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OS BANCOS UNIVERSITÁRIOS TÊM COR: UMA ANÁLISE DAS COTAS RACIAIS NA UEMA

Marina Santos Pereira Santos1 Itamiris Cantanhede e Cantanhede2 RESUMO: Este trabalho é fruto de estudos realizados em Pesquisa de Iniciação Científica e analisa a implantação e o andamento das cotas raciais na Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), assim como tem por objetivos tornar público os resultados obtidos e promover a análise do espaço universitário ocupado pela população negra. Afinal, é diante de um grande contingente populacional de brasileiros da raça negra e de proporção inversa usufruindo de ensino superior, que trabalhos como este se fazem imprescindíveis, ao levantar dados e estatísticas que apontam para o cerne dessa contradição.

Palavras-chave: Políticas de ação afirmativa. Cotas Raciais.

Racismo. UEMA.

ABSTRACT: This work is the result of studies have carried out in Scientific Initiation Research and analyzes the implantation and progress of racial quotas in the Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), as well as to become public the results obtained and promote the analysis of the university space occupied by black population. After all, it is facing a large contingent of black Brazilians and inverse proportion enjoying higher education, which works like this are essential, in raising data and statistics that point to the heart of this contradiction.

Keywords: Affirmative action policies. Racial quotas. Racism.

UEMA.

1. INTRODUÇÃO

Os olhares de inferiorização lançados às pessoas negras acompanham o histórico brasileiro e mudam vagarosamente, mesmo após 130 anos do fim da escravidão. As sequelas, não só do regime escravista, mas também das teorias de branqueamento racial, racismo científico e do tão propalado mito da democracia racial ainda ecoam na atualidade, refletindo em casos de preconceitos raciais e em equívocas concepções acerca dos negros e negras.

1Professora Universitária da Universidade Estadual do Maranhão. Doutoranda em Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação (UFPA – UEMA). E-mail: marinaachiles @gmail.com

2Graduanda em História Licenciatura na Universidade Estadual do Maranhão. E-mail:

itamiriscantanhede@hotmail.com

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Dessa forma, cabe refletir quais papéis e espaços foram resguardados a esta população no processo de formação da identidade nacional.

Nesse sentido, é evidente que o pós abolição não ofereceu aos indivíduos negros condições de inclusão social, deixando-os nos últimos patamares da sociedade, exercendo as profissões de menor prestígio e, consequentemente, sendo os mais desprovidos dos serviços de educação e saúde de qualidade. Além disso, a permanência de práticas racistas estabeleceu barreiras para a ascensão de negros em uma sociedade marcada pela predominância da população branca em cargos e locais de maior notoriedade e reconhecimento. Logo, os privilégios estiveram sempre restritos à parcela da branquitude, enquanto que o conflito racial operava como obstáculo aos não-brancos.

Com o passar dos anos e com a percepção dessa ordem social vigente, as manifestações contra o racismo e a luta por igualdade ganham forma através dos movimentos sociais. Dentre essas organizações, o Movimento Negro Unificado3 (MNU) destaca-se como forte representante da população negra. Uma de suas pautas, em âmbito educacional, diz respeito à implantação de políticas de ação afirmativa4, no tocante às cotas raciais em universidades.

As políticas de ação afirmativa já foram experenciadas por países como Estados Unidos, Inglaterra, Canadá, Índia, Alemanha, Austrália, Nova Zelândia e Malásia, entre outros, com a finalidade de proporcionar tratamento diferenciado àqueles que sofreram racismo ou outras maneiras de discriminação (MUNANGA, 2001). No Brasil, as primeiras determinações semelhantes à essa datam da segunda metade do século XX e, desde então, levantam discussões sobre sua legitimidade e ressonâncias.

