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Academic year: 2023

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WELFARE E A POLÍTICA SÓCIO-ASSISTENCIAL NA ITÁLIA

Salyanna de Souza Silva1

Resumo:

O presente trabalho procura realizar uma análise sobre o sistema de políticas sociais italiano, ou welfare italiano, com ênfase nas políticas sócio-assistenciais. A partir do estudo de caso, evidenciou-se a influência de elementos da formação social, como a tradição do período fascista e da Igreja Católica na oferta de serviços assistenciais e caritativos e sua interferência no Estado italiano, destaca-se também uma tendência ao regionalismo que incide diretamente na efetivação de uma política sócio-assistencial homogênea e forte.

Palavras-chave: Seguridade Social. Política Sócio-Assistencial italiana. Formação Social italiana.

Abstract

This paper aims to analyze the Italian social welfare system, with emphasis on social assistance policies. From the case study, the influence of elements of social formation, such as the tradition of the fascist period and the Catholic Church in the provision of charitable and charitable services and their interference in the Italian State, was also evidenced, a tendency to regionalism Which directly affects the implementation of a homogeneous and strong social-assistance policy.

Keywords: Social Security. Italian Social Assistance Policy.

Italian Social Formation.

1 Doutora em Serviço Social pela Università degli Studi Roma Tre (Roma/Itália), Mestre em Serviço Social pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Bacharel em Serviço Social pela Universidade Estadual do Ceara (UECE). Atualmente Professora do curso de Serviço Social da Faculdade Mauricio de Nassau.

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I. INTRODUÇÃO

O presente artigo procura analisar o desenvolvimento das políticas sociais italianas, ou welfare italiano, com destaque para a política sócio-assistencial. Busca-se, dessa forma, realizar um estudo de caso, relacionando o desenvolvimento da política de assistência social italiana e a formação social e histórica nacional.

O estudo sobre o desenvolvimento das políticas sociais em um determinado país, sucinta a análise de elementos particulares de sua formação social. Assim, o desenvolvimento do welfare na Europa não se apresenta de forma monolítica e única, mas diversificada e plural a depender de cada país.

O primeiro ponto do trabalho visa inicialmente apresentar a relação entre as políticas sociais e o capitalismo, os diferentes tipos e “modelos” de seguridade social e o welfare desenvolvido nos países europeus, particularmente na Europa meridional e na Itália.

No segundo momento busca-se fazer o levantamento da trajetória das ações e políticas sócio-assistenciais italianas, relacionando assim alguns elementos da formação social nacional, como a tradicional e forte influencia da Igreja Católica e do fascismo no âmbito dos serviços e intervenções sociais, como também o forte regionalismo, que tende a dificultar a efetivação de um sistema homogêneo e único de assistência social.

Parte do presente artigo se encontra na tese de doutoramento2. Vale ressaltar que para a realização do referido curso, contou-se com uma Bolsa de Doutorado Pleno no Exterior, fornecida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) entre os períodos de 2012 a 2016.

Parte da bibliografia utilizada está em língua italiana, para melhor compreensão do público em geral foi-se realizada a tradução livre, deixando em nota de rodapé a versão em língua original.

2 A tese intitulada “Lo sguardo delle donne sulle politiche de contrasto alla povertà: un’analisi comparativa tra Brasil e Italia” foi defendida na Scuola Dottorale in Pedagogia e Servizio Sociale pela Università degli Studi Roma Tre (Roma/Itália) em junho de 2016. Tal curso faz parte do Intercambio intelectual e cultural entre a referida universidade italiana e a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Departamento de Pós-graduação em Serviço Social, particularmente entre o Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Ética (GEPE).

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II. O DESENVOLVIMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL NO MUNDO E NA ITÁLIA

O surgimento das políticas sociais está vinculado ao desenvolvimento do embate das classes sociais no processo de evolução da sociedade capitalista, em resposta ao enfrentamento, mais especificamente, da chamada “questão social”3. Temos nesse sistema uma crescente tendência à polarização entre duas classes fundamentais possuidoras de diferentes mercadorias: a classe capitalista, que possui “dinheiro”/capital, os meios de produção e a classe trabalhadora, que como mercadoria tem, em potencial, sua força de trabalho. Essa relação, capital versus trabalho, exacerba a contradição entre essas duas classes. Assim, a história do desenvolvimento do sistema capitalista é marcada pela história da luta de classes.

