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Academic year: 2023

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TEMER A BOLSONARO: O TIRO DE MORTE NA REFORMA AGRÁRIA

Maristela Dal Moro1 Elaine Martins Moreira2 RESUMO: Este artigo tem por objetivo analisar a condução política dada pelos governos recentes a demanda por reforma agrária no Brasil. Examina a direção do executivo federal traçando um panorama do contexto político que consolidou a queda de Dilma Rousseff e instituiu Michel Temer na presidência. Em 2018 é eleito Jair Bolsonaro num quadro político de radicalização da pauta política da direita conservadora. Aqui são avaliadas suas propostas, apresentadas por ocasião de sua candidatura e as primeiras medidas governamentais relativas à questão da terra no Brasil.

Palavras-chave: questão agrária, reforma agrária, agronegócio

ABSTRACT: This article aims to analyze the political conduct given by recent governments to the demand for agrarian reform in Brazil. It examines the direction of the federal executive drawing a panorama of the political context that consolidated the fall of Dilma Rousseff and instituted Michel Temer in the presidency. In 2018 Jair Bolsonaro is elected in a political framework of radicalization of the political agenda of the conservative right. Here are evaluated his proposals, presented at the time of his candidacy and the first governmental measures related to the land issue in Brazil.

Key words: agrarian question, agrarian reform, agribusiness

1 INTRODUÇÃO

Esse trabalho pretende fazer uma breve análise das políticas agrárias nos governos Temer e Bolsonaro explicitando as medidas e políticas implementadas por esses governos e sua clara opção pela defesa dos interesses dos setores dominantes no campo. Este recorte histórico serve para explicitar que os governos que se constituem a partir do Golpe de 2016, vem como uma resposta aos os interesses econômicos, políticos e geopolíticos do grande capital, em uma fase de aprofundamento da crise estrutural do capitalismo o que tem impacto direto sobre a questão agrária. Considera-se que as políticas regressivas adotadas por esses

1Mestre e doutora em Serviço Social pela Escola de Serviço Social da UFRJ, professora associada da Escola de Serviço Social da UFRJ

2 Mestre em Serviço Social pela UFRJ e doutora em Serviço Social pea UERJ. Professora adjunta da Escola de Serviço Social da UFRJ

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governos para o campo, põem fim de forma definitiva e contundente as já frágeis tentativas e promessas de avanço rumo à reforma agrária e de defesa da agricultura camponesa.

O projeto que se consolida após o golpe de 2016, representa a radicalização das forças dominantes na implementação do projeto ultra neoliberal o qual vem se apresentando como uma resposta a crise estrutural do capital e sua manifestação mais contemporânea.

Finda a partir deste momento a possibilidade de conciliação de classes e o Estado passa a ser completamente capturado pelas forças dominantes do capital através de uma veloz e profunda contrarreforma o que significa a negação dos direitos sociais e, por sua vez da reforma agrária e das políticas direcionadas para a agricultura camponesa.

Pretende-se apontar, ainda que resumidamente, que há uma linha de continuidade da política agrária e agrícola adotada pelos governos pós golpe de 2016, e os períodos anteriores, principalmente os governos petistas, que, mesmo com alguns avanços consolidados nesse período, não cumpriu as históricas promessas de realização da reforma agrária. Entretanto, serão explicitadas as grandes rupturas operadas nesse período manifestas em um amplo desmonte da estrutura institucional e das políticas agrícolas e agrárias apontando, como sugere o título deste artigo, para um claro tiro de morte na reforma agrária no Brasil.

2 O GOLPE DE 2016 E O GOVERNO TEMER

Tratar das políticas adotadas para o campo no Brasil nos anos mais recentes, não é uma tarefa fácil considerando que os processos vivenciados nos últimos anos só podem ser explicados em direta relação com o histórico e estrutural tratamento dado à questão agrária no Brasil.