Segundo Moehlecke (2002, p. 204), o primeiro registro acerca de medidas que hoje podem ser encaradas como ações afirmativas é de 1968, quando técnicos do Ministério do Trabalho e do Tribunal Superior do Trabalho mostraram-se simpatizantes com a criação de lei que concedesse um percentual mínimo de vagas para empregados não-brancos em empresas privadas. Contudo, este projeto não foi consolidado. A efetivação em forma de lei

3 O Movimento Negro Unificado (MNU) foi fundado em 18 de junho de 1978, em São Paulo. Sua atuação pretende-se a nível nacional ─ tendo representação em 14 estados ─ em uma luta de combate ao racismo e discriminação racial no país. Suas ações são marcadas por um histórico de atos públicos e por reivindicações de caráter legislativo que priorizam a valorização das história e cultura afro- brasileiras. Em São Luís (MA), o MNU foi lançado no dia 21 de março de 1997.

4 Políticas de ação afirmativa configuram-se como estratégias para garantir a representação de grupos

inferiorizados socialmente ─ seja por motivos étnicos, religiosos, de gênero ─, a fim de compensar desigualdades que por muito tempo impediram a maior integração socioeconômica das pessoas provenientes desses grupos, e fomentar a entrada e participação dos mesmos nos setores educacionais e de mercado de trabalho.

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só viria em 1983, com o Projeto de Lei 1.331/19835, proposto pelo então deputado Abdias Nascimento. O projeto foi arquivado anos seguintes, mas ficou marcado com o prelúdio das reivindicações por “ações compensatórias”.

Já no que se refere às políticas de ação afirmativa com cotas raciais nas universidades, essas adentraram no meio legislativo apenas no início do século XXI. Assim, a primeira universidade a aderir tal medida foi a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), em 2001, quando instituiu a Lei 3.708/016. Anos depois, em 2003, a Universidade de Brasília (UnB) adere ao seu vestibular o sistema de cotas para negros e indígenas, sendo, dessa maneira, a primeira universidade federal brasileira a aplicar tal método.

Não obstante, cabe ponderar que somente em 2012 o governo federal sancionou a Lei 12.711/20127 ─ também conhecida como Lei de Cotas ─ que

[...] garante a reserva de 50% das matrículas por curso e turno nas 59 universidades federais e 38 institutos federais de educação, ciência e tecnologia a alunos oriundos integralmente do ensino médio público, em cursos regulares ou da educação de jovens e adultos. Os demais 50% das vagas permanecem para ampla concorrência. (PORTAL DO MEC, 2012).

A lei é regulamentada pelo Decreto nº 7.824/20128 e foi considerada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2012. De acordo com as informações retiradas do site da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR),

Entre 2013 e 2015, a política afirmativa de reserva de cotas garantiu o acesso a aproximadamente 150 mil estudantes negros em instituições de ensino superior em todo o país. Segundo dados do Ministério da Educação, em 1997

5 BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei PL 1332/1983. Dispõe sobre ação compensatória,

visando a implementação do princípio da isonomia social do negro, em relação aos demais segmentos étnicos da população brasileira, conforme direito assegurado pelo artigo 153, parágrafo primeiro, da

Constituição da República. Disponível em:

http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=190742. Acesso em: 18 fev. 2019.

6 RIO DE JANEIRO. Lei nº 3708, de 09 de novembro de 2001. Institui cota de até 40% (quarenta por cento) para as populações negra e parda no acesso à Universidade do Estado do Rio de Janeiro e à Universidade Estadual do Norte Fluminense, e dá outras providências. Assembleia Legislativa do

Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ, 2001. Disponível em:

http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/contlei.nsf/c8aa0900025feef6032564ec0060dfff/827dde52958a6dd203256 b030063db70?OpenDocument&Highlight=0,3524%2F2000. Acesso em: 12 jan. 2019.

7 BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 12.711, de

29 de agosto de 2012. Dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências. Portal da Legislação. Brasília, DF, 2012.

Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12711.htm. Acesso em: 12 jan. 2019.

8 BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto nº 7.824, de 11 de outubro de 2012. Regulamenta a Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, que dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio. Portal da Legislação. Brasília, DF, 2012. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011- 2014/2012/Decreto/D7824.htm. Acesso em: 12 jan. 2019.

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o percentual de jovens negros, entre 18 e 24 anos, que cursavam ou haviam concluído o ensino superior era de 1,8% e o de pardos, 2,2%. Em 2013 esses percentuais já haviam subido para 8,8% e 11%, respectivamente. (SEPPIR, 2016).

