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Violência contra a mulher

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Trajetória da Política Pública de Atendimento à Mulher em Situação de Violência em um Centro Especializado.

Ingra Carla de Oliveira Cardoso 1 Lorena Sarmento Penha ²

RESUMO

O objetivo deste artigo é apresentar a trajetória da política pública de atendimento à mulher em situação de violência no município de Abaetetuba\PA, em específico o Centro de Referência Especializado de Atendimento à Mulher, no período de 2009 a 2016. A pesquisa foi realizada por meio de levantamento documental e pesquisa exploratória. A partir da análise de documentos identifica-se a relevância de se considerar as especificidades socioterritoriais no que se refere à compreensão do fenômeno da violência contra a mulher. Resultados preliminares revelam a fragilidade da rede de atendimento à mulher em situação de violência no município de Abaetetuba e sinalizam a importância de se discutir e aprofundar o debate no intuito de desnaturalizar as múltiplas opressões vivenciadas por essas mulheres e construir políticas públicas de enfrentamento à violência contra a mulher.

Palavras-chave: Gênero. Violência contra a mulher. Política públicas.

ABSTRACT

The objective of this article is to present the trajectory of the public policy for assistance to women in situations of violence in the municipality of Abaetetuba\PA, specifically the Specialized Reference Center for Assistance to Women, in the period 2009-2016. exploratory research. From the analysis of identification documents an identification to consider as socio-territorial specificities with regard to the understanding of the phenomenon of violence against women. Preliminary results reveal the fragility of the service network for women in situations of violence in the city of Abaetetuba and signal the importance of discussing and deepening the debate in order to denaturalize the multiple oppressions experienced by these women and build public policies to combat violence against a woman

Keywords: Gender. Violence against women. Public policies.

1 Assistente Social; Especialista em Gestão e Planejamento e Serviço Social; Endereço@eletrônico.com.

2 Assistente Social; Especialista em Gestão e Planejamento e Serviço Social; Lorenapenha3@gmail.com

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1 INTRODUÇÃO

Historicamente, as mulheres enfrentam dificuldades quanto a legitimação seus espaços sociais a nível mundial. Trata-se de uma longa trajetória marcada por mutilações genitais, estupros de guerra, baixa participação política e econômica e violência doméstica. Do ambiente privado aos espaços públicos, cada vez mais, estudos verificam que não são apenas cônjuges os perpetradores da violência, mas outros homens, conhecidos pela vítima que agridem e matam-nas sob os mais diversos pretextos.

Diante disso, emergiu o interesse pela temática que, acrescido, da experiência de trabalho no Centro de Referência de Atendimento à Mulher (CREAM) do município de Abaetetuba, onde em novembro de 2016, durante o levantamento de registros dos relatórios anuais de atendimento do CREAM, ao elaborar o perfil de mulheres atendidas pelo equipamento no período de 2013 a 2016, foi identificado que a instituição atendeu 604 mulheres em situação de violência doméstica e familiar, que procuraram atendimento de forma espontânea, ou seja, sem encaminhamento de outras instituições da rede de atendimento. Dessa forma, se faz necessário compreender a trajetória da política municipal de atendimento à mulher em situação de violência no Município de Abaetetuba, considerando que a violação de direitos decorrentes da violência não é pontual ou restrita ao âmbito do privado, mas se materializa nos diferentes aspectos da vida da mulher: profissional, afetivo, de saúde, material/patrimonial, físico, educacional, político, entre outros.

Esta pesquisa busca por meio do levantamento e apresentação destes dados quanto a análise da trajetória do CREAM/Abaetetuba, das condições que cercaram a sua criação, discutindo suas estratégias de atendimento e as vicissitudes institucionais as quais está sujeito, e seu redimensionamento dentro da política de atendimento à mulher em situação de violência, causar fissuras na lógica do funcionamento patriarcal.

Este trabalho está organizado em quatro seções além desta Introdução, da seguinte forma: inicialmente abordaremos os conceitos de gênero e violência; posteriormente uma discussão acerca das trajetórias das políticas públicas de enfrentamento às situações de

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violência contra mulher; por fim, as estratégias de enfrentamento da violência contra a mulher no Município de Abaetetuba, seguida das considerações finais.

A pesquisa foi realizada por meio de levantamento documental e pesquisa exploratória, considerando que, segundo Gil (2002, p.4) “A principal vantagem da pesquisa bibliográfica reside no fato de permitir ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente”. Levantaram-se os seguintes documentos: fichas cadastrais de mulheres atendidas e relatórios de atividades do espaço.