Nos marcos do desenvolvimento do capitalismo monopolista, século XIX, caracterizado por Netto (2001) como momento representante do ápice da contradição capital versus trabalho, foi o período em que surgiram as bases históricas e políticas para a necessidade e surgimento das políticas sociais.

Elaine Behring e Ivanete Boschetti (2011) afirmam que o aparecimento das políticas sociais foi gradual e diversificado entre os vários países. Essa diferença dependia (e ainda depende) da força e organização do movimento e da pressão que a classe trabalhadora exercia (e exerce) no âmbito da correlação e composição de forças diante do Estado e da burguesia. A depender também do grau de desenvolvimento das forças produtivas.

Tem-se o chamado “Estado de Bem-Estar Social”, ou Welfare State, como é mais conhecido na Europa, o marco para a generalização das políticas sociais em todo o mundo. Este teve início na década 40 (séc. XX), tal modelo desonerava o capital de boa parte dos ônus da preservação da força de trabalho – prestação de serviços públicos.

(BEHRING; BOSCHETTI, 2011)

3A expressão “questão social”, segundo Netto (2001), começou a ser utilizada na terceira década do séc. XIX, para designar as manifestações políticas da classe trabalhadora. Para o autor a “questão social” é estritamente relacionada ao modo de produção capitalista, pois é somente nesse modo de produção que ocorre a proliferação do pauperismo em um pólo e a enorme concentração de riquezas, no outro pólo, através do processo de produção. Historicamente tal contradição fez emergir diferentes formas de reações político-organizativas por parte dos grupos subalternos. Assim, podemos afirmar que a “questão social” expressa as manifestações concretas o processo de acumulação do capital, que por meio de sua (re)produção orgânica e subsunção do trabalho pelo capital, produz a desigualdade social, o crescimento da pauperização absoluta e relativa e a luta de classes. Segundo Iamamoto (2009) foram as lutas sociais históricas dessa classe que contribuíram com o processo de reconhecimento da “questão social” enquanto objeto de intervenção do Estado e legalização de direitos e políticas sociais. Logo, define a autora, “questão social” é também expressão de rebeldia.

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O desenvolvimento do sistema de seguridade social em todo o mundo está intrinsecamente relacionado às formas de organização do trabalho. Desse modo, o surgimento de um sistema de proteção está ligado à experiência de produção fordista- keynesiana e às necessidades da grande indústria. Particularmente na Europa Ocidental, tal sistema não se desenvolveu de forma única e indiferenciada.

Ivanete Boschetti (2009) faz um resgate histórico das políticas de seguridade social no mundo. A autora afirma que as primeiras iniciativas de benefícios previdenciários surgiram no século XX na Alemanha, durante o Governo do Chanceler Otto Von Bismarck, instituindo o modelo bismarckiano, o acesso aos direitos é condicionado à contribuição por meio do trabalho, esse modelo era movido pela Lógica do Seguro. Enquanto na Inglaterra, durante a Segunda Guerra Mundial, em 1942, é formulado o Plano Beveridge. O sistema beveridgiano traz como forte característica a lógica do acesso universal ao direito, por tal característica Boschetti (2010) denomina que tal sistema é por uma lógica social.

Para Maurício Ferrara (2012) o sistema beveridgiano ou modelo universal se diferencia pela cobertura a todos os seus cidadãos, independentemente da posição que ocupa no posto de trabalho, o que pode contribuir para a estruturação de uma rede de solidariedade e redistribuição universal. Tal sistema prevaleceu nos países nórdicos ou escandinavos (com destaque para a Suécia, Noruega, Finlândia, Islândia e Dinamarca).

