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,
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1' ...
EDUCAÇAO, ESTA-D,O E CIDADANIA: uエセa@
REFLEXAO SOBRE A REALIDADE ATUAL
DO
sisteBセa@
EDUCACIONAL BRASILEIRO·.
t !• f
I
•
EDUCAÇÃO, ESTADO E CIDADANIA: UMA
REFLEXÃO SOBRE A REALIDADE ATUAL DO
SISTEMA EDUCACIONAL BRASILEIRO
セ@
Luna GaZano Mochcovitch
Dissertação submetida corno
requisito para a obtenção
do grau de Mestre em Educa
çao.
Rio de Janeiro
Fundação Getúlio Vargas
Instituto de Estudos Avançados em Educação
E a David, querido 」ッュセ。ョィ・ゥイッ@ de
tantos anos.
"
AGRADECIMENTOS
A Circe Navarro Vital Brazil, pela atitude amiga e tão próxima com que conduziu a orientação dessa disserta
-çao e, particularmente, pelo respeito cuidadoso que sem-pre manifestou por minha liberdade intelectual e
autono
-mia no trabalho, outros tantos motivos para a renovaçao
de uma admiração já antiga.
A Victor Vincent ValIa, amigo e professor, por ter me introduzido ao estudo do pensamento de Antonio Grams-ci, despertando minha reflexão sobre o direito de todos
os homens
à
educação.A Yedda Salles, querida amiga, por ter posto mais
uma vez
à
minha disposição tão prestimosamente o seusa-ber estatístico ajudando-me a tirar, das tabelas usadas neste trabalho, a melhor contribuição que os dados esta-tísticos a ele podiam oferecer.
A
João Saboia, pela simpática acolhida e por terpermitido que seu texto fosse citado nessa dissertação.
A Antonio Monteiro Guimarães, pela colaboração na
revisão definitiva do texto, com a qual cumprimos mais
uma etapa de uma caminhada, sempre marcada por
um
conví-vio verdadeiramente fraterno e um fecundo debate de idéi as, lembrando-lhe o que diz Carlos Drummond de Andrade: "Lutar com palavras/Parece sem frutojNão têm carne e san gue •••• /En tretanto, luto."
Finalmente
à
Amilena, Marlene e Elias peladedica
-çao que demonstraram na datilografia dos originais.
Os meus agradecimentos
o
objetivo central desse trabalho é desenvolver uma reflexão geral sobre a relação entre Estado, cidadania eeducação e trazê-la para a realidade educacional bras
i-leira, com uma preocupaçao de atualidade. Parte-se de
uma discussão dos conceitos formulados por Antonio Grams
ci para o estudo'da superestrutura social, chegando-se
aos conceitos de reforma intelectual e moral e de Estado
"ético e educador", que permitem pensar o ensino público,
obrigatório e gratuito, ministrado pela escola única e
comum, como um "dever" do Estado burguês, democrata e re
publicano - "elemento primordial" da extensão da cidada
nia. Um estudo da ação pedagógica do Estado francês da
Terceira r・ー「ャゥ」。セ@ desenvolvido a partir de depoimentos
de professores do ensino primário da época, evidencia as
implicações ideológicas do ensino público quando é promo
vido por um Estado "ético e educador, por meio de
"
umaescola que é eficazmente "constitutiva de cidadania".
A análise das especificidades e impasses da
consti-tuição (ou da não consticonsti-tuição) da cidadania na
socieda-de brasileira fundamenta uma reflexão sobre as
condi-ções atuais da educação pública no Brasil, em que se des
tacam tematicamente duas questões: o significado social
do ensino profissionalizante e a seletividade da escola
elementar, analisada prioritariamente a partir dos
fato-res externos
à
escola que a determinam ou seja, as condiçoes de vida das classes subalternas, brevemente
dos com base na interpretação de dados estatísticos
rela-tivos
ã
evasio escolar e ao poder aquisitivo do ウセャゥイゥッ@mínimo. A conjuntura presente de transformaçio política e
institucional da sociedade brasileira
é
avaliada como ーイセ@pícia
ã
retomada da luta pela instrução elementar públicae gratuita numa escola única e comum, pelo prolongamento
da escolaridade, pela melhor qualidade do ensino, de tal
modo que a escola possa finalmente dar a sua contribuição
imprescindível
à
extensão da cidadania a todos osbrasi-leiros.
une réflexion générale portant sur les rapports entre
ャGセエ。エL@ la citoyenneté et l'éducation, pour ensuite
l'appliquer
ã
la réalité éducationelle brésilienne, touten assurant un souci d'actualité. On part dUne discussion
des concepts proposés par. Antonio Grarnsci pour l'étude
de la superstructure sociale, dont ceux de réforrne
in-tellectuelle et ITlorale et d':t:tat "étique et eaucateur - セ@ • li
permettent de penser l'enseignernent publique, obligatoire
et gratuit, imparti par l'école unique et commune, corrme
un devoir de ャGセエ。エ@ bourgeois, démocrate et républicain
"élérnent primordial" de l'extension de la citoyenneté.
Une étude de l'action pédagogique de ャGセエ。エ@ français de
la Troisieme République, établie à partir de térnoigna
ges d'instituteurs de l'enseignement public
à
l'époquerend cornpte des implications idéologiques de
l'enseigne
-ment public quand il est accordé par un セエ。エ@ "étique et
éducateur", moyennant une école qui se montre eficacernent
" cons titutive de la 」ゥエッケ・ョョ・エ←セG@
L'analyse des specificités et des impasses de la
constitution (ou de la non-constitution) de la
citoyen-neté dans la sociétê brésilienne pose les fondernents
dlune réflexion sur les conditions actuelles de
l'éduca-tion publique au Brésil,
à
l'intérieur de laquelle deuxquestions prennent relief: la signification sociale de
l'enseignernent proféssionnel et le caractere sélectif de
l'école ←ャ←セ・ョエ。ゥセ・L@ legueI est analysé ici sourtout du
point de vue des facteurs extérieurs
à
l'école qui ledéterminent, c 'est-ã-dire , les conditions de _ vie des
classes suboràonnées de la société. Ces facteurs sont
étudiés d'une maniere asse= générale,
ã
partir del'in-terpretation àes données statistiques sur l'évasion
sco-laire et le pouvoir d'achat cu sasco-laire セゥョゥュオョN@
L'actu-elle conjoncture de changement politigue et
institution-nel de la société brésilienne est considerée comme
pro-pice
à
la reprise de la lutte pour l'instructionélêmen-taire, publique et gratuite, impartie par une école
uni-que et 」ッイNセオョ・L@ et pour la prolongation de la scolarité,
de façon que, finalernent, l'école puisse donner sa
con-tribu,tion ::.: irremplaçable
à
l' extension de la ci toyennetéà
tous les brésiliens.pág.
INTRODUÇÃO
...