No Maranhão, as discussões sobre as políticas de ação afirmativa só começaram a ser debatidas na Universidade Federal do Maranhão (UFMA) no ano de 2006, sendo então aprovado o sistema de cotas em 31 de outubro desse mesmo ano. Já na Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), as discussões têm início com a proposta do deputado estadual Chico Gomes, que teve seu projeto de lei vetado pela governadora Roseana Sarney.

Entretanto, a Assembleia Legislativa derrubou o veto, aprovando, em 2010, a Lei 9.295/20109 (NUNES, 2011, p. 101).

A vigência desta última lei entrou em vigor no ano seguinte. Em 2011, já era possível encontrar a reserva de vagas para candidatos negros no edital do vestibular. Dessa forma, o Processo Seletivo de Acesso à Educação Superior (PAES) passou a ter seu sistema de preenchimento de vagas de maneira bipartida. Além do Sistema Universal, desde 2011 a seleção de alunos conta também com o Sistema Especial de Reserva de Vagas10, dispondo 10% das vagas para candidatos negros e indígenas, provenientes de escolas públicas, que optarem por cursos de graduação, com exceção dos Cursos de Formação de Oficial11 da Polícia Militar (PMMA) e do Corpo de Bombeiros Militar (CBMMA). A inserção do candidato na categoria de raça/cor se dá mediante a autodeclaração e, caso esta seja indeferida, o candidato passa a concorrer no Sistema Universal de vagas; já em casos de não comprovação da condição autodeclarada, o candidato perde o direito à vaga.

2. EDUCAÇÃO PARA TODOS?

Tendo em vista que as cotas raciais também estão vinculadas ao sistema educacional brasileiro, convém discutir que o mesmo não é acessível para todos, e tampouco sobressai-

9 MARANHÃO. Lei n.º 9295 de 17 de novembro de 2010. Institui Sistema Especial de Reserva de Vagas na Universidade Estadual do Maranhão – UEMA, para os estudantes oriundos de comunidades indígenas e estudantes negros. Diário da Assembleia. São Luís, MA, 2010. Disponível em:

http://www.al.ma.leg.br/diarios/arquivos/diario22-11-10.pdf. Acesso em: 12 jan. 2019.

10 Atualmente o Sistema Especial de Reserva de Vagas é dividido em três categorias: o Sistema Especial 1, que reserva 10% das vagas para candidatos negros e indígenas; o Sistema Especial 2, que reserva 5% das vagas para candidatos com deficiência; e o Sistema Especial 3, que destina 20% das vagas dos Cursos de Formação de Oficial para candidatos negros e indígenas, provenientes de escolas públicas.

11A UEMA acrescenta ao Sistema Especial de Vagas os Cursos de Formação de Oficial somente em 2016.

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se em alto nível de qualidade na rede pública de ensino. O resultado desta situação é a disparidade de saberes, preparo e instrução entre discentes de diferentes realidades não só sociais, mas também raciais.

Os entraves e a interdição do acesso à educação para negros acompanham o histórico do Brasil. Afinal, no século XIX tornara-se oficial a proibição de matrículas de pretos, escravos, filhos de africanos, não-livres ou libertos em muitas das escolas das províncias. Enquanto isso, a elite branca gozava dos benefícios do aprendizado, galgando até os níveis mais altos da educação e, portanto, monopolizando esse espaço. Essa situação alargou a dissonância referente ao grau de ensino entre brancos e negros, um cenário pertinente e ainda visível no século XXI.

Nesse sentido, importa afirmar que nas taxas de analfabetismo, no número médio de anos de estudos, nas taxas de frequência escolar, nas taxas de escolarização12, percebe-se a diferença educacional entre brancos e pretos e pardos, que comumente aparecem em desvantagem e em estatísticas aquém da raça branca. Além disso, um fato controverso de nosso país diz respeito à inversa proporção entre o numeroso contingente de brasileiros pretos e pardos e a sua baixíssima presença nos bancos universitários.