Enquanto a lógica bismarckiana de seguros sociais foi predominante nos sistemas de proteção social dos países do Centro/Sul da Europa Ocidental, a saber: França, Áustria, Alemanha, Portugal, Itália, Grécia, Países Baixos e Espanha. Segundo Ferrara (2012) tal modelo pode ser também intitulado de modelo ocupacional, pois os serviços de proteção social, como também as regras para o respectivo acesso, possuem como critério principal as categoriais profissionais ou ocupacionais.

Assim, afirmam Anselmo e Silva (2014) diferentemente dos demais países da Europa Ocidental, o welfare desenvolvido no Sul da Europa, ou Europa meridional, teve um caráter polarizado e dualístico, pois algumas poucas categorias eram beneficiadas e protegidas, enquanto outras ficaram sem acesso aos benefícios e direitos sociais. O que contribuiu para o surgimento de “um welfare desigual e tendencialmente frágil”. (ANSELMO;

SILVA, 2014)

São diversos elementos que associados contribuíram para um certo atraso em termos de welfare nos países da Europa Meridional, Ilaria Madama (2012) sinaliza principalmente a existência de um mercado de trabalho periférico e de instituições sociais fracas e um atraso temporal na revisão das políticas sócio assistenciais.

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Ferrara (2012) afirma que o welfare meridional teve como base uma estrutura de mercado de trabalho atravessado por profundas divisões setoriais e mesmo territoriais, em uma economia submersa, com um modelo de família caracterizado por relações de solidariedade muito forte entre seus membros. Tais elementos são encontrados sobretudo na Itália, que até o final dos anos 80 não possuía uma rede de segurança de base contra as situações de pobreza. Assim, em um contexto histórico de difícil acesso às políticas de proteção e falta de um mercado de trabalho, a figura da família transforma-se no principal amortizador social.

No caso italiano, por exemplo, diversos(as) estudiosos(as) de políticas sociais falam do fortalecimento do fenômeno social chamado de “familismo all’italiana”, fenômeno esse que pode ser transformar em uma armadilha que “prende os jovens no próprio seio e desse modo transforma-se em um obstáculo à mobilidade, atrasa e endurece os processos de reprodução social, freando por outro lado a formação de uma demanda política a favor de mudanças” (MADAMA, 2012, p. 250, tradução nossa)4

Particularmente na Itália observa-se que historicamente o país possui uma forte tradição de implementação de intervenções dedicadas à categorias sociais específicas. Para Ferrara (2012), em relação a cobertura (ou não) dos/das assegurados(as) pelo welfare italiano, são evidenciadas três grupos principais:

1. O grupo dos segurados, composto dos trabalhadores dependentes das administrações públicas e das grandes empresas. A sua proteção é muito elevada no caso de aposentadorias e se aproxima dos padrões europeus.

2. O grupo dos semi-segurados, composto por uma variada combinação de trabalhadores dependentes (pequenas empresas, setores tradicionais como construção civil ou agricultura), trabalhadores autônomos (como pequenos comerciantes ou artesãos) e trabalhadores atípicos. Em relação ao risco da velhice a proteção típica desse grupo são as pensões mínimas.

3. O grupo dos não segurados, composto por trabalhadores que ficam relegados na econômica submersa, (..), sem conseguir conquistar um apoio estável e duradouro no mercado de trabalho regular. O risco de velhice é de qualquer modo protegido para estes trabalhadores graças a existência das aposentadorias ou benefícios sociais5. (FERRARA, 2012, tradução nossa, p. 49)6

4 “trattiene i giovani nel proprio seno, e in questo modo ostacola la mobilità, rallenta e irrigidisce i processi di riproduzione sociale, frenando peraltro la formazione di una domanda politica a favore del cambiamento”.

5 Ressalta-se que, assim como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) brasileiro, desde 1969 a Itália também conta com um benefício mensal de 448,07 euros para idosos(as) acima de 65 anos e 7 meses em situação de vulnerabilidade econômica, o chamado também “assegno sociale”. O referido benéfico é operacionalizado e requerido junto ao Istituto Nazionale della Previdenza Sociale (INPS).