Segundo Louro (1997) os gêneros são construídos socialmente e o conceito de gênero tem sido amplamente utilizado como forma de desconstruir afirmações a priori sobre o que é

‘ser homem’ e o que é ‘ser mulher’, como se houvesse uma essência masculina ou feminina.

Saffioti (1987) caracteriza violência de gênero pela relação de poder de dominação do homem e a de subordinação da mulher, pois os papéis impostos às mulheres e aos homens – consolidados ao longo da história e reforçados pelo patriarcado – induzem relações violentas entre os sexos. Prática essa de violência que não é fruto da natureza, mas sim do processo de socialização das pessoas, que se constitui a partir da negação do outro, especialmente da identidade feminina, em relação ao fortalecimento da identidade masculina.

A luta travada mundial e nacionalmente por movimentos feministas e organizações não governamentais, frente a sensação de impunidade pela não responsabilização do agente de agressão em casos de violência de gênero, incorporou a discussão acerca da violência contra a mulher na agenda governamental e vem agregando conquistas que se expressam através de legislações e documentos legais para o enfrentamento e combate à violência contra mulheres.

A promulgação da Lei nº 11.340/06, Lei Maria da Penha, representou uma vitória dos movimentos em defesa dos direitos das mulheres, em busca de punições mais severas aos crimes cometidos contra mulheres no âmbito privado. Em 2015, aprovou-se da Lei nº 13.104/15, Lei do feminicídio, que altera o Código Penal e inclui a morte de mulheres em virtude do gênero, no rol de crimes hediondos.

Quanto ao território, na região Norte, o Estado do Pará possui uma grande dimensão geográfica composta por diversas comunidades e povos tradicionais, que para além de normas e costumes próprios, localizam-se em regiões isoladas dos grandes centros urbanos e sem acesso

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a serviços básicos de saúde, educação, assistência social, dentre outros. De acordo com o Mapa da violência (2015) se tem evidenciado nos últimos anos, um fenômeno chamado de

“interiorização da violência”, no qual os chamados pólos dinâmicos de violência letal têm se deslocado dos municípios de grande porte para os de médio porte, trazendo à tona a relevância de se discutir acerca das diferentes realidades sociais vividas pelas mulheres hoje, sobretudo as regiões que sofrem influência do fator amazônico.

O município de Abaetetuba, lócus da pesquisa, possui uma população estimada em 2016 de 151.934 habitantes (estimativa de 159.080 habitantes em 2020) dos quais quase 50%

correspondem a mulheres, entretanto o município tem Abaetetuba tem um histórico recente de políticas de enfrentamento à violência contra a mulher. Em 2006, ano em que a Lei Maria da Penha foi sancionada, é criado o Conselho Municipal dos Direitos da Mulher (CMDM). Em 2009, inaugura-se o CREAM e também a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM).

Dados divulgados pelo anuário de Assistência Social do Estado do Pará do ano de 2016, sinalizaram que em 2014 foram atendidos 1.277 casos de mulheres vítimas de violência intrafamiliar (psicológica, física e/ou sexual) no Estado do Pará. Ressalta-se que, dentre os casos atendidos, 30% ocorreram na Região de Integração (RI) do Tocantins, merecendo destaque o município de Abaetetuba, que registrou o atendimento de 44,5% dessas ocorrências em relação aos demais municípios da referida RI. Ainda conforme os dados deste sistema, em 2015, foram atendidos 1.134 casos, tendo a RI Tocantins novamente registrado o maior número desses atendimentos no estado do Pará (31,8%) e o município de Abaetetuba, 50,4% dos casos em relação aos municípios desta região. Ressalto aqui que os registros mais precisos sobre a região foram disponibilizados neste anuário de 2016, desde então o governo estadual não atualizou informações referentes a esta RI.

É possível perceber que a violência de gênero segue enquanto um fenômeno social crescente, onde os efeitos seguem para além da violência perpetrada nos espaços íntimos, espraiando-se aos espaços públicos e cometida, por vezes, por pessoas desconhecidas.

Denotando que apesar dos avanços advindos com a criação de leis específicas para a prevenção e responsabilização em casos de violência doméstica e familiar, ainda há entraves quando a efetivação dos instrumentos legais de defesa e proteção dos direitos das mulheres. Faz-se

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necessário questionar também, as situações de violações de direitos que não são registradas, ou ainda, elucidar acerca dos fatores que potencializam essa violência e impedem que a mulher tenha acesso à rede de atendimento.