1CAPITULO I - GRAMSCI E A TRANSFORMAÇÃO DA SOCIEDADE: CONCEITOS DE GRAMSCI PARA0 ESTUDO DA SU
PERESTRUTURA . . . 10
Da subordinação intelectual
à
hegemonia. 14A reforma intelectual e moral e a
eleva-ção cultural das massas ..••.••••••..••• 29
o
bloco hist5rico e o Estado Bセエゥ」ッB@ e.. educador" ... 36
CAPITULO II A" GRANDE REFORMA INTELECTUAL E MORAL
DO POVO franᅦセsB@ DOS S:eCULOS XVIII E
XIX E O SIGNIFICADO IDEOLÓGICO DA INSTRU
çÃO ptjBLICA ... 41
Filosofia e senso comum no período pre-
--revol ucionário ••••••••••••••••••••••••• 44
Igualdade e liberdade •.•••••••.•••••••. 48
Articulação e fortalecimento da
socieda-de ci vi 1 ... 50
A reforma intelectual e moral e a instru
- --bl'
çao pu 1ca ... .
Funcionários da República: neutralidade, parcialidade e a vontade de conformismo.
A vinculação nacional e patriótica ..•.•
55
58
67
Progressismo e reformismo •••••.•..••.•• 73
CApITULO III - GRAMSCI, A CIDADANIA E A ESCOLA... 78
A educação como dever do Estado e a es
cola comum e un1ca ... .
..
.
88A escola unitária no pensamento de
An-tonioGramsci .••.••.•••••••..••.••••• 91
O pensamento elitista sobre a escola:
Gentile e sua reforma
...
96A escola e a introdução dos cidadãos
na vida estatal e na sociedade civil :
os direitos e deveres ••.••••••••.•••• 99
CAP!TULO IV - ESTADO, CIDADANIA E EDUCAÇÃO NO BRASIL. 104
o
problema da cidadania no Brasil.... 109Cidadania, política social e política
-de educaçao ....•.•••••••..••••••..••• 116
Estado e política educacional: イ・ーイッ、セ@
ção, formação de força de trabalho e
seletividade ..•.•••.•••.••••••••••••• 120
A seletividade no sistema de ensino pú blico brasileiro e sua relação com as condições de vida das classes subalteE
nas • • • • . . • . . • • . . . • • • . • . . . • . • . • • . 130
o
significado atual da luta pelaesco-la única e comum e pelo ensino público
e gratuito ••..•••••.••••••.••.••.•••• 145
Primeiros passos de um discurso ィ・ァ・ュセ@
nico: "promessa"
...
155posfセcioZ@ À GUISA DE CONCLUSÃO ...•.•.••••.••..•.•••• 162
Notas da Introdução
. . .
.
. . .
...
Notas do Capítulo I
.
.
.
.
· ...
. .
. . . .
.
Notas do Capítulo II
· ... · ...
Notas do Capítulo III
. .
.
.
..
. · .
.
.
. .
.
.
. .
. . .
.
Notas do Capítulo IV
· ... ·
...
Notas do Posfãcio
·
...
"...
BIBLIOGRAFIA
...
ANEXO I ANEXO ANEXO
II III
...
.
. . . .
. . .
. .
.
. .
.
.
.
. . . .
.
.
. . .
.
. . .
. .
. . .
.
...
ANEXO IV
ANEXO V
...
xi
170 172 178 189 194 201
202
LISTA DE TABELAS
TABELA I: Gastos com educação e saúde corno % dos
gas-tos totais da União de 1950 a 1975
...
TABELA 11: Taxas de analfabetismo da população de cin
co anos e mais de idade, segundo os grupos
de idade (1977-1982)
...
TABELA III:EVOlução do fluxo escolar, retenção/ são do sistema de ensino segundo as ries de ensino de 19 e 29 graus
eva-...
se-
(1942-1982)
...
TABELA IV: Distribuição das pessoas de sete a 14 anos de idade na condição de filhos por situa-ção de freqüência escolar e de atividade ,
segundo os grupos de rendimento familiar
(1970-1979)
...
TABELA V : Percentual do custo da raçao essencial em relação ao salário mínimo real - são Paulo
Pág.
128
131
132
133
(1940-1981) •.••.•••••••.•••.••..••••••••• 140
TABELA VI: Comparação entre os percentuais do custo
da ração I relativamente ao salário mínimo
segundo o DIEESE e a FIPE - são .Pául0
(1959-1981) •.•.•••••.••••••••••••••••...• 141
instrução novo; por outro lado
é
preai so um sistema de instruçãojá
novo ーセ@ra poder mudar as aondiçõessoaiais.
Por 。ッョウ・ァオゥョエ・セ@
é
preaiso partir dasaondições atuais".
KarZ Marx
Quando nos propusemos a desenvolver o projeto de 、ゥセ@
sertação, o objeto de estudo que definimos - a
arbitrarie-dade da lei do ensino profissionalizante (Lei 5692/71) ,sua
falsa implementação e seu fracasso corno lei! _ já era para
nós urna preocupação familiar, tendo constituído terna de es
tudos anteriores de fôlego mais curto. Decorridos, porém,
ano e meio dessa primeira formulação2, colocou-se a segui!?
te questão: se a lei já foi desmobilizada e descaracteriza
da em todos os seus aspectos, não há porque continuar
nes-te tipo de pesquisa. Ingressamos, então, em um processo,
não imediatamente de busca de novo objeto de estudo, mas
de urna nova indagação ligada diretamente ao fracasso da lei
5692/71 na sua aplicação no sistema educacional brasileiro:
que necessidades do processo social teriam dado origem
à
leido ensino profissionalizante? Que interesses estavam por
tura? Tratar-se-ia de urna maquinaçâo inspirada pela
"ra-cionalidade" dos burocratas e tecnocratas no poder, ou, ーセ@
ra bem compreender este processo, seria preciso entendê-lo
no plano da reprodução do próprio sistema e ao nível do con
junto articulado de interesses da hegemonia das classes do
minantes do sistema capitalista no Brasil, cujo aparelho de
dominação política e ideológica funcionava na época da for
mulação e promulgação da lei (1969-1971) arbitrariamente,
de cima para baixo, privilegiando sempre mais as 」ャセウ・ウ@ do
minantes e oprimindo, cada vez mais, as classes dominadas;
tornando os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez
mais pobres.
Não nos contentamos, contudo, com essas indicações:
resolvemos ir mais a fundo em nossas reflexões e passamos
a indagar: se a educação
é
tão importante para 、・ヲゥョゥイアオ。セ@será quem no sistema capitalista; se a educacão, embora se
.
-ja definida corno fator de igualdade, privilegia as diferen
tes classes sociais de maneira diferenciada, produzindo ou
reforçando a desigualdade; se, por outro lado, a educação,
corno diria Gramsci, é essencial para que se processe a ele
vação cultural das massas, condiçâo necessária da reforma
intelectual e moral das classes subalternas, com a
difu-sao entre elas de urna nova concepção de mund03
, qual
se-ria então o papel do Estado com relaçâo à educação? Daí
tudo pareceu mais claro: a educaçâo não deveria ser tra
-tada apenas, como oensam os chamados teóricos da reprodu
çã04
, como um mecanismo transmissor de conhecimentos e da
ideologia dominante, e sim como elemento, potencialmente,
propulsor de igualdades sociais e de reconhecimento dos di
rei tos de cidadania (direitos civis).
o
aluno, independentemente da sua classe social, deveria ser capaz de conhe
-cer e preparar-se para fazer valer os seus direitos de
ci-dadão.