6 1. Il gruppo dei garantiti – composto dai lavoratori dipendenti delle amministrazioni pubbliche e delle grandi imprese. La loro protezione è molto elevata nel caso delle pensioni ed è più o meno in linea con gli standard europei;

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Dessa forma, a partir de tal evidência pode-se afirmar que em geral o sistema de seguridade social italiano se assemelha àquele brasileiro, pois pode ser também caracterizado como um “sistema híbrido”, mesclando tanto traços da lógica do seguro como da lógica social, como afirma Boschetti (2010) para o caso da seguridade social brasileiro.

A trajetória da Política sócio-assistencial na Itália

Somado aos fatores gerais do desenvolvimento do welfare nos países da Europa meridional, sinalizados no ponto anterior, a Itália apresenta também alguns elementos particulares de sua formação social que contribuíram diretamente e indiretamente para um quadro de welfare considerado atrasado e frágil.

Foram assim diversos elementos de fundamentação social, cultural e política que no movimento contraditório da história italiana se relacionaram. Madama (2012) sinaliza um importante elemento histórico presente especificamente na formação e que até o presente momento influencia com grande peso na efetivação e implementação das políticas sociais:

sua tradição de intervenções dedicadas a especificas categoriais sociais promovidas por iniciativas do período fascista, por exemplo, os institutos voltados para maternidade e infância, como também por setores religiosos, com ênfase nas organizações históricas da Igreja Católica. Tais elementos contribuíram para um retrocesso em termos de organização de uma seguridade social universal e ampla.

A primeira intervenção normativa no âmbito da assistência social foi datada de 1862, por meio das Congregazioni di Carità, embora se possa afirmar que esses entes eram abertamente de caráter assistencialista e caritativo, tais organismos representavam os primeiros organismos de assistência pública geral para a população que necessitava.

Mesmo com aprovação da primeira lei direcionada a assistência social pública italiana, a chamada Lei Crispi (n° 6972 de 17 de julho de 1890), as históricas instituições

2. Il gruppo dei semigarantiti – composto da una variegata combinazione di lavoratori dipendenti (piccole imprese, settori tradizionali come l’edilizia o l’agricoltura), lavoratori autonomi (come piccoli commercianti o artigiani) e lavoratori “atipici”. Per quanto riguarda il rischio “vecchiaia” […] la protezione tipica di questo gruppo è la pensione “al minimo”;

3. Il gruppo dei non garantiti: qui troviamo tipicamente quei lavoratori che restano relegati nell’economica sommersa[..] senza riuscire a conquistare un ancoramento stabile e duraturo con il mercato del lavoro regolare. Il rischio “vecchiaia” è in qualche modo tutelato anche per questi lavoratori, grazie all’esistenza della pensione o assegno sociale.

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religiosas (Opere Pie) foram incorporadas por meio do reconhecimento dos Institutos Públicos de Beneficência (IPAB), estes somente em 1988 foram extintos.7

A lei, todavia, era ainda guiada pelo paternalismo e pelo controle social dos assistidos e não contribui a modificar de forma significativa a configuração das intervenções sócio-assistenciais. Não foram de fato individuado os direitos sociais aos sujeitos em dificuldade, nem se ocupava da reorganização da rede dos entes gestores. (MADAMA, 2012, p. 253)8

Dessa forma, historicamente a Igreja Católica na Itália traz uma grande tradição no âmbito da oferta de serviços e ações. Madama (2012) afirma que a inserção e grande influência das doutrinas caritativas da Igreja Católica junto ao Estado italiano, caracterizada principalmente pelo partido Democracia Cristiana (DC)9, contribuiu para um atraso na reforma da legislação no âmbito da assistência social.

Em termos de políticas sociais na Itália, o período fascista, que compreende os anos de 1922 a 1945, foi caracterizado por importantes intervenções, sobretudo no campo previdenciário. Contudo, no campo da assistência social também houve significativas mudanças. Segundo Madama (2012) de um lado foram instituídos numerosos entes assistenciais de caráter nacionais dedicados a categoriais específicas, como por exemplo cegos e órfãs, “de outros lado a política social do regime visa a fazer da família, fascista e católica, um dos seus símbolos. Foram assim realizados intervenções voltadas a incentivar a maternidade, as famílias numerosas e a constituição de novos núcleos familiares”.