Como pode ser constatado nos dados fornecidos pelo site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Censo 2010 revelou que dos 190.732.694 de brasileiros, 47,7% autodeclararam-se da cor branca; 43,1% autodeclararam-se da cor parda e 7,6%

autodeclararam-se da cor preta13. Somadas, as populações parda e preta predominavam na composição nacional, contudo, esse mesmo resultado não foi percebido no meio universitário, no acesso às Instituições de Ensino Superior (IES). De acordo com a descrição analítica do IBGE (2010),

No grupo de pessoas de 15 a 24 anos que frequentava estabelecimento de ensino, houve forte diferença no acesso a níveis de ensino pela população segmentada por cor ou raça. No nível superior, encontravam-se 31,1% dos brancos nesse grupo etário, enquanto apenas 12,8% dos pretos e 13,4% dos pardos.

Mais recentemente, em 2017, a PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) 2012 ─ 2017, divulgou a pesquisa na qual a população maranhense foi estimada em 7.000.229 habitantes. Destes, 18,5% autodeclararam-se da cor branca; 10,9%

12 As informações acerca desses dados estatísticos podem ser melhor analisadas no informativo sobre educação, realizado no segundo trimestre de 2017 pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

Contínua - PNAD Contínua, através do site

https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101576_informativo.pdf.

13 Conforme o interesse da pesquisa, nessa descrição foram omitidos os percentuais das pessoas autodeclaradas amarelas e indígenas.

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autodeclararam-se da cor preta; e 70,0% autodeclararam-se da cor parda. De posse dessa informação numérica, pode-se inferir que o estado do Maranhão é formado majoritariamente por pretos e pardos. Não obstante, assim como no recorte nacional de 2010, descrito anteriormente, esta não é a mesma população em maioria no ensino superior maranhense, principalmente nos cursos considerados de maior prestígio social.

Sendo assim, as cotas raciais emergem como mecanismos que visam promover a democratização do acesso ao ensino superior. Elaboradas de forma constitucional, a proposta das cotas também é de promover a igualdade, principalmente a igualdade material, que assemelha indivíduos essencialmente diferentes. “Nesta chave, as políticas afirmativas de direitos e da igualdade têm como suposto a superação de desigualdades e, em alguns casos, de privilégios, muitos deles assentados em marcadores sociais, tais como a raça” (VIEIRA, 2016, p. 149).

Nesse sentido, compreende-se que a raça é um marcador da diferença, sendo determinante nas relações sociais e, no caso aqui estudado, funcionando de maneira correlata ao acesso às Instituições de Ensino Superior. Com efeito, a necessidade da implantação de uma lei que assista à população negra escancara, em seu corolário, as desigualdades e o racismo presente no Brasil, e também nas universidades e espaços acadêmicos como um todo, onde, de modo velado, ou evidente, o preconceito ainda é decisório.

3. OS DADOS DA UNIVERSIDADE

Consoante aos estudos e estatísticas produzidos em relação ao campo das cotas raciais nas universidades brasileiras e, somado a isso, os levantamentos realizados por esta pesquisa, é possível inferir e ratificar que a Lei 12.711/2012 tem por motivação reparar danos históricos e promover a igualdade social. Assim, o acesso ao ensino superior se dará de maneira democrática, contribuindo para a educação da população negra e o consequente ingresso nas profissões ocupadas, em sua maioria, por pessoas brancas. Objetiva-se, igualmente, romper com a discriminação racial e os ideais de meritocracia e democracia racial, colocando o preconceito para além das questões econômicas, até atingir o ponto central relacionado à raça.

Para nós não há dúvidas de que a referida lei implica avanços democráticos em termos de inclusão de grupos sociais brasileiros (historicamente) excluídos do e no ensino superior, especialmente no público. No Brasil, todos nós sabemos, no que diz respeito ao ensino superior, que pouquíssimos alunos de

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baixa renda logram o sucesso de passar no vestibular de uma universidade pública. (SANTOS, 2015, p. 75).