E cabe ao Estado assegurar as condições para que isso
seja possível. Não apenas porque esse dever está inscrito
na tradição do Estado burguês liberal-democrático,
concre-tizando-se na forma inclusive de preceito constitucionaIS,
mas também porque, corno diz Vanilda Paiva, o Estado é a ÚDi
ca instituição capaz de dispor de recursos para a uni
versa-lização da educação em um período que dure décadas e nao
séculos.
No que concerne
ã
educação escolar, porem, e na medida em que elaê
reconhecida como direito do cidadão e obrigação do Estado - instituição 、・セ@ de há muito politicamente emancipada e única ca paz de dispor de recursos para sua オョゥカ・イウ。ャゥセ@zação em decadas e não em seculos, como ocorreu
na ィゥウエセイゥ。@ europeia - que as camadas
popula-res podem interpretá-la legitimamente e canali zar sua luta pela democratização do ensino e da 」オャエセイ。VN@
No atual momento conjuntural da história brasileira,
tudo indica que deverão ocorrer, nos próximos anos,
trans-formações políticas significativas na forma e na atuação
do Estado brasileiro; Esta questão da universalização da
educação aparece como uma das inúmeras questões que se
co-locam para o próximo governo. Num primeiro momento, o
fu-turo governante, eleito pelo colégio eleitoral em 15 de ェセ@
Venho para realizar urgentes e corajosas mu -danças políticas, sociais e econômicas indis-pensaveis ao bem estar do povo. Não foi fa -cil chegar ate aqui. Nem mesmo a antecipação da certeza da vitória, nos últimos meses, apa ga as cicatrizes e os sacrifícios que marca セ@ ram a história da luta que agora se encerra7 •
As perspectivas de transformações pOlíticas e de cum
primento dos compromissos democráticos assumidos ficaram
já definidas no discurso proferido por Tancredo Neves em
15 de janeiro de 1985, quando foi eleito presidente da Re
pública pelo colégio eleitoral, assim corno já eram bastan
te explícitas no discurso que fez em Vitória,€m 15 de
no-vernbro de 1984, na passagem da comemoração da proclamação
da República, com a renovação da mística da cidadania e
da repúblicas.
g preciso que a idéia de conflito interno
à
democracia seja compreendida corno urna necessidade natural, pois
nao se pode esquecer que a democracia traz consigo, corno
aspecto importante; a 」ッョカゥカセョ」ゥ。@ entre elementos
desi-guais, ィ・エ・イッァセョ・ッウ@ e mesmo divergentes. Esta realidade
exige um contexto de debate permanente que, todos
espera-mos, se abra nos tempos que se aproximam, com lugar para
a critica, a denúncia e a reivindicação.
Procuramos orientar esse trabalho nesta perspectiva,
que entende a critica, a denúncia e a reivindicação corno
imprescindíveis mesmo numa produção 。」。、セュゥ」。N@ E acredita
mos que esse esforço garante ao nosso trabalho um sentido
de atualidade e de oportunidade, sem o qual não teriamos
'mente, em função do contexto de iminentes transformações
políticas e mesmo sociais acima esboçadas, que, além de
atualidade e oportunidade, este trabalho pode ter alguma
relevância como contribuição na medida em que se propoe a
ser uma reflexão sobre as relações entre Estado e educa
çao.
Para encaminhar essa reflexão, recorremos a um
con-ceito que encontramos na obra do grande pensador italiano
Antonio Gramsci: o conceito de "Estado ético e educador".
t
claro que, para chegar a esse conceito, percorrem-se osconceitos fundamentais desse autor, tentando reconstituir
o quadro conceitual mais geral no qual ele ganha sentido.
Nesse quadro, destaca-se, para efeito desse trabalho,além
do conceito de "Estado ético e educador", o conceito de
"reforma intelectual e moral", associado
ã
noção de"ele-vação cultural das massas".
Assim, o primeiro capítulo do trabalho é dedicado a
uma caracterização geral do pensamento social e político
de Gramsci, sempre voltado para a transformação da
socie-dade, e à discussão do quadro conceitual desse autor, com
destaque para os dois conceitos referidos acima, centrais
para as análises que se seguem.
Na etapa inicial de sua afirmação hegemônica e
na fase de consolidação desta, a burguesia promove uma Bイセ@
forma intelectual e moral" através de seus intelectuais or
gànicos. No segundo capítulo, procura-se estudar essa re
ccncei-tos de Gramsci se faz· em dois momenccncei-tos da história daFran
ça, onde --segundo esse autor -essa reforma intelectual
e moral foi mais marcada. O primeiro momento se
desenro-la antes da Revolução Francesa ou em suas etapas iniciais.
Analisa-se o significado da Filosofia das Luzes como セ@
nu
cleo filosófico de um novo senso comum, bem como a
produ-ção de- novos intelectuais. セ@ um momento de luta ィ・ァ・ュョセ@
ca na sociedaàe civil, que se complexifica nessa fase his
tórica de preparação da tomada do Estado. O segundo mo
-mento é o mo-mento da afirmação da hegemonia com a
Tercei-ra República fTercei-ranc€sa, que é analisado atTercei-ravés do signif!
cado político e ideológico da generalização do ensino
pú-blico por meio da escola, enfatizando os seguintes 。ウー・セ@
tos: o compromisso ético do Estado com a elevação cultu
-ral das massas; a identificação dos professores como
in-telectuais orgânicos da dominação de 」ャ。ウウ・セョ。ウ@ primeiras
décadas da Terceira República; a produção àe urna "vontade
de conformismo" pela transmissão dos valores constituti
-vos da cidadania aos educandos; a substituição da religião
no senso comum pela "vinculação nacional e patriótica".
Essa parte está organizada corno uma tentativa de aplica
-ção dos conceitos de Antonio Gramsci ao material empírico
proporcionado pela pesquisa de Jacques Ozouf sobre rela
-tos de professores do sistema de ensino público francês na
Belle :gpoque9 •
No terceiro capítulo, após uma retomada sintéti
ca da trajetória percorrida até então, chega-se à
discus-são da noçao de educação como "dever do Estado", ッイァ。ョゥコセ@
da em torno da idéia de "escola comum e única". Mais uma
vez se recorre às idéias de Gramsci, a partir 、。ウウセウセ@
contidas em dois de seus textos sobre educação, e conclui
-se que, para Gramsci, a educação e a escola sao, em
cer-ta medida, constitutivas da cidadania.