Isso nos remete às origens da ocupação do espaço agrário no Brasil que inicia com as Sesmarias, se intensifica com a Lei de Terras de 1850 e se aprofunda com as políticas implementadas pelos governos no decorrer do século XX. Mas para compreender os traços contemporâneos da questão agrária brasileira e os fundamentos do agronegócio é imprescindível decifrar a conhecida Modernização Conservadora da agricultura que se processa a partir do Golpe civil-militar de 1964, e que teve seu auge no final desta década e início dos anos 70, que nada mais é do que a aliança entre o capital agrário com o industrial e bancário. (DAL MORO, 2018).

Merece especial atenção, também, os governos que antecederam o golpe de 2016, comandos por Lula de 2003 a 2010 e Dilma de 2011 até 2016, os quais nos dão pistas para entender a profunda derrocada da reforma agrária no Brasil. Ao assumir o poder esses criam

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uma grande expectativa junto aos movimentos sociais e os trabalhadores de modo geral em relação à reforma agrária. Entretanto, essa esperança sofreu duros golpes no decorrer dos treze anos de mandato e demonstra que houve uma relação bastante amistosa entre esses governos e os representantes do agronegócio.

Como assevera COGIOLLA (2019), tratando especificamente do governo Lula. Este governo, segundo o autor, assumiu o compromisso com a lei de responsabilidade fiscal, o superávit primário e o pagamento da dívida externa e, com isso, atendeu aos clamores dos investidores, ao mesmo tempo em que criou um clima de otimismo diante do crescimento econômico favorecido, principalmente pelo situação econômica internacional que era plenamente favorável o que permitiu a elevação da meta do superávit primário superando os 15,4 bilhões exigidos pelo FMI. Mas desde o início o Brasil paga um preço alto por essa política macroeconômica, de acordo com Cogiolla,

“o governo implementou cortes suplementares de R$ 14 bilhões no orçamento de 2003, e elevou para 4,25% a meta do superávit primário (no orçamento real, dito nominal, houve déficit de 12% do PIB, já que os encargos financeiros equivaliam a 23% do PIB), questionando os investimentos em saneamento, assentamentos rurais, manutenção das estradas, saúde, educação. (2019; pg 42).

O agronegócio entre como um dos principais parceiros deste projeto, pois em um cenário de expansão do mercado mundial de matéria primas, garante a estabilidade econômica, através da produção e exportação de determinados produtos levando o país a um sistema econômico de agroexportação. A expressão mais importante nessa opção foi o aumento das exportações de grão que passam 96,8 milhões de toneladas, em 2002 para 151 milhões de toneladas em 2009. Tais elementos, ainda que rapidamente explicitam de forma contundente o motivo da falência da reforma agrária e das políticas agrárias e agrícolas voltadas à agricultura familiar e camponesa neste governo e do privilegiamento do agronegócio.

Já no plano do governo de Dilma Rousseff, a reforma agrária tornou-se ainda mais residual. Sob o argumento de que era preciso investir nos assentamentos existentes, a garantia de condições de reprodução dessas áreas, de modo que o INCRA, nos cinco anos de governo se concentrou mais na assistência técnica aos assentamentos, ao invés da realização da desapropriação de terras para formar novos assentamentos. Diante disso, as medidas deste governo direcionaram-se para o “Brasil Sem Miséria” com ações como a inscrição no Cadastro Único de Programas Sociais, o qual possibilita à família assentada ser atendida pelo programa Bolsa Família, por exemplo.

Contrariando as históricas promessas do Partido dos Trabalhadores e dos Programas de Governo, principalmente de Lula acerca da realização da reforma agrária, pode-se concluir

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que aos governos petistas, ainda que avançaram ao implementar politicas e programas para os trabalhadores do campo, fizeram uma clara a opção pelo agronegócio o que significou o aprofundamento do abismo histórico da desigualdade no país, a perpetuação da tolerância à grilagem à concentração da propriedade fundiária mantendo os privilégios deste setor, principalmente no que se refere a quase inexistente carga tributária incidente sobre os imóveis rurais.