Por isso, é com base em informações semelhantes às mencionadas anteriormente que se faz necessário delinear o perfil dos alunos cotistas, a fim de entender e analisar o trajeto, percepções e expectativas por eles apreendidas. Além disso, estes resultados também constatam como a universidade encara a demanda pelas cotas raciais e como ela realiza o acompanhamento das mesmas. Logo, todas as análises aqui operadas estão baseadas no referencial bibliográfico e nos relatos dos entrevistados.

Sendo assim, os primeiros dados decorrentes desta pesquisa correspondem aos anos de 2017 e 2018, e são resultantes de entrevistas realizadas com os alunos cotistas da Universidade Estadual do Maranhão, que ingressaram entre os anos de 2014 e 2017.

De acordo com as informações obtidas, dos 17 estudantes interrogados, a maioria foi composta por mulheres (65%) e por residentes da zona periférica da cidade (88%). No que diz respeito à identidade racial, 70% dos entrevistados autodeclararam-se negros. Além disso, também foi demonstrado que a faixa etária predominante corresponde à idade de 22 a 25 anos (7 pessoas). E, quando indagados sobre a existência de status nos diferentes cursos de graduação da universidade, 80% responderam de maneira afirmativa. Por último, as entrevistas foram consideradas (por unanimidade) relevantes pelos alunos, uma vez que as entenderam como uma medida que coloca em pauta as cotas raciais e, sobretudo, os sujeitos de direito como parte principal desse processo.

Com base nos registros das entrevistas, foram feitas outras interpretações que culminaram na atualização de dados. Nesse sentido, a revisão foi feita sob a análise de 14 entrevistas e abrangem aspectos da formação escolar, a razão da escolha do curso, opiniões acerca da discriminação dentro dos cursos e da universidade, assim como as expectativas desses alunos dentro de seus respectivos cursos, por exemplo. Adicionado à essas informações, também se tem o parecer da professora coordenadora da Divisão de Operação de Concursos Vestibulares (DOCV) que, assim como os alunos, foi submetida a entrevista. É sobre esse último aspecto que as informações seguintes se ocupam.

A partir das respostas cedidas pela professora, pode-se captar que, quanto à comissão de verificação de autodeclaração, esta é formada pela DOCV e é composta por 4 membros:

um(a) professor(a) da UEMA, do Departamento de Ciências Sociais; um(a) professor(a) da Rede Estadual de Ensino Básico; um(a) representante da sociedade civil, procedente do Movimento Negro, e um membro da própria DOCV, que forma e coordena essa banca. Para a admissão desses integrantes, no caso do representante da UEMA, a coordenadora da comissão de autodeclaração entra em contato com o Departamento de Ciências Sociais, que envia um(a) professor(a) que pode ser, ou não, estudioso da questão racial, como já ocorreu

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em alguns casos. Depreende-se, portanto, que não há uma exigência quanto a área de estudo do profissional indicado. A participação do Núcleo de Estudos e Pesquisas Afro-brasileiros e Indígenas (NEABI) não é requerida pois não há esse grupo na UEMA.

Uma postura da universidade que merece atenção corresponde à ausência de treinamento e capacitação aos membros da banca avaliadora. De acordo com a coordenadora do DOCV, a UEMA nunca chegou a pensar nessa possibilidade. Esta situação revela a omissão por parte da instituição, que não oferece formação qualificada aos membros da Comissão de autodeclaração.

Vale lembrar que o trabalho feito pelos integrantes da banca se dá de maneira remunerada, mas quando perguntada sobre o apoio institucional oferecido a esse mesmo trabalho aos membros da comissão, a entrevistada classificou como “bom” sobre a disponibilidade de pessoal e de apoio, e “regular” para recursos e equipamentos. Diante dessas informações, pode-se considerar que a Universidade Estadual do Maranhão ainda age de forma bastante omissa no que se refere ao Sistema Especial 1 de Reserva de vagas do PAES. Um dos exemplos disso é que o método de entrevista é aplicado somente aos candidatos dos Cursos de Formação de Oficial e, ainda assim a entrevista dura poucos minutos (aproximadamente 5 minutos), dependendo do perfil étnico dos candidatos. Nesse sentido, importa afirmar que a implantação das cotas raciais na universidade não deve vir isolada, mas assistida por mecanismos capazes de promover a otimização e acompanhamento dos métodos avaliativos.