O quarto capítulo representa um. esforço de trazer a
reflexão desenvolvida até esse ponto para a realidadeabEl
da educação pública no Brasil.Sem pretender ヲ。コ・イNオュ、ゥ。セ@
nóstico da situação da educação no Brasil, sem
proporcio-nar um quadro geral e abrangente do que se poderia chamar
de crise da educação brasileira, procuramos pensar alguns
aspectos da trajetória recente da política social de
edu-cação pública do Estado brasileiro edá'realidade que ela
ajudou a criar, a partir da problemática geral das
rela-ções ・ョエセ・@ Estado, cidadania e escola de que vínhamos tra
tando nos capítulos anteriores.
Num primeiro momento, esboçamos,com base nas
conclu-soes de alguns destacados cientistas sociais brasileiros,
um breve exame' das especificidades e dos impasses da
ex-tensão (ou melhor da não-exex-tensão) da cidadania no proces
so histórico, social e político brasileiro. Para tanto ,
analisamos a modalidade bastante particular assumida pela
ideologia liberal no Brasil e os conceitos de "cidadania
regulada", "dupla cidadania" e "cidadania de segunda 」ャ。セ@
se", detendo-nos a seguir no significado das políticas so
ciais de Estado para a extensão da cidadania, conforme as
colocações de Wanderley Guilherme dos Santos.Enfocamos es
pecificamente, a partir desse ponto, alguns aspectos da
9
últimos anos, dirigindo nossa reflexão para duas questões
colocadas por essa política -- a do ensino
profissionali-zante e da seletividade da escola com apoio basicamente
nos trabalhos de Barbara Freitag, de Guiomar Namo de Mello
e especialmente de Vanilda Paiva, que foram acrescidos de
uma breve análise de dados estatísticos.
Finalmente,concluímos com a afirmação da
atuaZidade
da retomada da luta pelo ensino elementar pÚblico,obrigatõ
rio e gratuito, sua extensão e sua qualidade,nos termos em
que esta é proposta por Vanilda Paiva. A conjuntura políti
ca atual, que permite prever transfo'rmações importantes ,
tanto institucionais como no próprio modo de fazer
políti-ca e de conceber as polítipolíti-cas sociais de Estado em nosso
país, abre a perspectiva para uma ação li reformada" (no sen
tido de reforma intelectual e moral) do ensino público. A
tentativa de construção de um discurso hegemônico de
Esta-do, evidenciada em discursos proferidos pelo futuro
presi-dente Tancredo Neves -- que são aqui analisados -- recorre
a valores e símbolos como democracia, cidadania, e até mes
mo hino e bandeira nacional.
2
patente o esforço para --emcontraste com o descrêdito total a que chegou o regime
po-lítico anterior -- elaborar um discurso qne restaure a
crença em
um
projeto hegemônico proposto pelo Estádo, queassegure a adesão aos valores renovados de uma Nova
Repú-blica (mística da cidadania, etc.), enfim, que produza uma
"vontade de conformismo"·. Neste contexto, fica evidente a
atualidade da luta pela generalização da educação
elemen-tar, por seu prolongamento e por sua qualidade efetiva, em
_GRAMSCI E A TRANSFORMAÇÃO DA SOCIEDADE:
A característica própria da produção teórica de gイ。ュセ@
ci
é
a perspectiva da transformação da sociedade queorien-ta sua reflexão e, pororien-tanto, a própria natureza dos
concei-tos que esta reflexão produziu. 1 Essa perspectiva tem ori
-gem certamente no seu profundo engajamento na luta de
clas-ses. Mais do que com o estudo das formas de manutenção, 」ッセ@
servação, sustentação ou reprodução do poder ou da
domina-ção de classes na sociedade capitalista, Gramsci estava ーイセ@
ocupado com a transformação dessa sociedade e com os
cami-nhos das classes subalternas rumo
ã
tomada desse poder,se-guindo o espírito das t・セ・セ@ セッ「セ・@ f・オ・セ「。・ィL@ de Marx, segun
do as quais, mais do que interpretar o mundo, e
...
precisotransformá-lo. Assim, a perspectiva de Gramsci
é
sempre ade elaborar conceitos que ajudem a classe operária e seus
intelectuais (seu partido) a firmar a "hegemonia" do
prole-tariado sobre o conjunto das classes subalternas e a
tar a "direção intelectual e moral"2 do conjunto da socieda
de visando
à
tomada do poder político eà
alteração da situação de dominação. Nessa perspectiva, a preocupação de
Gramsci com a ideologia não enfatizará a questão da reprodu
ção ideológica, muito embora tenha sido nos escritos de
Gramsci que Althusser encontrou as fontes para a sua
formu-lação do conceito de aparelhos ideológicos de Estado.!
Éssa diferença entre a perspectiva de Gramsci e a de
Althusser é enfatizada por Miriam Limoeiro Cardoso no ウ・ァオセ@
do capítulo de seu livro
Ideologia do Vehenvolvimento
-
bセ。@hil:
JK
-
JQ
I quando a autora discute a ideologia como ーイセ@blema teórico. Trata-se da idéia de que a concepção
althus-seriana da ideologia e da relação entre superestrutura e in
fra-estrutura faz com que, no pensamento de Althusser, fi
que perdida a dimensão da transformação da sociedade. s・ァセ@
do a autora, os althusserianos, presos nas malhas de sua
própria construção teórica, não conseguem pensar as
ideolo-gias dominadas senão como "subconjuntos ideológicos" ou
co-mo "tendências da ideologia dominante"'+. Por isso, estariam
limitados ao ponto de vista da manutenção da estrutura em
suas análises, pois seu próprio quadro teórico geral não
lhes permite chegar ao ponto de vista da transformação
des-sa estrutura. Assim, eles assumem a perspectiva da
ideolo-gia dominante.
da de posição do ponto de vista da reprodução das relações de produção está voltada de fato para a manutenção da estrutura em que estas re-lações de produção são dominantes. Já por isso Althusser assume novamente a perspectiva da ide ologia dominante, embora pretenda, nesse mesmo texto, "correr o risco de propor um priméiõ:'o e muito esquemático esboço de uma teoria da ideo-logia em geral". 5
E, mais adiante:
••• estamos novamente face
ã
impossibilidade de pensar ideologias não-dominantes, e desta vez sem nenhuma saídaã
vista. Encontramos aqui a razão de ser da ênfase tão grande que os althus-serianos dãoã
função da ideologia,ã
determina ção de lugares e papé1s,ã
manutenção da ・ウエイオセ@tura.! porque, assumindo única e exclusivamen te o ponto de vista da ideologia dominante, não há como teoricamente encontrar onde colocar a
dominação (da forma pela qual
é
sofrida e como possa ser rejeitada) e a transformação, que sao exatamente os elementos que a ideologia dominan te não percebe, e assim, não formula.'Tanto Althusser como Gramsci estão empenhados em
de-senv01ver, em fazer avançar a teoria marxista do Estado.
Só que seguem caminhos diferentes. Althusser, com seu
con-ceito de aparelhos ideológicos de Estado pensa a reprodução,
dando motivo para críticas tão sérias como a que lhe é
fei-ta por Miriam Limoeiro Cardoso. Gramsci, como já foi dito ,
pensa a transformação e, para isso, desenvolve uma série de
conceitos novos para entender a superestrutura, o Estado e
a ideologia. Esses conceitos são basicamente: hegemonia
,
bloco histórico, senso comum, intelectual orgânico, reforma
intelectual e moral (e elevação cultural das
massas},socie-dade civil e sociemassas},socie-dade pOlítica,e Estado "educador" e
"éti-co". Vamos examinar esses conceitos adiante.