(MADAMA, 2012, p. 254). Em 1925 foram criados as Opera Nazionale per la maternità e l´infanzia (ONMI) e em 1937 surgem em cada município os Enti Comunali di Assistenza (ECA).

Com a queda o regime fascista, fim da Segunda Guerra Mundial e advento da Republica Italiana, em 1948 foi promulgada a Constituição nacional, que se torna um novo ponto de referência para as políticas sociais. No artigo 38 afirma-se a responsabilidade do Estado para o bem estar dos cidadãos. A Carta Constitucional estabelece também que a assistência social será destinada a todos os cidadãos desprovidos de meios para sua própria sobrevivência.

7 Atualmente diversas instituições ligas à Igreja Católica são conveniadas às prefeituras locais, elas oferecem principalmente serviços básicos à população em situação de rua ou com dificuldade econômica, destacam-se principalmente de Caritas e a Comunidade Sant’Egídio.

8 “La legge, tuttavia, era ancora improntata al partenalismo e al controllo sociale degli assistiti e non contribuì a modificare in misura significativa la configurazione dell´intervento socioassistenziale. Non venivano infatti individuati diritti sociali in capo ai soggetti in difficoltà, né ci si occupava della riorganizzazione della rete degli enti gestori”

9 A Democracia Cristiana (DC) foi um partido declaradamente de base católica e cristã, fundado em 1942 foi extinto em 1994.

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A Constituição italiana inicialmente estabeleceu que as 20 regiões tivessem um papel central no sistema sócio-assistencial nacional, porém tal papel se restringia à direção e orientação, não incluindo a gestão direta das intervenções que foi atribuída aos entes locais.

Tal fato expressa outro importante elemento da particularidade da formação social italiana e que influencia na implementação das políticas sociais: a sua tradição regionalista. Até 1870 a Itália era um território dividido em vários reinos, inclusive com interferências de outros países. Somente com o processo de reunificação (Risorgimento), que durou de 1815 a 1870, a Itália tornou-se um país único. Contudo, tanto elementos culturais e sociais como econômicos e políticos regionalistas perduram até hoje, o que dificulta a construção de um efetivo sistema homogêneo e único nacional no âmbito das políticas sociais, como se observa no caso brasileiro.

Assim, Madama (2012) evidencia que o período considerado de expansão do welfare italiano (anos 80 a 90) foi marcado pela ausência de parâmetros institucionais únicos, restando para cada região e município estruturar sua rede de serviços.

A nível local região e município prosseguiram paralelamente na estruturação das próprias políticas sócio-assistenciais, introduzindo diferentes prestações e definindo beneficiários e critérios de acesso sobre base das próprias diretrizes, padrões e capacidades de despesas. No decorrer dos anos consolidou-se um sistema extremamente diversificado, cujos procedimentos de assistência social se apresentavam não homogêneo a nível local e atrofiado a nível nacional. Concluindo, o período de expansão da política sócio-assistencial italiana assumiu as características de um crescimento desordenado de atores, sujeitos e intervenções não coordenadas e integradas entre eles, cujo resultante é um sistema fortemente iníquo, ineficaz e ineficiente. (MADAMA, 2012, p. 259, tradução nossa)10

Somente nos anos 2000, durante um governo de base centro-esquerda, houve a aprovação da Lei quadro para a realização do Sistema Integrado de Intervenções e Serviços Sociais, Lei de n° 328/2000. Através de tal instrumento busca-se construir a nível nacional um quadro orgânico e homogêneo no âmbito dos serviços, ações e intervenções sócio- assistenciais e sanitárias, superando a forte tendência de ações voltadas somente a algumas categorias sociais. A referida lei vai introduzir novos conceitos, como por exemplo a subsidiariedade vertical e horizontal, reconhecendo a importância da relação entre o Estado e a sociedade civil, a necessidade de planejamento e uma planificação das ações sócio- assistências em todos os níveis governamentais, como o Plano de Zona.