Afinal, o que se verifica na UEMA é a existência de uma banca pró-forma, isto é, mantém-se apenas por mera formalidade, sustentando as aparências, uma vez que não tem arbítrio para indeferir a inscrição de candidatos autodeclarados e que apresentam fenótipo de cor branca.

Tratando-se agora do copo discente, os dados a seguir dizem respeito ao ingresso no curso de graduação por parte de alunos cotistas e o seu entendimento a respeito da discriminação racial no espaço acadêmico. Inicialmente, a análise a seguir refere-se à influência da formação escolar na escolha dos cursos de graduação. Como todos os estudantes são provenientes do Ensino Médio da rede pública de ensino, a intenção foi analisar como a mesma interfere na formação e escolha dos seus alunos. Dos 14 interrogados, 7 apresentaram resposta positiva e outros 7 apresentaram resposta negativa.

À frente da resposta bipartida, conclui-se que a formação escolar é capaz de interferir sensivelmente para a escolha profissional do aluno. Entre aqueles que responderam afirmativo, uma pessoa enfatizou a afinidade com o curso técnico realizado antes do ensino superior, enquanto que as demais colocaram em destaque a admiração por seus professores durante o histórico escolar. Assim, percebe-se também que a figura docente impulsiona motivações particulares.

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Quando perguntada a razão pela escolha do curso, algumas respostas surgem em comum, assim como, em algumas vezes, as justificações não se resumem em um único porquê. Como constatado, a maioria (36%) alega afinidade pela área optada. A influência escolar vem logo em seguida como uma das motivações mais frequentes nas respostas dos alunos, e representa 23% do total. Além disso, a influência escolar exerce grande papel no que diz respeito às escolhas profissionais, e podem advir de afeição por professores ou matérias lecionadas. O incentivo familiar surgiu nas respostas 14% das vezes, e se refere às ajudas familiares, bem como ao encorajamento dado pela mesma. Geralmente, para os alunos que ingressam na universidade e são originários de uma classe social mais baixa, o apoio vindo das famílias é de suma importância para a maioria, mesmo que esse suporte seja apenas psicológico-emocional (TEIXEIRA, 2003, p. 198).

Os dados ainda demonstram que dos alunos entrevistados 14% ingressaram sem ter uma escolha definida. Nos relatos é possível encontrar estudantes que atualmente gostam do curso selecionado, mas que este nem sempre fez parte de seus planos. Já de porção minoritária (09%) está a influência da família como propulsora da escolha pelo curso, e esta argumentação é vinculada aos membros do núcleo familiar que exercem a mesma profissão daquela escolhida pelo aluno, que vê isso como inspiração. Por último, o aspecto financeiro foi o menor motivo apontado pelos discentes, representando apenas 4% das respostas.

Verificou-se também que ao se tratar da existência de discriminação racial dentro dos cursos, a resposta obtida foi quase unânime, com 93% delas sendo respondidas de forma afirmativa. Somente uma pessoa (7%) não soube definir tal questão, enquanto que as demais confirmaram a pergunta. Desse último grupo, alguns alunos declararam nunca ter presenciado, mas sabiam da existência de preconceito; outros atentaram para a pouca presença de negros na universidade, principalmente nos cursos mais elitizados. E, de modo geral, nas respostas predominaram os cursos de Medicina/Medicina Veterinária e Direito como os mais discriminatórios.

Muito frequentemente a questão da discriminação entre os alunos é levantada associada aos cursos que fazem. Aqueles que oferecem mais prestígio social discriminam os estudantes dos cursos que oferecem menos; os alunos dos cursos da área de humanas se dizem discriminados e também discriminam os das áreas tecnológica e biomédica etc. são enfrentamentos esperados, disputas comuns por campos e áreas do saber. O que se pretende ressaltar é que, ao que tudo indica, os cursos onde há maior frequência de alunos negros, e, por conseguinte, de alunos pobres, parecem coincidir com carreiras de menor prestígio, portanto as de menor procura, e, consequentemente, as de ingresso mais fácil no vestibular. (TEIXEIRA, 2003, p. 165, grifo no original).