Da subordinação intelectual
à
hegemoniaTendo em vista as dificuldades criadas pelo tipo de
exposição típica dos textos de Gramsci, em que as idéias
são retomadas em sucessivas oportunidades, precisadas e
reelaboradas em diferentes passagens, optamos por tentar
isolar os principais conceitos introduzidos por Gramsci
nos textos de sua autoria sobre os quais trabalhamos. A or
ganização fragmentária de sua produção, condicionada pela
censura carcerária e por sua saúde precária, obriga a
es-se modo de proceder, que
é
também o de seus comentaristasaos quais recorremos.
Uma vez discriminados os conceitos que nos pareceram
os mais importantes, procuramos reunir numa definição
bre-ve7 os elementos essenciais para sua compreensão. Estes
conceitos - dentre os quais examinaremos em primeiro lugar
os de subordinação intelectual, concepção de mundo, senso
comum, bom senso, hegemonia, filosofia da práxis e intelec
tuais orgânicos (todos referentes
à
esfera da ideologia)-não são apresentadas na ordem em que são introduzidos nos
textos, mas numa seqfiência de nossa escolha segundo
crité-rios que nos pareceram pôr em evidência o encadeamento ló
gico entre eles existente.
A expressão Tオ「ッセ、ゥョ。 ̄ッ@
intelectual
aparece no ーイセ@meiro parágrafo da página 15 de
Concepção dialetica
セ@da
ィゥTエセゥ。NX@ Nesse parágrafo e com essa expressa0, Gramsci
nos dá sua visão da dOMinação ideológica de classe na
Dominação de classe
classe dominante: burguesia
classes subalternas: proletariado,
campesinato, etc.
o
primeiro momento dessa dominação é econômico:
é
a
、ッュゥョセ@ção do capital sobre o trabalho que corresponde
à
explora-ção das classes subalternas. Essa exploraexplora-ção é a base
da
luta de classes, que se expressa na política, na luta ideo
lógica, na disputa por hegemonia (veremos depois esse
con-ceito) •
Para garantir a dominação econômica (exploração),
e-xiste uma dominação pOlítico-ideológica. E a
principal
agência dessa dominação político-ideológica
é
o Estado,
・セ@quanto defensor dos interesses das classes dominantes.
Es-sa dominação de classe pOlítico-ideológica se faz:
19) pela repressão: o exército, a polícia, as
pri-sões etc. Mas o poder militar só deve ser
acionado
em períodos de crise.
29) pela dominação ideológica:
é
produção de um
con-senso social que aceita a direção que a classe
domi-nante dá
ã
sociedade.
A possibilidade dessa dominação é dada, segundo
gイ。ュセ@ci, basicamente por dois fatores: a interiorização da ideo
logia dominante pelas classes subalternas; a ausência
de
uma visão de mundo coerente e homogênea por parte das elas
ses subalternas que lhes permita a autonomia. As
classes
dominadas ainda estão presas ao senso comum, à religião
,
ao folclore. Não chegaram a uma visão de mundo que lhes se
Isto significa que um grupo social, que tem uma concepção própria do mundo, ainda que embrioná-ria, que se manifesta na ação e, portanto, des-contrnua e ocasionalmente - isto ;, quando tal grupo se movimenta como um conjúnto orgânico toma emprestada a outro grupo social, por razões de submissão e subordinação intelectual,uma con
- , 9
cepçao que lhe e estranha •
Assim, para Gramsci, dominação ideológica seria subor
dinação intelectual: as classes dominantes podem, pela 、ゥイセ@
ção, conservar a unidade ideológica de todo o bloco social
que está cimentado e unificado pela ideologia dominante. A
base de sustentação dessa unificação ideológica exercida ーセ@
la ideologia dominante é o senso comum.
s・ョセッ@
comum,
no sentido que lhe dá Gramsci, é a visão do mundo mais difundida no seio das classes sociaissubal-ternas. O senso comum
é
tão complexo quanto a religião, masé ainda menos homogêneo e estruturado. As representações do
mundo que este senso comum permite são sempre ocasionais e
desagregadas:
é
a banalização de ideologias dominantes deépocas históricas anteriores. Mas o senso comum integra o
que Gramsci chamaria de uma
concepção de
mundo.
Na perspectiva gramsciana, as concepções de mundo aparecem de dois
mo-dos: ocasional e desagregado; coerente e homogêneo. O senso
comum, a religião popular, o folclore (crendices, etc.) são
formas de concepção do mundo ocasional e desagregada, carac
terísticas das classes subalternas antes da tomada de 」ッョセ@
ciência. são formas de um conformismo imposto pelo ambiente
exterior (ideologia dominante) e outros grupos sociais. Com
põem-se de estratos acumulados de idéias correspondentes a
mo uma herança cultural desagregada e banalizada.
Por'outro lado, uma concepção do mundo coerente e
ho-mogênea é elaborada de uma maneira crítica e consciente.
Prepara para uma partiéipação ativa e consciente na produ
ção da história do mundo1 traduz a consciência do destino
histórico e social de uma classe social. Para passar da
consciência ocasional e desagregada para a consciência
coe-rente e homogênea é preciso criticar a própria concepção do
inundo, partindo da consciência daquilo que somos ("
conhece-te a ti mesmo") e chegando lIao ponto atingido pelo pensame!,!.
to mundial mais desenvolvidoll
, que, no caso do proletariado,
é a filosofia da práxis ou marxismo.
Voltando ao senso comum, Gramsci diz que ele "é a
fi-losofia dos não filósofos, isto é, a concepção do mundo
。「ウセイカゥ、。@ acriticamente pelos diferentes meios sociais e
culturais, em que se desenvolve a individualidade moral do
homem médio"l'. Constatamos assim que, para Gramsci, o
sen-so comum se opõe
ã
filosofia (isto é, a uma "ordemintelec-tual" que é uma lIunidade" e uma "coerência" na conSCl.enCl.a
....
.
individual) pois não se baseia numa reflexão crítica, numa
interrogação. O senso comum caracteriza-se, portanto, em
primeiro lugar, pela sua adesão total e sem restrições a
uma concepção do mundo elaborada fora dele próprio, que se
realiza num conformismo cego e numa obediência irracional a
princípios e preceitos indemonstráveis e IInão-científicos" ,
funcionando no plano da "crença e da fé".