Advertimos, então, que é imprescindível compreender esses processos para explicitar os traços contemporâneos da questão agrária no Brasil e as políticas adotadas pelos governos constituídos após 2016. Mas é imperioso, também, deslindar o que particulariza esses governos e a que projeto estão vinculados para explicar os rumos das políticas agrícolas e agrárias adotadas pelos governos em questão.

Michel Temer, que que assume o poder com o golpe de 2016 com o discurso de que novas e radicais medidas deveriam ser tomadas para conter a forte crise política e econômica que assolava o país, se constitui através do apoio de partes da burguesia nacional e internacional como uma estratégia para diminuir os efeitos da crise estrutural do capital aprofundada, principalmente a partir de 2008. A base deste novo ciclo deveria se assentar no

“equilíbrio fiscal”, constituído através do corte de gastos públicos diminuindo o endividamento e aumentando o superávit primário. Sem sequer mencionar os grandes responsáveis por esse desequilíbrio fiscal que seria, principalmente, o gasto com o pagamento dos juros da dívida e as desonerações tributárias concedidas a diversos setores especulativo e empresarial, o que levavam a diminuição da arrecadação por parte do Estado, o governo lança mão de uma série de contrarreformas que levam a um amplo desmantelamento dos diretos e das políticas sociais. A direção não é diferente quando se trata das políticas agrárias e agrícola o que significou a derrota da reforma agrária e da agricultura camponesa ao mesmo tempo em que aprofunda ainda mais a criminalização dos movimentos e organizações sociais que lutam pela reforma agrária.

O apoio recebido pelo agronegócio ocorreu em função de vários de acordos firmados nos bastidores, com Michel Temer culminando em uma série de medidas a favor do setor agrícola-empresarial, tomadas por este governo nos dois anos de mandato. Vale ressaltar a interlocução de Temer com a Bancada Ruralista e o Instituto Pensar Agropecuparia (IPA), que de acordo com Alantejano (2018), lançaram um documento denominado “Pauta Positiva – Biênio 2016-2017”, assinado pelas duas entidades e mais 38 associações ligadas ao agronegócio, encabeçado pela ABAG – Associação Brasileira do Agronegócio.

Este documento, de acordo com o autor, aponta as propostas que deveriam ser tomadas pelo governo que sucederia a administração Dilma, para o biênio 2016/2017,

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elaboradas após um diagnóstico das possibilidades abertas para a superação da crise econômica e política. O ponto mais importante era de que isso só se efetivaria se o houvesse o fortalecimento do Ministério da Agricultura através da nomeação de “um líder diferenciado, que tenha conhecimento profundo do setor e que tenha, principalmente, estreito relacionamento com as entidades representativas e com as lideranças políticas. ” (FPA/IPA, apud Alantejano, 2018, pg. 310)

Não é por acaso que a primeira medida tomada por esse governo foi a nomeação como ministro da agricultura um dos maiores sojeiros do Brasil, e atuante na luta contra a demarcação das terras indígenas no estado do Mato Grosso, Blairo Maggi em um claro aceno ao agronegócio e seus representantes. Ao mesmo tempo, extingue o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) incorporando-o, em um primeiro momento, ao Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) e logo em seguida, através do Decreto 8780, incorpora-o à Casa Civil, rebaixando esse Ministério a uma Secretária. Fica sob responsabilidade desta Casa, também, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) o que significa que assume todas as atribuições referentes à política de reforma agrária e aos assentamentos rurais.

As restrições à reforma agrária e aos programas e políticas voltadas aos interesses da agricultura camponesa, se expressam principalmente na aprovação da Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2018, que se comparada com a LOA de 2017, sofreu um corte de R$ 4,3 bilhões nos recursos destinados às políticas direcionadas aos trabalhadores e trabalhadoras rurais.