10 “A livello locale regioni e comuni proseguirono parallelamente nella strutturazione delle proprie politiche socioassistenziali, introducendo differenti prestazioni, standard e capacità di spesa. Nel corso degli anni andò cosi consolidandosi un sistema estremamente variegato, in cui i provvedimenti di assistenza sociale si presentavano disomogenei a livello locale e stentati a livello nazionale.

Concludendo, Il periodo dell´espansione della política socioassistenziale italiana ha assunto i caratteri di uma crescita disordinata di attori, soggetti e interventi non coordinati e integrati tra loro, la cui risultante è un sistema fortemente iniquo, inefficace e inefficiente”

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O Lei 328 estabeleceu também a necessidade da implementação de uma medida de combate à pobreza a nível nacional, cita por exemplo a Renda Mínima de Inserção (RMI), particularmente sobre tal medida será falado mais avante.

Contudo a Reforma Constitucional de 2001 veio no sentido de reforçar o histórico regionalismo local, o que contribuiu para limitar o poder da Lei 328\2000. Ficou assim a cargo das regiões e municípios ofertar, financiar e implementar os serviços sócio- assistenciais.

Ressalta-se que nesse período a Itália teve como Primeiro Ministro Berlusconi (2001a 2006) , com uma coligação de centro-direita, Madama (2012) afirma que tal governo além de cortar gastos para as políticas sociais, ainda procurou reforçar uma visão da família como principal amortizador social.

Posteriormente, entre aos anos de 2006 a 2008 o país passou por governos caracterizados de centro-esquerda e centro-direita, caindo em uma crise e recessão econômica, que se observava por toda a Europa. Em tal contexto, adotou-se de 2011 a 2013 um governo caracterizado como “técnico”, ou seja, com não possuía uma ligação com nenhum partido político, que teve como Primeiro Ministro Mario Monti. Posteriormente nos anos de 2013 em diante tem-se um governo de centro-esquerda, porém com uma grande variedade parlamentar.

Em tal contexto de “instabilidade” política e econômica, dificuldade de implementação de uma política de assistência social inclusiva, homogênea e forte, crescem os dados nacionais que evidenciam o crescimento da pobreza e do “risco de pobreza” entre as famílias italianas nos últimos anos.

Relatórios e dados do Istituto Nazionale di Statistica (ISTAT) de 2014 revelam que mesmo estando entre a população de maior riqueza real entre os/as europeus/européias, as/os italianas(os) começaram a sentir nos últimos anos as consequências da crise, por meio da redução da riqueza familiar, o aumento da desigualdade econômica, do número de pessoas abaixo da linha da pobreza, e a privação material. Enquanto na média européia a relação entre os 20% mais ricos e os 20% mais pobres era de 5, na Itália esse valor chegava a 5,5. Entre os anos de 2008 a 2012 o índice Gini (coeficiente que mede o grau de desigualdade social em um país) subiu de 60,7% à 64%. (Dados: BES 2014 - Il benessere equo e sostenibile in Italia – ISTAT)

De 2007 à 2012 o número de italianos(as) em situação de pobreza absoluta passou de 2,4 a 4,8 milhões, ou seja, a manifestação da pobreza se duplicou em apenas 5 anos (ISTAT, 2014). Quase metade da população pobre italiana (2,347 milhões) vivem nas regiões do Sul do país, o que evidencia também o fenômeno histórico da desigualdade territorial entre as regiões italianas. Se nas regiões do Norte, como Trentino Alto Adige,

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Lombardia e Emilia-Romagna os percentuais de incidência da pobreza são de respectivamente 3,3%, 4% e 4,2%, nas regiões do Sul tais dados são muito superiores à média nacional (10,3%) , por exemplo na Sicília é de 25,2% , em Basilicata por sua vez é de 25,5% e na Calábria chega a 26,9%. (ISTAT, 2015)

Assim, tal crescimento da pobreza não aparenta imediatamente associado ao crescimento das medidas para seu enfrentamento. A nível nacional, as atuais intervenções continuam a privilegiar principalmente algumas categoriais como os/as aposentados(as) e núcleos familiares. Destacam-se o incremento das pensões e aposentadorias mínimas, bônus, benefícios fiscais e a social card.11 Diferentemente de vários países europeus, a Itália é desprovida de uma medida de combate à pobreza de nível nacional como, por exemplo, a Renda Mínima de Inserção (RMI).