Portanto, compreender o fenômeno da violência contra a mulher é reconhecer a discriminação histórica e cultural que ela sofre. Discriminação essa que é fruto da desigualdade econômica, social e política entre mulheres e homens, ratificando a inferiorização da posição que a mulher ocupa na sociedade.

2. GÊNERO E VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

2.1. NOÇÕES DE GÊNERO

Os estudos de gênero esclarecem que existem projetos sociais para machos e fêmeas, para que se tornem os homens e mulheres que interessam à sociedade e à manutenção da lógica de dominação – exploração, nas quais mulheres são oprimidas (SAFFIOTI, 2001). Assim, é possível observar que existem diversos projetos constitutivos para homens e mulheres dependendo do contexto histórico e da sociedade de que se fala, entretanto, existem outros marcadores sociais que diferenciam esses projetos dentro de uma mesma sociedade, como os marcadores étnicos, religiosos, de classe e de geração (LOURO, 1997)

O estudo da categoria gênero contribui notadamente para a compreensão dos fenômenos que perpassam a violência contra a mulher, desde que se compreenda este tipo de violência num dado contexto histórico e social como fenômeno diferenciado da violência em geral e da violência urbana. A violência contra a mulher, enquanto violência de gênero, é um fenômeno multifacetado e multicausal, não podendo, portanto, ser analisada a partir de um único prisma.

2.2. VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

De acordo com Saffioti (2001, p. 115), violência de gênero se constitui em um conceito mais abrangente que atinge não somente mulheres, mas também crianças e adolescentes de ambos os sexos, a medida em que:

No exercício da função patriarcal, os homens detêm o poder de determinar a conduta das categorias sociais nomeadas, recebendo autorização ou, pelo menos, tolerância da sociedade para punir o que se lhes apresenta como desvio. Ainda que não haja nenhuma tentativa por parte das vítimas potenciais, de trilhar caminhos diversos do prescrito pelas normas sociais, a execução do projeto de dominação – exploração das

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categorias sociais homens exige que sua capacidade de mando seja auxiliada pela violência.

Estudos como os de Saffioti (2004) tem afirmado que a mulher é estimulada pelo sistema capitalista a reproduzir, na educação dos filhos, a manutenção de princípios e valores que foram impostos historicamente a ela e que refletem nas relações sociais de classe, cor/etnia e gênero.

De classe porque, conforme Toledo (2001):

A sociedade capitalista está estruturada sobre a divisão dos homens e mulheres segundo a função que cumprem na produção geral de bens. Está dividida entre aqueles que produzem e aqueles que se apropriam do trabalho alheio. É dessa estrutura central que, em última instância, decorrem as ideologias e construções culturais, como os gêneros (p. 7).

Por isto, ainda que no âmbito público nem homens nem mulheres sem propriedade dos meios de produção escapem da exploração do trabalho, mulheres podem experimentar tal situação também no espaço privado ao assumirem sozinhas o trabalho doméstico, o que é caracterizado por estudiosos como dupla ou tripla jornada de trabalho.

Seccombe discorre sobre os impactos do capitalismo na família, salientado sobre o efeito rua e a casa e a divisão de tarefas da mulher (casa) e do homem (trabalho) e com ele o ideal de “macho que mantém a família”. A clara divisão de papéis entre homens e mulheres e do indivíduo (homem trabalhador assalariado), responsável pela provisão familiar instaura o reinado da família como fonte de proteção. Observa-se então o processo de transferência dos conflitos produzidos no âmbito das relações de produção para o interior da família, portanto as diversas manifestações de violência estão intrinsecamente ligadas às relações de produção sob a lei de acumulação capitalista.(Apoud Mioto,2009, p.131)

Estudos como o de Braga (2017) relatam que analisar a família e o patriarcado em um movimento que envolve classe e gênero é perceber que o patriarcado vem sendo um processo fortalecido no desenvolvimento capitalista e legitimado na produção e reprodução social dos papéis construídos nesse modo de produção, com a reprodução da seguinte visão: o homem responsável pela manutenção financeira da casa e a mulher pelos cuidados com as tarefas domésticas.