De acordo com os dados divulgados pela CONTAG, os maiores cortes foram na Política de Fortalecimento e Dinamização da Agricultura Familiar, que perdeu R$ 3,98 bilhões, e os recursos para o crédito do Pronaf e assistência técnica foram os mais afetados. Os cortes também foram expressivos nos recursos destinados às políticas de comercialização, formação de estoques reguladores e garantia de preço dos produtos. Os dois programas mais importantes e que foram desmantelados são o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Este último, criado no âmbito do Programa Fome Zero, no início do governo Lula, propõe a compra alimentos produzidos pela agricultura familiar os quais são repassados à rede sócio assistencial e à rede pública e filantrópica de ensino. O orçamento para 2018, conforme o próprio site do INCRA, foi de 3.294.750,00 o que significou um corte de 71,3% se comparado com os recursos de 2017 (CONTAG, 2017).

Os números de famílias assentadas no país demonstram de forma clara o congelamento da reforma agrária. Conforme dados divulgados no site do MST, em 2016,

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foram assentadas somente 1.686 famílias, e, em 2017 e 2018 nem uma família foi assentada.

Não é difícil compreender o que determina a diluição drástica de assentamentos de famílias

“sem terra” nesses últimos anos quando se analisa os aportes financeiros destinados a obtenção de terras. Segundo Kely Manforte, em entrevista concedida a Miguel Soriano para o site do MST, essa rubrica sofreu um corte de R$ R$ 257,023,985, em 2017, para R$

53.497.638, o que significa 79,2% a menos (SORIANO,2018).

O claro apoio ao agronegócio vai se aprofundando nos momentos posteriores ao golpe e uma das expressões mais evidentes foi a aprovação da Medida Provisória 759/2016, transformada na Lei 13.465, em dezembro de 2017. Segundo a própria lei, no seu artigo 1o define que esta trata da “regularização fundiária rural e urbana, sobre a liquidação de créditos concedidos aos assentados da reforma agrária e sobre a regularização fundiária no âmbito da Amazônia Legal; institui mecanismos para aprimorar a eficiência dos procedimentos de alienação de imóveis da União; e dá outras providências” (BRASIL, 2017).

Interessa-nos aqui os decretos que tratam da regularização fundiária rural. O decreto 9.309 que dispõe sobre as áreas rurais situadas em terras da União no âmbito da Amazônia Legal autoriza a ampliação das ações de regularização das terras, por meio da extensão do Programa Terra Legal. Esse Programa criado em 2009, durante o Governo Lula destinava-se à região da Amazônia Legal e para os proprietários com apenas um imóvel, com terras ocupadas até 2004 e área de até 1500 hectares. A nova lei e o novo decreto possibilitam a regularização de terras da União fora da Amazônia Legal e de ocupações anteriores a 2011 e em áreas até 2,5 mil hectares. Diferente da lei anterior, essa regularização pode acontecer para àqueles proprietários que já tem outros imóveis e a comprovação de ocupação da terra são as mais variadas chegando ao ponto de ser aceito como evidencia o desmatamento da área. O que se pode prever com essa lei, que foi regulamentada em março de 2018, é a constituição de grandes propriedades em terras griladas aprofundando ainda mais a concentração de terras nessa região e ampliando os conflitos sociais.

O argumento para que sustentou essa mudança na lei era a necessidade de aumento da arrecadação do Estado, o que em tempos de crise pode ser bastante convincente, e, para isso, seria necessário instituir mecanismos mais eficientes para a alienação dos imóveis públicos. Mas na prática o que se vê é um movimento claramente anticonstitucional na medida em que não obedece aos critérios de interesse social representando uma ameaça ao patrimônio ambiental do Brasil e aos modos de vida tradicionais e a privatização das terras públicas desobedecendo os critérios de interesse social.

