira. São Paulo:

Boitempo, 2004.

MÉSZÁROS, I. O século XXI: socialismo ou barbárie? Tradução Paulo César Castanheira.

São Paulo: Boitempo, 2012.

NEVES, L.; PRONKO, M. O mercado do conhecimento e o conhecimento para o mercado. Rio de janeiro: EPSJV, 2008.

SGUISSARDI, V.; SILVA JR, J. dos R. S. Novas faces da educação no Brasil. 2. ed. ver.

São Paulo: Cortez, 2001.

SINDICATO NACIONAL DOS DOCENTES DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR.

A contra-reforma da educação superior: uma análise do ANDES – SN das principais iniciativas do governo de Lula da Silva. Brasília, 2004.

Referências

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O Presidente disponibilizou todos os documentos e atas produzidos ao longo do concurso público para exame dos conselheiros e leu o Relatório Sucinto assinado pelos membros da banca