Ademais, "senso comum" é um nome coletivo , co-mo "religião": não existe um único senso comum, pois エ。ュ「←セ@ ele é um produto e um devenir' his
tõrico. A filosofia é a crítica e a superaçao da religião e do senso co'mum e, nesse sentido, coincide com o "bom senso" que se contrapõe ao senso comuml l •
Há, portanto um
bom
セ・ョセッ@ além do senso comum, ou,
aliás, corno diz Jean-Marc Piotte, um núcleo de bom senso no
interior do senso comum:
Este senso comum contém um núcleo de bom senso fundado em uma certa dose de experiência e de observação direta da realidade, mas este núcleo está envolvido por concepções religiosas, pela ideologia da classe dominante e por elementos ideológicos provenientes do passado, etc. 12
o
bom sensoé
o núcleo sadio do senso comum.Este é o núcleo sadio do senso comum,o que pode ria ser chamado de bom senso, merecendo ser de= senvolvido e transformado em algo unitário e coerente. Tornam-se evidentes, assim, as razões que fazem impossível a separação entre a chama-d a f 'l セ@ oso f' セ。@
"o
c1ent1 1ca e a --fo "
f'l 1 osof1a vulgar . " "e popular, que
e
apenas um conjunto desagregado de idéias e de opiniões 13 •e,
pois, sobre este bom senso--- núcleo sadio dosen-so comum--- que se deve trabalhar, procurando desenvolvê-lo
e transformá-lo em consciência de classe ou seja concepçao
do mundo coerente e homogênea (trabalhar sobre o bom senso
se.rã função dos intelectuais orgânicos). E trabalhá-lo
con-エセ。@ o senso comum no qual estã entranhado e do qual deve
ser recuperado corno núcleo de urna consciência que ultrapas
se o senso 」oセオュN@ Isto porque, o senso comum
tornan-do-se na sua consciência moral, na sua consciên cia política. H
..
.
E qual seria o instrumento para trabalhar o nucleo de
bom
senso que existe no interior do senso comum no sentido de
uma maior coerência e homogeneidade? A filosofia da práxis
é
a resposta da Gramsci.
Expressão que ele usava para iludir a censura
fascis-ta da prisão, a
VセエッセッVセ。@da
ーセ ̄クセセ@é, para Gramsci, o mate
rialismo histórico e dialético, que está sempre se
reelabo-rando a partir do corpo teórico construído por Marx e
En-gels. A filosofia da práxis se constrói como crítica a todo
o pensamento precedente, ou seja, às filosofias e ao univer
so cultural existentes.
Marx construiu sua teoria partindo da crItica
das
três correntes de pensamento mais avançado do século
XIX:a
economia pOlítica inglesa; a filosofia clássica alemã e
o
pensamento e a prática política socialistas franceses.
Gramsci entende que a construção desta filosofia da práxis
é
um processo contínuo, permanente, para que ela possa
res-ponder aos problemas atuais do momento histórico.
Para Gramsci esta construção deve ter sempre dois
mo-mentos que se desenvolvem ao mesmo tempo. O primeiro
momen-to
é
a crítica do senso comum, que não deve desprezar
em
bloco o senso comum, isto
é,
precisa aproveitar o que há ne
le de bom senso.
( ••• ) nao se trata de introduzir uma ciência na vida individual de "todos",mas de inovar e tor-nar "crítica" uma atividade já existente.15
O segundo momento é a crítica das filosofias dos
tuais, que deve ser sustentada e atualizada no mesmo nível
em que foi realizada por, Marx e Engels, sem permitir que a
filosofia da práxis se banalize ou vulgarize.
Esse trabalho de levar às massas a filosofia da
prá-xis, não de fora para dentro, mas articulando-se com a
re-flexão que é possível, via o chamado "núcleo de bom senso",
a partir da prática cotidiana das massas, é a missão dos
セョ@エ・A・」エオ。セセ@ ッセァ¬ョャ←PTセN@
Para Gramsci, todo esse movimento não
é
possível sem
a formação de uma camada de intelectuais, que representa a
união entre a teoria e prática. Os intelectuais
orgânicos
-nao sao apenas os grandes intelectuais, criadores de
teorias, como Marx, Lenin ou Trotski, ou os formuladores de es
-tratégias políticas. Intelectuais orgânicos são aqueles que
difundem a concepção do mundo revolucionário entre as
clas-ses subalternas. são aqueles que se imiscuem na vida
práti-ca das massas e trabalham sobre o bom senso procurando
ele-var a consciência dispersa e fragmentária das massas ao
ní-vel de uma concepção do mundo coerente e homogênea:os
inte-lectuais orgânicos são dirigentes e organizadores.
Autoconsciência crítica significa, histórica e politicamente, criação de uma elite de intelec-tuais: uma massa humana não se "distingue" e não se torna independente "por si", sem organi-zar-se (em sentido lato); e não existe organiza ção sem intelectuais, isto
é,
sem organizadores e dirigentes, sem que o aspecto teórico da liga ção teoria-prática se distinga concretamente em um estrato de pessoas "especializadas" na elaboração conceitual e filosófica.16Como se criam estes intelectuais orgânicos?
intelectuais desenvolve-se qualitativa e quantitativamente
conforme a massa dos simplórios eleva-se a níveis
superio-res de cultura e amplia seu círculo de influência.
o
processo "de desenvolvimento esti ligado a uma dialética intelectuais-massa; o estrato dos intelectuais se desenvolve quantitativa e qualitativamente, mas todo progresso para uma nova "amplitude" e complexidade do estrato dos intelectuais está ligado a um movimento análo-go da"massa dos simplórios, que se eleva a ní-veis superiores de cultura e amplia simultanea mente o seu círculo de influência, atraves de indivíduos, ou mesmo grupos mais ou menos im-portantes, no estrato dos intelectuais especializados. 17
-A forma mais elevada dessas camadas de intelectuais
no mundo moderno
é
o partido político da classe operária.Como atuam estes intelectuais orgâniCos? Gramsci
diz que cabe a esses intelectuais a seguinte missão:
Disto se deduzem determinadas necessidades pa-ra todo o movimento cultupa-ral que pretende subs tituir o senso comum e as velhas concepções dõ mundo em geral, a saber;l)nio se cansar ェ。セ。ゥウ@
de repetir os próprios argumentos Hカ。セゥ。ョ、V@
literariamente a sua forma): a repetiçio
é
o meio didático mais eficaz para agir sobre a mentalidade popular; 2) trabalhar incessante-mente para elevar intelectualincessante-mente camadas po-pulares cada vez mais vastas, isto é, para dar personalidade ao amorfo elemento de massa, o que rognifica trabalhar na criação de elites de intelectuais de novo tipo, que surjam direta -mente da massa e que permaneçam em contato com ela para tornarem-se os seus sustentáculos. Esta segunda necessidade, quando satisfeita,é
a アセ・@ realmente modifica o "panoramaideológi-co" de uma época. 18
Finalmente, há o conceito de
hegemonia,
talvêz a contribuição mais importante de Gramsci
à
teoria marxista. Hegemonia é o conjunto das funções de domínio e direção exer
cidas por uma classe social dominante, no decurso de um
período histórico, sobre outra classe social e até sobre o
conjunto das classes da sociedade. A hegemonia
é
compostade duas funções: função de domínio e função de direção inte
lectual e 'moral, ou função própria de hegemonia.
a supremacia de um grupo social se manifesta de dois modos, como "domínio" e como "direção mo-ral e intelectual". Um grupo social é dominante sobre os grupos adversários que tende a "liqui-dar" ou a submeter com a força armada, e é diri
gente em relação aos grupos afins ou aliados.1T
o
conceito de hegemonia de Gramsci tem sido utilizado
por diversos autores que exploraram suas possibilidades teó
ricas, mostrando sua abrangência e seu valor explicativo.