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Segundo nota técnica emitida no site Imazon pela pesquisadora Brenda Brito, com essa nova lei deve haver a perda de patrimônio público de 19 bilhões a 21 bilhões de reais34. Esse valor, segundo Brito, corresponde à diferença entre o valor médio de mercado dos imóveis em processo de regularização e o valor a ser cobrado pelo governo, de acordo com as novas regras o que pode ser considerado um subsídio governamental. De acordo com a pesquisadora:

As novas regras estabelecem que o governo poderá cobrar de 10% a 50% do valor mínimo por hectare definido na Pauta de Valores de Terra Nua, elaborada pelo Incra. De acordo com a análise, o preço total de mercado estimado para os imóveis é de 21,2 bilhões de reais. Porém, pelas novas regras, o governo cobrará entre R$ 486 milhões e R$ 2,4 bilhões, que representa de 2 a 11% do preço de mercado. Esse valor pode ser parcelado em até vinte anos e o primeiro pagamento é feito após 3 anos da emissão do título. Além disso, se os ocupantes optarem pelo pagamento à vista, aplica-se um desconto de 20%. (BRITO, 2018, pg. 2)

Ademais, essa Lei trata também da reforma agrária regulamentada através do Decreto 9.311 que altera a Lei na Lei Agrária Nacional. A primeira mudança se refere a compra e venda de terras dos latifundiários que era paga em Títulos da Dívida Agrária, no período de 5 a 20 anos, passará a ser feita em dinheiro ou arrematação judicial em leilões. Segundo o que consta no INCRA, essas “propostas citadas aceleram a obtenção de terras para reforma agrária e possibilitam o acesso a mais áreas em todo o País para assentamento de trabalhadores rurais”, mas na realidade o que isso demonstra é a forte relação do governo com os grandes proprietários rurais. Ao retirar a desapropriação como mecanismo de apropriação da terra para a reforma agrária essa lei e o decreto, ferem de morte a Constituição de 1988, na qual consta que a terra deve cumprir sua função social e as áreas improdutivas devem ser desapropriadas para fins de reforma agrária com indenização prévia e com títulos da dívida agrária. Ademais, essa medida desmonta o discurso de austeridade fiscal e ajustes que penalizam somente os trabalhadores.

No que se refere aos assentamentos da reforma agrária, ela lei regulamenta, também, a emancipação dos assentados, através da regularização das áreas, independente do estado de penúria e abandono pelo governo, que estes se encontram. Essa medida que permite a concessão de título definitivo, o Já o Título de Domínio (TD) o qual transfere o imóvel rural ao beneficiário de forma definitiva. A grande questão desta medida é que no momento em que a família assentada realiza o pagamento da terra ao governo, esta pode ser comercializada normalmente, pois passa a ser terra privada.

4 Como ilustração vale a pena reproduzir os dados apontados pela autora: Com essa quantia, o governo poderia beneficiar até 9,5 milhões de família ao longo de um ano por meio do Programa Bolsa Família, ou ainda cobrir 14 anos do orçamento destinado ao Ministério do Meio Ambiente em 2017 sem contingenciamento. O montante também equivale a sete vezes as doações internacionais já feitas ao Fundo Amazônia, que apoia projetos de conservação na região.

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ALANTEJANO (2018, pg. 311), adverte que “embora conste da legislação brasileira sobre reforma agrária desde 1993, a prática de concessão de títulos definitivos pouco foi aplicada no Brasil desse então, prevalecendo a titulação provisória que impedia a recolocação da terra no mercado”, e isso ocorria pela forte oposição dos movimento sociais, em especial o MST. A alteração feita na legislação por parte do governo Temer acena para as reivindicações da Bancada Ruralista e as demais entidades da categoria, e possibilitará a recolocação de milhões de hectares de terras à disposição do mercado imobiliário privado.