Em relação a experiência italiana na implementação do RMI, vale ressaltar que entre os anos de 1999 a 2007 houve um processo de experimentação com o Decreto Legislativo n° 237 de 18 de junho de 1999. Contudo, tal processo não teve continuidade, somente algumas regiões específicas, como Basilicata, Província Autônoma de Trento e Bolzano e Valle d’Aosta continuaram a iniciativa.

III. CONCLUSÃO

A partir do estudo do caso italiano sobre a implementação da política sócio- assistencial foi possível observar como elementos da formação social local podem fortemente influenciar na efetivação das políticas sociais como um todo.

Dessa forma, tanto a forte influencia da Igreja Católica no Estado e na sociedade como um todo, quanto experiências do passado com o período fascista, incidiram na constituição de um política de assistência social e sistema de seguridade social fragmentário e dual. Somando-se a tais elementos uma cultura política e social regionalista.

Diferentemente da realidade brasileira, que nos quase 15 primeiros anos do século XXI contou com governos historicamente de esquerda que voltaram suas atenções não somente para o crescimento econômico, mas também social, período caracterizado como neodesenvolvimentista, a Itália além de ter passando por uma crise de recessão

11 A social card, também conhecida como carta acquisti, foi instituída em 2008 e funciona como um cartão de credito que é recarregado bimensalmente, utilizado para compra somente de gêneros alimentares e pagamentos de faturas de serviços públicos. Atualmente o valor da social card é em torno a 40 euros mensais.

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econômica também não conseguiu manter uma continuidade política e governativa voltada para a superação de históricas tradições que vão de encontro ao fortalecimento de uma política sócio-assistencial homogênea, universal e única para todo o território.

REFERÊNCIAS

ANSELMO, Gisele Caroline Ribeiro; SILVA, Salyanna de Souza. Welfare Italiano: a família em tempos de crise do capital. Revista Debates Sociais, Rio de Janeiro, n° 73-74, p. 227- 242, ANO XLV, 2014.

BEHRING, Elaine Rossetti; BOSCHETTI, Ivanete. Política Social: fundamentos e história. 9a edição. São Paulo: Cortez, 2011.

BOSCHETTI, Ivanete. A política da seguridade social no Brasil. In: Serviço Social:

direitos sociais e competências profissionais. Brasília. CFESS/ABEPSS, 2009.

FERRARA, Mauricio (org). Le politiche sociali. 2a edizione. Bologna: Il Mulino 2012.

IAMAMOTO, Marilda. V. Serviço Social e espaços sócio-ocupacionais. In: Serviço Social:

direitos sociais e competências profissionais. Brasília, CFESS/ABEPSS, 2009.

ISTITUTO NAZIONALE DI STATISTICA, Statistiche report, Anno 2014, La povertà in Italia, 15 luglio 2015, Roma 2015.

ISTITUTO NAZIONALE DI STATISTICA. BES 2014 - Il benessere equo e sostenibile in Italia. Roma, 2013.

MADAMA, Ilaria. La politica sociassistenziale. In: FERRARA, Mauricio. Le politiche sociali.

2a edizione. Bologna: Il Mulino 2012.

NETTO, José Paulo. Capitalismo monopolista e Serviço Social. 3ª ed. ampliada. São Paulo: Cortez, 2001.

Referências

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Note-se que a parte construtiva do ensaio de Stanley opõe assim, ao argumento atribuido a Putnam, uma teoria de níveis de compreensão de termos para espécies naturais, reavivando assim,