Um destes autores
é
o inglês Raymond Williams, que nos indi
ca as possibilidades desse conceito para a análise da
domi-nação cultural, da domidomi-nação ideológica da burguesia
atra-vés da produção de um senso comum.
"
A grande contribuição de Gramsci está em ter da do importância
ã
hegemonia e também em tê-la compreendido a uma profundidade que julgo rara. A hegemonia pressupõe a existência de alguma coisa queé
verdadeiramente total, que não é apenas secundária, ou superestrutural, como o fraco sentido de ideologia, mas sim que é viven ciada tão profundamente, que satura a um tal ponto a sociedade e que, conforme propõe Grams-ci, constitui mesmo o limite do senso comum pa-ra a maioria das pessoas que se acham sob seu domínio, que acaba por corresponderã
realidade da experiência social de modo muito mais nítido do que quaisquer outras noções derivadas da fór mula de base e superestrutura. Pois se a ideolo gia fosse meramente uma noção abstrata imposta7 se nossas idéias e suposições, e hábitos soci-ais, políticos e cultursoci-ais, fossem apenas o re-sultado de uma manipulação específica, de um ti po de treinamento aberto que pudesse ser sim-plesmente encerrado ou destruído, então seria muito mais fácil agir e mudar a sociedade do que vem sendo na prática. Essa noção de hegemo-nia como que saturando profundamente a consciên cia de uma sociedade mostra-se fundamental( ••.r
Ela ressalta os fatos da dominação. 20E, com referência mais específica
ã
relação entre
Hegemonia é todo um corpo de práticas e expec-tativas; nossas tarefas, nossa compreensão co-mum do ィッュ・セ@ e de seu mundo.
t
um conjunto de significados e valores que,ã
medida que sao experienciados como práticas, apresentam-se co mo se confirmando reciprocamente. Constitui7
portanto, um sentido de realidade para a maio-ria das pessoas na sociedade, um sentido do absoluto, porque experienciado com uma イ・。ャゥ、セ@de fora da qual é muito difícil para a maioria dos membros de uma sociedade instalar-se em grande parte das áreas de suas vidas. Mas não é, exceto na operação de um elemento de análi-se abstrata, um sistema estático. Pelo contrá-rio, só podemos compreender uma cultura efeti-va e dominante se entendemos o processo social real de que ela depende: refiro-me ao processo de incorporação. Os modos de incorporação são de grande significado, e incidentalmente em nosso tipo de sociedade apresentam considerá--vel importância econômica. As instituições edu
cacionais são em geral os principais agentes de transmissão de uma cultura econômica bem co mo cultural; na verdade,são as 、オ。ウGウゥュオャエ。ョ・セ@
mente. Além do mais, a um nível filosófico, aõ
verdadeiro nível da teoria e ao nível da histõ ria das diversas práticas, há um processo que chamo エセ。、i ̄ッ@ セ・ャ・エiカ。Z@ o qual. nos termos de uma cultura dominante efetiva, é sempre dissi-muI a d o c o mo 11 a t r a d i ç ã o", o p as s a dos i g n i f i c a
-tivo. Mas a questão ê sempre a seletividade, a forma em que, de todo um campo possível àe pas sado e presente, escolhem-se como importantes determinados significadós e práticas. ao passo que outros são negligenciados e excluídos. De modo ainda mais decisivo, alguns desses
signi-ficados são reinterpretados, diluídos ou colo-cados em formas que apóiam ou ao menos não con tradizem outros elementos dentro da cultura do minante efetiva.
O processo de educação; os processos de uma for mação social muito mais ampla em instituições como a família; as definições e a organização prática do trabalho; a tradição seletiva a um nível intelectual e teórico: todas essas for-ças estão implicadas num contínuo fazer e refa zer de uma cultura dominante efetiva, e 、・ャ。ウセ@
enquanto experienciadas, enquanto integradas em nossa vida, depende a realidade. Se o que apredemos fosse apenas uma ideologia imposta, ou se fosse apenas os significados e práticas isoláveis da classe dominante, ou de um setor da classe dominante, que
ê
imposta a outras ocupando somente o topo de nossa mente, então seria-e com isto nos daríamos por satisfeitos uma coisa bem mais fácil de derrocar. 21Embora o oonceito
N・セ@••
、。アオNセッ@a um trabalho
profun-do
e rico do
。ョGャゥNセ@da dominação na soc1edado capitalista
m' ·derna, como propôe William8, por exemplo, não .e devo ••
-q\'ecer que Gram.ci .empre pen.a na per.pect1va dA
tran.for-•
ft\.lçÃo da sociedade, e não da reproduçÃo.
O
que lhe
intero8-sa
é
como mudar a hegemonia, e como pOde o proletariado e.t!
belecer sua hegemonia sobre as outras classe.
subalternas
da sociedade, poiS a constituição de uma visÃo de mundo coe
rente e homogênea, que consegue adesões e alianças,
é
im-prescindível para que a classe operária possa abalar a
ィ・ァセ@monia burguesa e conquistar sua hegemonia ideológica antes
mesmo da tomada do poder.
Como as classes subalternas se libertam dã hegemonia
da classe dominante?
Ã
compreens80 crítica de si mesmo
é
obtida, por
tanto, atravis de uma luta de "hegemonias" polr
ticas, de direções contrastantes, primeiro
nõ
campo da etica, depois no da política,atingindo,
finalmente, uma elaboração superior da própria
concepção do real. A consciência do fazer parte
de uma determinada foria hegemônica (isto i , a
consciência política) e a primeira fase de uma
ulterior e progressiva autoconsciência, na qual
teoria e prática finalmente se unificam. Portan
to, tambem a unidade de teoria e prática não
e
um fato mecinico, mas ua
、・カセョゥイ@bist5rico, que
tem a sua fase elementar e primitiva no
senso
de "distinção". de "separação", de
independên-cia apenas instintiva, e progride ate
ã
posses=
são real e completa de uma concepção do
mundo
coerente e unitária.
t
por isso que se deve cha
mar a atenção para o fato de que o desenvolvi=
mento polrtico do conceito de hegemonia
repre-senta alem do progresso político-prático -
um
grande progresso filosófico, já que implica
e
ウオーセ・@
necessariamente uma unidade intelectual e
uma etica adequada a uma concepção do real que
superou o senso comum e tornou-se crítica! mes
mo que dentro de limites ainda restritos.