Não é demais afirmar que, embora é recebida com uma certa expectativa por parte das famílias assentadas certamente que essa medida aprofundará ainda mais a especulação da terra levando a um sobreaquecimento do mercado fundiário pode levar a gentrificação das áreas de assentamentos, pois a tendência é a expulsão das famílias assentadas – e agora tituladas – por força das pressões de grandes fazendeiros e de imobiliárias rurais. Ademais, ele desonera o Incra das obrigações para com as famílias assentadas, por meio de alterações até então garantido por lei. Com a emancipação dos assentamentos não caberá mais ao governo estruturar as áreas garantindo infraestrutura física e de políticas de crédito e assistência técnica deixando essa responsabilidade aos estados e municípios.

3 GOVERNO BOLSONARO E O “TIRO DE MISERICÓRDIA” NA REFORMA AGRÁRIA O fim dos dois anos de mandato do governo Temer e a vitória do candidato da ultradireita Jair Bolsonaro, embora ainda não seja possível fazer uma análise profunda ao que concerne à agricultura, já dá para constatar uma direção que aponta para sérias consequências no campo social e ambiental. Expressa, principalmente, no controle e acesso a terra, aprofundamento da quimificação e uso de transgênicos das lavouras, aprofundamento da precarização das relações de trabalho, aumento da violência contra os trabalhadores e os movimentos sociais. Aponta-se, com isso, o aprofundamento da desigualdade social e abre- se uma nova fase na luta pela terra, pela reforma agrária e pela soberania alimentar.

Ainda no documento apresentado ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE)5 com as propostas de governo o rumo da política que vem sendo adotada já ficava evidente. Logo na quarta página de documento denominado “Projeto Fenix”, consta que “o fruto da vida é sagrado” e dentro dessa ideia aparece a questão da terra da seguinte forma:

Os frutos materiais dessas escolhas, quando gerados de forma honesta em uma economia de livre iniciativa, têm nome: PROPRIEDADE PRIVADA! Seu celular, seu relógio, sua poupança, sua casa, sua moto, seu carro, sua terra são frutos de seu

5 O documento do candidato Jair Bolsonaro, bem como dos demais presidenciáveis foi acessado em:

http://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-2018/propostas-de-candidatos

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trabalho e de suas escolhas! São sagrados e não podem ser roubados, invadidos ou expropriados (BOLSONARO, 2018, pág. 04).

Mais adiante na página doze destaca como um dos desafios urgentes ao país o

“desrespeito propriedade privada”. Entre as “três linhas ação” a agricultura aparece dentro do campo da “economia”. A principal proposição é mudança do modelo institucional reunindo numa mesma pasta as diversas áreas afetas ao tema. Ao anunciar, depois de eleito, o fim do Ministério do Meio Ambiente, Bolsonaro foi duramente criticado e recuou da decisão. Todavia, não havia propostas objetivas sobre melhoria das condições de vida dos povos que vivem no campo, ou mesmo sobre a produção de alimentos. Cita segurança alimentar quando fala da reorganização da gestão, mas sem proposições específicas. Por ocasião do pleito eleitoral o Laboratório Questão Agrária em debate (ESS/UFRJ) realizou levantamento das propostas dos presidenciáveis, entre os três mais bem colocados na disputa, se obteve a seguinte síntese:

Tabela 1 – Propostas relativas à reforma agrária na eleição 2018

Vezes que citou em seu documento Bolsonaro Haddad Ciro

Água (s) 0 41 4

Agricultura familiar 0 7 2

Agroecologia/agroecológica (s) 0 12 0

Agronegócio 0 5 4

Agropecuária 2 5 1

Agrotóxico 0 7 0

Alimentação 0 3 0

Alimentar/es 1 61 1

Conflito no Campo 0 0 0

Desmatamento 0 7 1

Populações Indígenas/quilombolas 0 21 2

Meio Ambiente/ambiental 1 41 11

Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA)

0 1 0

Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF)

0 1 0

Reforma agrária 0 6 0

(In) Segurança alimentar 1 2 0

Fonte: TSE. Elaboração: QADE/ESS-UFRJ.