Os princípios e valores que foram impostos às mulheres também se refletem nas relações sociais de cor/etnia, porque conforme Carneiro (2003):

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O que poderia ser considerado como história ou reminiscências do período colonial permanece, entretanto, vivo no imaginário social e adquire novos contornos e funções em uma ordem social supostamente democrática, que mantém intactas as relações de gênero segundo a cor ou a raça instituída no período da escravidão (p.

01).

Assim, Saffioti (2004) observa que gênero, raça/etnia e poder estão estritamente ligados, na medida em que o homem negro heterossexual, dentro da ordem patriarcal, ainda está em vantagem sobre a mulher negra, por conta de seu sexo biológico. Estas relações desiguais se intensificam, sobretudo, se a mulher for negra e pobre, pois assim não há um componente social que a “iguale” ao homem (p. 31). Isto posto, discutir a violência contra a mulher sobre o viés de raça/etnia é reconhecer as particularidades socioculturais das mulheres negras na história, possibilitando a criação de políticas públicas específicas para estas mulheres.

2.3 AS POLÍTICAS PÚBLICAS NO ATENDIMENTO ÀS MULHERES EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA NO BRASIL.

Ao longo das décadas o tema da violência doméstica contra a mulher no Brasil vem sendo objeto de ampla pesquisa e estudo pelos movimentos feministas, pois se mostra como um problema que atinge expressivo número de mulheres, de diferentes faixas etárias, classe social, raça ou etnia. Historicamente subordinada ao poder masculino, as mulheres eram tidas com a função de procriar, cuidar e educar suas crias e realizar a manutenção do lar, tida em uma posição de inferioridade.

No entanto, a história nos apresenta a luta de mulheres que não aceitaram o que lhes era imposto e levantaram a bandeira de luta em prol da liberdade, muitas pagaram com suas próprias vidas por protestarem. A essa inquietação e mobilização denominou-se movimento feminista, que se iniciou por meio da manifestação da luta pelo voto, e depois outros direitos foram reivindicados.

Destaco aqui que os movimentos feministas e de mulheres de vários países da América Latina, incluindo o Brasil, em 1994, estiveram presente durante o evento da Organização dos Estados Americanos que aprovou a Convenção para a Eliminação, Prevenção, Punição e Erradicação da Violência contra a Mulher, conhecida como Convenção de “Belém de Pará”, que define a violência contra mulheres como uma violência baseada no gênero e como uma violação dos direitos humanos.

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Toda essa luta levou a alguns resultados expressivos, sobretudo, a partir dos anos 2000, foi criada no início do governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) segundo a Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003, que veio dar suporte às reivindicações do próprio movimento, trazendo à tona, questões da sua agenda, envolvendo lutas históricas das mulheres no país.

Em agosto de 2006, foi promulgada a Lei Maria da Penha. Em 2007, foi realizada a II Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres e, consequentemente, construído o II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (BRASIL, 2006; BRASIL, 2008). No ano de 2015 houve mais um avanço na luta das mulheres com a promulgação da Lei do “Feminicídio” (nº 13.104/15) que busca tirar a invisibilidade dos casos de mortes violentas cometidas contra mulheres em virtude de seu gênero.

O advento das Leis “Maria da Penha” e da Lei do “Feminicídio” representam uma grande conquista dos movimentos feministas e de mulheres relativamente ao reconhecimento dos direitos das mulheres em situação de violência doméstica e familiar baseada no gênero, promovendo a criação de “serviços integrados” de atendimento a estas mulheres em escala nacional.

No entanto, se faz importante refletir que segundo Bittar (2018) houve retrocessos na agenda de organização e sistematização das políticas para mulheres, desde quando foi extinto o Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos, transformado numa secretaria dentro do Ministério da Justiça, com orçamento mais limitado e status reduzido. De um lado, comemoram-se os dez anos de vigência da Lei Maria da Penha, mas a lei continua padecendo de sérias dificuldades no processo de sua implementação. A partir dessas informações, considerando-se tratar de um país machista e violento, é possível ter presente que a violência contra mulheres e crianças persiste como um problema grave, sendo a principal vítima da violência a mulher negra e jovem.

3. O ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO MUNICÍPIO DE ABAETETUBA

O caso da adolescente de 15 anos mantida, em março de 2007, em situação de privação de liberdade por 26 dias, em uma cela com 30 homens em Abaetetuba, causou repercussão a

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nível internacional e colocou em voga a discussão acerca da ampliação da rede de enfrentamento à violência contra a mulher e a relevância de se discutir sobre a formulação, implementação e fortalecimento de políticas voltadas a esse segmento populacional.