2セ@
mundo coerente e homogênea., ela propõe para outras
clas-ウセウ@
subalternas, como o campesinato, a pequena burguesia
,
"'I
セエ」NL@uma nova hegemonia,oposta
à
da burguesia. O proleta
-セNセゥ。、ッ@
se afirma como classe dirigente e dominante na
medi-q\'111,
,
":I,l.4e lhe permita mobilizar coptra o capitalismo e o
laem que consegue criar um sistema de alianças de
classes
Estado
セセlァオ↑ウ@
a maioria da população trabalhadora. Não basta
,
c,is, a ação política que conserve o poder pela força, mas
é
preciso que a nova classe hegemônica conquiste o
consen-so geral, ou seja, afirme sua direção cultural e moral:
-( ••• ) o proletariado pode se tornar classe di-rigente e dominante na medida em que consegue obter o consenso das amplas massas. 23
O projeto de popularização de um novo senso comum
e
4ip
direção intelectual e moral do proletariado
é
um
proje-セ@
ae luta no campo da superestrutura, de luta ideológica ,
'utahegemônica como diz Dermeval Saviani, aliás um dos
:adores brasileiros que mais se tem empenhado, e com
me-セウ@
resultados, em uma reflexão sobre a educação no
Bra-t
partir das idéias de Grarnsci.
Luta hegemEnica significa precisamente: proces-so de desarticulaçao-rearticulação, isto
é
,
trata-se ,de desarticular dos interesses domi-nantes aqueles elementos que estão articulados em torno deles, mas não são inerentesã
ideolo-gia dominante, e rearticulã-los em torno dos in-teresses populares, dando-lhes a consciência , à coesão e a coerência de uma concepção do mun-do elaborada, vale dizer, de uma filosofia( ••• ) Considerando-se que "toda relação de hegemoniaê
necessariamente uma relação pedagógica"fIi
ヲ。エ・セセ。ゥセセュッ@ セエッセセ」ッ[@ Roma, Riuniti, 1977, pãg.
1), cabe entender a educação como um instru-'to de luta. Luta para estabelecer uma nova
'ção hegemEnica que permita constituir um bloco histórico sob a direção da classe mental dominada da sociedade capitalista
- o proletariado. Mas o proletariado não pode se erigir em força hegemônica sem a elevação do nível cultural das massas. Destaca-se aqui a ゥューッイエセョ」ヲ。@ fundamental da educação. A forma de inserção da educação na luta hegemônica con figura dois momentos simultâneos e organicamen te articulados entre si: um momento negativõ que consiste na crítica da concepção dominante
(a ideológia burguesa); e um momento positivo que significa: trabalhar o senso comum de modo a extrair o seu núcleo válido (o bom senso) e dar-lhe expressão elaborada com vistas
ã
forrou lação de uma concepção do mundo adequada aos interesses populares. 24Se esse processo
é
um processo de luta, será preciso-acrescentar aos conceitos propostos por Gramsci para a ana
li se 4a superestrutura que estivemos estudando até aqui
mais um conceito, fundamental, sem o qual os outros não ーセ@
deriam encontrar seu lugar de aplicação: o conceito de
so-ciedade civiZ.
Isto porque a sociedade civilé
o terrenoonde se trava essa luta. A contribuição essencial de Grams
cí como teórico da superestrutura foi a de proporcionar um
conjunto de conceitos que permite pensar (e orientar na
prática) o processo de formação da consciência de classe
da classe trabalhadora -- uma nova visão de mundo-- no pro
cesso de uma luta hegeMônica para dar ao conjunto da ウッ」ゥセ@
dade (ou, pelo menos, ao conjunto das classes subalternas)
uma direção política, intelectual e moral. Essa direção de
ve dispor de um projeto alternativo da sociedade, armado
com respostas próprias e alternativas às do poder vigente
para o conjunto das questões enfrentadas pela sociedade em
cada conjuntura. Essa proposta de direção alternativa deve
disputar cada instituição da sociedade, afirroEndo-se em エセ@
dos os momentos da vida social, em todas as "trincheiras"
da sociedade civil, que
é
o terreno onde deve ser posta em27
,
Gramsci amplia a teoria da superestrutura através de
uma reelaboração do conceito marxista de Estado, que passa
a englobar a "sociedade política" mais a "sociedade civil":
Deve-se notar que, na noção geral de Estado, entram elementos que também são comuns
ã
noção de sociedade civil (neste sentido, poder-se-ia dizer que Estado = sociedade polLtica + socie-dade civil, isto é, hegemonia revestida de co-erção). 25A sociedade política, ou Estado propriamente dito
,
representaria o momento da força e da coerção, enquanto a
sociedade civil seria constituíõa pela rede complexa dos
elementos ideológicos em função dos quais a classe õominan
te exerce a sua direção intelectual e moral sobre a
socie-dade:
a direção do desenvolvimento histórico perten-ce às forças privadas,
ã
sociedade civil, que é também "Estado", aliás, o próprio Estado. 26Maria Antonietta Macciocchi nos dá uma imagem bastan
te impressionante do que seria a sociedade civil em Grams
ci enquanto o "terreno", o"lugar" onde se concretiza essa
hegemonia das classes dominantes, que, no plano do
indiví-duoi
envolve o cidadão por todos os lados, integran do-o desde a infância no universo escolar e mais tarde no da Igreja, do exército, da justi ça, da cultura, das diversões e inclusive
do
sindicato, e assim até a morte, sem a menor trégua: essa prisão de mil janelas simboliza o reino de uma hegemonia, cuja força reside me-nos na coerção queno fato de que suas grades são tanto mais eficazes quanto menos visíveis se tornam. 27Segundo Gramsci,
é
na sociedade civil que está essa"prisão de mil janelas" formada pelas organizações,
reprodução das ideologias. Ao formular a igualdade Estado
=
sociedade pOlítica+.
sociedade civil, Grarnsci delimitanesta última o "terreno" sobre o qual se dá a luta pelo ーセ@
der ideológico, onde se exerce a hegemonia das classes
do-minantes sobre o corpo social, mas também onde se disputa
essa hegemonia e se constrói a contra-hegemonia pela luta
hegemônica,como diz Saviani28 •
. セL@ enfim,na sociedade civil que se trava a batalha
entre concepções de mundo' opostas. De um lado, uma
con-cepção dominante, hegemônica, que se apóia e se articula
em uma rede instalada de instituições para se expandir e
se tornar profundamente enraizada no senso comum em que vi
vem mergulhadas as classes subalternas. De outro, uma
con-cepçao que se forma em oposição a esta, que adquire
pro-gressivamente coerência e homogeneidade a partir da
expe-riência política, da elevação cultural e da absorção dos
elementos da "filosofia da práxis" pelas massas operárias,
através de seus intelectuais orgânicos, e que se constitui
como hegemonia para o conjunto das classes subalternas,
conquistando mesmo a aliança e a adesão de elementos oriun
dos das classes dominantes e de intelectuais tradicionais.
Portanto, 2 possibilidade de fragmentar a
po-tência hegemônica do Estado burguês passa pela conquista
da Mセエウッ」ゥ・、。、・@ civil" no campo superestrutural, graças a
..
aliança com forças até então submetidas
ã
dominação 「オイァオセ@sa, aliança essa fundada em sua adesão ideológica a um ーイセ@