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Ainda analisando seu plano, se vê a como uma atribuição da área da agricultura a

“segurança no campo” e “solução da questão agrária”, mas também na explicita nitidamente como buscará resolver essas questões. Para encontrar essas respostas necessita se analisar a trajetória e as declarações do presidente, bem como de seus apoiadores. Após sua posse o INCRA foi anexado ao Ministério da Agricultura. Esse fato é novo, já desde o governo de FHC existiu outro ministério (MDA) que cuidava dos assuntos relativos à agricultura familiar.

Agora está submetido a um espaço que historicamente foi hegemonizado pelos grandes proprietários de terra.

O secretário de Assuntos Fundiários Nabhan Garcia que integra a equipe do ministério, setor “responsável pela reforma agrária”, é produtor rural e presidente licenciado da União Democrática Ruralista, conhecida entidade oponente dos trabalhadores sem terra. Em entrevista a Revista Veja ele declarou que o governo estuda rever “dentro dos parâmetros legais” a reserva indígena Raposa Serra do Sol, questionou a Pastoral da Terra, o Conselho Missionário Indigenista e “ONG’s”. Já para o segmento do agronegócio defendeu a flexibilização das exigências para que a terra tenha sua função social cumprida, bem como se mostrou favorável a renegociação das dívidas de quem “trabalha e produz” (VEJA 16/01/2019).

Aqui se vê um elemento bastante distinto desse governo comparado aos anteriores, especialmente, desde a Constituição de 1988, sua relação com os movimentos sociais. São nitidamente criminalizados e tratados como inimigos da nação. Mesmo que a repressão, os conflitos e os assassinatos de trabalhadores6 nunca tenham cessado no campo, houve conjunturas em que diminuíram. Isso tem alguma repercussão em face a orientação dada pelo governo federal e pela mediação das instituições estatais. Certamente se abriu uma conjuntura de nenhum diálogo com os sujeitos sem-terra e as organizações que os representam. Para assegurar a paz no campo, tanto no Plano Fênix quanto nas declarações de Nabhan Garcia, o que apresenta é a defesa da posse de armas. Uma medida que flexibilizou e estendeu o número de armas por pessoa foi aprovada logo nos primeiros meses de governo. O direito sagrado a propriedade vem sendo reiterado pelo governo, discurso que gera bastante satisfação no setor do agronegócio.

Outro fato que revela o direcionamento desse governo tem sido a liberação recorde de agrotóxicos. Tantos meios de comunicação de massa como o site G1 quanto outros mais

6 Para ver esses dados consultar o sitio eletrônico da Comissão Pastoral da Terra:

https://www.cptnacional.org.br/mnc/index.php.

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alternativos como a comunicação da ONG Repórter Brasil7 noticiaram esse fato. Segundo reportagem Juliano Sayuri, de 11 de março para o jornal Nexo8, mais de 74 produtos entraram no mercado brasileiro desde o início do novo governo.

Até 4 de março de 2019, o governo de Jair Bolsonaro (PSL) havia liberado 74 produtos relacionados a agrotóxicos, 58 deles já formalizados mediante publicação no Diário Oficial da União. Agora, o país passa a ter mais de 2.000 produtos agrotóxicos liberados para comercialização. De acordo com dados do Ministério da Agricultura, em 2018, durante o governo de Michel Temer (MDB), foram aprovados 450 registros, um recorde histórico (NEXO JORNAL, 16 de março de 2019).

Pelo que se pode ver o governo vem dando continuidade à política de Temer que já era bem mais “agressiva” do que nos governos do PT. Segundo a mesma reportagem o ano com maior liberação destes foi 203 produtos em 2007 com Lula e, 168 no ano de 2012, tendo Dilma na Presidência. Já Temer liberou 450 novos produtos em 2018.