Nesta perspectiva, em 2009, inaugurou-se a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM), com o objetivo de assegurar a efetivação de uma política intersetorial e continuada de atendimento à mulher em situação de violência no município. A DEAM funciona em uma sala dentro do prédio da Delegacia de Polícia de Abaetetuba (DEPOL), todos os dias da semana, 24 horas por dia.

Inaugurado em 2009, o CREAM constituía-se enquanto equipamento público mantido por meio de financiamento municipal, estadual e federal que tem com a missão acolher e atender mulheres em situação de violência, promovendo ações interdisciplinares de prevenção, orientação e informação, visando contribuir para o rompimento da violência, o fortalecimento da autoestima e o resgate da cidadania da mulher e seus familiares.

O CREAM atua no atendimento de mulheres de 18 a 59 anos em situação de violência doméstica e familiar que residam no município de Abaetetuba, e atende também, crianças, adolescentes, mulheres adultas e idosas do sexo feminino em situações de violações de direitos, que residam nos seguintes territórios: bairros de Santa Clara, mutirão, Angélica, Castanhal I e II, Aviação, São Sebastião, Cristo Redentor, Bosque e também, zona rural (estradas e ramais) e a Vila de Beja. zona rural (estradas e ramais), Vila de Beja. Tal divisão foi fruto de uma pactuação realizada em 2013 com o CREAS do município, a fim de organizar o fluxo de atendimento.

O órgão oferta atividades de segunda a sexta-feira, de 7 h às 18 h, ininterruptamente, tendo por principais atividades: o acolhimento, atendimento psicossocial particularizado, familiar e em grupo, orientação jurídico-social, atividades com educadora física, encaminhamentos para a rede de atendimento, ações, palestras, dentre outras.

4. PERFIL DE MULHERES ATENDIDAS NO CREAM

No intuito de compreender a realidade no que concerne à violência contra mulher no município de Abaetetuba fez-se necessário a busca nos registros do Centro de Referência ao Atendimento à Mulher – CREAM, verificou-se que no período de janeiro de 2009 a dezembro

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de 2016 foi obtido um total de 1632 cadastros de mulheres atendidas nesta instituição. Em média, 204 mulheres foram cadastradas anualmente, oriundas de demanda espontânea, encaminhamentos e referenciamentos de instituições da rede de atendimento.

Quantos as análises referentes ao perfil socioeconômico das usuárias do CREAM, destaca-se que dentre as usuárias atendidas em situação de violência 5.3% se consideram pretas em contraponto 71.75% se consideram pardas. O balanço do Disque 180 mostra que mulheres negras (pardas e pretas) representam a maioria das vítimas, somando 60,53% das denúncias recebidas pelo órgão no ano de 2016. E ainda, segundo o Mapa da violência (2015), no período de 2003 a 2013 aumentou em 54,2% a taxa de assassinatos de mulheres negras no Brasil.

Observa-se que a partir dessas quantificações de dados podemos perceber como a questão racial está presente e difundida na agressão a mulheres, é importante ressaltar que tal violência vai além do aspecto físico, também está ligado a questão socioeconômica racista e um sistema de saúde e educação precarizados. Nota-se também, que há um quantitativo pequeno de mulheres que se declararam pretas, ainda que o município possua 19 comunidades quilombolas em regiões de ilhas e estradas.

Ainda sobre perfil constata-se que as usuárias possuem renda entre zero salários a até 3 salários, encaixam-se na categoria não trabalham ou realizam trabalhos sem remuneração, chegando ao CREAM através de demanda espontânea, oriundas da zona urbana, com alto índice de relacionamentos tidos como estáveis entre os casos de violência mais ocorridos destacam-se violência física e psicológica, é importante ressaltar que violência psicológica produz reflexos na saúde física e mental da mulher, sendo a forma mais subjetiva de violência e por muitas vezes de difícil identificação.

Durante a realização da pesquisa é importante destacar a ausência de dados sobre situações de violência domésticas relacionadas a mulheres com deficiência tal dado nos refere que estas mulheres ainda enfrentarem dificuldades em termos do reconhecimento social do seu direito à justiça. Em grande medida, essa lacuna se deve ao fato de que o próprio conceito e a precisa caracterização de pessoa com deficiência ainda se encontram em processo de construção.