No que diz respeito sobre a observação da ocorrência de discriminação dentro da própria universidade, alguns alunos apresentam conclusões afirmativas (36%), enquanto que

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os outros entrevistados nunca testemunharam este fato (64%). Através das maiores explicações dadas por dois dos alunos que já perceberam o episódio de discriminação, em suas falas é notório que os casos aconteceram por meio de “brincadeiras” e olhares lançados à pessoa negra. Portanto, essas ocasiões de racismo sucederam-se de maneira velada, por meio de uma aparente sutileza que carrega consigo as máculas racistas. Quanto às manifestações segregacionistas, Martini aponta que:

(...) a forma extrema de expressão do racismo seria uma pessoa acreditar na inferioridade natural de um grupo de acordo com as características físicas. Que tais diferenças físicas são determinantes que definem graus de inteligência e dignidade, que tais diferenças criam uma cultura inferior e que as características inferiores constituem uma base legítima para o tratamento desigual e especial. (MARTINI, 2009, p. 116 - 117).

Outro aspecto indicativo está associado à participação dos estudantes em movimentos sociais. No caso em questão, foi perguntado se em algum momento já tiveram contato com o movimento negro. Do total de entrevistados, apenas três (21%) registraram passagem pelo movimento negro, ao passo que os outros onze alunos (79%) não tiveram a mesma experiência. As críticas ou comentários a favor desse movimento social não foram tecidas por eles, limitando maiores explanações sobre esse quesito. Todavia, é válido considerar que a existência de movimentos e coletivos que coloquem em pauta as questões raciais são de grande relevância no espaço acadêmico. A exemplo disso, o Coletivo Negro Magno Cruz, da UEMA, promove discussões desse viés, visibilizando o tema das cotas raciais e igualmente denunciando as fraudes desse sistema. O Coletivo teve início no dia 09 de outubro de 2018 e conta com a participação de alunos e professores das Universidade Estadual do Maranhão e Universidade Federal do Maranhão. Desde então, suas ações já podem ser citadas em formas de debates e protestos. Dessa forma, entende-se que organizações como essa, que discutem acerca das cotas raciais e integram assuntos que dizem respeito aos estudantes negros da universidade, são fundamentais para o combate ao racismo e desenvolvimento de igualdade e respeito, principalmente nas IES.

Posto isso, as informações quantitativas e qualitativas apresentadas revelam o perfil social dos alunos, bem como seu percurso até a universidade. Diante desses fatores, ratifica- se as considerações sobre as cotas raciais, apoiadas pelo referencial teórico utilizado. A subrepresentação de negros nas IES é apenas uma das justificativas para a adoção de medidas de políticas de ação afirmativa. Contudo, o que se percebe na sociedade brasileira é o embate contra esta providência e a permanência de estigmas preconceituosos destinados à população negra.

No que tange a formação educacional, é evidente a disparidade de níveis de ensino entre negros e brancos. Dessa forma, ao associar esse aspecto com a conjuntura do ensino

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do Brasil, entende-se que nem todos desfrutam da mesma experiência escolar e nem das mesmas oportunidades.

Diante dessas afirmações, e da direta relação das cotas raciais com a contemporaneidade, convém assinalar para um cenário político incerto quanto ao destino das mesmas. Em meio a uma administração governamental na qual essas ações afirmativas são entendidas como “equivocadas”, que “reforçam o preconceito” e são uma maneira de “dividir a sociedade” e, além disso, que a aprovação nos vestibulares “é questão de mérito, competência”, se faz pertinente a continuação de pesquisas com esta temática e da propagação de seus resultados, a fim de seguir em sentido contrário às ideias governantes.