Outra amostra da continuidade do direcionamento recebido do governo que antecedeu, imediatamente, foi a proposta da reforma da previdência. Tanto a proposta de Temer em 2017 quanto a que foi entregue pelo presidente em 20 de fevereiro de 2019 ao Congresso Nacional propõem reduções aos direitos previdenciários aos trabalhadores do campo. Estes que após a CF de 1988 passaram a estar na condição de “segurados especiais”

com uma forma de contribuição distinta dos trabalhadores que possuem “carteira de trabalho assinada”, foram nas duas propostas alvos preferencias para reverter “o déficit da previdência”. Na atual proposta precisarão de 20 anos de contribuição e não mais 15 anos de atividade rural como atualmente e aumenta em cinco anos a idade de aposentadoria: 60 anos para mulheres e 65 para os homens.

4 CONCLUSÃO

Diante do exposto, fica evidente que não há no horizonte qualquer possibilidade de realização de uma política pública de reforma agrária. Está inviabilizada já há alguns anos.

Todavia, a novidade é a chegada ao governo de um grupo de pessoas, inclusive com declarações do presidente classificando os sujeitos coletivos que lutam por terra nas suas diversas frentes como criminosos e desqualificando suas pautas e modo de vida, como foi o caso da declaração sobre a população quilombola, ainda antes de eleito. Um discurso, radical de direita que alia ideias liberais sobre a propriedade privada com elementos da moral conservadora, muito diferente dos demais presidentes eleitos após a reabertura democrática.

7 Ver em: https://g1.globo.com/natureza/blog/andre-trigueiro/post/2019/02/21/licenciamento-recorde- de-novos-agrotoxicos.ghtml e https://reporterbrasil.org.br/2019/01/governo-liberou-registros-de- agrotoxicos-altamente-toxicos/.

8 Ver em: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2019/03/11/Como-est%C3%A1-a- libera%C3%A7%C3%A3o-de-agrot%C3%B3xicos-no-governo-Bolsonaro.

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Pouco mais de cem dias após o início do governo, no mês de abril tanto sem terras quanto organizações indígenas realizaram mobilizações a atos. Os primeiros em memória de um dos maiores massacres de trabalhadores rurais ocorrido em Eldorado dos Carajás, em 17 abril de 1996; e o Acampamento Terra Livre que ocorre em Brasília há 15 anos, fruto de uma marcha dos povos indígenas. Devido a este último, segundo o portal UOL, o governo chegou a acionar a Força Nacional para “desencorajar violência em atos” e o próprio presidente se manifestou nas redes sociais chamando a manifestação de “encontrão”. Diante dessa conjuntura bastante adversa os movimentos sociais têm certamente um dos maiores desafios das últimas décadas: se manterem vivos, assim como, suas pautas e organizações.

REFERÊNCIAS

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ISSN: 1982-3878 João Pessoa, PB, DGEOC/CCEN/UFPB – http://www.okara.ufpb.br

COGGIOLA, Osvaldo. De Lula a Bolsonaro – trajetórias políticas do Brasil contemporâneo.

https://www.academia.edu/37847799. Acesso em 25 de abril de 2019.

_____ Lei Nº 13.465. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015- 2018/2017/lei/l13465.htm. 11 de julho de 2017.

BRITO, Brenda. Nota técnica sobre os impactos das novas regras de Regularização Fundiária na Amazônia. Disponível em: http://imazon.org.br/publicacoes/nota-tecnica-sobre-o-impacto- das-novas-regras-de-regularizacao-fundiaria-na-amazonia/. Acesso em 03 de julho de 2018.

CONTAG. Governo corta mais de R$ 4 bilhões do orçamento da Agricultura Familiar.

Disponível em

http://www.contag.org.br/index.php?modulo=portal&acao=interna&codpag=101&id=12713&

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Referências

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