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Através das análises de dados pode-se identificar o desafio da construção da rede de atendimento à mulher em situação de violência, os dados mostram que 71% das usuárias chegaram ao CREAM como demanda espontânea, enquanto apenas 29% foram encaminhadas de alguma instituição da rede, é importante ressaltar que a Política Nacional de Enfrentamento à violência contra as Mulheres, determina o encaminhamento das mulheres em situação de violência, e seus dependentes, a programas e serviços de proteção e de Assistência Social (BRASIL, 2011), esta rede, composta por serviços especializados e não especializados que deveriam funcionar de forma articulada e integrada, por entender da complexidade que é a violência contra a mulher. Os dados evidenciam que a função de articulação não está estabelecida entre o CREAM e a rede.

O ambiente de desigualdades estruturais, no qual o Brasil e principalmente a região amazônica onde o CREAM está inserido, apresenta suas particularidades de país dependente das grandes potências imperialistas, cujo contexto de crises acirra as desigualdades e aumenta a expropriação das condições de vida e trabalho da população, desemboca no desmonte dos direitos até então conquistados, dentre eles a restrição e precarização das políticas sociais públicas.

5. CONCLUSÃO

A violência contra a mulher firma-se hoje enquanto um fenômeno perpassado por fatores históricos, políticos, sociais e culturais. Notam-se os seus desdobramentos, sobretudo, em casos de violência doméstica e familiar. Considerado pela sociedade como um lugar de proteção, cuidado e afeto, dados estatísticos mostram que ambientes domésticos e\ou familiares são espaços onde mais ocorrem situações de violência contra a mulher. Transpondo os espaços domésticos e familiares observa-se também que seus desdobramentos se espraiam para as relações sociais, comunitárias, de trabalho, dentre outras, e possui recortes essenciais para a discussão, como gênero, classe social e cor\etnia.

Assim, ao longo deste trabalho apresentaram-se conceitos teóricos, documentos legais e dados estatísticos relacionados à violência contra a mulher, instrumentos de fundamental importância para compreender em que contexto essa violência se materializa.

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Durante o desenvolvimento da pesquisa, houve dificuldades no que se refere ao levantamento de dados. Ao realizar visita institucional a DEAM de Abaetetuba, com o intuito de coletar informações, foram fornecidas informações de que a delegacia não possui um perfil de mulheres atendidas pela unidade e poderia ofertar apenas o número de processos que foram iniciados e medidas protetivas expedidas. Ainda durante a coleta de dados, observou-se que há precariedade de dados (oficiais ou não) não somente na DEAM, mas também, de outras instituições que compõem a rede de atendimento, sobretudo, na política de saúde.

Evidenciou-se, um contexto de inferiorização da discussão sobre o direcionamento de políticas públicas para mulheres no município, quando em espaços como Conferências Municipais, profissionais se posicionaram a favor da supressão de propostas específicas para políticas para mulheres por considerar que há pautas mais relevantes e urgentes.

Observa-se que a noção da violência contra a mulher enquanto algo corriqueiro não está presente apenas na sociedade, e sim, se expressa também, nos espaços públicos, onde, por vezes, tem as suas demandas confundidas e misturadas com violência de modo geral.

Durante o período de trabalho no CREAM, vários foram os relatos de mulheres que afirmaram sentir-se constrangidas durante o processo de denúncia, pois as instituições aparentam “descrédito” em suas falas, atribuindo, por vezes, a responsabilidade sobre os atos de violência a própria mulher, questionando-as, em vários momentos, se os fatos relatados aconteceram realmente, se elas desejam prosseguir com a denúncia, pois isso pode acarretar a prisão do companheiro, dentre outras perguntas

Notou-se ainda, a invisibilidade do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher, instância fundamental de controle social, à medida que alguns profissionais relataram a instituição como “enfraquecida”, que não possui visibilidade no município e desconhece a agenda governamental no que concerne às pautas de lutas pelos direitos das mulheres no município de Abaetetuba.

Este presente estudo pretende contribuir para a ampliação da discussão acerca da violência contra as mulheres e ainda, o papel do CREAM na rede de enfrentamento a violência perpetrada contra este segmento, haja vista que a Assistência Social hoje se configura enquanto campo em construção das políticas sociais. Desta forma, buscamos colaborar para expandir o

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nível de informação, não somente da comunidade acadêmica, como também da população em geral, e sobretudo, fornecer subsídios para elaboração, formulação, implementação e fortalecimento de políticas públicas, que considere as especificidades socio territoriais e, possibilitem às mulheres, uma vida livre de toda e qualquer forma de violência.

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