4. CONCLUSÃO

No decorrer desse estudo verificou-se que a questão racial é determinante nas relações sociais e como ela interfere nas percurso pessoal de cada um. Ao fazer o recorte na área de ensino, percebem-se também os desníveis entre brancos e negros, e como estes são subalternizados em relação àqueles. Tais informações, como demonstrado, podem ser expressas em linhas quantitativas e qualitativas. Em ambos os casos, a situação da população negra aparece como subalternizada e estigmatizada. O âmago dessa questão, conforme foi abordado, possui delineamento histórico-sociais. Assim, tendo o racismo permeado diversas esferas da sociedade, o meio universitário não ficou imune a isso.

Por isso, esta pesquisa, além de integrar a importância das cotas raciais nas universidades brasileiras, salientou, em específico, o caso da Universidade Estadual do Maranhão. Assim, entende-se que a mesma adotou as cotas raciais tardiamente ─ em relação às demais IES ─, sendo necessária a promulgação de uma Lei estadual para que esse fato se desse de maneira efetiva. O acesso a informações por meio de entrevistas forneceu subsídio para a formulação dos resultados encontrados que, quando analisados em conjunto, são capazes de indicar a integração do aluno cotista no espaço acadêmico e, como este último lida com as questões referentes à raça.

REFERÊNCIAS

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MARTINI, Andressa Ferreira. As cotas nas universidades públicas brasileiras. 2009.

Dissertação (Mestrado - Psicologia Social) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.

MOEHLECKE, Sabrina. Ação afirmativa: história e debates no Brasil. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 117, 2002, p. 197 – 217.

MUNANGA, Kabengele. Políticas de ação afirmativa em benefício da população negra no Brasil: um ponto de vista em defesa de cotas. Sociedade e Cultura, v. 4, n. 2, 2001, p. 31 – 43.

NUNES, Antonio de Assis Cruz. O sistema de cotas para negros na Universidade Federal do Maranhão: uma política de ação afirmativa para a população afromaranhense. 2011. Tese (Doutorado - Educação) – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Filosofia e Ciências, Marília.

SANTOS, Sales Augusto dos. Nem tudo que reluz é ouro: a Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012. In:______. O Sistema de Cotas para Negros da UnB: um balanço da primeira geração. Jundiaí: Paco Editorial, 2015, p. 73 – 142.

TEIXEIRA, Moema De Poli. Negros nas universidades: identidade e trajetória de ascensão social no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Pallas, 2003.

VIEIRA, Paulo Alberto dos Santos. Para além das cotas. Contribuições sociológicas para o estudo das ações afirmativas nas universidades brasileiras. Jundiaí: Paco Editorial, 2016.

Sites consultados

IBGE, Censo 2010: número de católicos cai e aumenta o de evangélicos, espíritas e sem religião. Disponível em: https://censo2010.ibge.gov.br/noticias- censo.html?busca=1&id=3&idnoticia=2170&t=censo-2010-numero-catolicos-cai-aumenta- evangelicos-espiritas-sem-religiao&view=noticia. Acesso em: 15 jan. 2019.

IBGE, IBGE divulga resultados de estudo sobre cor ou raça. Disponível em:

https://censo2010.ibge.gov.br/noticias-censo.html?busca=1&id=1&idnoticia=1933&t=ibge- divulga-resultados-estudo-sobre-cor-raca&view=noticia. Acesso em: 15 jan. 2019.

PORTAL DO MEC, Perguntas frequentes. Disponível em:

http://portal.mec.gov.br/cotas/perguntas-frequentes.html. Acesso em: 13 jan. 2019.

SEPPIR, Em 3 anos, 150 mil negros ingressaram em universidades por meio de cotas.

Disponível em: http://www.seppir.gov.br/central-de-conteudos/noticias/2016/03-marco/em-3- anos-150-mil-negros-ingressaram-em-universidades-por-meio-de-cotas. Acesso em: 13 jan.

2019.

UEMA, Uema implementa sistema especial de reservas de vagas. Disponível em:

https://www.uema.br/2012/09/uema-implementa-sistema-especial-de-reservas-de-vagas/.

Acesso em: 17 jan. 2019

Referências

Documentos relacionados

Já a partir de 2014, 50% das vagas passou a ser ocupada pelos ingressantes via Sistema de Seleção Unificada (SISU) 12. É possível também, de acordo com a disponibilidade das